domingo, 20 de junho de 2010

RC001 - Responsabilidade Civil - Conceito e espécies

RC001 – Responsabilidade civil – conceito e espécies

Notas Didáticas de Direito Civil
Professor: Jorge Ferreira da Silva Filho
Blog: Ensino Democrático

1. Introdução. Para entender o conceito de responsabilidade civil recomendo que o aluno comece investigando o significado da palavra responsabilidade. Diz-se que há responsabilidade quando uma pessoa, física ou jurídica, em decorrência de uma atitude tomada, passa a ser percebida pela sociedade como alguém que tem o dever de se submeter a uma imposição que lhe implicará a perda de uma vantagem. [i] São exemplos: pagar uma multa, passar 4 anos em reclusão, entregar uma terra, rezar 20 ave-marias etc. Há, pois, responsabilidade moral, religiosa, política, jurídica etc. No campo jurídico verificam-se três espécies de responsabilidade: a civil; a criminal, ou penal; a administrativa. Interessa-nos a responsabilidade civil.

2. A responsabilidade civil. O atual Código Civil brasileiro abriu um Título específico para tratar da responsabilidade civil[ii], porém há muitas outras disposições sobre essa matéria no próprio Código e também em leis esparsas. Nosso ponto de partida para assimilar o conceito de responsabilidade civil será o estudo do artigo 927, caput e parágrafo único[iii], combinado com o artigo 389[iv], ambos do CCB. O legislador, no enunciado do artigo 389, usou o verbo responder para dizer que o devedor, que não entregar ao credor a prestação à qual se obrigou, estará obrigado a mais uma nova prestação: a de pagar as perdas e danos causados pelo inadimplemento da obrigação anterior. Portanto, a responsabilidade civil contratual [o dever de pagar as perdas e danos] nasce do descumprimento de uma obrigação anteriormente pactuada. Analisando o texto do art. 927, caput, nota-se que a pessoa que cometer um ato ilícito, e deste ato resultar um dano a outrem, a ela será imposta uma outra obrigação: a de reparar o dano causado. A essa obrigação [a de reparar o dano] dá-se o nome de responsabilidade civil. Também, nesse caso, a responsabilidade apenas surgiu depois que alguém descumpriu o principal dos deveres: não cometer ato ilícito. Portanto, pode-se dizer que a responsabilidade civil é uma obrigação qualificada pelo fato de ela nascer do descumprimento de um dever[v]; o dever originário[vi]. A responsabilidade civil é um dever sucessivo, pois ele surge apenas se desrespeitado for um dos deveres originários. A responsabilidade civil é também um dever qualificado pelo seu objeto. Este consiste na conduta de reparação do dano causado – ressarcir ou compensar. A doutrina converge para essa definição. [vii] Vê-se, pois, que, na responsabilidade civil, não se fala em multa, restrições de direito ou pena privativa de liberdade; esses efeitos se relacionam com as responsabilidades penal e administrativa, fora do objetivo dessas notas.

3. As classificações da responsabilidade civil. Classificar[viii] significa agrupar elementos de um conjunto identificados por um fato ou uma relação que lhes são comuns. A classificação é de suma importância, pois ajuda a identificar os princípios específicos que se aplicam à determinada categoria. Os artigos 927 e 389 do Código Civil permitem identificar algumas categorias, que são extremamente úteis para o manejo da linguagem pertinente à responsabilidade civil. Comecemos pelo parágrafo único do art. 927 do CC, que enuncia: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,...”. Ora, se o legislador foi obrigado a adjetivar uma obrigação pela qualidade de estar não depender da culpa, a lógica no diz que há pelo menos duas categorias de responsabilidade civil: a que depende da verificação da culpa, então denominada responsabilidade subjetiva; aquela que se constitui independentemente de o causador do dano ter agido ou não com culpa – a responsabilidade objetiva. De outra banda, o artigo 389 do CC enuncia que se uma pessoa não cumprir uma obrigação incidirá a responsabilidade civil consistente na obrigação sucessiva de pagar as perdas e danos. O dever originário discursado no artigo 389 do CC é o dever geral de cumprir as obrigações pactuadas. O significado da palavra obrigação, no contexto desse artigo, alcança as obrigações que nascem dos contratos, dos atos unilaterais de vontade e das especificadas em lei, desde que adjetas a outras manifestações de vontade. Diz-se, então, que há uma categoria de responsabilidade civil centrada no elemento comum que é o inadimplemento de uma obrigação de natureza contratual, à qual a doutrina denomina responsabilidade civil contratual. Pergunta-se, então: se o artigo 389 do CC permite identificar a categoria da responsabilidade contratual, qual artigo possibilita construir a categoria oposta: a da responsabilidade civil extracontratual? A resposta encontra-se no caput do artigo 927 do CC, que diz: Aquele que, ... , causar dano, fica obrigado a repará-lo. O pronome demonstrativo “aquele”, empregado no início do enunciado do artigo retro, refere-se a uma terceira pessoa [o causador do dano], sem qualquer vínculo jurídico anterior com quem sofreu o dano [a vítima]. Em tese, antes do evento danoso, a vítima e aquele causador do dano sequer precisariam saber um da existência do outro. A obrigação de reparar o dano causado, nesse caso, nasce pelo fato de se ter desrespeitado o mais antigo dos deveres originários – o dever geral de cuidado; o dever de não causar dano a qualquer pessoa, independentemente de vínculo anterior entre a vítima e o agente. A isso se denomina: responsabilidade civil extracontratual ou Aquiliana.

4. Peculiaridades das categorias de responsabilidade civil. Vimos que a responsabilidade civil pode ser classificada nos seguintes grupos: subjetiva; objetiva; contratual; aquiliana. Os dois primeiros grupos são formados pelo critério da dependência da verificação da culpa – se dependente da verificação da culpa para caracterizar a responsabilidade ela será subjetiva; se não dependente, será objetiva. As classes se excluem. Situação idêntica se verifica em relação aos grupos contratual e aquiliana. O critério de classificação é a espécie da obrigação originária. Se contratual, a responsabilidade se insere em grupo de igual nome. Se a responsabilidade originária é o dever geral de cuidado, a responsabilidade é denominada como extracontratual ou aquiliana. As espécies desse grupo também se excluem. Isso quer dizer que se a responsabilidade é aquilina ela não pode ser contratual e vice-versa. Se a responsabilidade é da espécie subjetiva ela não pode ser objetiva e vice-versa. Entretanto, uma responsabilidade do grupo contratual pode ser subjetiva ou objetiva. De igual forma, a responsabilidade aquiliana pode ser subjetiva ou objetiva.

