segunda-feira, 1 de maio de 2017

HERANÇA -DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS

HERANÇA - DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS - Código Civil - Artigos 1897 a 1911
Professor Jorge Ferreira da Silva Filho
www.jorgeferreirablog.blogspot
Atualizada em 04/05/2017


1. INTRODUÇÃO AO TEMA. O testamento tem por função expressar, por escrito, as vontades do testador. Essas são as disposições testamentárias, também denominadas "deixas" ou cláusulas testamentárias. As palavras "grafadas ou pronunciadas" pelo testador devem comunicar uma ideia de vontade, ou seja, de que algo se realize para depois de sua morte. As cláusulas testamentárias normalmente são de conteúdo patrimonial (nomeação de herdeiros e legatários), mas pode conter declarações não patrimoniais. O legislador objetiva nos artigos em epígrafe determinar regras jurídicas proibitivas, permissivas e interpretativas sobre as disposições. Perspectiva o "conteúdo interno ou intrínseco dos testamentos" (VELOSO, 11).

2. AS MODALIDADES PERMITIDAS PARA AS DISPOSIÇÕES. Nos termos do artigo 1897, a disposição que nomeia herdeiro ou legatário pode ser: pura e simples; sob condição (suspensiva ou resolutiva); para certo fim ou modo; por certo motivo. São os elementos acidentais do negócio jurídico (CC 121 a 137) estendidos às cláusulas testamentárias. 

3. INAPLICABILIDADE DOS ELEMENTOS ACIDENTAIS AO TESTAMENTO. O testamento, como ato jurídico unilateral, personalíssimo, solene, gratuito e revogável, aperfeiçoa-se quando  observados os requisitos essenciais para sua validade (forma escrita e solenidade). Visto pelo  seu exterior,  o testamento não comporta elementos acidentais. A eficácia de um testamento válido não se subordina ao implemento de evento futuro, certo ou incerto, ou verificação dos motivos do disponente. Exemplo: não terá valor nenhum  a manifestação do testador no sentido de que "seu testamento só terá efeito se ele morrer no mesmo ano em que testou" (VELOSO, 12). 

4. A DISPOSIÇÃO PURA E SIMPLES. Diz-se pura e simples a nomeação de sucessor que produz efeitos plenos desde a morte do testador. O sucessor não fica submetido a qualquer condição , modo (encargo) ou termo para a verificação do seu direito. Se a disposição for cotumeliosa, isto é, "sob crítica severa, injúria ou impropério", ela subsistirá na qualidade de pura e simples (DIAS, 398; PEREIRA, 174).

5. DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS SUBMETIDAS À CONDIÇÃO.  A condição é elemento acidental ao negócio jurídico e tem sua definição no artigo 121 do CC. Ela subordina o efeito jurídico da disposição testamentária ao implemento de evento futuro e incerto. Pode a condição ser dilatória (suspensiva) ou ainda extintiva (resolutiva) do direito descrito na deixa. Importante salientar que a condição imposta deve observar a liceidade e a possibilidade natural e fática). O ato mortis causa (a vontade do testador) não é maculado quando está submetido a uma condição cujo evento é ilícito ou impossível. A impossibilidade e a iliceidade referenciadas são consideradas como não escritas pela doutrina. A disposição é vista então como pura e simples (PEREIRA, 175). Saliento que o artigo 123 do CC, incisos I e III, diz que o negócio jurídico, submetido à condição, cujo evento é ilícito ou impossível, é nulo, independentemente de ser ato intervivos ou para efeitos pós-morte do testador (VELOSO, 13 e 14).  

6. A CONDIÇÃO RESOLUTIVA. Herdeiros e legatários podem ser nomeados mediante disposição submetida à condição resolutiva. Aberta a sucessão o direito do nomeado está constituído. A perda do direito ocorrerá se, no futuro, implementar-se o evento determinado no enunciado da disposição (CC 128). Tenha-se presente que o artigo 1359 do CC aplica-se ao direito sucessório. Isso significa que resolvida a propriedade, resolve-se também os direitos reais conexos a essa. Não tem  o proprietário anterior o dever de restituir os frutos e rendimentos percebidos entre a morte do testador e o implemento da condição resolutiva. 

7. EFEITOS DA CONDIÇÃO SUSPENSIVA. A vontade do testador somente terá eficácia a partir do momento em que o evento futuro e incerto, descrito, em hipótese, na disposição testamentária,  acontecer. É com o implemento da condição que surge o direito do sucessor nomeado, retroagindo este ao momento da abertura da sucessão. Bem é dizer que a morte do beneficiário, antes de verificada a condição, implica na extinção do direito do herdeiro ou legatário, por força do artigo 1829 do CC. Isso não acontece com atos intervivos condicionais ( DIAS, 399; VELOSO, 14). 

8. AS CONDITIONES JURIS APOSTAS ÀS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS. Se a condição aposta a uma disposição testamentária descreve um evento futuro e incerto que já integra uma figura jurídica, ter-se-á abundância, ociosidade ou desnecessidade. Desnecessário o testador escrever, por exemplo, que CHICO somente será seu herdeiro se ele aceitar a herança deixada (VELOSO, 13). No aspecto técnico-jurídico, isso não configura uma condição, mas uma conditio juris. A disposição é pura e simples e a condição considerada como não escrita. 

9. DISPOSIÇÕES ACRESCIDAS COM MODO OU ENCARGO. Como visto, a disposição testamentária pode ser criada "para certo fim ou modo". Isso significa que a herança ou o legado do beneficiário virá acompanhada de uma obrigação, denominada modo ou encargo.  O art. 136 do CC tem dicção clara e afirma que o encargo "não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva". Não há como admitir que o testador fixe encargos atingindo a legítima do herdeiros necessários. Os bens da legítima são intangíveis. Apenas são alcançados pelos gravames legais (incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade), desde que haja motivo justo.   


10. EFEITOS DA INEXECUÇÃO DO ENCARGO. A inexecução do encargo, depois da morte do testador, não tem o condão de tornar a disposição ineficaz. Via de regra, o beneficiado continua com seu direito de herdeiro ou legatário (CAHALI, 329). O posicionamento retro não é pacífico. Flávio Tartuce, José Fernando Simão, Orlando Gomes e Caio Mário da Silva Pereira esposam a teoria de que a inexecução da obrigação modal não implica a resolução do direito transmitido. Pontes de Miranda, Zeno Veloso, Sílvio Rodrigues e Carlos Maximiliano, dentre outros, defendem a revogalibilidade da liberalidade do testador, quando inexecutado o encargo. Para estes, o ônus modal não é mero conselho ou simples recomendação (nuda praecepta), mas parte integrante da vontade do testador   (VELOSO, 15).   Cumpre destacar que o interessado no cumprimento do encargo pode exigir do beneficiado com a liberalidade a prestação da caução muciana (garantia real ou pessoal). A garantia será invocada quando o encargo não for cumprido (CAHALI, 329). 

11. A CLÁUSULA TESTAMENTÁRIA MOTIVADA. O testador não está obrigado a justificar ou expor no testamento o motivo pelo qual nomeou alguém como herdeiro ou legatário. Dispensável dizer que o fez por gratidão, por amor ou qualquer motivo razão psicológica. É possível, porém que o testador queira expressar no testamento, por exemplo, que nomeou alguém como herdeiro porque ficou sabendo que ele é um grande pesquisador de doenças ou simplesmente porque o beneficiário tenha prestado socorro a um parente (VELOSO, 15).  Diz-se que tal disposição é acrescida de motivo ou criada "por certa causa". Na disposição modal há um vínculo genitivo com o passado (CAHALI, 230). A causa pode ser: eficiente ou impulsiva;  final ou determinante.  A primeira produz efeitos independentemente da qualidade da causa -certa ou errada; defeituosa etc.). No segundo caso, a causa "viciará o ato se for falsa ou inadequada à pessoa do herdeiro ou do legatário" (PEREIRA, 178). 

12. A APOSIÇÃO DE TERMO NA DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA. Como regra geral, a disposição testamentária não admite o instituto denominado "termo", em decorrência do enunciado do artigo 1.898 do CC. Termo é o que subordina os efeitos do ato jurídico ao implemento de evento futuro e certo (CC 131 a 135). Não se pode nomear herdeiro, a partir de certo tempo ou até certo tempo. Em outras palavras, são vedadas as nomeações  ex die e ad diem (VELOSO, 17). A exceção à regra refere-se à possibilidade de a disposição testamentária instituir o fideicomisso. Este é o instituto delineado no art. 1951 do CC. Caso em que, o fideicomissário, receberá sua herança depois que o fiduciário falecer, ou a certo tempo determinado no testamento. O termo inicial suspende o direito, ao passo que o termo final, quando atingido, extingue o direito. Portanto, o termo inicial é suspensivo e o termo final é resolutivo. Cuidado especial deve ter o aluno quanto às deixas que se referem aos legados. Elas acolhem a aposição de termo, haja vista que a proibição contida no artigo 1898 do CC alcança apenas o herdeiro. 


