sábado, 25 de setembro de 2010

T300 - Obrigação tributária e fato gerador




T300 – Obrigação Tributária e Fato Gerador

Notas Didáticas de Direito Tributário
Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Tributário e Processo Tributário do Centro Universitário do Leste Mineiro – UNILESTE
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG
Associado ao IBRADT – Instituto Brasileiro de Direito Tributário
Associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais

1. Introdução.
O Código Tributário Nacional – CTN –, por meio dos artigos 113 a 138, dispõe sobre o instituto de direito tributário denominado “Obrigação Tributária”. As normas gerais sobre esse instituto, contidas no Título II do Livro II do CTN, estão organizadas mediante os seguintes tópicos: Disposições Gerais; Fato Gerador; Sujeito Ativo; Sujeito Passivo; Responsabilidade Tributária. O capítulo I, com a rubrica “Disposições Gerais”, contém apenas o artigo 113. Nesse dispositivo se tem o delineamento genitivo da obrigação tributária e as espécies legais admitidas para a obrigação tributária. O Capítulo II – artigos 114 a 118 – trata da definição legal de “fato gerador”, conceito nuclear de todo o direito tributário. Sob a rubrica “sujeito ativo”, o legislador dispõe sobre quem pode ser o credor da prestação da obrigação tributária. Nas disposições sobre o “sujeito passivo”, são definidas as categorias de devedores – o contribuinte e o responsável –, as possibilidades de configuração da solidariedade, as regras sobre a capacidade tributária passiva e as normas sobre o domicílio tributário das pessoas natural e jurídica. Finalmente, no capítulo que versa sobre a “responsabilidade tributária” – artigos 128 a 138, o legislador traça normais gerais que balizam o deslocamento da responsabilidade do contribuinte, do status de precípua para supletiva. A matéria legiferada é densa de conceitos e introduz uma linguagem específica do direito do direito tributário. Recomendo ao aluno, pausada leitura com o espírito aberto para a aprendizagem de insNegritotitutos com roupagens diferentes do que se encontra no direito privado.

2. Obrigação tributária e obrigação civil.
A teoria das obrigações ensina que são elementos da obrigação os sujeitos – ativo e passivo –, o vínculo jurídico, e o objeto. Ensina, ainda, que a obrigação nasce da lei ou da válida manifestação de vontade circunscrita a efeitos não vedados pela lei. Daí se tem duas categorias de obrigações: as que decorrem de imposição legal – obrigação ex lege –; as que são criadas pela livre vontade do homem. A obrigação tributária pertence à categoria das obrigações ex lege, uma vez que as duas espécies de obrigações tributárias – a principal (art. 113, §1º do CTN) e a acessória (art. 113, §2º do CTN) somente podem decorrer da lei. Pela vontade livre ninguém contrai uma obrigação tributária. Firmada essa posição resta discutir se a obrigação tributária teria alguma característica especial que a fizesse diferente da obrigação ex lege de natureza privada. Há duas posições. A primeira defende não existir diferença. [I] A segunda aponta à obrigação tributária uma natureza especial. Afirma ser ela o cerne da relação jurídica tributária, onde não se podem aplicar as regras do direito privado. [II] A discussão é meramente teórica sem efeitos práticos, exceto pelo fato de que o sujeito ativo – o credor – não tem a liberdade para abrir mão do direito de cobrar a prestação do sujeito passivo da obrigação tributária. Antes de ser um direito do sujeito ativo temos um dever; o dever de o sujeito ativo exigir a prestação que integra a obrigação tributária.

3. A definição de “obrigação tributária”.
O CTN, a rigor, não define a obrigação tributária. A idéia desse instituto é construída a partir de suas categorias, – obrigação tributária principal e obrigação tributária acessória – e de seu elemento genitivo, ou seja, o que faz nascer a obrigação tributária. Esse é o discurso comunicativo do caput do artigo 113 do CTN, que diz, secamente: a obrigação tributária é principal ou acessória. Em seguida, nos três parágrafos do artigo retro, o legislador trata dos conceitos de obrigação principal e acessória, diferençando-as, pelos respectivos objetos, significando isso, caracterizar cada uma dessas categorias de obrigação tributária pela prestação – dar, fazer, não fazer – que lhe é adjeta. Essa afirmativa decorre da interpretação gramatical dos enunciados dos parágrafos do art. 133 do CTN, a seguir analisados.

3.1. Emanações dos parágrafos 1º e 2º do art. 113 do CTN.
Enuncia o § 1º do art. 113 do CTN que “A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente”. Vê-se, pois, que a legislação deu ao “fato gerador” a função de criar a obrigação tributária principal, sendo, portanto, seu elemento genitivo. Em seguida, a lei vai caracterizar a obrigação tributária principal pelo seu objeto que pode ser, na literalidade, “o pagamento de tributo” ou o pagamento de “penalidade tributária”. O aluno deve estudar com cuidado a parte do texto retro que se refere à penalidade tributária, pois a maioria da doutrina critica essa opção legislativa. Retornando ao nosso objetivo, passamos à análise do texto do § 2º do art. 113 do CTN, assim redigido: A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. Verifica-se, portanto, que esse texto tem mesma estrutura enunciativa, pois define o elemento genitivo da obrigação tributária acessória – “a legislação tributária” – e, em seguida, o seu objeto “prestações positivas ou negativas”.

