sexta-feira, 9 de julho de 2010

Artigo - Fichas meramente encardidas


FICHAS MERAMENTE ENCARDIDAS
* Artigo publicado no Jornal Diário do Aço – edição de 09 de Julho de 2010, página 02

Depois de sancionada pelo Presidente Lula, a “lei da ficha limpa” abriu para os leigos a esperança de que o cenário brasileiro ficaria livre dos políticos que desonraram ou desonrassem o mandato que o povo lhes conferiu.
Durou pouco, o estado de devaneio. Heráclito Fortes fora condenado por condutas lesivas ao patrimônio público, por meio de sentença monocrática confirmada por acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. Em síntese, Heráclito Fortes foi condenado por órgão colegiado. Apesar disso, o Ministro Gilmar Mendes, em decisão liminar monocrática, proferida em 30/06/2010, mandou sobrestar “os efeitos do acórdão recorrido”. Isso quer dizer que a condenação proferida pelo órgão colegiado do Piauí ficará sem efeito até o julgamento final do recurso extraordinário interposto por Heráclito. Com isso, ele poderá registrar sua candidatura ao Senado da República.
No mesmo diapasão, também em 30/06/2010, o Ministro Dias Tofolli deu eficácia suspensiva ao recurso extraordinário interposto por Maria Isaura Lemos, pré-candidata a deputada federal para as eleições de Outubro de 2010. Maria Isaura poderá registrar sua candidatura, apesar de ter sido condenada por órgão colegiado – o Tribunal de Justiça de Goiás.
Parece incoerência, mas não é. Digo isso porque Tofolli fundamentou sua decisão explicando que “a própria adequação da Lei Complementar 135/2010 [ficha limpa] com o texto constitucional é matéria que exige reflexão, porquanto essa norma apresenta elementos jurídicos passíveis de questionamentos absolutamente relevantes no plano hierárquico e axiológico”. Traduzindo: Tofolli não acredita que a lei da ficha limpa passe pelo crivo dos princípios constitucionais que ele considera como relevantes à matéria. Gilmar Mendes foi mais direto, pois disse: “A plausibilidade jurídica do pedido pode ser atestada em voto por mim proferido quando do início do julgamento na Segunda Turma desta Corte, ocasião em que me manifestei pelo provimento do recurso”. Em outras palavras, Gilmar Mendes pensa diferente do que pensaram os desembargadores do Piauí. Além disso, as decisões retro foram eminentemente técnicas: plausibilidade das teses de Heráclito e Maria Isaura; riscos destes políticos não registrarem suas candidaturas.
Ora, os Ministros do STF são pessoas com uma história política e, portanto, ideológica. São imparciais na condução do processo, mas não são neutros no sopesar dos valores que informam suas decisões. Ilusão pensar que uma pessoa que tenha defendido brilhantemente os “mensaleiros” não ponha em primeiro lugar o princípio da inocência quando cotejado com outros princípios constitucionais.
Os ministros do STF devem ser escolhidos entre pessoas “de notável saber jurídico e reputação ilibada”. Eles são nomeados pelo Presidente da República, depois de “aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”. Se estes ministros frustraram o anseio popular, contido na lei da ficha limpa, não se lhes pode imputar culpa. O povo é que se descuidou elegendo senadores incapazes de exercer uma eficaz sabatina aos então indicados aos cargos de ministros da mais alta instância judicial do Brasil.
Com razão a Ministra Eliane Calmon advertindo: é de fundamental importância para o cidadão comum a escolha dos ministros dos tribunais superiores.


Jorge Ferreira S. Filho. Advogado; Secretário Geral da 72ª Subseção da OAB – Seção Minas Gerais. Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho /RJ; Associado ao Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Integrante do Instituto dos Advogados de Minas Gerais – IAMG.