13. A INTERPRETAÇÃO DA VONTADE DO TESTADOR. A lei, os enunciados dos contratos e declarações unilaterais de vontade e as disposições de vontade nada mais são que comunicações de vontade. São elaboradas por alguém (o emissor), que emprega palavras para transmitir uma mensagem. O conteúdo da mensagem precisa ser decodificado, ou seja, entendido por quem a recebe. Por isso, não é exagerado dizer que qualquer comunicação, para surtir algum efeito, deve ser interpretada pelo destinatário. Hodiernamente, a maioria admite que a lei deve ser continuamente interpretada. Partindo do pressuposto de que os testadores postam-se como legisladores (dicat testator et erit lex ), as disposições que escreveram no testamento devem ser submetidas à interpretação, para que os efeitos da vontade expressa aproximem-se daqueles oriundos da vontade pensada. O Código Civil desenha no artigo 1.899 a regra de interpretação norteadora: havendo possibilidade de o enunciado da disposição gerar interpretações diferentes, "prevalecerá a que melhor assegura a observância da vontade do testador". Outros dispositivos são indiretamente regras hermenêuticas, tais como, dentre outros,  os artigos 1902, 1904,1905 1906 1907 e 1920 do CC. A interpretação científica demanda conhecer as circunstâncias presentes no momento da elaboração do testamento,  o estado de saúde, o domínio da língua empregada no testamento, o nível cultural do testador, seu grau de inteligência, formação intelectual, posicionamento político etc. 


14. AS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS NULAS. O Código Civil, pelo artigo 1.900, determina os casos de nulidade absoluta de disposições testamentárias.  Em seguida, no artigo 1.901, o legislador cria exceções a duas das regras de nulidade elencadas no art. 1.900 do CC. Impende destacar também que a nulidade de uma cláusula não implica nulidade do testamento, porém, pode existir o efeito arrastão, uma disposição nula implicar a nulidade de outras, como determina o artigo 1.910 do CC. Isso significa que a ineficácia de uma deixa implica "a das outras que, sem aquela, não teriam sido determinadas pelo testador". 


15. A CONDIÇÃO CAPTATÓRIA COMO FATO GERADOR DA NULIDADE. Previsto no inciso I do art. 1.900 do CC, a condição captatória provoca a nulidade da disposição que a contenha. Dá-se a condição captatória quando o testador nomeou sucessor, sob a condição de este também criar um testamento "em benefício do testador ou de terceiro" (VELOSO, 25). Muito cuidado deve ser tomado para identificar claramente a condição captatória. Não basta identificar que X é sucessor nomeado por Y e, por sua vez Y é sucessor nomeado por X. Há de se apurar o dolo, a intenção fraudulenta, a contrapartida captada, ou seja, a declaração que não nasceu da vontade livre do testador. A disposição  deve ser ato personalíssimo, sem caráter negocial. A captação assemelha-se ao pacto sucessório, vedado no artigo 426 do Código Civil. Como se depreende, não configura condição captatória assim dispor: Tomei conhecimento de que Fernando nomeou-me seu herdeiro. Eu quero então nomeá-lo, também, meu sucessor. É reciprocidade por gratidão plenamente válida. Como acentua  Zeno Veloso: uma mão lava a outra. É preciso insistir também que só existe nulidade quando um dos testamentos for condição suspensiva do outro, isto é, fato futuro e incerto de que dependa a eficácia da disposição testamentária" (LEITE, 461). Exemplo: Nomeio José meu herdeiro se for constatado que, no testamento que ele fizer eu for nomeado seu herdeiro. 


16. A NULIDADE DAS DISPOSIÇÕES RELATIVAS À PESSOA INCERTA. Não sendo possível determinar a identidade da pessoa nomeada pelo testador, a disposição será nula (CC 1900, II). A incerteza deve ser plena, absoluta ou incontornável. Dessa feita, exemplifico que é valida a disposição do testador que determina entregar Dez mil reais, para o aluno que for classificado em primeiro lugar no curso de direito da FADIPA, da primeira turma que se formar depois de sua morte. De outra banda, a nomeação da sobrinha Patrícia como herdeira, constatando-se que o testador tinha mais duas sobrinhas com nome Patrícia, somente será nula se ineficaz for o esforço hermenêutico empreendido para identificar qual Patrícia o disponente quis se referir. Consectário do artigo 1889 do CC. 


17. A NULIDADE DAS DISPOSIÇÕES SOBRE PESSOAS QUE SERÃO NOMEADAS POR TERCEIROS. Nula é a disposição na qual o testador deseja que seu herdeiro ou legatário seja nomeado por um terceiro (CC 1900, III). Entretanto, se o terceiro estiver obrigado pelo testamento a nomear pessoas integrantes de um conjunto determinado pelo testador, a disposição será válida. Trata-se da exceção aberta no artigo 1901, I do CC. 



18. A NULIDADE DAS DISPOSIÇÕES SOBRE PESSOAS QUE SERÃO NOMEADAS POR TERCEIROS. Nula é a disposição na qual o testador manifesta que deseja que um terceiro faça a nomeação de herdeiro ou legatário (CC 1900, III). Entretanto, se o terceiro estiver obrigado pelo testamento a nomear pessoas integrantes de um conjunto determinado pelo testador, a disposição será válida. Trata-se da exceção prevista no art. 1901, I do CC. Exemplificando: A disposição que enuncia “deixo 5% da minha herança para quem minha tia Luíza nomear” é nula. Porém, é válida a deixa “ deixo 5% da minha herança para qualquer um dos meus sobrinhos, cabendo à tia Luíza escolhe-lo”. A doutrina observa que não há regra legal para o caso de o terceiro falecer antes de proceder com a escolha. Zeno Veloso recomenda que se aplique a analogia, socorrendo-se no artigo 1.930 do CC (VELOSO, 28).

19. NULIDADE DA FIXAÇÃO DO VALOR DO LEGADO POR HERDEIRO OU TERCEIRO (CC 1900, IV). Como afirmado acima o testamento é ato personalíssimo, significando isso que somente a vontade do testador deva prevalecer numa disposição testamentária. Deixar que terceira pessoa, ou pior ainda um herdeiro, possa fixar o valor de um legado, exceto por serviços prestados na forma do inciso II do artigo 1901 do CC, é permitir que a vontade de pessoa diversa do testador permeie a disposição; o ato não seria personalíssimo.

20. NULIDADE DA DISPOSIÇÃO QUE FAVOREÇA QUEM ESTÁ VEDADO À NOMEAÇÃO (CC 1900, V). O legislador foi rigoroso ao vedar que as pessoas elencadas no artigo 1801 do CC possam ser nomeadas sucessoras em testamento. O artigo 1802 impõe a nulidade à nomeação e estende o efeito até às pessoas interpostas em negócios jurídicos que visam fraudar a lei. A doutrina critica a redação do inciso V, pois a nulidade da nomeação implica logicamente a nulidade do favorecimento (LEITE, 466; VELOSO, 27).

21. DA DISPOSIÇÃO “AD PIAS CAUSAS”.  Enuncia o art. 1902 do CC: “A disposição geral em favor dos pobres, dos estabelecimentos particulares de caridade, ou dos de assistência pública, entender-se-á relativa aos pobres do lugar do domicílio do testador ao tempo de sua morte, ou dos estabelecimentos aí sitos, salvo se manifestamente constar que tinha em mente beneficiar os de outra localidade”. A regra tem natureza interpretativa; estabelece uma presunção. Em sendo lacunosa a disposição do testador, por não ter individualizado os pobres ou as entidades pias, o local do domicílio do testador será o determinante para determinar o beneficiário. Há também a regra legislativa da preferência às entidades particulares quando disputarem com entidades públicas o benefício da disposição, assim dizendo o Parágrafo único do art. 1902: “Nos casos deste artigo, as instituições particulares preferirão sempre às públicas”. Interessante observar que disposições semelhantes são encontradas no Bürgerliches Gesetzbuch e no código civil de vários outros países, como Portugal, Itália, Espanha, Argentina e  Chile.  

22. O TRATAMENTO DA DISPOSIÇÃO CONTENDO ERRO NA DESIGNAÇÃO DE PESSOA OU OBJETO. Os atos jurídicos podem nascer contaminados com defeitos (erro, dolo, coação etc.). O erro (CC 138 a 144) é um dos defeitos que, em regra, torna anulável a disposição testamentária, pois assim determina o artigo 1.909 do CC. No caso de o erro residir na designação do herdeiro ou do legatário, e ainda na coisa legada, tais fatos anulam a disposição (CC 1903). Porém, na segunda parte do artigo retro, o legislador abre a possibilidade de o julgador “identificar a pessoa ou coisa a que testador queria referir-se”.