5. Elementos da responsabilidade civil subjetiva. Entende-se como elemento de alguma coisa, aquilo que não lhe pode faltar, sob pena de descaracterizá-lo. O artigo 927, caput permite uma primeira prospecção dos elementos da responsabilidade civil. Do seu enunciado se extrai que havendo um ato ilícito e deste ato resultar um dano surgirá a obrigação de repará-lo. Pode-se dizer, pois, num primeiro grau de conhecimento que os elementos da responsabilidade são: 1º) o ato ilícito; 2º) o dano; 3º) o nexo de causalidade entre o ato ilícito e o dano. Essa primeira conclusão, porém, pouco adianta, pois ela se aplica à responsabilidade civil subjetiva e objetiva. Há, porém, no texto do art. 927 do CC uma referência aos artigos 186 e 187 do CC. A construção gramatical empregada conduz à interpretação de que o ato ilícito encontra-se delineado ou definido nos dois artigos referenciados. Então, analisando o conteúdo do artigo 186, percebe-se que neste há uma categoria de ato ilícito diferente daquela contida no artigo 187. No art. 186 surge o dever de reparar o dano desde que alguém, voluntariamente, aja com imprudência ou se omita pela negligência, e, além disso, desta ação ou omissão tenha resultado o dano. Ao conjunto constituído da ação imprudente ou omissão negligente resultante de ato de vontade livremente manifestada, a maioria da doutrina nomeou como “culpa”. A responsabilidade civil delineada no artigo 186 do CC, portanto, somente se instaura em havendo culpa. Daí a doutrina dizer que os elementos da responsabilidade civil subjetiva são: a culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre a culpa e o dano. [ix] Entretanto, a palavra culpa, tem múltiplos significados. No campo do psiquismo humano ela significa uma opção mental entre o certo e o errado; um livre arbítrio dirigido para o lado que a sociedade considera errado. O resultado dessa opção é que interessa ao Direito. Por isso, alguns autores entenderam que o primeiro elemento da responsabilidade civil subjetiva não seria a “culpa”, mas sim a “conduta culposa” da pessoa. A conduta de uma pessoa é o agir ou o deixar de agir que é percebido pelo outro. A palavra culposa, sendo adjetivo, qualifica a conduta de quem, por livre vontade, decidiu agir contra a prudência recomendada às circunstâncias, ou, então, se omitir, quanto ao comportamento adequado às circunstâncias. Para estes autores, os elementos da responsabilidade civil subjetiva são: a conduta culposa; o dano; e o nexo de causalidade entre a conduta culposa e o dano. [x] Filio-me à corrente que admite como os elementos, ou pressupostos, da responsabilidade civil subjetiva, a conduta humana censurável, o dano e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano. [xi]

6. Elementos da responsabilidade civil objetiva. O aluno deve partir do enunciado do parágrafo único do art. 927 do CC para identificar os elementos da responsabilidade civil objetiva. Diz a primeira parte desse dispositivo que “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,”. A interpretação gramatical do texto deixa claro que nosso ordenamento jurídico admite responsabilizar alguém – obrigar a reparar o dano causado – ainda que a esse alguém não se possa associar uma conduta culposa. Essa instituição de direito civil se denomina responsabilidade civil objetiva.[xii] Visto o conceito, o aluno deve agora investir em conhecer como identificar uma responsabilidade objetiva. Diz a segunda parte do enunciado do parágrafo em exame que a obrigação de reparar um dano, independentemente de o responsável ter agido culposamente, somente ocorrerá em duas hipóteses: 1ª) quando a lei assim o disser; 2ª) quando o dano decorrer de uma atividade de risco[xiii] praticada pelo responsável. Às vezes o legislador de forma direta e expressa emprega a expressão “independentemente de culpa” na redação do artigo e, assim, não deixa dúvida que a responsabilidade civil é da categoria objetiva. São exemplos os artigos: 931 e 933, do Código Civil; 12, caput e 14, caput, ambos da Lei 8.078/90. Há outros dispositivos que exigem uma interpretação do texto da lei com mais refino intelectual, caso contrário não se perceberá, numa primeira leitura, que se trata de uma responsabilidade civil objetiva. São exemplos os artigos 187, 737, 936 e 938 do Código Civil e também o art. 37, §6º da Constituição Federal. Feita essa introdução, podemos, agora, buscar o primeiro elemento da responsabilidade civil objetiva. Do caput do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor se extrai que o fornecedor, de um produto defeituoso[xiv], de cujo defeito resultar dano, estará obrigado a repará-lo. Há, pois, para essa responsabilidade, o pressuposto de uma conduta – a conduta de fornecer produto com defeito – tenha ou não tenha o fornecedor agido com imprudência ou negligência. Trata-se de mera opção legislativa, responsabilizar o fornecedor de produto defeituoso pelos danos causados pelos produtos em decorrência deste defeito. Às vezes, o fornecedor toma todas as precauções que o estágio atual da técnica recomenda para testar o produto, mas algo deixa de ser percebido ou sequer é ainda conhecido. O produto saiu com um defeito e se causar dano haverá a obrigação de reparar. Aí está o primeiro elemento da responsabilidade civil objetiva, uma conduta humana comissiva, despida de imprudência ou negligência, considerada pelo legislador como apta a informar a reparação civil. São, pois, elementos, ou pressupostos, da responsabilidade civil objetiva: conduta humana que se subsume ao modelo descritivo contido no parágrafo único do art. 927 do CC; o dano; o nexo de causalidade entre o dano e a conduta.