4. Atecnias e contradições do legislador na formulação do instituto “obrigação tributária”.
É cediço que a penalidade pecuniária, seja pelo não pagamento de um tributo no seu termo seja pelo descumprimento de uma obrigação tributária acessória, é uma sanção. Indiscutível também que se trata de sanção por ato ilícito. Ora, mas o artigo 3º do CTN exclui da definição de tributo a obrigação pecuniária decorrente de sanção por ato ilícito. Harmonizar, logicamente, os enunciados do art. 3º com os dos parágrafos do art. 113, todos do CTN, não é uma tarefa fácil. A rigor, aparentemente, um texto contradiz o outro. Melhor teria feito o legislador caracterizando a obrigação principal pelo objeto único de pagamento de tributo, a obrigação acessória pelo objeto centrado em prestações de fato e, ao final, apenas dissesse que as penalidades tributárias pecuniárias – multas por descumprimento da legislação tributária – seriam exigidas como se fossem obrigações principais.
No mesmo diapasão se critica a redação do § 3º do art. 113 do CTN, assim posto: “A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária”. Não há como uma obrigação acessória se converter em principal, pois seus objetos têm naturezas diferentes. O máximo que a lógica pode admitir é aceitar que a penalidade pecuniária por infração tributária seja exigida pelos idênticos meios jurídicos aplicados à obrigação principal. Alguns autores são pragmáticos e não fazem qualquer crítica ao fato de a legislação considerar a multa pecuniária, por infração de legislação tributária, como espécie de obrigação tributária principal. [III] Outros criticam a exagerada preocupação do legislador em classificar a “obrigação tributária”, porém admitindo uma adequação semântica à expressão. [IV] Na via eleita, o legislador criou um instituto obrigacional que é gênero – a obrigação tributária – no qual se incluem as espécies: obrigação principal tributária strictu senso – cujo objeto é o pagamento do tributo; obrigação principal penal – que tem por objeto o pagamento de multa pecuniária decorrente de sanção por inobservância de legislação tributária; obrigação acessória – caracterizada pelo fato de seu objeto ser uma prestação de fato (fazer ou não fazer).

5. O fato gerador. Impende falar agora sobre o “fato gerador”.
O aluno deve ficar atento, uma vez que o § 1º do artigo 113 do CTN diz que a “obrigação tributária principal surge com a ocorrência do fato gerador”. Em outras palavras, se o aluno não dominar esse conceito, bem como as acepções de emprego da expressão “fato gerador”, não haverá como deter o eficaz conhecimento sobre o nascimento da obrigação tributária. Iniciaremos visitando o conceito de “situação”. Isso se faz porque o CTN vai definir o fato gerador, tanto da obrigação principal quanto da acessória, recorrendo-se à palavra “situação” – artigos 114 e 115 do CTN. Duas idéias centrais se prendem ao significado dessa palavra. São elas: a de situar; e a de agir (ação). Situar algo significa demarcar um acontecimento por grandezas tomadas em relação a referenciais de tempo e de espaço. Isso implica a noção de um acontecimento, físico ou meramente abstrato (formal), verificado no espaço e em determinado tempo. A idéia nuclear do significado da palavra situação, portanto é de uma fotografia. Francesco Carnelutti, na sua Teoria Geral do Direito, dedicou-se a estudar esse conceito com profundidade. Disse Carnelutti que não há como entender o conceito de situação sem cotejá-lo com outro conceito; o de fato. O fato, como realidade material, somente pode ser conhecido se for possível determiná-lo nas três dimensões do conhecimento: a forma, o espaço e o tempo. [V] O fato, como realidade meramente conceitual, se conhece por meio da correlação entre outros conceitos ou por uma relação entre conceitos e fatos materiais. Quando o fato, material ou conceitual, interessa ao direito, o qualificamos como jurídico; o fato jurídico. Há casos, porém, em que o homem seleciona uma “porção da realidade” e a relaciona com um preceito; um comando. Tem-se, então, a noção de “situação jurídica” [VI], expressão que pode significar o resultado da abordagem “estática da realidade jurídica”. Tal resultado sempre se desdobrará em três vertentes: a física; a econômica e a psicológica. [VII] Por tudo isso, se pode dizer que o direito lida com situações de fato que interessam ao direito e com as situações meramente jurídicas. [VIII] Em nosso direito tributário, a doutrina e a legislação caminharam para o estabelecimento de duas idéias, às quais se deve recorrer para alcançar o conhecimento sobre o instituto denominado “fato gerador tributário”: a situação de fato; a situação jurídica (art. 116 do CTN). A situação de fato referenciada no artigo 116 do CTN, entretanto, não é um fato meramente material, mas, sim, fato jurídico. [IX] O fato gerador é a ocorrência qualificada pela lei tributária como apta a criar a obrigação tributária. Interessante analogia se faz comparando-se os institutos “fato gerador” e personalidade civil da pessoa natural. Diz o art. 2º do Código Civil que a personalidade civil começa do nascimento com vida. O fato gerador começa de uma ocorrência [situação] – material ou jurídica – com a subsunção das características da ocorrência à hipótese abstrata apta a constituir a obrigação tributária. Feitas essas considerações passa-se ao estudo do fato gerador. Serão examinadas as duas categorias: o fato gerador conexo à obrigação tributária principal; o fato gerador da obrigação acessória.