23. AS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIA ANULÁVEIS. O erro, o dolo e a coação podem inquinar a disposição. Se isso ocorrer, não sendo o caso previsto na primeira parte do artigo 1903 do CC, ela será anulável. O interessado tem o prazo decadencial de quatro anos para mover a ação anulatória (CC 1.909, caput e p.u.). O início da contagem do prazo é o do momento do conhecimento do vício. Doutrinadores defendem que o melhor seria contar o prazo a partir da abertura da sucessão (CAHALI, 327; VELOSO, 32).  


24. A DESIGNAÇÃO PLURAL DE HERDEIROS. Quando o legislador nomear dois ou mais herdeiros sem determinar a parte de cada um, então, se aplica o princípio da igualdade, partilhando-se por igual o bem deixado pelo testador (CC 1904). Não havendo herdeiros necessários e outros herdeiros forem nomeados para a totalidade da herança, aplica-se o mesmo princípio retro (VELOSO, 30).


25. NOMEAÇÕES INDIVIDUAIS E COLETIVAS. O artigo 1905 do CC trata da hipótese de o testador ter nomeado “certos herdeiros individualmente e outros coletivamente”. Diz-se que a nomeação é mista. Os nomeados coletivamente recebem como aqueles que o fazem por estirpe. O grupo recebe como se fosse um herdeiro fictício, dividindo-se a deixa entre os integrantes do grupo. Transcreve-se: Art. 1.905. Se o testador nomear certos herdeiros individualmente e outros coletivamente, a herança será dividida em tantas quotas quantos forem os indivíduos e os grupos designados. Exemplo: se o testador dispor que sua herança caberá à Paula, Maria, Fernanda e aos filhos de Jésus, os filhos deste repartirão ¼ da herança.


26. O ACOLHIMENTO DO PRINCÍPIO “EXCEPTA RES CERTA". CC 1908. O herdeiro testamentário, no momento de fazer o esboço da partilha, pode ficar excluído em relação à transmissão de “certo e determinado objeto”. Por vontade do testador, nosso direito acolhe que ao herdeiro nomeado não se possa transferir determinado bem. Essa parte excluída retorna para ser dividida entre os herdeiros necessários. Transcreve-se: Art. 1.908. Dispondo o testador que não caiba ao herdeiro instituído certo e determinado objeto, dentre os da herança, tocará ele aos herdeiros legítimos.


27. INEFICÁCIA EM CADEIA. Nossa lei acolheu o brocardo jurídico utile per inutile non vitiatur, estampado no artigo 184 do Código Civil. Em regra, aproveita-se a parte válida de um negócio jurídico. O artigo 1910 do CC trata do caso  do não aproveitamento de disposições que são consectárias de outra disposição inválida ou ineficaz. Transcreve-se:  Art. 1.910. A ineficácia de uma disposição testamentária importa a das outras que, sem aquela, não teriam sido determinadas pelo testador. A regra interpretativa, então, é: a ineficácia de uma disposição fulmina a outra que é sua consequência ou dela dependente. (LEITE, 491).


28. A DISPOSIÇÃO QUE INSTITUI A INALIENABILIDADE A EXTENSÃO DO GRAVAME AOS BENS SUBROGADOS. O artigo 1848 do CC, inovando em relação ao CC/16, somente mediante declaração de justa causa, permite que se estabeleça sobre os bens da legítima as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. No campo das disposições testamentárias, o legislador também autoriza que o testador aponha a restrição de inalienabilidade aos bens objeto da liberalidade. Expressamente, o artigo 1911, caput, não exige a declaração da causa justa para a fixação do gravame sobre bens deixados para herdeiros testamentários ou legatários. Doutrinadores afirmam que não é necessário justificar a restrição de inalienabilidade aos bens determinados em testamento, seja herança ou legado (CAHALI, 33; DIAS 290; VELOSO, 33). A inalienabilidade implica a incomunicabilidade e a impenhorabilidade (CC 1911, caput). Oportuno acentuar que o artigo 833, I do CPC determina que é absolutamente impenhorável o bem declarado, por ato voluntário, que ele não está sujeito à execução. Sem dúvida, um prejuízo ao direito do credor do sucessor testamentário. Impende ainda dizer que, apesar de um bem ser inalienável por vontade do testador, sua alienação é possível por meio da autorização judicial (CC 1911, p.u.) 

REFERÊNCIAS
CAHALI, Francisco José. Direito das sucessões. 5. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2014.
DIAS,  Maria Berenice. Manual das sucessões. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código civil. v. XXI. Rio de janeiro, Forense, 2003.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. VI.  11. ed. 1996. 
VELOSO, Zeno. REVISTA IBDFAM. V. 17. Belo Horizonte: Ibdfam, 2016, 


sábado, 26 de novembro de 2016


BEM DE FAMÍLIA – NOTAS DIDÁTICAS – Jorge Ferreira da Silva Filho.
Atualização 11/12/2016

PRINCIPAIS INSTRUMENTOS NORMATIVOS

 Código Civil – Artigos 1711 1722.
  Lei 8.009/90
tópicos

INTRODUÇÃO. No Século XIX, no Estado do Texas (USA), surgiu uma lei que objetivou proteger a pequena propriedade rural contra a penhora em execução por dívida. No Brasil não foi diferente. A pequena propriedade rural foi amparada (CF 5º, XXVI). O direito à moradia ganhou status constitucional (CF 6º). Caminhou-se no sentido de impedir que em muitos casos o imóvel do devedor, utilizado para moradia de sua família, fosse penhorado e levado ao leilão. Essa ideia básica aportou no direito brasileiro por meio de dois instrumentos: o Código Civil; a Lei 8009/90. No primeiro, temos as disposições sobre o bem de família instituído pela vontade das partes. No segundo instrumento, o bem de família decorre de simples tutela legal sem necessidade de qualquer ato pelos beneficiados. A regra geral é: Bem de família não se penhora para pagar dívidas do seu proprietário. 

ESPÉCIES DE BEM DE FAMÍLIA. São duas as espécies, ou categorias: o bem de família legal; bem de família voluntário, ou convencional.

O BEM DE FAMÍLIA LEGAL. O então presidente José Sarney, em 1990, criou a Medida Provisória 143, posteriormente convertida na Lei 8009/90, instrumento promulgado pelo Senador Nelson Carneiro. Essa norma passou a proteger a família, no tocante a não permitir que o imóvel usado como lar fosse levado à praça para pagar dívidas. O texto legal é didático e direto.
Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.
Art. 2º Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.

A INSTITUIÇÃO FÁTICA DO BEM DE FAMÍLIA LEGAL.  A entidade familiar goza da proteção legal sem a necessidade de praticar qualquer ato jurídico formal para instituir o bem de família. Basta que um dos imóveis de propriedade de um dos entes da família seja utilizado como residência dessa.  

A LOCAÇÃO DE IMÓVEL ÚNICO DA FAMÍLIA NÃO DESCARACTERIZA A PROTEÇÃO LEGAL. Embora diga a lei que o imóvel objeto da tutela é o residencial, no caso de a família ter apenas um imóvel e ceder seu uso e gozo em locação,  esse fato não afasta a impenhorabilidade, desde que comprovado que a renda “destina-se à subsistência da família” (Cf. REsp 439.920-SP, rel. Min. Castro Filho, 3ª Turma, julgado em 9/12/2003).

PROTEÇÃO AOS BENS MÓVEIS DE DEVEDOR QUE RESIDE EM IMÓVEL LOCADO. Quem não tem imóvel próprio e reside em imóvel alugado goza de proteção contra a penhora de seus bens móveis. Diz a Lei 8.009/90, Art. 2º, Parágrafo único;  caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o disposto neste artigo.

AÇÕES DE EXECUÇÃO QUE CONSEGUEM  PENHORAR O BEM DE FAMÍLIA.  Trataremos, agora, das exceções à proteção dada pela lei quanto à impenhorabilidade do bem de família. O Art. 3º da Lei 8.009/90 tinha a seguinte redação: “A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III -- pelo credor de pensão alimentícia; IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)”.
O Inciso I foi revogado pela LC 150/2015 e o inciso III teve sua redação modificada pela Lei 13.144/2015. 
O inciso III, agora enuncia: “pelo credor de pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida”.
OBSERVAÇÕES SOBRE A REVOGAÇÃO DO Inciso I do art. 3º da Lei 8.009/90.  A Lei Complementar 150 /2015, via art. 46, revogou o inciso I do artigo 3º, da Lei Sarney. Com isso, um empregado doméstico não mais poderá penhorar o imóvel do seu anterior patrão, no qual prestara serviço.  Nos motivos apresentados pelo Senador Candido Vacarezza, para justificara a revogação, encontra-se: “Ainda, atentando à ocorrência de possível inquidade na execução trabalhista, retiramos a possibilidade de que a penhora dos valores referentes à execução de Reclamação Trabalhista de autoria de empregado doméstico venha a recair sobre bem de família, hipótese que sempre consideramos injusta e cuja retirada contribuirá para a pacificação das relações sociais”.    
 Cf. http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=129645&tp=1