7. O sutil desenho jurídico do art. 187 como responsabilidade objetiva. O arranjo gramatical do caput do art. 927 não deixa dúvida no sentido de que ato ilícito é o que está definido nos artigos 186 e 187 do CC. O artigo 186, como acima demonstrado, é o arcabouço da responsabilidade civil subjetiva. Entretanto, o artigo 187[xv] nada diz sobre imprudência ou negligência; o que recomenda cuidadosa análise. A primeira parte do art. 187 tem o seguinte início: Também comete ato ilícito aquele que... excede manifestamente ... Ora, o advérbio também, no contexto, nos remete à idéia de que ainda [outrossim, além disso] não havendo ação ou omissão voluntária qualificadas pela imprudência e negligência, haverá o dever de indenizar se o detentor do direito, exercendo-o, simplesmente foi além dos limites que a sociedade impõe, nos campos que o artigo prescreve na sua parte final. Por isso, a maioria da doutrina afirma que a responsabilidade civil delineada nesse artigo é da categoria objetiva. Alguns autores interpretam que o abuso de direito em si comporta uma imprudência – agir provocando uma situação fática que ultrapassa aquilo que a sociedade considera além do razoável para o exercício do direito[xvi]. Filio-me à corrente que diz que o art. 187 insere-se no campo da responsabilidade civil objetiva, porque a hipótese descrita nesse dispositivo subsume-se à descrição legal, contida na primeira parte do parágrafo único do art. 927 – caso especificado em lei –, fundamento para decidir se uma ocorrência pode ou não pode ser classificada como responsabilidade objetiva.

8. Fundamentos da responsabilidade civil. Normalmente, o aluno tem a curiosidade de saber quais são os motivos que levaram o ser humano a criar o instituto da responsabilidade civil. A história da responsabilidade civil pode ser vista sob muitas perspectivas, tais como, a sociológica, a psicológica, a religiosa, a do Direito etc. Interessa-nos a fonte material desse direito. Essa se encontra no posicionamento de que é melhor para a sociedade criar uma via pela qual a pessoa que sofreu uma perda – lesão – em seu direito, patrimonial ou extrapatrimonial, venha a receber uma reparação. A pessoa que perde injustamente um direito e não encontra no ordenamento jurídico uma forma de receber a reparação sente-se desamparada, perde a fé no Direito e se torna uma pessoa inadequada para o bom convívio social.
[i] Explica José de Aguiar Dias que o doutrinador G. Marton, uma das maiores autoridades neste assunto, “estabeleceu com muita lucidez a boa solução, quando define responsabilidade como a situação de quem, tendo violado uma norma qualquer, se vê expostos às consequências desagradáveis decorrentes dessa violação, traduzidas em medidas que a autoridade encarregada de velar pela observação do preceito lhe imponha, providências essas que podem, ou não, estar previstas” – ( DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista por Rui Berford Dias. - São Paulo: Renovar, 2006, p. 05).
[ii] Artigos 927 a 954, contidos no Título X, do Livro I, da Parte Especial.
[iii] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
[iv] Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
[v] Dever jurídico é “a conduta externa de uma pessoa imposta pelo Direito Positivo por exigência da convivência social. Não se trata de simples conselho ou recomendação, mas de uma ordem ou comando dirigido à inteligência e à vontade dos indivíduos, de sorte que impor deveres jurídicos importa criar obrigações”. (CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 1 e 2).
[vi] Pode-se diferençar dever jurídico de obrigação jurídica, pelo fato de que aquele é uma regra geral que se mantém no tempo, enquanto esta é sempre transitótia. Isso quer dizer que o dever não prescreve – o dever de ser honesto, o dever de cumprir a obrigação livremente pactuada, o dever de agir sempre com cuidado para não causar prejuízo às pessoas; os deveres recíprocos de assistência entre pais e filhos, o dever de cumprir as leis etc. A obrigação é transitória. Ela se extingue pela entrega da prestação – dando, fazendo ou deixando de fazer –, ou pela prescrição. Nesse sentido: “O transcurso do tempo é um modo de extinguir obrigações por lhes tirar a efficacia da acção” (Clóvis Beviláqua. Direitos das obrigações. Edição histórica ( 1ª ed. em 1895). Campinas: Redlivros, 2000, p. 196).
[vii] “Não importa se o fundamento é a culpa, ou se é independente desta. Em qualquer circunstância, onde houver a subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil” – Caio Mário da Silva Pereira. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 11.
“Penalizar o infrator, obrigando-o a pagar uma soma em dinheiro para ressarcir a vítima de um ato ilícito, constitui o embrião da responsabilidade civil atual, porque representou o substituto judicial da vingança privada” (IHERING, El espiritu del derecho romano, Bueno Aires, 1947, p.65- apud: Ênio Santarelli Zuliani. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. Ano VI – nº 34. Porto Alegre, 2005, p. 40).
A “responsabilidade [civil] significa a obrigação de reparar um prejuízo,seja por decorrer de culpa ou de uma outra circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância meramente objetiva” – (Miguel Maria de Serpa Lopes. Curso de direito civil: fontes acontratuais das obrigações; responsavilidade civil. Volume V. 4. ed. Rio de Janeiro, Freistas Bastos, 1995, p. 160).
“Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever originário” (CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 2).
[viii] Classificar consiste em determinar as categorias em que se divide e subdivide um conjunto – Novo Aurélio: Século XXI. Nova Fronteira, 1999.
[ix] Caio Mário da Silva Pereira. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 35.
[x] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 18. GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. vol. III. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 23.
[xi] “Até o século XIX, para que surgisse um direito à indenização, como ainda regulamenta o art. 186 do nosso Código, não bastava apenas a constatação de um fato antijurídico, mas eram necessários outros dois requisitos: que adviesse de uma ação ou omissão voluntária, (imputabilidade, mito aliás superado pelo art. 928), e que a ela concorresse “negligência ou imprudência” (culpabilidade em seu sentido reprovável) expressões tais que tradicionalmente englobam as figuras romanas da culpa e do dolo. No campo processual pressupõe a prova dos dois elementos comums a qualquer regime de responsabilidade (o dano em si e o nexo causal), e mais o elemento subjetivo culpa. (COSTA, Carlos Celso Orcesi da. Código civil na visão do advogado: responsabilidade civil. vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 227)
[xii] “Aliás, há quem sustente a impropriedade da expressão responsabilidade objetiva, oposta a responsabilidade subjetiva” – (Rui Stoco. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 3. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 64).
[xiii] Importante observar que não é qualquer atividade que implica risco para outrem que informa a responsabilidade civil objetiva. Para isso, a atividade deve ser normalmente desenvolvida, ou seja, uma atividade de rotina, ou realizada com regularidade.
[xiv] Para o direito do consumidor, um produto é considerado defeituoso quando ele não oferece a segurança que dele se pode normalmente esperar. Trata-se de uma definição legal.
[xv] COSTA, Carlos Celso Orcesi da. Código civil na visão do advogado: responsabilidade civil. vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 236 e 129.
[xvi]Nesse sentido: “E ao reportar-se ao art. 187 exige algo mais de bastante atualidade no mundo contemporâneo: a culpa por abuso de direito” – (COSTA, Carlos Celso Orcesi da. Código civil na visão do advogado: responsabilidade civil. vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 236); “Percebe-se, então, que, ao lado da responsabilidade decorrente do ilícito civil ou do abuso de direito, em cujas noções encontra-se inserida a idéia de culpa (arts. 186 e 187), poderá o magistrado também reconhecer a responsabilidade civil do infrator, sem indagação de culpa” – (GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. vol. III. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.137).

