domingo, 30 de maio de 2010

P420 - Jurisdição Voluntária


P420 – Jurisdição Voluntária - Procedimentos

Notas Didáticas de Direito Processual
Jurisdição Voluntária - Procedimentos
Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Processual Civil do Centro Universitário do Leste Mineiro – UNILESTE
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG


1. Propedêutica. O aluno vai localizar no Livro IV do CPC – artigos 1.103 a 1.210 – matéria processual sob a rubrica “Procedimentos Especiais de Jurisdição Voluntária”. Isso pode conduzir à falsa noção de que os procedimentos de jurisdição voluntária estejam localizados apenas nessa parte do Código. Há outros procedimentos que não estão localizados no Título II do Livro IV do CPC que têm, porém, a natureza de jurisdição voluntária, inclusive em leis esparsas[I]. Por isso, se recomenda que o aluno invista primeiro o seu tempo no domínio do conceito de jurisdição voluntária, pois assim identificará com mais facilidade um procedimento especial que tenha essa qualidade.

2. Jurisdição – conceito. Não há definição legal para o binômio “jurisdição voluntária” nem uniformidade na doutrina[II], quanto ao sentido técnico-jurídico dessa expressão. Apesar disso, o conceito de “jurisdição” pode ser construído a partir da análise semântica dos enunciados dos artigos 1º e 2º do CPC. No art. 1º se afirma que o exercício da jurisdição – contenciosa ou voluntária – é ato privativo do juiz. No art. 2º o legislador vincula a idéia de jurisdição com a função de “prestar a tutela jurisdicional” e, também, diz que a parte ou o interessado deverá requerer a tutela jurisdicional. Este desenho semântico permite formular o conceito de jurisdição como o ato, privativo do juiz, de dizer, para parte ou para o interessado, qual é o direito ou se o ato está conforme quer o direito[III].

3. Jurisdição Voluntária. Referindo-se, no art. 2º do CPC, à “parte”, o legislador evoca o conceito de lide[IV]. A lide pressupõe, pelo menos, um autor[V] e um réu – o autor quer algo; o réu resiste a que se verifique este algo. Referindo-se ao “interessado”, o legislador afastou-se da idéia de lide. O interessado é aquele que pretende realizar um ato jurídico, porém ele depende da chancela do Poder Judiciário, para a eficácia desse ato. Isso significa que, embora não haja um réu – alguém que possa validamente resistir ao implemento do ato jurídico desejado pelo interessado – o Estado exige, por uma questão de segurança jurídica, que o juiz verifique se todos os requisitos legais para a realização do ato pretendido foram atendidas. São muitos os exemplos de jurisdição voluntária, porém, o mais eficaz deles é o procedimento de separação judicial amigável, onde o marido e a mulher querem a mesma coisa – a dissolução da sociedade conjugal – e concordam com a pensão, a guarda dos filhos, o direito de visita, com a partilha dos bens etc. Não há lide, entretanto, a separação somente será válida se receber a “benção” judicial, ou seja, se for exarada a sentença homologatória. A jurisdição é voluntária, portanto, quando o interessado tem a necessidade [interesse processual] de provocar a intervenção do Estado-juiz para que este o autorize a praticar o ato pretendido[VI].

4. Diferenças entre as jurisdições voluntária e contenciosa. A principal diferença reside na qualidade do pedido [o pleito, a pretensão]. Se esse for de integração, a jurisdição será voluntária[VII]. Pretensão é um pedido ao Estado-juiz; uma demanda [em busca de; à procura de – Cf. Aurélio]. Se a pretensão é de imposição de uma obrigação ou vontade a alguém, se tem a jurisdição contenciosa. Se a pretensão é simplesmente uma manifestação de vontade ou vontades cuja validade depende da chancela judicial, tem-se a jurisdição voluntária. Não há propriamente partes, mas, simplesmente, interessados[VIII]. Não há coisa julgada. Não se admite a interposição de recursos excepcionais. Não se observa a legalidade estrita (CPC 1.109).

5. Procedimentos especiais de jurisdição voluntária contidos no CPC. A doutrina reconhece que são procedimentos de jurisdição voluntária contidos no CPC, embora localizados no livro do Processo Cautelar: A justificação – CPC 861; Os protestos, as notificações e interpelações – CPC, 867; a homologação do penhor legal – CPC, 874; a posse em nome do nascituro – CPC, 877; o protesto de títulos – CPC, 882[IX]. No Livro IV do CPC, registram-se com denominações específicas, os seguintes procedimentos de jurisdição voluntária: Alienações judiciais – CPC 1.113; Separação Consensual – CPC 1.120; Testamentos e Codicilos – CPC 1.125; Herança Jacente – CPC 1.142; Bens dos ausentes – CPC 1.159; Coisas Vagas – CPC 1.170; Curatela de Interditos – CPC 1.177; Organização e fiscalização das fundações – CPC 1.199; Especialização da hipoteca legal – CPC 1.205.

6. Tipos de procedimento especial para a jurisdição voluntária. Há duas categorias de procedimentos especiais para os casos de jurisdição voluntária: 1º) O procedimento geral, ou comum[X], contido nos artigos 1.103 a 1.112 do CPC, que deve ser observado em relação aos pleitos de jurisdição voluntária sem procedimentos específicos e, também quanto às pretensões de I - emancipação; II - sub-rogação; III - alienação, arrendamento ou oneração de bens dotais, de menores, de órfãos e de interditos; IV - alienação, locação e administração da coisa comum; V - alienação de quinhão em coisa comum; Vl - extinção de usufruto e de fideicomisso; 2º) os procedimentos específicos, tais como os referentes às Alienações judiciais – CPC 1.113; Separação Consensual – CPC 1.120; Testamentos e Codicilos – CPC 1.125; Herança Jacente – CPC 1.142; Bens dos ausentes – CPC 1.159; Coisas Vagas – CPC 1.170; Curatela de Interditos – CPC 1.177; Organização e fiscalização das fundações – CPC 1.199; Especialização da hipoteca legal – CPC 1.205.