PECULIARIDADES RELATIVAS AO BEM DE FAMÍLIA. Imóvel indivisível usado concomitantemente para fins residencial e empresarial goza da impenhorabilidade integral. Somente a viabilidade do desmembramento implica a penhorabilidade. Imóvel em construção de propriedade do devedor, desde que este não tenha outro imóvel e o esteja construindo para nele residir, goza da impenhorabilidade. O usufrutuário que reside na nua-propriedade está a salvo da penhora. Não se penhoram também o direito de uso e o de habitação previsto no Direito das Coisas. Garagem (espaço no estacionamento de um prédio residencial) lançada com fração ideal de terreno não é abrangida pela proteção do bem de família (DIAS, 596). O STJ caminhou para interpretações mais amplas e já julgou impenhorável, a garagem do apartamento residencial, o freezer, máquinas de lavar, teclado musical, computador, televisor, ar condicionado e antena parabólica (GAGLIANO,  402)

EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO JURÍDICO SOBRE O TEMA. Houve muitas decisões nos tribunais no sentido de que o devedor solteiro, sem filhos, proprietário de imóvel no qual residisse sozinho, não poderia gozar da proteção do bem de família (a impenhorabilidade). As divergências nos tribunais brasileiros foram apaziguada com a edição da Súmula 364 do STJ, pela qual ficou decidido que a impenhorabilidade de bem de família estende-se ao imóvel de pessoas solteiras, viúvas ou separadas. Vigora o princípio da dignidade, ou seja, não se pode jogar alguém na rua para pagar uma dívida (DIAS, 587). Doutrina e Jurisprudência caminharam no sentido de que a família unipessoal (a pessoa que vive só) e a família binuclear (a constituída entre um cônjuge e os filhos do outro, gerados em relacionamentos anteriores) gozam do benefício (Tratado de Direito das Famílias. IBDFAM, 2.015,  p. 688)

FORMAS DE INSTITUIÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO.  Institui-se o bem de família voluntário por duas vias: escritura pública; testamento. A validade da instituição depende do fato de que o valor do bem escolhido não ultrapasse 1/3 do patrimônio do instituidor. Isso implica que apenas famílias com expressivo patrimônio possam valer-se do instituto. Diz a lei (CC 1.711) Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.

PESSOAS AUTORIZADAS A INSTITUIR O BEM DE FAMÍLIA. Nos termos da lei os cônjuges, o representante da entidade familiar e até um terceiro pode instituir um bem de família. Neste caso, os cônjuges devem aceitar expressamente a liberalidade.  Diz a lei: CC 1.711 - Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.

CONTEÚDO DO BEM DE FAMÍLIA. Quando se pensa em bem de família a primeira ideia que nos vem é a de uma edificação residencial (casa ou apartamento). Entretanto, não são apenas os imóveis que podem ser instituídos como bem de família. Até valores mobiliários podem ser instituídos como bem de família. Enuncia a Lei: CC Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.

LIMITES IMPOSTOS AOS VALORES MOBILIÁRIOS VINCULADOS À INSITUIÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA.  Art. 1.713. Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição. § 1o Deverão os valores mobiliários ser devidamente individualizados no instrumento de instituição do bem de família. § 2o Se se tratar de títulos nominativos, a sua instituição como bem de família deverá constar dos respectivos livros de registro. § 3o O instituidor poderá determinar que a administração dos valores mobiliários seja confiada a instituição financeira, bem como disciplinar a forma de pagamento da respectiva renda aos beneficiários, caso em que a responsabilidade dos administradores obedecerá às regras do contrato de depósito.

O REQUISITO DA INSCRIÇAO NO REGISTRO DE IMÓVEIS. Não basta do título para que se constitua eleve certo bem à categoria de bem de família. É ainda necessária a sua inscrição no Serviço registral. Art. 1.714. O bem de família, quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis.

O BEM DE FAMÍLIA PODE SER PENHORADO EM EXECUÇÃO DE DÍVIDA DE IPTU OU DESPESAS DE CONDOMÍNIO. Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio. Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz.

DURAÇÃO DA PROTEÇÃO CONTRA PENHORA POR DÍVIDAS. Art. 1.716. A isenção de que trata o artigo antecedente durará enquanto viver um dos cônjuges, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade. 1720 Parágrafo único. Com o falecimento de ambos os cônjuges, a administração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário, a seu tutor.

O BEM DE FAMÍLIA SOBREVIVE À SOCIEDADE CONJUGAL. Via de regra, a dissolução da sociedade conjugal pelo divórcio não implica a extinção de bem de família: CC Art. 1.721. A dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família. Se a dissolução decorrer da morte de um dos cônjuges, nasce a opção de o cônjuge sobrevivente pedir sua extinção, nos termos do art.

PROIBIÇÃO DE DAR DESTINO DIVERSO À FINALIDADE DO BEM DE FAMÍLIA.  Art. 1.717. O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter destino diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público. Art. 1.718. Qualquer forma de liquidação da entidade administradora, a que se refere o § 3o do art. 1.713, não atingirá os valores a ela confiados, ordenando o juiz a sua transferência para outra instituição semelhante, obedecendo-se, no caso de falência, ao disposto sobre pedido de restituição.

EFEITOS DA IMPOSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA. Art. 1.719. Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público.

O RESPONSÁVEL PELA ADMINISTRAÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA. Marido e mulher, companheiro e companheira são responsáveis concomitantemente pela administração do bem de família. CC  1.720. Salvo disposição em contrário do ato de instituição, a administração do bem de família compete a ambos os cônjuges, resolvendo o juiz em caso de divergência.

FORMAS DE EXTINÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA. CC. Como afirmado a dissolução da sociedade conjugal pelo divórcio não extingue o bem de família, mas se a extinção decorrer da morte de um dos cônjuges abre-se essa possibilidade, desde que nos termos da lei: CC 1720. Parágrafo único. Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for o único bem do casal. Art. 1.722. Extingue-se, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela.
REFERÊNCIAS

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 10. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: direito de família. Vol. 6. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
Exercícios de fixação



1) O bem de família voluntário é um instituto criado para fins de proteção à entidade familiar, no tocante à moradia. Podem instituí-los: a) os cônjuges, desde que respeitado o limite de 2/3 do patrimônio; b) o terceiro, por testamento, desde que haja anuência expressa da entidade familiar; c) o chefe da família monoparental; d) um rapaz solteiro, proprietário de dois apartamentos.
2) Sobre o bem de família, não se pode dizer que: a) a garagem de um apartamento, que se constituiu em bem de família, é também bem de família. b) o usufrutuário de bem imóvel no qual ele reside com sua família é impenhorável. c) o direito de habitação é impenhorável. d) O direito de uso, previsto no Livro do direito das coisas, é impenhorável.

PODER FAMILIAR - LEI DA PALMADA


PODER FAMILIAR – LEI DA PALMADA:  NOTAS DIDÁTICAS
Professor: Jorge Ferreira da Silva Filho: http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br
Atualização:


 INTRODUÇÃO. Sob a rubrica “Do Pátrio Poder”, o CC 16 (art. 380) dizia que: os filhos menores estavam sujeitos ao pátrio poder; durante o casamento o pátrio poder competia “ao pais, exercendo-o o marido com a colaboração da mulher”. Caso divergissem, prevaleceria “a decisão do pai” (art. 380, p.u.). Com a igualdade entre marido a mulher, a expressão “pátrio poder” foi abolida e substituída pelo conceito de “poder familiar”. Trata-se de um poder-dever sobre os filhos menores que é exercido em conjunto pelo pai e pela mãe sem que haja prevalência da vontade de nenhum deles. Caso haja divergência no exercício do poder familiar a questão será judicialmente dirimida. Nesse sentido, tem-se: Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores. Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade. Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.  Historicamente, o pátrio-poder tem origem nos conceitos de patria postestas e paterfamilias, “poder quase absoluto...sobre os que dele dependem”. O poder do pai sobre o filho era idêntico ao exercido sobre o escravo. Permitida a rejeição do recém-nascido e venda do filho como escravo, desde que além do Tibre (J. Cretella Jr. Curso de Direito Romano, p. 112)

OS PAIS TÊM O DIREITO À COMPANHIA DOS FILHOS INDEPENDENTEMENTE DO ESTADO CIVIL.  Não se deve confundir guarda com a companhia. Esta implica a convivência (estar junto com). Aquela é mais ampla, pois exige o comportamento de custódia do filho (proteção, orientação, disciplinamento). Pai e mãe, casados ou não, têm o direito à companhia dos filhos. CC Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.

O PAPEL DO TUTOR NA QUESTÃO DO PODER FAMILIAR. Determina o art.  1.633 do CC que: O filho, não reconhecido pelo pai, fica sob poder familiar exclusivo da mãe; se a mãe não for conhecida ou capaz de exercê-lo, dar-se-á tutor ao menor.