6. Fato gerador da obrigação principal.
No artigo 114 do CTN, o legislador enuncia que o “fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”. A “situação” idônea a se tornar um fato gerador pode ser uma situação de fato (art. 116, I) ou uma situação jurídica (art. 116, II).[X] A redação do caput do artigo 114 do CTN não ajuda muito a compreender o fenômeno. Ora, como visto acima, a palavra “situação”, no contexto técnico jurídico tem o sentido de uma fotografia. Algo que ocorreu exteriorizando-se numa forma, em dado momento e localização espacial. Logicamente, portanto, se o fato gerador é uma situação ele não pode estar definido em lei, pois, caso contrário, o tributo relativo a este fato gerador, também já teria nascido. O que a lei pode definir são as hipóteses abstratas de futuros acontecimentos, individualizados pela forma, tempo e espaço, ou seja, as “situações possíveis”. Cada acontecimento, fático jurídico ou meramente jurídico, que se subsumir ao modelo descritivo contida na hipótese abstrata que o legislador selecionou como apta a criar um tributo, tal acontecimento [situação] será um fato gerador. Em síntese, o fato gerador é um acontecimento no mundo, material ou jurídico, capaz de subsumir-se ao tipo abstrato – hipótese de incidência –, enunciado previamente numa lei, e que, por este simples fato, cria o dever jurídico para alguém, de entregar uma prestação pecuniária ao ente definido em lei como titular do recebimento – o sujeito ativo. É a partir simplesmente dessa subsunção, que um fato se torna jurídico tributário[XI] – o “fato gerador”. [XII]

7. Fato gerador da obrigação tributária acessória.
Determina o art. 115 que o “Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal”. Novamente, o núcleo do conceito de fato gerador está construído sobre a idéia de “situação”. Ocorrência que se subsume ao modelo descritivo, contido na legislação tributária, que atrai o dever de realizar uma prestação de fato (fazer ou não fazer). Há um conteúdo teleológico que deve impregnar a lei que instituir o fato gerador da obrigação em estudo. Assim se afirma porque o fazer e não fazer, que perfazem o objeto da obrigação tributária acessória, devem ser idôneos a atingir a finalidade legal declarada no art. 113 do CTN, significando isso, uma prestação capaz de tornar mais eficaz a arrecadação ou da fiscalização dos tributos. Somente assim a lei instituidora passará pelo crivo do princípio constitucional da razoabilidade. Os exemplos clássicos de prestações de obrigações tributárias acessórias são: escriturar livros fiscais; emitir notas fiscais; não transportar mercadorias desacompanhadas de nota fiscal; não permitir o livro acesso da fiscalização no estabelecimento fiscalizado (art. 200 do CTN). [XIII]

8. Uma proposta de nova redação ao art. 114 do CTN.
Proponho ao aluno que, depois de absorver as considerações críticas sobre o emprego da expressão “fato gerador” no direito tributário brasileiro, faça uma releitura do conteúdo do art. 114, pela seguinte paráfrase: O fato gerador da obrigação principal nasce toda vez que se verificar o encontro perfeito entre a descrição lingüística de um acontecimento, no mundo fático ou conceitual, e o enunciado da hipótese tributária descrita na lei, como elemento necessário e suficiente à imposição tributária.

9. Classificação do fato gerador pelo critério do tempo.
A doutrina reconhece a existência das seguintes classes para o fato gerador: o instantâneo; o periódico; o continuado.[XIV] Diz-se instantâneo o fato gerador quando este ocorre num momento que não se protrai no tempo. Basta o evento e naquele exato instante o fato gerador se realiza. O exemplo clássico é o imposto de renda que incide na fonte do rendimento. Periódico é o fato gerador que se realiza pela integração de várias operações ao longo de determinado período de tempo. Exemplo é o imposto de renda sobre o lucro de pessoas jurídicas, apurado pelo somatório das receitas e despesas durante certo lapso de tempo. O fato gerador continuado é aquele que se dá da forma instantânea, mas repetida a cada superveniência de novo período. São exemplos o IPTU e o IPVA. No primeiro, a cada 1º de janeiro do ano, nasce para o proprietário de imóvel urbano, a obrigação de pagar o referido imposto. No segundo caso, também a cada 1º de janeiro, surge para o proprietário do veículo automotor o dever de pagar o imposto correspondente. O ato de classificar tem importância relativa, mas a identificação do momento em que surge o fato gerador é importante, inclusive porque está expressamente tratado no CTN, por meio do art. 116, assim redigido: Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável. Com a ressalva de que a parte final do inciso I é desnecessária, [XV] os enunciados restantes aplicam-se às três classes de fatos geradores.