sábado, 19 de junho de 2010

Artigo. O político, o povo e a improbidade

O POLÍTICO, O POVO E A IMPROBIDADE

* Artigo publicado no Jornal Diário do Aço - edição de 18/06/2010

Quem tem baixa renda, normalmente, não se interessa por questões tributárias. Parece que o assunto não lhe diz respeito. De igual forma, o cidadão comum não se preocupa em controlar os atos de improbidade dos agentes públicos. Pensam que é coisa da “política” e dos “políticos”. Entretanto, deveriam se interessar. Digo isso porque, proporcionalmente, é o pobre aquele que mais suporta os efeitos da excessiva carga tributária. Os preços das coisas poderiam ser bem menores. No tocante à improbidade, se o cidadão ajudasse a combatê-la, poderíamos ter mais dinheiro para aplicar na saúde, na educação, na segurança pública, no transporte público, no acesso à justiça e em tantos outros serviços públicos que precisam ser melhorados.
A improbidade administrativa é um abominável ato, praticado por agente público que se enriquece ilicitamente, dá prejuízo aos cofres públicos ou, ainda, descumpre seu dever de ser honesto, imparcial, cumpridor da lei e leal com a instituição pública à qual serve.
O agente público, por sua vez, é qualquer pessoa que exerça mandato, cargo, emprego ou função pública, seja por eleição, nomeação, contratação ou designação, ainda que transitoriamente, com ou sem remuneração. Em outras palavras, o agente é qualquer um que tenha efetivo poder decisório sobre recursos públicos – humanos ou materiais.
O responsável pela improbidade se sujeita a: devolver o dinheiro que ilicitamente ganhou; perder sua função pública; ter seus direitos políticos suspensos; pagar multas. Tudo isso previsto em lei, porém, raramente, se conhece alguém que tenha sido penalizado com este rigor legal. Por quê?
Analisando a lei da improbidade administrativa verifica-se que tudo começa com uma representação à autoridade administrativa. Isso significa que a pessoa que descobriu a “falcatrua” deverá: se identificar; descrever o ato de improbidade; assinar o documento com as acusações; entregar a representação à autoridade administrativa. Esta, por sua vez, poderá rejeitar a representação ou nomear uma comissão para apurar os fatos. Se estes forem confirmados o Ministério Público ou a instituição pública prejudicada deflagrará a ação judicial pelo rito ordinário [leia-se: moroso] contra o agente. O Ministério Público tem autonomia para requisitar a instauração do inquérito policial ou a abertura do procedimento administrativo, mas é preciso que alguém o informe sobre as irregularidades.
Ora, exceto por ato ostensivamente ímprobo, dificilmente alguém que não esteja enfronhado com a administração pública identificará os atos irregulares. Quem está no jogo político e tem telhado de vidro provavelmente não fará a representação. Quem pertence ao quadro efetivo do funcionalismo dificilmente denunciará, pois, com a mudança de poder político poderá sofrer com a velha e conhecida “perseguição política”.
Já disseram que nosso ordenamento jurídico é o mais eficiente do mundo, pois foi idealizado para não funcionar e não funciona mesmo. Mas não podemos desistir. Há de surgir mais “caseiros” que “Pallocis”. Aos “caseiros” ainda restará o manejo da ação popular.

domingo, 6 de junho de 2010

Artigo - Ficha suja / ficha limpa

* Este artigo foi publicado originariamente no Jornal Vale do Aço, página 2, edição de domingo, 06 de Junho de 2010.

FICHA SUJA / FICHA LIMPA
Com a finalidade de proteger a democracia e o cidadão – o homem comum do povo – quis a sociedade brasileira criar mecanismos para evitar que políticos, no exercício do mandato eletivo, viessem a faltar com a probidade administrativa e a moralidade. Por óbvio, nenhum candidato, vai se confessar tendente a práticas desonestas ou que atentem contra a moralidade administrativa. Por isso, ordenou a Constituição que, por meio de Lei Complementar, fossem definidos critérios para examinar “a vida pregressa dos candidatos”, ou seja, quais fatos do passado do candidato seriam levados em conta para determinar sua inelegibilidade.
Produziu-se a Lei Complementar 64. Então, com base na vida pregressa do candidato, ficaria inelegível aquele que: na justiça eleitoral, fosse condenado por abuso de poder econômico ou político; na justiça comum, tivesse sido condenado pela prática de crimes especificados na lei; no plano político, tivesse suas contas rejeitadas por irregularidades insanáveis. Além disso, a decisão deveria transitar em julgado. Ora, todos sabem que o processo judicial é moroso. Quem tem dinheiro para pagar competentes advogados consegue, dentro da estreita legalidade, embora, às vezes, eivada de imoralidade, procrastinar por anos e anos a decisão final de um processo. Em síntese: nada acontece e assim os Renans, os Severinos e os Josés continuarão disputando cargos.
Estranhamente ou propositalmente a lei não permitiu que se fizesse qualquer avaliação probabilística sobre as tendências do candidato à delinqüência. Não se admitiu a cognição sumária, instituto já consagrado no processo cautelar, como forma de proteger o povo contra o fundado receio de futura lesão a ser perpetrada pelo candidato. Em outras palavras: a lei não deu instrumentos capazes de evitar que alguém, com fortes indícios de se revelar uma raposa, seja eleito para cuidar do galinheiro (o dinheiro público para ser aplicado na saúde, na educação, na segurança etc.).
A indignação tomou conta de uma parcela esclarecida da sociedade e, por meio da iniciativa popular, chegou-se ao projeto de lei denominado “ficha limpa”. O ponto nuclear desse projeto é que a simples condenação em primeiro grau tornaria inelegível o candidato. Não se exigiria mais o demorado trânsito em julgado de sentença condenatória.
O fundo axiológico desse projeto de lei é curioso. Abre-se mão do princípio da inocência do candidato; quebra-se o cânone da irretroatividade da lei; põe-se, em relevo, a cautela – acolhendo-se a simples plausibilidade da tese de que o candidato com indícios de que poderá lesar o interesse público, não pode ser considerado elegível; ainda que possivelmente inocente. O projeto foi modificado. A lei encaminhada à sanção passou a exigir que a condenação, capaz de tornar inelegível o candidato, fosse proferida por um grupo de julgadores. Total desprestígio ao juízo de primeiro grau, mas, dos males, o menor. Publicado o texto aprovado no Congresso, no mundo jurídico, autorizadas vozes se levantaram. Uns disseram que a lei seria inconstitucional, pois feriria o princípio da inocência. Outros comentaram que a lei não poderia ser aplicada àqueles já condenados em primeiro grau, mas sem a ocorrência do trânsito em julgado.
Inclino-me a dizer o contrário: Estamos fundados sob uma ordem jurídica na qual o povo é o soberano exercendo este poder por meio de representantes escolhidos pelo voto. O direito de ser votado não pode ser alçado a um plano mais elevado que o direito que tem o povo à segurança de uma representação com probidade e moralidade. O princípio da inocência é relativo, pois a própria Constituição acolhe ser necessária a exigência de conduta ilibada para o preenchimento de determinados cargos. A irretroatividade das leis também não é um princípio absoluto. No Brasil, este se circunscreve ao respeito à coisa julgada, ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito. A irretroatividade é mera opção política legislativa.
No campo eleitoral não prevalece o princípio do Direito Penal que diz, “mais vale um culpado solto que um inocente preso”. Em se tratando de preservar a democracia e seus valores, sacrifica-se o candidato inocente em benefício da preservação da imagem do político e da política – essenciais à crença no estado democrático de direito como valor social. Quem propala que o povo não sabe votar é também quem diz que todo político é corrupto. São inverdades que interessam apenas aos inimigos da democracia.
Quem quer se candidatar que cuide de sua imagem.
Jorge Ferreira S. Filho. Advogado; Secretário Geral da 72ª Subseção da OAB – Seção Minas Gerais; Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho /RJ; Associado ao Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Integrante do Instituto dos Advogados de Minas Gerais – IAMG - E-mail professorjorge1@hotmai.com