FORMAS DE EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR.  Quando sancionado o  CC 2002, o Artigo 1634 repetiu basicamente o art. 384 do CC 16 e enunciara que: Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;  - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

AS MOFICAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 13.058/2014. Em Dezembro de 2014, a Presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei 13.058 que modificou a redação do artigo 1.634 do CC. Agora esse dispositivo enuncia: “Art. 1.634.  Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: I - dirigir-lhes a criação e a educação; II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.” (NR) 

DAS RAZÕES PARA ASSEGURAR AOS PAIS O PODER DISCIPLINAR SOBRE OS FILHOS. Não se pode esquecer que os pais respondem pelos danos causados pelos atos ilícitos praticados por seus filhos menores. Por isso também deve o legislador assegurar aos pais um efetivo poder disciplinar sobre os filhos, o que seria muito difícil sem a guarda, pois esta implica a vigilância (GONÇALVES, 365).

 A LEI DA PALMADA.  A Lei 13.010, de 26/07/2014, altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996.  O Art 18-A enuncia: “A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
Parágrafo único.  Para os fins desta Lei, considera-se: I - castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em: a) sofrimento físico; ou b) lesão; II - tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que: a) humilhe; ou b) ameace gravemente; ou c) ridicularize.
O antigo  Projeto de Lei 7662/2010, pretendia alterar o ECA e introduzir o artigo 17-A, com a seguinte redação: “Art. 17-A. A criança e o adolescente têm o direito de serem educados e cuidados pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar, sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação, ou qualquer outro pretexto.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, considera-se: I - castigo corporal: ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente. II - tratamento cruel ou degradante: conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou o adolescente”.

EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR. São seis os fatos jurídicos que implicam a extinção do poder familiar, pois diz a lei: CC Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar: I - pela morte dos pais ou do filho; II - pela emancipação, nos termos do art. 5o, parágrafo único; III - pela maioridade; IV - pela adoção; V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.

SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR. Compete ao Estado Juiz manter, suspender e até extinguir o poder familiar. Preocupa-se o Estado com a boa formação dos menores. Guarda e companhia não são instituídas em benefício dos pais, mas sim em favor dos menores. Por isso, pode o poder familiar ser suspenso nos termos dos dispositivos que seguem: CC Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.

 NOVO CASAMENTO NÃO RETIRA DOS PAIS O PODER FAMILIAR. O novo casamento ou união de qualquer dos pais divorciados é um gerador de temores, ciúmes e irracionalidades. Para evitar isso o legislador enuncia que a interferência na educação não tem amparo legal. Nesse sentido: Art 1.636. O pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro. Parágrafo único. Igual preceito ao estabelecido neste artigo aplica-se ao pai ou à mãe solteiros que casarem ou estabelecerem união estável.

PERDA DO PODER FAMILIAR. Trata-se de uma modalidade de extinção do poder familiar, pois o art. 1635 enuncia que este se extingue na forma do artigo 1638 do CC, que assim determina:  Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I - castigar imoderadamente o filho; II - deixar o filho em abandono; III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO:

 1º - O poder familiar não está definido no Código Civil, porém sabe-se que o legislador estabeleceu os casos em que esse poder dever pode se extinguir ou suspender. Segundo a lei, extingue-se o poder familiar: A) pela morte de um dos pais ou do filho; B)  - pela emancipação, nos termos do art. 5o, parágrafo único; C)  pela maioridade; D) pela adoção. 2º - Na redação dada ao artigo 1634 do CC, pela Lei 13.058/ pode-se afirmar que: A) Os pais separados podem optar por exercer ou não a guarda dos filhos menores. B) a autorização para o filho menor mudar a residência para outro município, deve ser dada em conjunto pelo pai e mãe, sendo necessária quando o filho tem 19 anos, mas estuda em faculdade paga pelos genitores. C) A desobediência autoriza os pais a aplicarem medidas disciplinares, porém sempre respeitando a regra da proporcionalidade. D) A guarda dos filhos menores é um dever dos pais e não um poder. 

GUARDA COMPARTILHADA E UNILATERAL


GUARDA DE FILHO – COMPARTILHADA e UNILATERAL :  NOTAS DIDÁTICAS
Professor Jorge Ferreira da Silva Filho 
Atualização: novembro 2016

INTRODUÇÃO. Depois de tratar da dissolução da sociedade conjugal (CC 1571 a 1582), sob a rubrica “Da Proteção da Pessoa dos Filhos”, o legislador dispõe sobre as normas jurídicas de proteção aos filhos de pais separados (CC 1583 a 1589). A separação dos pais pode ter origem no divórcio, na separação de corpos, na separação de fato, na invalidade do casamento, na ruptura da convivência em união estável etc.. Durante a convivência, como efeito do casamento ou da união estável, o pai e a mãe têm o dever de guarda (CC 1.566 IV; 1724). A noção jurídica de guarda do menor centra-se na ideia de vigilância, porém acrescidas do dever de orientação, proteção contra os perigos da vida, custódia e responsabilidade, pelo que acontecer ao menor e pelos danos que este causar a si ou a terceiros. A guarda afigura-se um poder-dever dos pais, pois é uma das vertentes do exercício do poder familiar consistente no poder destes de ter os filhos menores “em sua companhia e guarda” (CC 1634, II). Cuida agora o legislador de determinar sobre a forma e as circunstâncias nas quais o pai e a mãe, que não mais convivem, exerceram a guarda do filho menor ou incapaz. Não confundir com a guarda estabelecida no ECA (Lei 8.069/90), que é uma forma de colocação em família substituta (LOBO, 169). 

CATEGORIAS DE GUARDA. Determina o art. 1583 do CC, com a redação dada pela Lei 11.698/2009, que a guarda será unilateral ou compartilhada. Os alunos e até autores de novelas da rede Globo confundem guarda compartilhada com guarda alternada. Esta, sequer está referida na lei. O legislador estabelece as diferenças entre essas categorias de guarda de forma não muito clara. Com a nova  Lei 13.058 de dezembro de 2014, merecem ser pontuadas algumas comparações, conforme segue:

ELEMENTOS CARACTERIZADORES DAS GUARDAS UNILATERAL E COMPARTILHADA. Estão presentes no § 1º do artigo 1.583, do CC, que enuncia:  “Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns” (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

O LEGISLADOR REVOGOU O DISPOSITIVO QUE ORIENTAVA A DECISÃO SOBRE QUEM FICARIA COM A GUARDA DOS FILHOS. Dispunha o art. 1593 que A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: ... Esse dispositivo foi revogado e sua nova redação declara que o objetivo do legislador, na guarda compartilhada, é que o tempo de convívio do filho com seus genitores seja distribuído no interesse daquele, pois assim dispõe a lei: § 2º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.     (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014).

UMA NOÇÃO JURISPRUDENCIAL DA GUARDA COMPARTILHADA. No acórdão do  REsp 1.251.000-MG (2011/0084897-5), a  Ministra Nancy Andrighi, assim se pronunciou sobre a guarda compartilhada: “A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial”;  “A custódia física conjunta é o ideal a ser buscado na fixação da guarda compartilhada, porque sua implementação quebra a monoparentalidade na criação dos filhos, fato corriqueiro na guarda unilateral, que é substituída  pela implementação de condições propícias à continuidade da existência de fontes bifrontais de exercício do Poder Familiar”; “A guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física conjunta – sempre que possível – como sua efetiva expressão”.

O IMPORTANTE CONCEITO DE BASE DE MORADIA DO FILHO. Agora, não há mais dúvida sobre o fato de que, com a guarda compartilhada, o filho não tem dois lares, pois assim determinou o legislador: Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.     (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014). Explica a promotora de justiça Celeste Leite dos Santos: “O compartilhamento de responsabilidades não implica na alternância de residências, uma vez que tal modalidade acarretaria a universalização da guarda alternada que sequer encontra previsão em nosso ordenamento jurídico. Nesse sentido, deve ser fixada a residência do menor (moradia), ou seja, o local onde ele desenvolverá suas atividades diárias, pois se trata de núcleo essencial à formação de sua identidade e desenvolvimento sadio”.

O NOVO DIREITO DE EXIGIR INFORMAÇÕES SOBRE O FILHO SOB GUARDA DO OUTRO GENITOR. Reza a lei que: § 5º  A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.     (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014).

GUARDA DE FILHO À MÃE ADÚLTERA. Perfeitamente possível, haja vista que os critérios legais para deferimento da guarda unilateral (exclusiva) circunscrevem-se sobre a existência precípua do afeto. Este tipo de relação entre o menor e o guardião é considerado elemento estruturante da personalidade do menor, fato que poderá lhe conferir segurança psíquica e melhor preparo para a vida, pondo-se, em segundo plano, questões relacionadas com a capacidade financeira do genitor. Tornou-se emblemática a decisão da Corte do Estado da Pensilvânia, em 1813, que atribuiu à mãe adúltera a guarda do filho, sob justificativa de que dessa forma melhor se atenderia o interesse da criança (LÔBO, 172).