[I] Por todos, Luciano Amaro diz: “a obrigação, no direito tributário, não possui conceituação diferente da que lhe é conferida no direito obrigacional comum” (Cf. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 271).
[II] Aurélio Pitanga Seixas Filho discorre sobre as teorias de Otto Mayer, Massimo Severo Giannini e outros, e finalmente conclui: “pode ser afirmado que o Fisco, como sujeito ativo da relação tributária, não é um mero credor – titular de um direito subjetivo – frente ao contribuinte, sujeito passivo, porém, como um órgão do Poder Executivo, exerce a sua função pública de exigir o correto pagamento do tributo, não se aplicando as regras de direito privado, mas sim num regime de direito público, que informa integralmente a relação jurídica entre ambos” (Cf. Estudos de procedimento administrativo fiscal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000, p. 21).
[III] “Por fim, o descumprimento de uma obrigação acessória faz nascer uma obrigação principal, com relação à multa” – Cf. SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 628.
[IV] “Assim, diante da ‘necessidade’ de classificar – que é outra das exageradas preocupações formais do Código –, as obrigações tributárias (gênero com o qual o diploma pretendeu abranger todos os deveres legais dos destinatários das normas tributárias, até mesmo o dever de satisfazer a exigência de multa por infração à lei) foram segregadas nos dois referidos grupos: a) principais, compreendendo os deveres legais que tenham por objeto o pagamento de tributo (prestação pecuniária de natureza não sancionatória) e o pagamento de penalidade pecuniária (que, como se sabe, é sanção e não tributo); e b) acessórias, que abrangem os demais deveres estabelecidos nas leis tributárias, que não tenham conteúdo pecuniário” – Cf. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 256.
[V] “Forma, espaço e tempo, assim como e porque são os três aspectos com e pelos quais se nos revela a realidade, são também os três limites dentro dos quais a podemos considerar. Aquela parcela de realidade que cada um de nós pode ver, está contida dentro deles, por forma que eles podem, outrossim, ser considerados como as três dimensões do conhecimento” (Cf. CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. Trad. Antônio Carlos Ferreira. São Paulo: Lejus, 1999, p. 21).
[VI] CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. Trad. Antônio Carlos Ferreira. São Paulo: Lejus, 1999, p. 225.
[VII] CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. Trad. Antônio Carlos Ferreira. São Paulo: Lejus, 1999, p. 226.
[VIII] No direito lidamos com situações fáticas jurídicas e situações jurídicas. A situação fática jurídica é uma ocorrência no mundo fenomenológico que interessa ao direito. Entende-se por ocorrência fenomenológica um acontecimento que surge em dado espaço e determinado tempo e se caracteriza por alterações identificáveis nas suas grandezas (espaço, tempo e massa). O interesse do direito se revela pela incidência de prescrições de efeitos e de comportamento para as pessoas vinculadas direta ou indiretamente com o fato que, por essa incidência, se tornou fato jurídico. Por sua vez, a situação meramente jurídica é aquela formal sem que necessária haja uma impressão sensível no mundo fático. O casamento é uma situação meramente jurídica, pois ele por si só, não é capaz de provocar qualquer alteração sensível no mundo dos fatos. A morte é um fato físico assim como o nascimento de alguém, pois eles provocam alterações físicas no mundo. São exemplos também de situações fáticas jurídicas, pois sobre eles incidem regras jurídicas que afetam várias pessoas. O fato gerador da obrigação tributária tanto pode ser uma situação fática jurídica como uma situação meramente jurídica.
[IX] Nesse sentido, ensina Luciano Amaro que “Não quer o Código, por certo, ao distinguir entre situações de fato e de direito, dizer que as primeiras não tenham repercussão jurídica (o que seria uma contradição, na medida eme que dão nascimento a obrigação de pagar tributo). Trata-se, porém, de fatos (ou circunstâncias fáticas) que podem não ter relevância jurídica para efeito de uma dada relação material privada, mas, não obstante, são eleitos para determinar no tempo o fato gerador do tributo” (AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 297).
[X] Ensina Regina Helena Costa que: “Nos fatos geradores que correspondem a situações fáticas, o aperfeiçoamento do ato jurídico ou do contrato não é suficiente para deflagrar efeitos tributários: seria necessária a prática dos respectivos atos de execução. A maior parte das hipóteses de incidência contempla fatos geradores que consubstanciam situações de fato (ex.: nas operações com produto industrializado e de circulação de mercadoria, é relevante a saída do bem do respectivo estabelecimento para a deflagração dos efeitos tributários – IPI e ICMS)” – (Cf. COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário, Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 180).
[XI] Observa Paulo de Barros Carvalho que “no direito positivo brasileiro, entre os doutrinadores, e na jurisprudência, vemos reiteradamente empregado fato gerador, quer para mencionar-se a previsão legal do fato, elaboração tipicamente abstrata, que se situa no âmbito das idéias, no altiplano das construções normativas gerais e abstratas; quer os fatos jurídicos, enquanto enunciados denotativos que ocupam posição sintática antecedente de normas individuais e concretas” ( Curso de direito tributário. 20. ed. – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 273). E continua dizendo: “o problema nominativo não é o mais importante, se bem que haja limites semânticos para a escolha das designações que o observador atribui aos fenômenos. Tratando-se de entidades lógicas que estão presentes ali onde houver norma jurídica de qualquer espécie, tanto faz chamarmos de hipótese, antecedente, suposto, ante-suposto ou pressuposto à previsão fática, pois todos esses vocábulos têm a chancela dos mais renomados cultores da Teoria Geral do Direito. Há de significar, sempre, a descrição normativa de um evento que, concretizado no nível das realidades materiais e relatado no antecedente de norma individual e concreta, fará irromper o vínculo abstrato que o legislador estipulou na consequência” ... “Opinamos por hipótese tributária” – (Curso de direito tributário. 20. ed. – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 275). Finaliza o doutrinador dizendo “Daqui para frente utilizaremos essas duas expressões para representar, caracterizadamente, a construção de linguagem prescritiva geral e abstrata (hipótese tributária) e sua projeção factual (fato jurídico tributário)” – ( Curso de direito tributário. 20. ed. – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 276)
[XII] Alfredo Becker faz duras críticas à expressão “fato gerador”, chegando a dizer que “fato gerador nada gera, a não ser confusão intelectual” (apud: AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 258). Luciano Amaro reconhece o emprego ambivalente da locução “fato gerador”, todavia sua postura é branda e condescendente quanto ao emprego dessa expressão: “Afinal, não vemos inconveniente sério no emprego ambivalente da expressão fato gerador (para designar tanto a descrição hipotética quanto o acontecimento concreto que lhe corresponda). Crime, no direito penal, também designa a previsão da lei e o acontecimento que costuma ser relatado no noticiário policial, e essa circunstância não tem impedido o progresso da ciência penal” – (Cf. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 262).
[XIII] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 257. SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 628.
[XIV] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 267.
[XV] idem, p. 272.