7. Essência do procedimento comum. A petição inicial deve observar os requisitos do art. 282 do CPC. A competência é de qualquer juízo cível, exceto nos casos de herança jacente, que deverá ser proposta no foro onde o falecido tinha domicílio – CPC, 1.142. Não há autor nem réu. Quem pode propor a “ação” é o interessado[XI] ou o Ministério Público – CPC, 1.104. Quem propõe a ação se denomina “demandante”. A petição pode ser dirigida a qualquer juízo, excetuando-se o procedimento de herança jacente[XII]. O demandante, para que o processo não seja extinto por carência, deve afirmar sua legitimidade e o interesse processual. A legitimidade do Ministério Público para propor a “ação” de jurisdição voluntária somente é admissível nos casos previstos na lei, como faz o legislador no art. 1.202 do CPC. Não sendo o Ministério Público o demandante, ele deverá ser intimado [o artigo 1.105 emprega a palavra citado][XIII] em todos os procedimentos de jurisdição voluntária. Não havendo a intimação do Ministério Público, haverá nulidade absoluta dos atos processuais que se seguirem[XIV]. Apesar disso, há posição no STJ dizendo que a não intervenção do Ministério Público pode não implicar a nulidade, quando o interesse do demandante for meramente econômico[XV]. O prazo para a resposta do interessado citado ou do MP é de 10 (dez) dias – CPC, 1.106. Não cabe reconvenção[XVI]. Aplica-se o efeito da revelia para o interessado que não responder[XVII]. A Fazenda Pública deve ser ouvida quando tiver interesse jurídico na causa – CPC, 1.109. A decisão do juiz é sentença e desafia o recurso de apelação – CPC, 1.110. Não há trânsito em julgado da sentença, por força da interpretação do art. 1.111 do CPC, pois este afirma que a sentença pode ser modificada, preservando-se os efeitos já verificados, havendo fato superveniente que o autorize.

8. Funções dos procedimentos especiais nominados de jurisdição voluntária. Todo procedimento especial circunscreve-se a um direito que o legislador entendeu não ser adequadamente protegido com o manejo do processo comum ordinário ou sumário. Por isso, passa-se a destacar o objetivo de cada um dos procedimentos especiais nominados.
8-A. Emancipação.
8-B. Sub-rogação
8-C. Alienação de bens de menores, órfãos e de interditos.
8-D. Arrendamento de bens de menores, órfãos e de interditos.
8-E. Alienação, locação e administração da coisa comum.
8-F. Alienação de quinhão em coisa comum.
8-G. Extinção de usufruto.
8-H. Extinção de fideicomisso.
8-I. Alienações judiciais de coisas depositadas – CPC, 1.113.
8-J. Separação Consensual – CPC, 1.120.
8-K. Abertura, registro, cumprimento, confirmação e execução de testamentos – CPC, 1.125.
8-L. Procedimentos relativos à herança jacente – CPC, 1.114.
8-M. Arrecadação e Partilha de bens de ausentes – CPC, 1.159.
8-N. Tratamento jurídico às coisas vagas (coisa alheia perdida) – CPC, 1.123.
8-O. Curatela dos interditos – CPC, 1.117.
8-P. Nomeação, remoção e dispensa de tutor ou curador – CPC, 1.187.
8-Q. Da organização e da fiscalização de fundações – CPC, 1.199.