DIFERENÇA ENTRE GUARDA E VISITA. A visita é o acontecimento que gera concretamente a interação (companhia) entre o genitor que não tem a guarda e o filho (CC 1.589). A visita é obrigatória. O guardião é devedor da obrigação de fazer – entregar o filho nos dias de visita. Criando obstáculos, o guardião sujeita-se à multa (astreinte), por descumprimento de obrigação (CPC 416 §§ 4º e 6º), devendo o juiz estabelece-la (REsp 701.872/DF; j. 12.12.2005). O devedor da obrigação de visitar o filho sujeita-se também à multa. Se o adolescente recusar-se a encontrar com o genitor durante a visita, o juiz deve disponibilizar um psicólogo para acompanhar e mediar o ato (DIAS, 447).

VIAS POSSÍVEIS PARA PROVOCAR A DECISÃO SOBRE A GUARDA DE FILHO. Seja unilateral ou compartilhada, a guarda se implementará por sentença judicial. Esta poderá ser homologatória de uma consenso razoável entre os genitores ou decretada pelo Juiz quando perceber que a forma desenhada pelos genitores não atende às particularidades do filho, conforme se extrai do seguinte enunciado: Art. 1.584.  A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:    (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008) I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;        (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008) II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.      (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

O JUIZ DEVE ESCLARECER AOS PAIS COMO FUNCIONA A GUARDA COMPARTILHADA. § 1o  Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.      (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

A IMPOSIÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA. Com a nova lei, abriu-se a possibilidade de o Juiz impor aos pais o exercício da guarda compartilhada: CC 1584 § 2º:  Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.     (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014).

A INTERVENÇÃO DA EQUIPE INTERDISCIPLINAR: CC 1584 § 3o  Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.     (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

AS SANÇÕES PARA O GENITOR QUE DESCUMPRIR AS REGRAS DA GUARDA. CC 1584 § 4o  A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor.     (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

A GUARDA PODE SER DADA A PESSOA DIVERSA DO PAI OU DA MÃE. CC 1584 § 5o  Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.     (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

O DEVER DE O ESTABELECIMENTO EDUCACIONAL PRESTAR INFORMAÇÕES AOS PAIS SOBRE ASPECTOS RELACIONADOS AO FILHO EDUCANDO. CC 1584 § 6o  Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação.     (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)

A GARANTIA DO CONTRADITÓRIO ANTES DE DECISÃO SOBRE A GUARDA.  CC Art. 1.585.  Em sede de medida cautelar de separação de corpos, em sede de medida cautelar de guarda ou em outra sede de fixação liminar de guarda, a decisão sobre guarda de filhos, mesmo que provisória, será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz, salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir a concessão de liminar sem a oitiva da outra parte, aplicando-se as disposições do art. 1.584.    (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

A GUARDA PODE SER FIXADA POR FORMA DIFERENTE DAS ELENCADAS. CC Art. 1.586. Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais.

CASAMENTOS INVÁLIDOS IMPLICAM AS MESMAS REGRAS SOBRE A GUARDA.  CC Art. 1.587. No caso de invalidade do casamento, havendo filhos comuns, observar-se-á o disposto nos arts. 1.584 e 1.586.

O NOVO CASAMENTO NÃO ALTERA POR SI SÓ OS DIREITOS DOS PAIS.  CC Art. 1.588. O pai ou a mãe que contrair novas núpcias não perde o direito de ter consigo os filhos, que só lhe poderão ser retirados por mandado judicial, provado que não são tratados convenientemente.

A CONVIVÊNCIA ENTRE PAIS E FILHOS. A palavra “visita”, referida pela lei civil tem hoje o sentido menos protocolar. Deseja-se a convivência cada vez mais estreita e eficaz entre o pai ou a mãe que não fica com a guarda do filho.   CC Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.

 OS AVÓS TÊM O DIREITO DE VISITAR OS NETOS. CC 1589 - Parágrafo único.  O direito de visita [convivência] estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente.      (Incluído pela Lei nº 12.398, de 2011).  A decisão colegiada a seguir transcrita exemplifica a importância da relação avoenga: Agravo de instrumento - família - direito de visita pela avó paterna - visitação avoenga - contato com a família paterna - melhor interesse da criança - ausência de conduta desabonadora da avó - risco não vislumbrado - visitação mantida - recurso não provido. 1. A busca pelo melhor interesse da criança pressupõe a manutenção dos vínculos afetivos com as unidades familiares ostentadas por ambos os genitores. 2. O parágrafo único do artigo 1.589 do Código Civil assegura o direito de visitação avoenga, como forma de garantia da convivência familiar e manutenção das relações de afeto entre os ascendentes e descendentes. 3. Inexistindo nos autos qualquer elemento que desabone a conduta da avó paterna ou que demonstre que a visitação mediante a retirada da infante de sua residência importar-lhe-ia risco, impõe-se a manutenção da decisão agravada. 4. Recurso não provido. (TJMG – AI nº 10431140062982001, Relator Claret de Moraes (JD Convocado), 6ª Câmara Cível, J. 05/05/2015).

A PROTEÇÃO AOS FILHOS MAIORES E INCAPAZES. CC Art. 1.590. As disposições relativas à guarda e prestação de alimentos aos filhos menores estendem-se aos maiores incapazes.


EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO. 1) A visita é o acontecimento que gera concretamente a interação (companhia) entre o genitor que não tem a guarda e o filho (CC 1.589). Sobre a guarda regulamentada no Código Civil, não se pode dizer: A) a guarda alternada não está prevista no Código Civil. B) a guarda unilateral é aquela atribuída ao pai ou à mãe nos casos de ruptura da união estável, casamento ou ainda quando pai e mãe nunca viveram no mesmo lar. C) a guarda compartilhada implica responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres decorrentes do poder familiar tanto pelo pai quanto pela mãe. D) a guarda alternada é aconselhável quando, depois da dissolução do casamento, os pais não conseguem conviver sem brigar. 

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

ALIMENTOS - PENSAO ALIMENTICIA


 ALIMENTOS NO DIREITO DE FAMÍLIA
Notas Didáticas Elaboradas pelo Professor Jorge Ferreira da Silva Filho



1.       O SENTIDO DA PALAVRA “ALIMENTOS”. Não há no CC a definição legal do instituto de direito de família denominado alimentos. Apesar disso, a doutrina nacional e estrangeira condensa o sentido jurídico da palavra “alimentos”, como o complexo das necessidades que a pessoa tem, na vida moderna, para viver com dignidade. Nisso se compreende atendimento quanto ao sustento, à moradia, ao vestuário adequado, à instrução, à educação, ao lazer, ao tratamento preventivo e corretivo da saúde daquela pessoa que, por si só, não consegue suprir tais necessidades. Merece notar que o artigo 1920 do CC, ao instituir o legado de alimentos, reflete a mesma ideia da doutrina, ao dizer que os alimentos abrangem “o sustento, a cura, o vestuário, e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor”. No direito brasileiro os alimentos devem abranger aquilo que as pessoas “necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação” (CC 1.964).

2.       A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. O enfoque jurídico-legislativo a respeito dos alimentos circunscreve-se às determinações de quem os deve prestar (alimentante) e quem os pode exigir (alimentado). Por isso, o discurso jurídico sobre alimentos envolve a noção de obrigação alimentar com seus elementos: credor de alimentos; devedor de alimentos; vínculo jurídico autorizador da obrigação; objeto da obrigação (prestação alimentar). O primeiro vínculo instituidor da obrigação alimentar é a relação de filiação. Modernamente, a existência de uma relação de parentesco entre o credor e o devedor de alimentos continua sendo a característica do vínculo que informa a obrigação alimentar. CC Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

3.       A PROBLEMÁTICA JURÍDICA DOS ALIMENTOS. Como afirmado acima, não se discute muito o dever de os pais alimentarem os filhos menores nem a obrigação mútua dos pares, numa relação de casamento ou união estável, prestarem entre si os alimentos. A situação, porém, toma outros rumos quando se pergunta: os filhos teriam a obrigação de prestar alimentos aos pais? Os netos, aos avós? Um irmão ao outro? Um tio ao sobrinho? O genro ao sogro? Os pais aos filhos que atingiram a maioridade? O marido à ex-mulher e vice-versa? À ex-mulher, doente e necessitada, já tendo o ex-marido contraído novo casamento? Quais fatos permitem a extinção da obrigação alimentar? A mulher grávida tem direito de receber alimentos do indigitado pai da criança, inexistindo com este uma relação de casamento ou união estável? Tudo isso já se configurava um bom combustível para a fogueira da polêmica quando sobreveio a Emenda Constitucional 66/2010, extinguindo  a separação judicial e abrindo novo foco de discussão doutrinária e jurisprudencial sobre os alimentos entre cônjuges ou companheiros que romperam o vínculo.  Abaixo relacionamos e comentamos alguns tópicos mais importantes relativos aos alimentos.