domingo, 19 de setembro de 2010

Artigo - Pensão para ex-mulher "do lar"



PENSÃO PARA A EX-MULHER “DO LAR”

No Brasil, a expressão “do lar” qualifica a mulher que nunca exerceu uma atividade profissional no mercado de trabalho. Normalmente são assim adjetivadas as mulheres que, por opção, imposição do marido ou contingências, dedicaram suas vidas exclusivamente aos filhos e ao marido.
Nos anos 70 e 80, era comum a mulher deixar de se lançar no mercado de trabalho e até mesmo estudar por uma imposição do marido. Isso se explicava pelo traço cultural “machista” que identificara a sociedade brasileira, por muitas décadas.
A mulher inserida nesse grupo poderá passar por uma tormentosa situação, se a relação chegar ao fim (casamento, união estável etc). De repente, mulheres, com idades entre 40 a 60 anos, se vêem desamparadas financeiramente, restando-lhes apenas a meação de alguns poucos bens e uma insólita frase do marido: “Você ainda é jovem e pode trabalhar”.
Na realidade, tal posicionamento chega às raias da hipocrisia, pois nosso mercado de trabalho é competitivo, instável, dinâmico e altamente refratário aos que ultrapassaram os 40 anos, agravando-se a rejeição quando a pessoa não tem experiência profissional.
O grande desafio do Judiciário, no caso em comento, reside no equacionamento do seguinte problema: Se a obrigação alimentar, como entende a ministra Nancy Andrighi, está condicionada à permanência de seus requisitos (vínculo de parentesco, conjugal ou convivencial; necessidade e incapacidade, ainda que temporária, do alimentando para sustentar-se; e possibilidade de o alimentante fornecer a prestação), em que circunstâncias se revela, como meio de realizar justiça, a condenação do marido ao pagamento da pensão para ex-esposa?
Recentemente, uma turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1025769, lançou uma luz balizadora sobre o tema. Os julgadores reconheceram que nossa sociedade é complexa e multifacetada. Tais características impedem a aplicação fria do texto da lei na questão da possibilidade e fixação de pensão para o ex-cônjuge.
O caso concreto examinado diz a respeito a uma mulher com 51 anos de idade, ex-mulher de médico, que se dedicou exclusivamente ao lar. Ela foi considerada “jovem”, ou seja, em idade capaz de buscar uma formação profissional e, posteriormente, ingressar no mercado de trabalho. Por isso, os julgadores decidiram que o ex-marido deveria pagar à ex-mulher uma pensão pelo prazo de dois anos, tempo em que ela alcançaria condições de disputar o mercado de trabalho e se autossustentar.
Conclui-se do posicionamento acima que, se os bens partilhados, depois do divórcio, não forem suficientes para assegurar ao ex-cônjuge renda que lhe proporcione uma vida digna, deve o Judiciário conceder-lhe a pensão. Não se dúvida que a mulher, diante de uma pensão temporária, terá uma motivação (necessidade) para buscar seu crescimento profissional e social. Entretanto, haverá casos em que a inserção da mulher no mercado de trabalho será pura fantasia; uma cruel presunção, que nunca acontecerá.
A duração da pensão deve ser fixada depois de criterioso estudo sobre a realidade de cada mulher (sua história, seu “back-ground” etc). Somente assim haverá um desfecho justo.


Jorge Ferreira S. Filho. Advogado; Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho /RJ; Associado ao Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Integrante do Instituto dos Advogados de Minas Gerais – IAMG; ex-diretor Secretário Geral da 72ª Subseção da OAB/MG.

P400 - Procedimentos Especiais - conceito




P400 – Procedimentos Especiais - conceito

Notas Didáticas de Direito Processual
Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Processual Civil do Centro Universitário do Leste Mineiro – UNILESTE
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG

OBSERVAÇÃO: TEXTO SEM REVISÃO GRAMATICAL

1. Introdução. Os três primeiros Livros do CPC tratam dos processos – de Conhecimento; de Execução; Cautelar. O Livro IV diz respeito aos “Procedimentos”. A doutrina se esforça no sentido de fazer com que os conceitos de “ação”, “processo” e “procedimento” não sejam confundidos. Diferençá-los, entretanto, exige muita atenção do aluno. Primeiro porque o próprio legislador não mantém uma linha coerente quanto à aplicação dessas palavras no texto legal. Não há rigor terminológico na aplicação desses conceitos em estudo. Exemplifico com a “ação de consignação em pagamento”, prevista nos artigos 890 a 900 do CPC, que deveria ser corretamente denominada processo de conhecimento com procedimento especial de jurisdição contenciosa para declaração de extinção de obrigação. Além dessa realidade há o aspecto da imbricação entre os conceitos em estudo, uma vez que para explicar um deles, normalmente se recorre ao outro. [I] Apesar disso, o aluno deve se empenhar para conhecer as principais condensações de sentido, ou seja, o significado técnico-jurídico mais acolhido para cada uma das palavras ação, processo e procedimento. Dominando tais significados o aluno poderá identificar melhor as figuras de linguagem aplicadas na comunicação jurídica brasileira e assim evitar incidir em erros metodológicos e até profissionais.