P450 - Ações coletivas

P450 – Ações Coletivas - fundamentos.

Professor: Jorge Ferreira da Silva Filho
Notas didáticas de direito processual civil
Direitos autorais na forma da Lei 9610/98

1. Propedêutica. O processo é o meio pelo qual a pessoa, física ou jurídica, busca a tutela de seus direitos. Tornou-se usual, porém, dizer que a tutela se faz por meio de uma “ação”. No direito brasileiro, para propor ou contestar uma “ação”, a pessoa deve ter interesse e legitimidade (CPC, 3º)[I]. A legitimidade é um conceito jurídico de natureza processual. Diz-se que uma pessoa tem legitimidade quando ela preenche os requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico para se postar validamente como autora ou ré (requerida) num processo. Daí se fala em legitimidade ativa – a do autor da ação – e em legitimidade passiva – a do réu, ou requerido. O autor, via de regra, é a pessoa que formula “pedidos” na “ação”. Réu é aquele que suportará as consequências do deferimento dos pedidos formulados. A legitimação é o instituto jurídico pelo qual se confere legitimidade às pessoas. Desse conjunto de idéias, se construiu a definição de legitimação ordinária para a causa – legitimação comum. Trata-se de noção insculpida no art. 6º do CPC. Nesse, se encontra a regra geral, assim postada: QUEM PEDE, PEDE PARA SI. Em outras palavras, o autor de ação formula um pedido que, se deferido, atingirá sua esfera de direitos. O autor não pode pedir num processo que o juiz defira o pedido de tutela relativo aos direitos de outra pessoa, mesmo que essa esteja sofrendo lesões em seu legitimo direito. Apenas excepcionalmente se permite que, em nome próprio, se pleiteie direito alheio. Essa autorização especial dada pela lei configura a legitimação extraordinária. Autorizações expressas para pleitear em nome próprio um direito alheio estão dispersas no nosso ordenamento jurídico. São exemplos: a conferida às entidades associativas, pelo inciso XXI, do art. 5º da Constituição Federal[II]; a conferida aos sindicatos, para, autorizados ou não pelos sindicalizados[III], propor, em nome próprio, mandado de segurança coletivo, contra lesão a direito líquido e certo, de seus associados – CF, art. 5º, inciso LXX.
2. A forma clássica individualista de pensar a legitimidade na tutela dos direitos. O processo foi pensado, até meados do século XX, como forma de tutelar o direito individual do autor da ação. Os direitos eram enfeixados em categorias de direitos subjetivos pessoais ou reais. Cada um deveria pedir para si a tutela[IV] relativa ao seu direito. Quando a decisão judicial, relativa ao pedido formulado pelo autor da ação, fosse passível de afetar direitos de outras pessoas, além das partes envolvidas, aplicava-se o instituto do litisconsórcio necessário. Apenas dessa forma se admitia a ação exercida de forma coletiva – vários autores ou vários réus ou ambos. Ainda assim, no litisconsórcio, as tutelas deferidas circunscreviam-se ao direito individual. Com o desenvolvimento dos grandes centros urbanos, com a eclosão de desastres ambientais e a formação de complexas relações jurídicas, principalmente na relação de consumo, a forma clássica individualista se revelou insuficiente para a efetiva tutela dos direitos[V]. Surgiram, então, novas categorias de direitos e de tutelas[VI]. Norberto Bobbio chegou a dizer que o problema atual dos direitos não está em justificá-los, mas, sim, como conseguir sua efetiva tutela. [VII] Os norte-americanos perceberam que as pessoas estavam deixando de buscar a tutela de seus direitos quando: as despesas judiciais iniciais do processo eram muito altas; o direito tutelado era de pequena expressão financeira; não conseguiam, diante da complexidade do mundo moderno, perceber o sentido e o alcance de seus direitos. Para resolver essa inadequação do sistema clássico, eles construíram o instituto denominado class action[VIII], fonte inspiradora das ações coletivas atuais.
3. O direito transindividual e sua defesa em juízo. Suponha que um grupo de pessoas resida nas proximidades de uma fábrica que expele pela chaminé produtos tóxicos. Qualquer pessoa, individualmente, poderia mover uma “ação” contra a empresa para ser ressarcido quanto aos danos sofridos com a poluição, se puder quantificá-los. Poderia também pedir a suspensão das atividades da fábrica até que fossem instalados filtros. As dificuldades práticas para uma pessoa mover essa ação são muitas, mas a principal se refere à prova que é técnica e muito cara. Isso decorre do fato de que o autor da ação deveria identificar o agente poluente, medir os índices [concentração do poluente], confrontá-lo com os limites da legislação específica sobre o poluente, pagar os honorários periciais. Se essa pessoa estivesse empregada na fábrica, certamente perderia seu emprego quando entrasse com a ação. Em síntese pode-se dizer: impraticável para o homem do povo. Todavia, por mera hipótese, se essa pessoa tivesse sucesso com a ação contra a fábrica não apenas ele seria beneficiado, mas todas as pessoas da comunidade e até eventuais pessoas que tivessem passado no local atingido pela poluição. Daí vem a noção de direito transindividual ou metaindividual, que pode ser assim posta: Trata-se de um direito que pertence concomitantemente a várias pessoas; as pessoas podem ser inseridas em grupos, categorias ou classes; o vínculo que permite reunir as pessoas em categorias pode ser de natureza jurídica ou de natureza fática.
4. A importância do Código de Defesa do Consumidor no contexto dos direitos transindividuais. Em 1990, por meio da lei 8.078, denominada Código de Defesa do Consumidor, uma nova linguagem se descortinou para o direito material e processual. Expressões como “interesses e direitos difusos”, “interesses e direitos coletivos”, “interesses e direitos individuais homogêneos”, “Ações coletivas” e tantas outras passaram a fazer parte da semântica processualista. As expressões iriam se inserir posteriormente em outras leis extravagantes, como na lei da ação civil pública – Lei 7.347/85, art. 1º, inciso IV.