4.       A FIXAÇÃO DO VALOR DA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS. O legislador estabelece um critério baseado no equilíbrio entre a necessidade do alimentado e a possibilidade econômica do alimentante, assim determinando Art. 1694.  § 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. § 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia. A doutrina passou a estabelecer mas um critério a ser observado para a fixação dos alimentos: A RAZOABILIDADE.
5.       A INCAPACIDADE DE SE MANTER, COMO INTEGRANTE DO CONCEITO DE NECESSIDADE. Não quer o legislador que uma pessoa faça opção por viver sendo sustentada por outro. Nesse sentido, determinou que os alimentos serão devidos apenas “quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença” (CC 1.695).

6.       O VALOR DOS ALIMENTOS NÃO PODE DESFALCAR O DEVEDOR.  Determina a lei que  aquele que fornece os alimentos deverá fazê-lo desde que possa “fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento” (CC1.695). Os alimentos, portanto, não podem se erigir como elemento que desfalca o alimentante do necessário ao próprio sustento.

7.       CONTEÚDO E FORMA DA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS. A via usual pela qual os alimentos se exteriorizam e na forma de obrigação pecuniária, ou seja, um montante de dinheiro, entregue periodicamente,  capaz de atender as necessidades do credor, limitado, porém às possibilidades do devedor. Trata-se da pensão. Além dessa forma, pode o credor dar ao devedor “hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação, quando menor”. Ao juiz é conferido o poder, “se as circunstâncias o exigirem, fixar a forma do cumprimento da prestação” (CC 1701).

8.       VICISSITUDES DOS ALIMENTOS FIXADOS. A obrigação alimentar sofre mutações. A prestação pode ser majorada, reduzida ou até extinta.  Para alcançar tais fins o interessado deve se dirigir ao Judiciário e provar que sobreveio “mudança na situação financeira” de quem supre os alimentos, ou na de quem os recebe. Portanto, poderá haver “exoneração, redução ou majoração do encargo”, conforme as circunstâncias adjetas à vida econômica do alimentante e do alimentado (CC. 1.699). A lei dos alimentos aponta no mesmo sentido.

9.       O CREDOR DE ALIMENTOS. A lei enuncia que os parentes, os cônjuges ou companheiros podem pedir alimentos uns aos outros. Assim, no tocante aos parentes, a primeira impressão causada seria no sentido de que qualquer classe ou grau de parentesco implicaria o dever alimentar. Entretanto, interpretando-se pelo método sistemático os demais artigos pertinentes ao tema, verifica-se que há limitações impostas pela lei. Nem todos os parentes integram os polos da obrigação alimentar. Abaixo, ver-se-á também que fatos supervenientes e circunstâncias adjetas à vida de ex-cônjuge ou ex-companheiro, podem alterar ou até extinguir a obrigação alimentar.

10.   IRRENUNCIABILIDADE DOS ALIMENTOS. O CC determina que o credor de alimentos pode não exercer tal direito, “porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos”. Além disso, o respectivo crédito de alimentos é “insuscetível de cessão, compensação ou penhora” (CC 1707). Diz-se, pois, que os alimentos são irrenunciáveis, incessíveis, incompensáveis e impenhoráveis. Entretanto, as regras expostas não se aplicam aos alimentos devidos em decorrência do casamento. Conforme o Enunciado 263 da III Jornada de Direito Civil do CJF, ocorrida em Dezembro de 2004, há o uníssono posicionamento no sentido de ser válida e eficaz a renúncia aos alimentos, por um ou por ambos os cônjuges, “por ocasião do divórcio (direto ou indireto [inexistente depois da EC/66), ou da dissolução da união estável”.

11.   ALIMENTOS ENTRE PAIS E FILHOS. Não há confundir o dever de sustento que os pais têm em relação ao filho menor (CC 1.566, IV e 1.568) com a obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos, insculpida no artigo 1696 do CC. Esta decorre do parentesco e aquele tem fundamento no poder familiar. O dever de sustento, em tese, cessa com a maioridade. A obrigação alimentar nasce com a cessação da menoridade, todavia se constituirá apenas nos limites jurídicos do binômio possibilidade-necessidade. Importante, pois, salientar que o dever de sustento é unilateral (pais aos filhos) e o “direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos” (CC 1.696). 
12.   AÇÃO DE ALIMENTOS MOVIDA POR FILHO FORA DO CASAMENTO. Estabeleceu o legislador que “o filho havido fora do casamento pode acionar o genitor” para obter os alimentos que lhe são devidos pelos pais. Faculta-se ao juiz “determinar, a pedido de qualquer das partes, que a ação se processe em segredo de justiça” (CC 1705).

13.   ALIMENTOS ENTRE AVÓS E NETOS / BISAVÓS E BISNETOS. Trata-se da responsabilidade alimentar avoenga. Prescreve o legislador que o direito aos alimentos é “extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros” (CC 1696). Portanto, se o necessitado não tiver pais ou, embora os tendo, este não tiverem condições econômicas de prestar alimentos, a obrigação poderá ser exigida dos avós. Para se exigir alimentos dos bisavôs (grau mais remoto), necessário demonstrar a inexistência ou incapacidade econômica dos ascendentes de graus mais próximos.  Pode-se afirmar “que a responsabilide dos avôs não é apenas sucessiva em face da responsabilidade dos progenitores, mas também complementar, na hipótese em que os pais não se achem em condições comprovadas de suportar a totalidade da pensão”. Sendo o avô ou a avó um idoso, os direitos destes, em relação aos netos, assumem matizes amplas, em decorrência do Estatuto do Idoso (EI), conforme será visto abaixo.

14.   ALIMENTOS DEVIDOS AO IDOSO. Os alimentos se incluem na categoria dos direitos sociais (CF 6º). Não tendo o idoso como prover seu próprio sustento nem podendo seus familiares arcar com essa obrigação alimentar, este dever ficará para o Estado. O valor dos alimentos será pelo menos de 01 (um) salário-mínimo, caso o idoso atinja 65 anos (EI 34). A família é devedora da obrigação alimentar ao idoso (EI 3º). Tal obrigação “é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores” (EI 12).

15.   A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ENTRE COLATERAIS. A única menção aos colaterais, no tocante à obrigação alimentar, estabelecida no CC, refere-se ao 2º grau, ou seja, aos irmãos. Tal obrigação alimentar afigura-se como subsidiária, pois apenas na falta ou incapacidade dos ascendentes e dos descendentes é que caberá  a obrigação aos irmãos, tanto os germanos como os unilaterais (CC 1697).

16.   ASPECTOS PROCESSUAIS DA AÇÃO DE ALIMENTOS. O Código Civil e a lei dos alimentos (LA - Lei 5478/1968) sincretizam normas de direito material e processual. Sem dúvida, pode-se dizer que a legitimidade passiva na ação de alimentos está baseada em critérios de subsidiariedade  e litisconsórcio facultativo, pois assim dispõe a lei: “Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide” (CC 1698). Conclui-se que, na relação alimentar avoenga, por exemplo, é perfeitamente aceitável oferecer a ação diretamente contra os avós paternos sem que o pai tenha sido acionado e os avós maternos integrados no polo passivo.

17.    ALIMENTOS DECORRENTES DA SEPARAÇÃO JUDICIAL. O Legislador cuidou de prever a prestação de alimentos entre cônjuges separados judicialmente nos artigos 1702 a 1704 do CC. Dispôs que: “na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694”; “ Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial”; ainda que haja um cônjuge culpado pela separação, se este “vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência”. A questão que se levanta é: Como a Emenda Constitucional 66/2010 extinguiu  a separação judicial, existindo agora, apenas o divórcio, como interpretar a eficácia dos dispositivos retro transcritos? 

18.   OS EFEITOS DA EC 66/2010 SOBRE OS ALIMENTOS ENTRE EX-CÔNJUGES. Partindo do pressuposto majoritário de que inexiste mais a separação judicial, deve-se pensar ainda sobre o direito intertemporal. Isso implica que aqueles que se separaram antes da EC 66/2010 e não renunciaram aos alimentos podem continuar a exigi-los do cônjuge obrigado. Se, na sentença da separação o cônjuge apenas dispensou  a pensão alimentícia, poderá posteriormente, em ação para este fim, pleitear “o recebimento dos alimentos dispensados”. Sob a égide da EC 66/2010, não há mais a separação nem a discussão sobre a culpa. Resta o divórcio para a dissolução da sociedade conjugal advinda do casamento. Isso, porém, não tem o condão de afastar os direitos recíprocos entre os cônjuges no tocante aos alimentos, pois estes decorrem do princípio da solidariedade familiar, que se projeta para além da extinção do vínculo matrimonial. Por isso, a tendência é que na ação de divórcio litigioso seja acolhida a cumulação do pedido de dissolução do vínculo com o pedido de alimentos. Acontece, porém, que o rito da ação de divórcio é o ordinário e o da ação de alimentos tem rito especial. Para solucionar o impasse adota-se o rito ordinário para os processos com pedidos cumulados.