2. O conceito de ação. Para Vicente Greco Filho, a ação é o direito subjetivo público, autônomo e abstrato de pleitear ao Poder Judiciário decisão sobre uma pretensão, conexo a ela. Para Pontes de Miranda a “ação”, como remédio jurídico processual, é o direito de provocar o Estado, exercendo-se a pretensão à tutela jurídica, que o Estado criou [II]. João Mendes de Almeida Júnior, quando ainda incipiente a idéia de autonomia do processo, extraiu do art. 75 do CC/16 que a acção seria o accidente, mediante o qual, a substancia produz efeito [efeito jurídico].[III] Ensinava, ainda, que a ação, na acepção subjetiva, é um attributo do sujeito de direito de iniciá-la, isto é, como um direito do autor ... o direito de requerer em juízo aquillo que é devido ao Autor[IV]. Na síntese de Alexandre Freitas Câmara, a “ação” pode ser conceituada como o poder de exercer posições jurídicas ativas no processo jurisdicional, preparando o exercício, pelo Estado, da função jurisdicional [V]. Percebe-se, pois, nas considerações dos doutrinadores referenciados, que a palavra “ação” tem o significado de “poder” ou “direito subjetivo”, de qualquer pessoa, física ou jurídica, de provocar o Estado para que este diga o direito. Em outras palavras, diante de uma lide, [VI] o autor tem o direito [o poder] de provocar o Estado para que este diga quem está com a razão; o autor ou o réu, ou requerido. Ainda que não exista a lide, há casos em que as pessoas devem buscar o Poder Judiciário como meio de chancela de suas vontades de forma que possam obter os efeitos jurídicos plenos decorrentes de seus atos. São os procedimentos de jurisdição voluntária, bem caracterizado pelo procedimento de separação judicial consensual, onde o juiz apenas verifica se estão presentes os requisitos legais para validar a vontade do casal. O casal tem o poder, ou o direito subjetivo, de provocar o Estado. A esse poder específico denominamos “ação”. Portanto, quando o legislador diz “ação de divórcio” ou “ação de alimentos” aplica a palavra ação no sentido de processo, ou meio legal para se obter o divórcio ou os alimentos, respectivamente, nos exemplos retro. Em síntese, a palavra “ação” é polissêmica e deve ser cuidadosamente examinada em cada contexto, para que se lhe apure corretamente o seu específico sentido.

3. O conceito de processo. O processo, por sua vez, é um meio; o meio legal pelo qual se exercita o direito de ação. Os processos são classificados segundo as finalidades ou pretensões da parte autora. Por isso, se a finalidade do autor é obter uma condenação do réu – a dar, a fazer ou não-fazer – ou uma declaração relativa ao seu direito ou, ainda, a constituição de nova situação jurídica, o processo será de cognição. Se a finalidade buscada no processo é a satisfação de um direito, o processo será de execução. Em se pretendendo assegurar a utilidade de um processo de cognição ou de execução, o processo para isso será o cautelar. [VII] Internamente, ou intrinsecamente, o processo se apresenta como uma relação jurídica de direito público entre o Estado-juiz e as partes. Sob o enfoque externo, percebe-se que o processo é uma sequência ordenada de atos, em que cada ato é causa do seguinte e consequência do anterior, todos se encadeando como instrumentos de obtenção de um resultado final. [VIII] Essa seqüência ordenada de atos, porém, não é aleatória, pois como observa Elio Fazzalari, ela deve estar prevista e valorada na norma jurídica processual [IX].
4. O conceito de procedimento. Uma vez firmado o entendimento de que o processo é uma sequência preordenada de atos para se atingir um determinado fim jurídico – a cognição, a execução ou a medida cautelar – cabe perguntar se há apenas um caminho a ser seguido para se alcançar cada uma das finalidades inerentes às espécies de processo. A resposta é “não”. Encontramos, na legislação processual, variegadas sequências de atos, ou caminhos diferentes, para se atingir um mesmo fim. Exemplificando, temos dois caminhos para se obter a condenação de uma pessoa a indenizar a vítima de um acidente de trânsito: a sequencia de atos contidas nos artigos 282 a 475-R do CPC; a sequência de atos prevista nos artigos 275 a 281 do CPC. Cada um destes caminhos apresenta-se como uma “forma”, ou seja, com uma específica organização[X] que lhe caracteriza. O procedimento[XI] é a forma especifica que identifica cada sequência de atos previstos no interior das disposições legais relativas aos processos. Os procedimentos são, pois, organizações percebidas no interior dos processos.