[I] SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. Vol. 3. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 379.
[II] Elio Fazzalari, depois de examinar os artigos 737 e seguintes do Código de Processo Civil italiano, assim conclui: “Isso confirma, se houver necessidade, que a realidade positiva impõe ao intérprete superar, também por esse lado, a clássica tripartição dos poderes do Estado, em homenagem à geometria iluminista ela qual, até ontem a ‘jurisdição voluntária’ foi apresentada como verdadeiro centauro, metade administração e metade jurisdição” – Cf. FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. trad. Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006, p.619. O conceito de jurisdição voluntária é, portanto, tormentoso. Há posicionamentos doutrinários que dizem que a jurisdição voluntária “se caracteriza por não ser jurisdição, nem voluntária” – Cf. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. I. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 80. A doutrina predominante caracteriza a Jurisdição voluntária por sua natureza “administrativa”. Nestes procedimentos, o Poder Judiciário “assume uma atividade de integração na formação de atos e negócios” – Cf. MEDINA, José Miguel Garcia et al. Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. – (Processo civil moderno; v. 4), p.336.
[III] Para Chiovenda, a Jurisdição é a “função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei”, afirmando sua existência ou ainda implementando os efeitos desejados Cf. apud, CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. I. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 71. Para Carnelutti, a jurisdição é uma função estatal de busca da “justa composição da lide” ( idem).
[IV] “Ao conflito de interesses, quando se efetiva com a pretensão ou com a resistência, poderia dar-se o nome de contenda, ou mesmo de controvérsia. Pareceu-me mais conveniente e adequado aos usos da linguagem o de lide” – Francesco Carnelutti. Teoria geral do direito. (Trad. Antônio Carlos Ferreira). São Paulo: Lejus, 1999, p.108.
[V] – a pessoa que deseja que outrem [o réu] lhe entregue uma coisa, faça ou deixe de fazer uma atividade ou, ainda, deseje constituir uma nova situação jurídica ou declarar a existência ou inexistência de dada relação jurídica.
[VI] “O interesse processual, necessidade que, na jurisdição contenciosa, decorre da sistemática geral de que ninguém pode fazer justiça pelas próprias mãos, na jurisdição voluntária decorre de lei, que impede a prática do ato sem intervenção e autorização judicial” – GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, volume 3: Processo de execução a procedimentos especiais).  20. ed. rev . e atual.  São Paulo: Saraiva, 2009, p. 282. “O Poder Judiciário interfere na órbita dos interesses privados administrativamente, integrando-se ao negócio jurídico ou velando pela sua correta formação e eficácia, conforme determina o interesse público. A tal gama de atribuições dá-se o nome de ‘jurisdição voluntária’”. Cf. SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. Vol. 3. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 371.
[VII] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 566.
[VIII] MEDINA, José Miguel Garcia et al. Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. – (Processo civil moderno; v. 4), p. 338.
[IX] SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. Vol. 2. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 320 - § 1.462.
[X] Alexandre Freitas Câmara recomenda passar “ ao estudo dos procedimentos que o Código de Processo Civil brasileiro incluiu entre os de jurisdição voluntária, iniciando-se o exame do ponto pelo procedimento comum a ser observado nos processos de jurisdição voluntária para os quais não haja procedimento especificamente previsto e que, assim como o procedimento ordinário do processo de conhecimento de jurisdição contenciosa, será aplicável subsidiariamente aos procedimentos especiais que tenham aquela natureza”. Cf. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 567.
[XI] Há, pelo menos, dois interessados: o interessado demandante – que propõe a ação; o interessado citado para se manifestar no processo. Este apenas se configura interessado se o seu interesse for de natureza jurídica; Cf. NEGRÃO, Theotônio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.1.103 (nota 1 ao art. 1.105 do CPC).
[XII] SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. Vol. 3. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 374.
[XIII] A doutrina majoritária entende que o legislador se equivocou ao dizer que o Ministério Público deva ser citado (v.g. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 568; Ernane Fidélis dos Santos não faz nenhuma crítica ao artigo e admite que o MP deva ser citado – “a não citação dos interessados e do Ministério Público, bem como a nulidade do ato citatório, podem tornar o procedimento nulo” – Cf. SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. Vol. 3. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 375. Nesse mesmo diapasão temos Vicente Greco Filho – Cf. Direito processual civil brasileiro, volume 3: Processo de execução a procedimentos especiais).  20. ed. rev . e atual.  São Paulo: Saraiva, 2009, p.284.
[XIV] A doutrina não é uníssona quanto à necessidade de intimação do Ministério Público. Alexandre Freitas Câmara entende que o legislador estabeleceu uma “presunção absoluta de interesse público nas causas de jurisdição voluntária, o que tornará sempre indispensável (sob pena de nulidade absoluta) a presença do Ministério Público”. Cf. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, 569. Em sentido contrário, José Roberto dos Santos Bedaque explica que o Ministério Público “não deve intervir em todos os procedimentos de jurisdição voluntária”, embora a interpretação literal do art. 1.105 do CPC conduza ao entendimento oposto – Cf. MARCATO, Antônio Carlos (coordenador). Código de processo civil interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 2844.
[XV] Cf. REsp 46770/RJ, 4ª T., j. 18.02.1997; In: MEDINA, José Miguel Garcia et al. Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 338. “A presença do MP ‘nos procedimentos de jurisdição voluntária somente se dá nas hipóteses explicitadas no respectivo título e no mencionado art. 82’” – in NEGRÃO, Theotônio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.1103.
[XVI] NEGRÃO, Theotônio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1.104.
[XVII] Idem.

T420 - Tributos estaduais - ICMS

Professor: Jorge Ferreira da Silva Filho.
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho - Rio de Janeiro
T420 – Tributos Estaduais - ICMS
Imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços constitucionalmente qualificados - ICMS.