5. Diferençando interesse e direito. As palavras interesses e direitos comparecem no enunciado do art. 81 do CDC, dando a idéia de diferentes significados. Historicamente, o direito exercitável era o direito subjetivo. Os interesses eram também direitos, todavia, um direito comum a determinado grupo de pessoas, desde que o grupo fosse indeterminado, em termos práticos, e o direito indivisível[IX]. Kazuo Watanabe, em relação ao art. 81 do CDC, assim explica: “Os termos interesses e direitos foram utilizados como sinônimos, certo é que, a partir do momento em que passam a ser amparados pelo direito, os interesses assumem o mesmo status de direitos, desaparecendo qualquer razão de ordem prática, ... , para a busca de uma diferenciação ontológica entre eles”. [X] (idem, 623).
6. Categorias de interesse, no ordenamento jurídico. De suma importância é o domínio dos conceitos relativos aos interesses, ou direito, pleiteados numa ação. Por isso o aluno deve se aplicar no exame das palavras nucleares que explicam os conceitos abaixo, inclusive buscando exemplos na literatura indicada, de forma a melhor introjetar as noções abaixo desenvolvidas.
6.1- Interesse individual: Caracteriza-se pelo fato de que a lesão ou a ameaça a este direito não tem como ultrapassar a esfera do titular. Identifica-se com a noção histórica do instituto jurídico denominado “direito subjetivo”[XI].
6.2- Interesses plúrimos: O conceito assemelha-se ao de litisconsórcio. Grupo de pessoas coligadas que, por si, ou por meio de entidade de classe, buscam a satisfação de direitos individuais. O Litisconsórcio pode ser facultativo ou necessário. Quando facultativo encontra limitações naturais ao seu exercício.
6.3- Interesses difusos: São os “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (CDC 81, I). V.g.: eliminar a publicidade enganosa ou abusiva que atinge uma multidão indeterminável, em termos práticos; remover produtos colocados no mercado que tenham alto grau de nocividade e periculosidade à sáude.[XII] O significado da palavra “indivisível” no presente contexto é importante. O interesse é indivisível quando a decisão judicial pleiteada for incapaz de circunscrever seus efeitos em torno apenas dos autores da ação. Pleiteando-se a remoção de uma propaganda enganosa, se deferido o pedido, toda a coletividade ficará tutelada. Não há como proteger uns sem atingir os demais membros. No tocante à expressão “pessoas indeterminadas” ela é interpretada no sentido de que são pessoas que se inserem no universo daqueles que foram, poderiam, podem ou poderão ser alcançados com a tutela. [XIII]
6.4 Interesses coletivos: são “os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” (CDC 81, II). Distinguem-se dos direitos difusos pelo aspecto da determinabilidade dos titulares. A tutela, entretanto deve permanecer indivisível. Exemplos: Associação de Pais de alunos que demandam por um critério justo de reajuste de mensalidade[XIV].
6.5. Interesses individuais homogêneos. Previsto no inciso III do art. 81 do CDC, eles se caracterizam pelo fato de serem “decorrentes de origem comum”, todavia sem que a expressão implique unidade espacial e temporal, como explica Kazuo Watanabe. Se a Associação de Pais de alunos demanda no sentido de devolver o excesso pago em mensalidades, fala-se em direitos individuais homogêneos, uma vez que são divisíveis.
7. A técnica brasileira para proteger os direitos coletivos. O legislador definiu as categorias de direito coletivo [o difuso, o coletivo em sentido estrito, os individuais homogêneos], nos incisos I a III, artigo 81 do CDC. Disse que o os interesses do consumidor podem ser defendidos de duas formas: individual; coletiva. Na via da defesa coletiva, o legislador optou pela técnica da legitimação extraordinária ampliada – art. 82. Assim, diferentemente do que ocorre nas ações de classe nos Estados Unidos da América, o consumidor brasileiro não goza de legitimidade extraordinária: pedir em nome próprio direito de outros, ainda que coletivo. O legislador optou por ampliar a base detentora de legitimação extraordinária para a defesa coletiva do consumidor em juízo. Assim, o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, as entidades e órgãos da administração pública, destinadas à defesa dos interesses coletivos, as associações legalmente constituídas, há pelo menos um ano e desde que seus fins sejam concernentes à defesa do consumidor, passaram a deter a legitimação extraordinária para defesa do consumidor em juízo – CDC, 82. Buscando a efetividade da tutela, disse o legislador que os autores, do processo judicial movido para a defesa do consumidor, poderiam se valer de “todas as espécies de ações capazes de propiciar” a adequada defesa – CDC 83. Pelo art. 84 do CDC, o legislador deu ao juiz o efetivo poder de conceder a tutela específica ou determinar providências de ordem prática que se aproximassem dos efeitos do adimplemento. Foi afastada a exigência de preparo e honorários periciais – CDC 87. As normas processuais do CPC e as contidas na ação civil pública foram expressamente incluídas nas ações coletivas – CDC, art. 90. Em relação à ação para defesa de interesse individual homogêneo, centrada em reparação dos danos individuais, o legislador traçou regras especiais – artigos 91 a 100.
8. Instrumentos de defesa coletiva. Como afirmado é possível manejar qualquer ação para a defesa dos interesses coletivos, desde que, obviamente, ela se mostre adequada. Revela-se de extrema adequação para a defesa de alguns direitos coletivos os seguintes institutos processuais: Ação Popular; Ação Civil Pública; mandado de segurança coletivo.
9. Ação coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos. A matéria está regulamentada nos artigos 91 a 100 do CDC. Os legitimados do art. 82 podem propor a ação em nome próprio e no interesse das vítimas, para reparação dos danos individualmente sofridos – CDC 91. Proposta a ação, se faz necessária a publicação do edital aos interessados, caso queiram atuar como litisconsortes – CDC 94. A condenação será genérica. A liquidação da sentença e a execução desta podem ser propostas pela vítima, seus sucessores ou pelos legitimados determinados no art. 82 do CDC. Poderá ainda, a execução ser coletiva – CDC 98. O produto da indenização devida, aos interessados não habilitados, será destinado ao Fundo criado pela LACP – Lei 7347/85.