5. Considerações adicionais sobre os conceitos de processo e conhecimento. Operacionalmente, pode-se dizer que os procedimentos são os caminhos reconhecidos pelo legislador, e que devem ser obrigatoriamente observados pelos atores do processo (juiz, autor e réu), para validar os pronunciamentos judiciais – interlocutórios ou finais. Os conceitos de processo e de procedimento, em todos os autores, têm um núcleo comum que é a idéia de movimento. v.g.: O processo judicial, portanto, é o movimento dos actos da acção judiciaria, ou melhor, o movimento dos actos da ação em juízo. [XII]O doutrinador italiano Elio Fazzalari construiu a teoria no sentido de que o processo e o procedimento têm a mesma essência, ou seja, todo processo é também um procedimento. Porém, o processo, segundo o autor seria um procedimento qualificado pelo contraditório. Em síntese, o procedimento que se observa no processo tem um diferencial, ele se desenvolve em contraditório, isto é, assegurando-se a todos os interessados a possibilidade de participar do procedimento, influindo no resultado final. [XIII]

6. Os procedimentos no ordenamento processual brasileiro.
6.1 No art. 272 do CPC, o legislador estabelece duas categorias, mutuamente exclusivas, de procedimentos: o comum; o especial. Nota-se, pois, que os procedimentos especiais mencionados no art. 272 referem-se ao processo de conhecimento, ou seja, atividade jurisdicional cognitiva. O procedimento [rito] comum admite duas categorias: o ordinário; e o sumário. Portanto, é considerado especial o procedimento que não se desenvolve [movimenta] com a forma do procedimento comum (ordinário ou sumário). Os procedimentos especiais, relativos ao processo de conhecimento, estão localizados no Livro IV do CPC, mas são também encontrados em outras leis, principalmente as extravagantes. [XIV] São também especiais os procedimentos relativos às medidas satisfativas localizadas no Livro III. [XV]
6.2 Os procedimentos especiais foram criados para atender peculiaridades do direito material buscado [XVI]. A “ação” deve ser ajuizada e tramitar em observância a este procedimento, sob pena de faltar o “interesse”.[XVII] O CPC construiu duas classes de procedimentos especiais: os de jurisdição contenciosa; os de jurisdição voluntária.
6.3 Os processos cognitivos de jurisdição contenciosa com procedimento especial são apresentados sob a rubrica “Da ação de ....” . São eles: Consignação em pagamento; de depósito; anulação e substituição de título ao portador; prestação de contas; possessórias; nunciação de obra nova; usucapião de terras particulares; divisão e demarcação de terras; inventário e partilha; embargos de terceiro; habilitação; restauração de autos; vendas a crédito com reserva de domínio; do juízo arbitral; da ação monitória. [XVIII]
6.4 Os processos cognitivos de jurisdição voluntária não são introduzidos pela palavra “ação”. O CPC trata a matéria introduzindo as rubricas do capítulo com as palavras: Das ; Do; Da. Assim se tem: Das disposições gerais; Das alienações judiciais; Da separação consensual; dos testamentos e codicilos; Da herança jacente; Dos bens dos ausentes; Das coisas vagas; Da curatela dos interditos; Das disposições comuns à tutela e curatela; Da organização e da fiscalização das fundações; Da especialização da hipoteca legal.


[I] Ensina Vicente Grego Filho que “não se pode sequer definir cada um deles sem referir o outro” – GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, volume 3: Processo de execução a procedimentos especiais).  20. ed. rev . e atual.  São Paulo: Saraiva, 2009, p. 77.
[II] (Pontes de Miranda. Tratado das Ações. Tomo 1. Campinas: bookseller, 1998, p. 124).
[III] ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Direito judiciário brasileiro. 2ª ed., correcta e augmentada. – Rio de Janeiro: xxx Typografia Baptista de Souza, 1918, p. 101.
[IV] (ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Direito judiciário brasileiro. 2ª ed., correcta e augmentada. – Rio de Janeiro: xxxTypografia Baptista de Souza, 1918, p. 102)
[V] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. I. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 126.
[VI] “Ao conflito de interesses, quando se efetiva com a pretensão ou com a resistência, poderia dar-se o nome de contenda, ou mesmo de controvérsia. Pareceu-me mais conveniente e adequado aos usos da linguagem o de lide” – Francesco Carnelutti. Teoria geral do direito. (Trad. Antônio Carlos Ferreira). São Paulo: Lejus, 1999, p.108.
[VII] O anteprojeto do novo Código de Processo Civil excluiu o processo cautelar. As medidas cautelares foram incluídas na Parte Geral como categoria de tutela de urgência (artigos 283 e 284).
[VIII] (Câmara, 298).
[IX] O processo apresenta-se como uma sequência de atos, os quais são previstos e valorados pela norma – FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Tradução de Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006, p. 114.
[X] A palavra “organização” está aqui empregada com um sentido especial, assim posto: “Entende-se por organização as relações que devem ocorrer entre os componentes de algo, para que seja possível reconhecê-lo como membro de uma classe específica. Entende-se por estrutura de algo os componentes e relações que constituem concretamente uma unidade particular e configuram sua organização” (Cf. MATURANA, Humberto R. et al. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. 2. ed. São Paulo: Palas Atenas, 2002, p. 54).
[XI] “O processo, outrossim, não se submete a uma única forma. Exterioriza-se de várias maneiras diferentes, conforme as particularidades da pretensão do autor e da defesa do réu. Uma ação de cobrança não se desenvolve, obviamente como uma de usucapião e nem muito menos como uma possessória. O modo próprio de desenvolver-se o processo, conforme exigências de cada caso, é exatamente o procedimento do feito, isto é, o seu rito” – Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: procedimentos especiais. Vol. III. 47. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 50.
[XII] ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Direito judiciário brasileiro. 2ª ed., correcta e augmentada. – Rio de Janeiro: xxxTypografia Baptista de Souza, 1918, p. 260.
[XIII] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 298.
[XIV] (MEDINA, José Miguel Garcia et al. Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 209).
[XV] (MEDINA, José Miguel Garcia et al. Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 211).
[XVI] Cf. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 307.
[XVII] Cf. MEDINA, José Miguel Garcia et al. Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 208.
[XVIII] O anteprojeto do novo Código de Processo Civil mantém os seguintes procedimentos como especiais: Consignação em pagamento; prestação de contas; divisão e demarcação de terras; inventário e partilha; embargos de terceiro; habilitação; restauração de autos; Possessórias. A homologação de penhor legal, procedimento erroneamente inserido no Livro do Processo Cautelar, foi considerado mero processo cognitivo com procedimento especial.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