1. Competência. Os Estados e o Distrito Federal podem instituir o imposto sobre as operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior ( CF 155, Inciso II, Redação dada pela EC nº 3, de 1993). [i]
2. Legislação do ICMS. Determina a CF que cabe à lei complementar estabelecer as normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes (CF 146, III, “a”). No caso do ICMS, as normas gerais estão fixadas na Lei Complementar 87/96. As normas específicas estão discriminadas nas leis estaduais. Entretanto, a Constituição traçou tantas normas para o ICMS que a maior parte das dúvidas relativas a esse tributo é resolvida com amparo no próprio texto constitucional. [ii]
2.1. Estrutura temática constitucional relativa ao ICMS. O parágrafo 2º do art. 155 da CF dispõe em 12 (doze) incisos normas que devem ser observadas em relação ao ICMS. O inciso I versa sobre o princípio da não cumulatividade. O inciso II dispõe sobre os efeitos da isenção ou da não incidência do ICMS, em determinada fase da circulação da mercadoria, em relação ao aproveitamento do crédito da operação anterior e na base de cálculo das operações futuras com essa mercadoria. No inciso III o constituinte abre ao legislador a faculdade de fazer o ICMS seletivo, em função da essencialidade do produto. Nos incisos IV a VIII a Constituição trata da delicada questão das alíquotas. No inciso IV a Constituição outorga ao Senado Federal a competência para estabelecer as alíquotas que deverão prevalecer nas operações de circulação de mercadoria entre os Estados e também para o caso de exportação. O inciso V faculta ao Senado Federal fixar as alíquotas mínimas para as operações internas e também as alíquotas máximas. Determina também a forma que deverá ser seguida para essas fixações. Versa o inciso VI sobre a regra geral, afastável por deliberação em contrário dos Estados, que veda aos Estados e ao DF fixar alíquotas internas inferiores às taxas fixadas para as operações interestaduais. No inciso VII a Constituição determina normas relativas a operações de venda de mercadorias quando o consumidor final estiver localizado em outro Estado da Federação. O inciso VIII vai conferir ao Estado onde se localiza o destinatário de produto egresso de outro Estado da Federação, a diferença entre a alíquota interna e a interestadual, ressalvando que a regra vale entre pessoas contribuintes. Novas regras de incidência são estabelecidas no inciso IX, abrangendo agora as mercadorias importadas, seja por pessoa física ou jurídica, com habitualidade ou não. O inciso X trata de imunidades, pois veda a incidência do ICMS sobre: mercadorias e serviços destinados ao exterior, permitindo ainda o aproveitamento dos créditos; remessa de petróleo, seus derivados e energia elétrica em operações interestaduais. No inciso XII, a Constituição reserva à lei complementar uma série de matérias.
3. Hipóteses de incidência. São três as hipóteses de incidência [fato gerador]: circulação de mercadorias; serviços de transporte não restrito a um município; serviços de comunicação. Para melhor compreender a primeira hipótese de incidência, deve-se buscar o significado jurídico das palavras: mercadoria; e circulação.
3.1 Os conceitos de mercadoria e circulação de mercadoria. De suma importância é o significado da palavra “mercadoria” no contexto tributário do ICMS. Mercadoria é uma coisa móvel, mas nem toda coisa móvel é mercadoria. Enquanto a coisa está em transformação ou acabada, mas ainda na propriedade da indústria, ela é denominada produto. A partir do momento que a coisa é vendida, para outra indústria ou disponibilizada na rota comercial (distribuidor, revendedor etc.) ela passa a ser denominada “mercadoria”. Passando ao poder do consumidor (destinatário final), ela deixa de ser mercadoria[iii]. A habitualidade da produção e a transmissão da propriedade são essenciais para caracterizar o fato gerador do ICMS. A energia elétrica é considerada mercadoria e seu fornecimento implica a incidência do ICMS.[iv]
3.2 Serviços de comunicação. A radiodifusão sonora e de sons e imagens é modalidade de serviço de comunicação por força da interpretação, a contrário senso, do art. 155, §2º, X, “d”, sendo, por isso, tributados[v]. As leis 9.295/96 e 9.472/97 dispõem sobre a organização dos serviços de telecomunicação. O art. 61 desta exclui da categoria em estudo a atividade do provedor de internet. Por isso, a atividade do provedor é considerada serviço de informática e congêneres[vi].
4. Princípio da não-cumulatividade. A Constituição Federal determina que o ICMS será não-cumulativo, ou seja, compensará “o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal” (CF 155, §2º).
5. Vedações ao crédito. Na hipótese de isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores; (CF 155, §2º, II, “a” e “b”). Isso implica extornar o crédito escriturado no livro fiscal relativo a operações anteriores tributadas.
6. Seletividade. A Constituição Federal autoriza que o legislador estadual crie o ICMS de forma seletiva, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços (CF 155,§2º, III).
7. A problemática das alíquotas. Os incisos IV a VII do §2º do art. 155 traça um complexo de regras sobre as alíquotas do ICMS. Para as operações e prestações interestaduais e de exportação está determinado que IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação. Ao Senado Federal abriu-se a faculdade de:a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros;b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros;
8. Normas para as alíquotas internas. A Constituição traçou mecanismos para mitigar a denominada “guerra fiscal entre os Estados membros”, por meio dos seguintes dispositivos: VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais; VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á: a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto; b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;VIII - na hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;
9. O fato gerador futuro – a substituição tributária. O §7º do art. 150 da Constituição permite que se retenha e recolha alguns tributos, antes que se implemente o fato gerador. Como exemplo: A vende para B e este revende para C. A, ao vender para B, retém e recolhe aos cofres públicos o ICMS que B deveria recolher, quando vendesse o produto para C. O Supremo Tribunal Federal entende que é constitucional a substituição tributária. [vii] A substituição se dá “para frente”, ou “para trás” – diferimento[viii]
10. Outras hipóteses incidências. Segundo o inciso IX do §2º do art. 155, o ICMS incidirá também: a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço; a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) b) sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;
10. Imunidades em face do ICMS. O inciso IX do §2º do art. 155 faz imune as seguintes operações e prestações: a) sobre operações que destinem ao exterior produtos industrializados, excluídos os semi-elaborados definidos em lei complementar; a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica; c) sobre o ouro, nas hipóteses definidas no art. 153, § 5º;d) nas prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003).

[i] Cf. CASSONE, Vittorio. Direito tributário. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 347.
[ii] CASSONE. Op. Cit. p. 342.
[iii] Idem, ibdem
[iv] Cf. SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 988.
[v] CASSONE. Op. Cit. P. 350.
[vi] (LC 116/2003 – Lista item 1.07 e 1.08 ).
[vii] Confira ementa no RE 266.602. Leitura recomendada: CASSONE. Op. Cit, p. 364.
[viii] Leitura recomendada: Regina Helena Costa. Curso de direito tributário, p.207 e Eduardo Sabbag. Eduardo. Manual de direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 986

sexta-feira, 28 de maio de 2010

T402 - Imposto sobre produto industrializado - IPI

T402 – Imposto sobre produto industrializado – IPI

Notas Didáticas de Direito Tributário
Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Tributário e Processo Tributário do Centro Universitário do Leste Mineiro – UNILESTE
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG.
Associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais


Orientações ao aluno. Nota-se que expressiva parte dos alunos tem dificuldade inicial para assimilar o conceito de “produto industrializado”. Isso decorre, talvez, de não familiarização com processos industriais. Por isso, se recomenda uma especial atenção no estudo do parágrafo único do art. 46 do CTN. Diz-se isso porque o fato gerador desse tributo está definido pela ocorrência da saída, da arrematação ou do desembaraço aduaneiro do produto adjetivado como industrializado. Portanto, a primeira fase da verificação cognitiva sobre a ocorrência do fato gerador repousa na determinação se o produto pode ser ou não qualificado como “industrializado”.
Competência. O imposto sobre produtos industrializados é da competência da União, conforme artigo 153, inciso IV da CF. Ele responde pelo segundo maior volume de arrecadação de impostos da União.
Produto industrializado – conceito. Na definição contida no parágrafo único do art. 46 do CTN, um produto é industrializado quando tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.[I] A doutrina interpreta este artigo dizendo que haverá industrialização toda vez que o produto foi submetido a uma transformação, sofrer um beneficiamento; decorrer de uma montagem; for acondicionado ou reacondicionado; for renovado ou recondicionado.[II]
Características do IPI. A Constituição Federal, no § 3º, de seu artigo 153, determina que o legislador legiferará sobre o IPI, garantido que este tributo seja: I –seletivo, em função da essencialidade do produto; II – não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; III – não incidente [imunidade] em relação aos produtos industrializados destinados ao exterior; IV – tenha seu impacto reduzido quando se tratar de aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003).
Fato gerador do IPI. Tratando-se de imposto discriminado na Constituição Federal, seu “fato gerador”[III] somente poderá ser validamente definido por meio de lei complementar – CF, art. 146, III, alínea “a”. O CTN cumpre esta função e define o “fato gerador” do IPI no artigo 46. Neste dispositivo está definido que o fato gerador do IPI ocorre em se verificando uma de três das seguintes hipóteses sobre o produto industrializado: I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51; III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
Retorno de Mercadoria e fato gerador. Um produto ou mercadoria poderá sair de um estabelecimento e posteriormente retornar. Esse fato é designado “retorno de mercadoria” ao estabelecimento de origem. Via de regra isso acarreta a incidência do IPI. Entretanto, inexistirá recolhimento se a mercadoria retornar: quando recebida em consignação, retornar no prazo do contrato; para reparos ou substituição, havendo defeitos; por problemas de guerra ou calamidade.[IV]
Uso de Medida Provisória para aumentar o IPI. A Medida Provisória pode ser manejada pelo Presidente da República para majorar impostos, uma vez que o § 2º, do art. 62 da CF, assim enuncia: Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001). Esse entendimento é pacífico no Supremo Tribunal Federal[V]. No caso do IPI, não é necessário observar o princípio da anterioridade, mas se deve respeitar o prazo de 90 dias, determinado no inciso III, “c” do art. 150, uma vez que este tributo não está relacionado nas exceções discriminadas no §1º do art. 150 da CF.
Sujeito Passivo. O sujeito passivo do IPI é o contribuinte, assim definido no art. 51 do CTN: I - o importador ou quem a lei a ele equiparar; II - o industrial ou quem a lei a ele equiparar; III - o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso anterior; IV - o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão. O parágrafo único do art. 51 do CTN estende a qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante, a qualidade de contribuinte autônomo.
Base de cálculo. A base de cálculo é uma grandeza definida em lei sobre a qual se aplica uma alíquota. No caso do IPI, a grandeza é um preço que poderá se verificar em três vertentes: I - no caso do despacho aduaneiro, será o preço normal, como definido no inciso II do artigo 20, acrescido do montante: a) do imposto sobre a importação; b) das taxas exigidas para entrada do produto no País; c) dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador ou dele exigíveis; II - no caso de o produto sair de estabelecimento: a) o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria; b) na falta do valor a que se refere a alínea anterior, o preço corrente da mercadoria, ou sua similar, no mercado atacadista da praça do remetente; III – será o preço da arrematação, no caso de o produto industrializado ser vendido em leilão.[VI]
Alíquotas – considerações. Via de regra, as alíquotas dos tributos devem ser definidas em lei. Entretanto, a Constituição excepciona tal regra e permite que o Poder Executivo, ou seja, por meio de decreto, possa alterar as alíquotas do IPI, observando, porém os limites estabelecidos em lei – CF, art. 153, §1º. Cada produto tem sua alíquota. Para atender ao princípio obrigatório da seletividade, as alíquotas variam em ampla faixa. Vários produtos essenciais têm alíquotas iguais a zero ( 0%). Os cigarros são taxados em 365,63%. O Executivo constantemente altera a Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, que contém a classificação dos produtos e as taxas das alíquotas ad valorem. [VII]
Imunidades. Não há incidência do IPI sobre produtos industrializados destinados ao exterior – CF, art. 153, §3º, III. No mesmo sentido é a Súmula 536 do STF.
O IPI incidente sobre produto industrializado configurado bem de capital. Determina o art. 153, §3º, IV, da Constituição Federal que o legislador deverá atenuar o impacto do IPI quando o produto industrializado for também “bem de capital” [bem que serve para produzir outros bens].
A relação entre o ICMS e o IPI. Há operações sobre produtos que, concomitantemente, podem atrair a incidência do IPI e do ICMS. Neste caso, na base de cálculo do ICMS não se poderá incluir o montante do IPI, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos; – CF. 155, §2º, XI. [VIII]