[I] A rigor, tendo ou não tendo o interesse ou a legitimidade, a ação poderá ser proposta, porém o processo será extinto, sem resolução do mérito [o pedido], uma vez que assim determina o art. 267, inciso VI, do CPC. O CPC, no art. 3º, condiciona a proposição da ação (rectius: recebimento) à demonstração do interesse e da legitimidade. Diferente é o Código Italiano que exige apenas a demonstração do “interesse” como requisito para o recebimento da “ação” : Cf. Titolo IV: DELL'ESERCIZIO DELL'AZIONE: Art. 99 (Principio della domanda) Chi vuole far valere un diritto in giudizio deve proporre domanda al giudice competente. Art. 100 (Interesse ad agire) Per proporre una domanda o per contraddire alla stessa e' necessario avervi interesse.
[II] O legislador usou erroneamente o verbo representar no enunciado do inciso XXI do art. 5º da CF. As entidades associativas não representam. Elas podem substituir o titular do direito lesado e se apresentam como autoras da “ação”. Elas formulam pedidos para os seus membros ou associados, pedidos que se circunscrevem aos direitos dos associados. Daí se falar em substituição processual. Consulte: Alexandre de Moraes. Constituição do Brasil interpretada. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 262.
[III] Confira STJ REsp 70.417/SE, in: Alexandre de Moraes. Constituição do Brasil interpretada. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 2551.
[IV] As tutelas clássicas espraiam-se em duas vertentes: as relativas às sentenças condenatórias, mandamentais e executivas; as pertinentes às sentenças declaratórias e constitutivas. Estas são consideradas auto-suficientes ou satisfativas. Leitura recomendada: MARINONI, Luiz Guilherme. Técnicas processuais e tutela de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 149.
[V] Explica Luiz Guilherme Marinoni que a tutela jurisdicional poderá ou não prestar a tutela de do direito: “A tutela jurisdicional, quando pensada na perspectiva do direito material, e dessa forma como tutela jurisdicional dos direitos, exige a resposta a respeito do resultado que é proporcionado pelo processo no plano do direito material” – Cf. Técnicas processuais e tutela de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 147.
[VI] A tutela inibitória e a tutela de remoção do ilícito passaram a fazer parte do discurso da proteção aos direitos vinculados à sociedade de consumo e ao meio ambiente. Leitura recomendada: MARINONI, Luiz Guilherme. Técnicas processuais e tutela de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 249 e ss.
[VII] Il problema di fondo relativo ai diritti dell’uomo è oggi non tanto quello digiustificarli, quanto quello di proteggerli. È un problema no filosofico ma politico. BOBBIO, Norberto. L’età dei diritti. Torino: Giulio Einaudi editore, 1997, p.16.
[VIII] 3. Os inibidores práticos à defesa jurídica de certos direitos (Fail to seek judicial relief) são assim apontados: Small and modest claim; ignorant of they rights; cost of litigation. A CLASS ACTION deriva da “ Rule 23” de 1966, assim posta: Rule 23 governs the procedure for class action litigation. In a class action, a single plaintiff or small group of plaintiffs seeks to proceed on behalf of an entire class who allegedly have been harmed by the same conduct by the same defendants. Court approval is required for this procedure to be used. Rule 23.1 governs derivative suits in which a plaintiff seeks to assert a right belonging to a corporation (or similar entity) in which the plaintiff is a shareholder, on behalf of the corporation that is not pursuing the claim itself. Rule 23.2 governs actions by or against unincorporated associations. Leitura recomendada: MEDINA, José Miguel Garcia et al. Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 354. “Há uma diferença profunda entre o sistema das class actions e o nosso. Naquele, qualquer um dos integrantes do grupo pode figurar como representante dos demais. No brasileiro, a legitimidade é restrita a alguns órgãos públicos ou privados que tenham por finalidade precípua a defesa dos interesses transindividuais” – Marcus Vinicius Rios gonçalves. Tutela de interesses difusos e coletivos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 26.
[IX] Ada Pellegrini Grinover e outros. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do projeto. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 32.
[X] Idem, p. 623.
[XI] MEDINA, José Miguel Garcia et al. Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 352.
[XII] Kazuo Watanabe. In Ada Pellegrini Grinover e outros. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do projeto. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 625
[XIII] Marcus Vinicius Rios gonçalves. Tutela de interesses difusos e coletivos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 15.
[XIV] Kazuo Watanabe, in: Ada Pellegrini Grinover e outros. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do projeto. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 629.