19.   ALIMENTOS à EX-COMPANHEIRA – POSIÇÃO DO STJ.  A obrigação de pagar alimentos a ex-cônjuge é medida excepcional, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em julgamento de recurso especial, a Quarta Turma ratificou esse entendimento ao converter alimentos definitivos em transitórios. No caso apreciado, o casal viveu em união estável por 16 anos. Em 2007, houve a separação, e o juiz fixou alimentos provisórios em quatro salários mínimos em favor da ex-companheira, de 55 anos. Em 2010, o alimentante foi exonerado da obrigação. A sentença levou em consideração as boas condições de saúde da mulher e sua escolaridade (nível superior), concluindo pela desnecessidade do sustento e pela possibilidade de sua inserção no mercado de trabalho. O acórdão de apelação, entretanto, reformou a decisão para estabelecer alimentos definitivos no mesmo valor de quatro salários mínimos. De acordo com a decisão, após um convívio de mais de uma década e habituada ao padrão de vida proporcionado pelo ex-companheiro, dedicando-se apenas à criação dos filhos, não seria razoável obrigá-la de imediato a se recolocar no mercado de trabalho sem garantir as condições necessárias para isso.

20.   OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DOS PAIS SEPARADOS EM RELAÇÃO AOS FILHOS. A separação em nada modifica o dever alimentar dos pais aos filhos.  Para a manutenção destes, “os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos” (CC 1703).

21.  ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS.   Conceito. Segundo o TJRS, “Cabível a fixação de alimentos compensatórios a ser repassado pelo cônjuge que, depois de rompida a relação, permanece na administração do patrimônio ou usufruindo dos bens comuns, de forma exclusiva, como forma de compor eventual desequilíbrio patrimonial, o que se verifica na hipótese dos autos”. Nº 70063217178 (Nº CNJ: 0007095-52.2015.8.21.7000). No mesmo sentido: Considerando que os litigantes estão separados de fato e estando o requerido na posse exclusiva dos bens do casal, em especial do microônibus, detendo maior capacidade de exploração econômica, sendo ele quem, desde aquela data, usufrui do rendimento amealhado, mostra-se correta a fixação em favor da agravada de alimentos compensatórios, até que se efetive a partilha de bens. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO” (Agravo de Instrumento Nº 70046238671, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 16/02/2012). (Nº CNJ: 0442666-19.2015.8.21.7000). AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS. Os alimentos compensatórios – não previstos no ordenamento jurídico pátrio – são admitidos pela doutrina e pela jurisprudência com o objetivo de equilibrar o padrão de vida do casal, compensando o desequilíbrio gerado pelo rompimento da relação com frutos advindos de negócios constituídos na constância da união estável ou imóveis, também adquiridos neste período, visto que sobre eles a agravante tem direito à meação, de forma que não seria adequado que o varão desfrutasse da integralidade sem nada repassar para ela. No caso, não há, ao menos até o momento, prova de que o agravado esteja usufruindo com exclusividade de renda gerada por patrimônio comum, de modo a justificar o pagamento de alimentos compensatórios. PROVIMENTO NEGADO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA. DECISÃO MONOCRÁTICA

22.   ALIMENTOS GRAVÍDICOS. A Lei 11.804 de 2008 (LAG) inaugurou expressamente o direito de a mulher grávida (gestante) receber do indigitado pai alimentos durante a gestação. Verdade é que a obrigação de prestar alimentos ao nascituro, mesmo antes da lei retro, já estava acolhido na doutrina e jurisprudência. Com a lei consagrou-se o direito de alimentos da mulher gestante e a forma do seu exercício. A condição para que os alimentos sejam deferidos é o convencimento do juiz sobre “a existência dos indícios da paternidade”. O valor estipulado pelo juiz referente aos alimentos gravídicos deve cobrir: “as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes”, desde a concepção da criança até o parto, incluindo as “referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis” (LAG 2º). As coberturas são exemplificativas. Os alimentos gravídicos convertem-se em pensão alimentícia em favor do menor, desde que este nasça com vida (LAG 6º, p.u.). O indigitado pai (o réu) é citado para contestar com prazo de 05 (cinco) dias. Na prática processual, pode-se apontar o seguinte conjunto de problemas: o que são os indícios de paternidade; caberia alimentos provisórios com base apenas em indícios; qual o procedimento a ser seguido.

23.    TRANSMISSÃO DA OBRIGAÇÃO AOS HERDEIROS DO DEVEDOR. Causa impacto, a dicção do legislador, ao dizer que “A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694” (CC 1700). Parece que os herdeiros teriam a obrigação de continuar a pagar os alimentos devidos pelo falecido autor da herança. A interpretação preponderante deste texto legal aponta no sentido de que a obrigação alimentar se transmite ao espólio e não aos herdeiros. Os herdeiros não podem ser responsabilizados pessoalmente por essa obrigação. Com a partilha, desfaz-se o espólio. Cada um dos herdeiros será proprietário de sua quota parte; patrimônio particular que não responde pela obrigação alimentar do falecido.

24.   ALIMENTOS PROVISIONAIS, PROVISÓRIOS E DEFINITVOS. No artigo 1706 do CC, o legislador faz menção aos alimentos provisionais,  dizendo que estes  serão fixados pelo juiz, nos termos da lei processual. Discussão há sobre a diferença entre os conceitos de alimentos provisionais e provisórios.  A rigor são provisórios os alimentos fixados liminarmente na ação interposta com fulcro na Lei de Alimentos (Lei 5478/1968; art. 4º). São provisionais os alimentos fixados como medida cautelar (CPC 852, I) ou na sentença proferida no rito da lei de investigação de paternidade (Lei 8560/1992, art. 7º), dentre outros. Há, na verdade, o emprego sincrético das expressões provisório e provisional, defendendo alguns que inexiste  diferença entre os institutos. A maioria dos nossos juízes tratam indistintamente os dois institutos. Melhor caminhou a doutrina que majoritariamente percebe a diferença entre os alimentos provisórios e provisionais. Provisório é algo que será substituído por alguma coisa definitiva. Provisional é aquilo que tem existência temporária e condicionada. Vigora por certo tempo e depois se esvai.

25.   EXTINÇÃO DO DEVER ALIMENTAR. Admitem-se algumas hipóteses legais que fazem cessar a obrigação alimentar. No primeiro grupo de causas encontram-se o casamento, a união estável ou o concubinato do credor (CC 1707). No segundo está o procedimento indigno do alimentado (credor) em relação ao alimentante (devedor de alimentos), conforme dispõe o parágrafo único do artigo retro.

26.   A MAIORIDADE E A EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO PAI-FILHO. Atingindo a maioridade cessa o poder familiar. Com isso, via de regra, o filho perde o direito a alimentos, exceto se o filho maior for inválido, porque as disposições relativas a prestação de alimentos “estendem-se aos maiores incapazes” (CC 1590). Atualmente, a jurisprudência entende que aos filhos que se encontrem cursando escola superior se estende o direito de receberem essa modalidade de pensão.

27.   EFEITOS DO CASAMENTO DO EX-CÔNJUGE QUANDO DEVEDOR DE ALIMENTOS. Reza o Art. 1.709 do CC que “o novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio”. A sentença pode ser homologatória ou não.

28.   ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DO VALOR DA PENSÃO ALIMENTÍCIA. Art. 1.710. As prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido. Há doutrinadores que recomendam a aplicação do IPCA. Entretanto, há muitas decisões que fixam os alimentos com base no salário-mínimo, apesar de a Constituição Federal vedar a utilização deste parâmetro como índice de correção monetária (CF 7º, VI). Quem aplica o salário-mínimo para fixar os alimentos se ampara na Súmula STF 490 e no artigo 475-Q, §4º do CPC.

29.   CARACTERÍSTICAS DOS ALIMENTOS.  A doutrina aponta, com poucas variações, as seguintes características do direito aos alimentos: personalíssimo; divisibilidade e não solidariedade; reciprocidade; inalienabilidade; irrepetibilidade; alternatividade; incedibilidade, incompensabilidade, Imprescretibilidade; intransmissibilidade; irrenunciabilidade; periodicidade; anterioridade; atualidade monetária. A insuscetibilidade de cessão está expressa no Artigo 1.707 do CC e abrange a cessão de crédito, a cessão de débito e a assunção de dívida (Tratado de Direito de Famílias. IBDFAM . Belo Horizonte: 2015, p. 521). 


30.   A PRESTAÇÃO DE CONTAS. Questionava-se o direito de quem paga alimentos exigir prestação de contas da aplicação do dinheiro. Depois da Lei 13.058/2014, que acrescentou o §5º ao artigo 1.583 do CC, a questão ficou resolvida, tornando-se direito, do pai ou da mãe, que não tem a guarda, solicitar informações e/ou prestação de contas.