[I] Eduardo Domingos Botalho explica que um produto é industrializado toda vez que, por meio de uma operação física, química, mecânica ou técnica, o produto adquire utilidade nova ou, de algum modo, mostre-se mais bem ajustado para o consumo (Cf. Eurico Marcos Diniz de Santi (coordenador). Curso de direito tributário e finanças públicas. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 938)
[II] SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1004. Hugo de Brito Machado advoga que se trata de uma inconstitucionalidade a legislação do IPI incluir acondicionamento, ou embalagem, como fato caracterizador da industrialização. Argumenta que o ato de acondicionar não se subsume ao enunciado do art. 46, parágrafo único.
[III] A expressão “fato gerador” tem recebido severas críticas da doutrina. Luciano Amaro, entretanto, mitiga o efeito dessas posições e acolhe a expressão como designando o acontecimento concreto (previamente descrito na lei) que, com sua simples ocorrência, dá nascimento à obrigação tributária. (Cf. Direito tributário brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 286).
[IV] SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1003.
[V] Cf. Alexandre de Moraes. Constituição do Brasil interpretada. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, pp. 1137 e 1138.
[VI] SABBAG, op. Cit. P. 1005 e 1006.
[VII] Cf. http://www.receita.fazenda.gov.br/aliquotas/DownloadArqTIPI.htm
[VIII] SABBAG, Op. Cit., p. 1007 e 1008.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Artigo - SOLENIDADE DE (DES) FORMATURA

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Artigo publicado em 26/05/2010 - Jornal Diário do Aço.





quarta-feira, 19 de maio de 2010

P420 - Jurisdição Voluntária

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domingo, 9 de maio de 2010

T382 - Embargos na execução fiscal

T382 – Embargos do executado – Defesa do sujeito passivo na execução fiscal.

Notas Didáticas de Direito Tributário
Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Tributário e Processo Tributário do Centro Universitário do Leste Mineiro – UNILESTE
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG.
Associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais

1. Propedêutica. A lei 6.830/80, denominada lei de execução fiscal (LEF), criada para dar celeridade e eficácia aos meios executórios para satisfação da dívida ativa da Fazenda Pública determinou, também, rito especial para a defesa do executado. Essa defesa é denominada simplesmente “EMBARGOS” (LEF, 16, caput) ou, ainda, “embargos do executado” (LEF, 16, §1º). A função dos embargos do executado é a de garantir a ampla defesa e o contraditório ao executado. Diferentemente da execução civil, os embargos somente serão admitidos se a execução fiscal for garantida (LEF, 16, §1º). O estudante deve ter especial atenção com as disposições sobre as formas de garantias, os prazos e a contagem dos prazos, pois estes diferem do estabelecido para a execução civil. O executado, depois de citado, terá cinco dias para pagar a dívida, com seus acréscimos ou, então, garantir a execução (LEF, 8º). A garantia da execução pode se dar por três vias: depósito em dinheiro, à ordem do juízo[I]; oferta de fiança bancária; nomeação de bens à penhora pelo executado. Se o executado não pagar nem garantir a execução, seus bens serão penhorados ou arrestados e penhorados. Efetivada a penhora, segue-se com a intimação do executado, por meio de publicação no órgão oficial, de que houve a juntada nos autos do termo ou do auto de penhora (LEF, 12). Depois de garantida a execução – pelo depósito[II], com a fiança bancária ou, ainda, com a penhora – o executado poderá apresentar sua defesa contra a pretensão executiva.

2. Embargos do executado[III] e Exceção de pré-executividade. Há casos em que o executado não tem recursos financeiros nem outros meios para garantir a dívida tributária que lhe é apontada. Isso impossibilitaria sua defesa, por meio dos embargos. Porém, se o executado tiver elementos e argumentos que possam atacar e desconstituir o processo de execução, isto é, extingui-lo sem discutir o valor do crédito indigitado, ele poderá promover o incidente denominado “exceção de pré-executividade” [IV]. Este instituto não tem amparo em nenhum dispositivo legal de ordem processual. Trata-se de uma realidade aceita pela doutrina e jurisprudência como instrumento de defesa, que se realiza por simples petição nos autos da execução fiscal[V].

3. Prazo para oferecimento dos embargos. O prazo para oferecimento dos embargos do executado é de 30 (trinta) dias contados da intimação da penhora ou, ainda, a partir do depósito ou da juntada da prova da fiança bancária (LEF, 16). A intimação da penhora se faz mediante publicação no órgão oficial do ato de juntada do termo ou do auto de penhora (LEF, 12, caput). Cuidado especial deve ser tomado com a intimação feita pelo Correio, pois, neste caso, a contagem do prazo de trinta dias se inicia a partir da intimação. Esta se considera feita na data da entrega da carta pelo correio (LEF, art. 12,§1º, c/c art. 8º, II) e não da juntada do AR (aviso de recebimento) aos autos.