sábado, 5 de junho de 2010

RC200 - Responsabilidade Civil - Aspectos Processuais

RC200 – Responsabilidade civil – Aspectos Processuais

Notas Didáticas de Direito Civil

Jorge Ferreira da Silva Filho

Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho - Rio de Janeiro

Professor de direito na UBEC

1. Objetivo. Este texto tem por objetivo familiarizar o aluno com os principais aspectos processuais das “ações” de reparação civil, tais como: primeiras verificações; redação da petição inicial; o requerimento de provas; as técnicas de contestação; os prazos prescricionais envolvidos etc.
2. Primeiras verificações. O aluno deve estudar o caso concreto e identificar: o fato ocorrido; a vítima; o suposto causador do dano; o dano material sofrido pela vítima; se o fato é apto a causar dano moral; se a responsabilidade é aquiliana ou contratual; se a responsabilidade é objetiva ou subjetiva; se se trata ou não de relação de consumo. Isso é importante para o planejamento estratégico de cada uma das partes no curso do processo.
3. Petição Inicial. Na ação de responsabilidade civil subjetiva, o autor da ação [vítima] deve afirmar nas suas alegações qual foi: o dano, a conduta culposa do réu e o nexo de causalidade. Deverá juntar também os documentos existentes relacionados com a prova das afirmações da inicial. Na ação de responsabilidade civil objetiva, o autor deve afirmar o dano, a ocorrência de uma das hipóteses do parágrafo único do art. 927 do CC e o nexo de causalidade.
4. Competência. A petição inicial será dirigida ao juízo do lugar do ato ou do fato (CPC 100, V, a). Se a responsabilidade civil decorrer de acidente de trânsito, o juízo competente será o do foro do domicílio do autor da ação [vítima] ou o do local do (CPC 100, p.u.).
5. Contestação. O réu, na hipótese de responsabilidade subjetiva, em sua defesa, somente poderá argumentar que: sua conduta não foi culposa; não houve o dano ou a extensão deste foi menor que a afirmada pelo autor; não há nexo de causalidade entre o dano e qualquer conduta do réu. Sendo caso de responsabilidade objetiva, o réu se defenderá alegando que o fato apontado como causa do dano não se subsume a qualquer das hipóteses contidas no enunciado do parágrafo único do art. 927 do Código Civil. Além disso, poderá também contestar o dano, a extensão do dano e o nexo de causalidade. Cuidado especial deve ser tomado para a hipótese em que o réu terá o dever de indenizar, ainda que não tenha cometido ato ilícito. Trata-se da responsabilidade daquele que deteriora coisa, destrói coisa, ou causa lesão a terceiro, com a finalidade de remover perigo iminente (Cf. artigos 188,II, 929 e 930 do Código Civil).
6. Contestando o dano. Uma das técnicas usadas em defesa é impugnação da alegação da existência ou da magnitude do dano. Às vezes, o dano efetivamente existiu, mas o autor não conseguiu prová-lo – v.g.: não trouxe uma nota fiscal ou orçamento para reparação da coisa. Em se tratando de dano moral é sempre aconselhável defender-se alegando a exorbitância do pedido de indenização ou tentar enquadrá-lo como mero aborrecimento, o que afasta o pagamento da indenização. Quando a vítima alega dano moral por inscrição indevida de seu nome nos serviços de proteção ao crédito, alegue que se trata de devedor contumaz, pois assim o valor da condenação será diminuído.
7. Contestando o nexo causal. Sem nexo causal não há como responsabilizar aquele que foi indigitado como causador do dano. Em síntese, embora exista o dano, a causa deste não foi a conduta apontada ao réu (aparente agente). A causa foi outra. Não se trata de afastar a culpa, pois essa somente se examina em relação ao agente que praticou a conduta causadora do dano. Neste caso, a defesa se faz alegando que o dano foi causado por: 1º) fato [culpa] exclusivo da vítima; 2º) uma conduta de terceiro [fato de terceiro]; 3º) um fato considerado caso fortuito; 4º) um fato consubstanciado em força maior Essas alegações são denominadas excludentes do nexo causal. [i]
8. Contestando a inexistência da conduta culposa. Há condutas que, embora causem um dano e se apresentem aparentemente como dolosas, não são reconhecidas como ato ilícito. São os atos praticados: 1º) em legítima defesa; 2º) no exercício regular de um direito reconhecido – CC 188, I; 3º) em estado de necessidade – CC 188, II.[ii] É ônus do réu, alegar e provar a existência de circunstâncias caracterizadoras dessas excludentes de ilicitude – CPC 333, II. Além dessas defesas é possível também contrapor-se alegando e provando que não houve a voluntariedade e a consciência da ilicitude. A defesa se faz alegando que a conduta praticada pelo agente causador do dano não é reprovável, ou “passível de um juízo de censura”. Em outras palavras: se o agente não for capaz, sob a ótica do psiquismo, de entender a ilicitude do ato ou, mesmo entendendo, não puder lhe ser exigido uma conduta diversa (autodeterminação), não haverá a imputabilidade. Portanto, alegando-se o desenvolvimento mental incompleto (falta de maturidade) ou a inexistência da higidez (sanidade mental), o agente será inimputável. Tais defesas, entretanto, não afastam o dever de indenizar dos responsáveis pelos incapazes – CC 932, I – nem exclui a responsabilização do próprio incapaz adolescente, nos limites do estatuído no art. 116 da Lei 8.069/90, corroborado pelo Enunciado 40 da Jornada de DC do CEJCJF. [iii]
9. Contestando a incidência da responsabilidade civil objetiva. É muito estreito o campo de defesa de um réu ao qual se imputa uma conduta relacionada com circunstâncias que configuram a responsabilidade civil objetiva. No caso, deve ser demonstrado pelo réu que: não há no direito positivo a hipótese legal que o obrigue a indenizar, independentemente de culpa; atividade do réu não é de risco.
10. Contestando o mérito, pela ocorrência da prescrição ou decadência. Nos termos do art. 269, IV, do CPC, o processo será extinto com resolução do mérito quando o juiz pronunciar a prescrição ou a decadência. A pretensão de condenação de alguém a reparar o dano prescreve em 3 anos – CC 206, §3º, V, quer seja o dano material ou moral.[iv] O prazo prescricional no Código anterior era de 20 anos. Em se tratando de exigir a indenização em contratos de seguros inadimplidos pela seguradora, o prazo é de um ano – CC 206, §1º, II. Se o dano for causado por um acidente de consumo (fato do produto ou do serviço), prevalece o prazo prescricional de 5 anos, previstos no art. 27 do CDC. Contra a Fazenda o prazo prescreve em 5 anos (Decreto 20910/32).

[i] Recomendo a leitura de: CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 65. GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. vol. III. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 110. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. volume IV. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 437.
[ii] Recomendo a leitura de: CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 18. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. volume IV. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 431.
[iii] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 27.
[iv] Idem, p. 119. Recomendo a leitura de: DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista por Rui Berford Dias. - São Paulo: Renovar, 2006, p. 950.