4. Legitimidade ativa para os embargos do executado. Executado pode ser o devedor, o fiador, o espólio, a massa, o responsável pela dívida com a Fazenda, seja ela tributária ou não tributária, e ainda os sucessores do devedor (LEF, 4º). Responsável é aquele sujeito passivo que não se reveste da qualidade de contribuinte, como define o Código Tributário Nacional (artigos 134 e 135). Muitas pessoas podem ser qualificadas como responsáveis

5. As vias de garantia do juízo. A primeira via pela qual se garante a execução fiscal é o depósito em dinheiro no montante equivalente ao valor da dívida[VI]. O depósito deve ser feito na Caixa Econômica Federal ou nas outras instituições discriminadas no art. 32 da LEF. Portanto, realizado o depósito temos dois efeitos: suspensão da exigibilidade do crédito tributário (CTN, 151, II); abertura do prazo de 30 (trinta) dias para o oferecimento dos embargos do executado. Dois instrumentos legais devem ser observados para a validade do depósito; a lei 9.703/98 e o Decreto 2.850 de 30/11/1998. Na prática, efetivar o depósito judicial implica ter acesso ao DARF especial para essa finalidade[VII]. Diz a lei que o depósito, uma vez que configura garantia, deverá ser feito em até cinco dias depois da citação (LEF, 8º, caput). Porém, em termos práticos, não se realizando o depósito neste prazo, sua efetivação extemporânea configura-se válida, eis que o importante é a garantia da dívida. Além disso, não efetivado o depósito no prazo, a Fazenda deverá proceder com a penhora, e o dinheiro, conforme art. 11 da LEF, é o primeiro bem na ordem das coisas penhoráveis. A fiança bancária é o segundo instrumento de garantia da dívida tributária. Trata-se de um contrato entre o banco e o executado, pelo qual aquele assume a garantia da dívida tributária. A fiança bancária é um contrato oneroso e o banco além de cobrar por esta fiança normalmente exige amplas garantias. A terceira via de garantia é o oferecimento de bens à penhora, observando-se a ordem do art. 11 da LEF. O bem dado em garantia pode pertencer a terceiro (LEF, 9º, §1º).

6. Forma de autuação e efeitos dos embargos. Os embargos são autuados em apenso[VIII], implicando isso a distribuição da peça processual com o processo recebendo numeração própria[IX]. O juiz poderá receber ou não os embargos. Recebendo-o, o juiz deve dar o efeito suspensivo, significando isso, suspender o processo de execução fiscal. Não há na lei 6.830/80 um dispositivo específico que enuncie claramente que a execução fiscal deve ficar suspensa enquanto se processar os embargos do executado. A doutrina e a jurisprudência, porém, são uníssonas em dizer que recebidos os embargos o juiz deve suspender a execução[X].

7. O afastamento dos efeitos do art. 739-A do CPC. O Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária quantos aos procedimentos de execução fiscal (LEF, 1º, parte final). Discutiu-se, então, se o comando do art. 739-A do CPC, introduzido pela lei 11.382/2006 seria aplicado à execução fiscal deixando, assim, ao critério juiz, dar ou não o efeito suspensivo à execução fiscal com o recebimento dos embargos do executado. A discussão convergiu para o entendimento de que, sendo norma especial, não se aplicam as regras da nova Lei 11.382/2006, principalmente o art. 739-A, §1º do CPC.

8. Do procedimento. A petição inicial deve atender os requisitos do art. 282 do CPC. Em relevo, deve ser reafirmada a garantia da execução, pois é requisito de admissibilidade dos embargos. Em seguida, o executado, agora denominado embargante, poderá alegar “toda matéria[XI] útil à defesa”, conforme garante inocuamente[XII] a lei (LEF, 16, §2º), pois tal garantia é constitucional. O objeto [pedido] dos embargos é no sentido de que o juiz julgue procedentes os embargos e decrete, por consequência, a insubsistência da execução fiscal. Em outras palavras, pleiteia-se que o juiz, na sentença, retire a eficácia executiva do título – a certidão de dívida ativa – e extinga a execução fiscal[XIII]. Formulado o pedido, o embargante fará expresso requerimento de provas, inclusive testemunhal. São admitidas até três testemunhas, podendo este número chegar a seis, a critério do juiz (LEF, 16, §2º). A inicial deve ser acompanhada de documentos necessários à prova das matérias alegadas na defesa do executado, sob pena de preclusão (CPC, 396). A reconvenção e a compensação de créditos não são admitidas como matéria nos embargos do executado (LEF, 16, §3º). Apesar dessa disposição, o STJ editou a Súmula 394[XIV], admitindo compensar valores relativos ao imposto de renda, na via dos embargos do executado. As exceções de incompetência, suspeição e impedimento, ao contrário do que ocorre no processo civil, são argüidos como preliminares e processadas nos próprios embargos (LEF, 16, §3º)[XV]. O valor da causa será igual ao da execução (LEF, 6º, §4º). Se recebidos os embargos a Fazenda será intimada para se manifestar. A peça processual de manifestação da Fazenda se denomina “impugnação”. O prazo que a Fazenda tem para impugnar os embargos é de trinta dias (LEF, 17). A intimação do procurador da Fazenda deve ser pessoal[XVI]. Impugnado ou não os embargos e dependendo da matéria arguida pelo embargante, o juiz designará ou não a audiência de instrução e julgamento. Se a matéria arguída nos embargos for apenas de direito ou se a prova das alegações for unicamente documental, não se realizará a audiência de instrução, devendo o juiz prolatar a sentença no prazo de 30 (trinta) dias (LEF, 17, p.u.).

9. Inexistência de revelia para a Fazenda Pública. Não existe pena de revelia para a Fazenda, podendo essa deixar de impugnar os embargos sem que isso lhe acarrete qualquer prejuízo[XVII], pois o crédito tributário é direito indisponível e irrenunciável[XVIII].

10. Antecipação de tutela – possibilidade. A natureza processual dos embargos do executado é eminentemente cognitiva. Sendo processo de conhecimento aplica-se, quando preenchidos os requisitos do art. 273 do CPC, o instituto da antecipação dos efeitos da tutela. Assim, preenchidos e deduzidos, na inicial, os requisitos para a obtenção da antecipação de tutela, o embargante poderá expressamente requerê-la, pois o juiz não a concederá de ofício[XIX].

[I] O comando do inciso I do art. 9º da LEF, quanto à parte que diz “à ordem do juízo”, não mais prevalece pois a lei 9.703/98 determinou que o dinheiro depositado, para fins de garantia da dívida fiscal, fosse repassado diretamente para a conta única do Tesouro Nacional (art. 1º, §2º).
[II] Merece destaque a declaração de inconstitucionalidade do art. 19 da lei 8.870/, na ADIN 1.074-3, que tem o seguinte enunciado: Art. 19. As ações judiciais, inclusive cautelares, que tenham por objeto a discussão de débito para com o INSS serão, obrigatoriamente, precedidas do depósito preparatório do valor do mesmo, monetariamente corrigido até a data de efetivação, acrescido dos juros, multa de mora e demais encargos. Daí resultou a súmula vinculante 28, com o seguinte enunciado: "É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade do crédito tributário". Interpretando-se, extensiva e teleologicamente a Súmula Vinculante 28, nenhuma garantia poderia ser exigida para se deduzir em juízo os embargos do executado.
[III] A expressão “embargos do executado” é preferível à “embargos do devedor”, haja vista que o executado poderá não ser o devedor, mas o fiador, o avalista ou outro responsável. Cf. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. II. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 410.
[IV] CAIS, Cleide Previlatti. O processo tributário: de acordo com a medida provis´ria do parcelamento de débitos tributários – MP 449/2008 e Lei Complementar que altera o Supersimples – LC 128/2008. 6. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009, 592.
[V] “A exceção de pré-executividade aparece como medida substitutiva da segurança ou garantia em juízo, e seu cabimento ocorre basicamente em duas situações: (I) carência econômica do executado (art. 5º, XXXV e LV da CF) e (II) ausência no título executivo dos requisitos da liquidez, da certeza e da exigibilidade...” – SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 1. ed. 3ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1056.
[VI] O depósito deve ser integral e em dinheiro, segundo teor da Súmula 112 do STJ.
[VII] Decreto 2.850/98. Art 1º “Os depósitos judiciais e extrajudiciais, em dinheiro, de valores referentes a tributos e contribuições federais, inclusive seus acessórios, administrados pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, serão efetuados na Caixa Econômica Federal, mediante Documento de Arrecadação de Receitas Federais - DARF, específico para essa finalidade, conforme modelo a ser estabelecido por aquela Secretaria e confeccionado e distribuído pela Caixa Econômica Federal. § 1º O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, aos débitos provenientes de tributos e contribuições inscritos em Dívida Ativa da União. § 2º Quando houver mais de um interessado na ação, o depósito à ordem e disposição do Juízo deverá ser efetuado, de forma individualizada, em nome de cada contribuinte. § 3º O DARF deverá conter, além de outros elementos fixados em ato do Secretário da Receita Federal, os dados necessários à identificação do órgão da Justiça onde estiver tramitando a ação, e ao controle da Caixa Econômica Federal”. (grifo do professor)
[VIII] “No juízo cível, medida pela qual, em situações especiais, autos de diferentes ações, mas conexas, são reunidas, passando a correr juntos, até decisão final” – Dicionário jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
[IX] CAIS, Cleide Previlatti. O processo tributário: de acordo com a medida provis´ria do parcelamento de débitos tributários – MP 449/2008 e Lei Complementar que altera o Supersimples – LC 128/2008. 6. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009, 594.
[X] CAIS, Cleide Previlatti. O processo tributário: de acordo com a medida provis´ria do parcelamento de débitos tributários – MP 449/2008 e Lei Complementar que altera o Supersimples – LC 128/2008. 6. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009, p. 594. SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 1. ed. 3ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1.055.
[XI] A discussão e a declaração incidental de inconstitucionalidade de lei instituidora de tributo é matéria arguível em sede de embargos do executado. A decisão abrange apenas a esfera do caso concreto: Cf. NERY JÚNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor: atualizado até 17.02.2010. 11. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
[XII] O art. 5º, inciso LV da Constituição Federal garante a ampla defesa nos processos administrativos e judiciais. Se o acusado ainda não teve oportunidade de se defender, como é o caso da execução fiscal em que o título executivo é produzido unilateralmente pela Administração Pública Tributária, qualquer restrição à defesa ofenderia a garantia constitucional retro mencionada. Cf. CAIS, Cleide Previlatti. O processo tributário: de acordo com a medida provisória do parcelamento de débitos tributários – MP 449/2008 e Lei Complementar que altera o Supersimples – LC 128/2008. 6. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009, p. 595.
[XIII] Câmara, op. Cit. P. 413.
[XIV] “É admissível, em embargos à execução fiscal, compensar valores de imposto de renda retidos indevidamente na fonte com os valores restituídos apurados na declaração anual.”
[XV] Cleide Privittali Cais entende que as exceções devem ser manifestadas em autos apartados, quando da apreciação possa resultar a declaração da incompetência absoluta do juízo – cf. Cais, op. Cit., p. 596.
[XVI] Cf. TRF 240.
[XVII] Súmula 256 do TRF “A falta de impugnação dos embargos do devedor não produz, em relação à Fazenda Pública, os efeitos da revelia”.
[XVIII] ALBUQUERQUE, Marcos Cavalcanti de. Lei de execução fiscal: interpretação e jurisprudência. São Paulo: Madras, 2003, p. 45
[XIX] CAIS, Cleide Previlatti. O processo tributário: de acordo com a medida provis´ria do parcelamento de débitos tributários – MP 449/2008 e Lei Complementar que altera o Supersimples – LC 128/2008. 6. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009, p. 595.