T210 - Hermenêutica Tributária




T210 – Hermenêutica Tributária
Notas Didáticas de Direito Tributário
Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Tributário e Processo Tributário do Centro Universitário do Leste Mineiro – UNILESTE
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Associado ao Instituto Brasileiro de Direito Tributário – ABRADT
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG.
Membro do IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais.

OBSERVAÇÃO: TEXTO SEM REVISÃO GRAMATICAL

1. Propedêutica. A primeira leitura que o aluno do curso de direito faz dos artigos 107 a 112 do CTN, normalmente, causa as seguintes impressões: Interpretação e integração seriam atividades distintas; o aplicador da legislação tributária [a autoridade administrava fiscal e o Judiciário] deveria interpretar a legislação tributária, apenas se orientando pelas singelas regras determinadas pelos artigos retro mencionados; que a integração da legislação tributária seria uma simples atividade de empregar, sequencialmente, a analogia, os princípios gerais do direito tributário, os princípios gerais do direito público e a equidade, em não se encontrando a lei aplicável ao caso. Tais impressões, se porventura geradas no aluno, devem ser afastadas, pois a interpretação e a integração da legislação tributária, tanto sob a ótica do direito positivo, como o da Ciência do Direito[i], são assuntos polêmicos e caracterizados por intensa divergência, nos campos doutrinário e jurisprudencial. Outra observação importante é a correlação entre os artigos 105 e 106 do CTN, que tratam da aplicação da legislação tributária, com o estudo da interpretação. Por uma questão de lógica, não se pode aplicar uma legislação, sem antes interpretá-la. Daí a prudência de se estudar, primeiro, os artigos que versam sobre a interpretação. [ii]

2. A interpretação da legislação. A interpretação é uma atividade intelectual presente na maioria dos atos humanos, principalmente nos atos de comunicação. A comunicação é um ato complexo. Ela pressupõe uma pessoa [o emissor] com uma idéia a ser transmitida para outra [o receptor] e que, para isso, vale-se de um meio de comunicação – a palavra falada; a palavra escrita; um som; uma mímica etc. – e um código aplicado sobre este meio – regras gramaticais de uma língua; sinais padronizados etc., ou seja, uma linguagem. No campo do Direito, o direito positivo é uma especial linguagem, pois está estruturado para comunicar às pessoas, que vivem numa sociedade, uma ordem; um dever-ser. Isso significa que o direito positivo tem natureza prescritiva – prescreve normas de conduta que devem ser observadas, sob pena de a pessoa que as deixar de cumprir sofrer a imposição de sanções. A sociedade parte do pressuposto de que direito positivo é necessário como instrumento de garantia ao convívio social, que todos querem. As leis escritas pertencem ao campo do direito positivo. Elas são produzidas pelo Poder Legislativo, instituição que se caracteriza por ser composta de pessoas diferentes, quanto à origem, cultura, profissão, classe social, grau de instrução, sexo. Apenas isso já seria o suficiente para afirmar que é quase impossível ser produzido, por um grupo de pessoas tão diferentes, um conjunto de palavras – meio pelo qual a lei é comunicada – capaz de formar no intelecto dos destinatários – as pessoas que devem observar a lei – a mesma uma idéia que foi construída na “cabeça” dos emissores da mensagem. Daí a necessidade da interpretação, ou seja, a atividade intelectual disciplinada e orientada por outras regras – as regras da Hermenêutica – com o fim específico de extrair do enunciado da lei [palavras organizadas por regras gramaticais e carregadas de conteúdo semântico] um sentido [significado] e um alcance [até onde se pode ir com o sentido extraído]. [iii]

3. A integração. Diz-se que a integração da legislação é a atividade intelectual que visa preencher as lacunas deixadas pela lei. A lacuna é detectada quando o julgador examina o fato, em torno do qual se circunscreve a lide, e não encontra uma norma jurídica que se lhe aplique. Aparece, então, um problema, pois se a lide é um conflito entre pessoas, tal conflito deve ser solucionado pelo Estado, uma vez que este retirou das pessoas o poder de resolver tais conflitos com “as próprias mãos”. A solução escolhida para resolver o problema foi a de proibir o julgador deixar “de sentenciar ou despachar”, sob a alegação de que não existe uma norma no direito positivo que lhe permita fazer a subsunção (CPC, art. 126) e, concomitantemente, autorizá-lo a utilizar a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito para fundamentar sua decisão (LICC, art. 4º). Em matéria de legislação tributária, a integração é autorizada por meio do artigo 108 do CTN. Comparando o artigo 4º da LICC com o art. 108 do CTN, verifica-se que: ambos admitem a analogia; o CTN não admite os costumes nem os princípios gerais do direito, todavia permite a utilização dos princípios gerais do direito tributário e do direito público e, também, a equidade. Assim como a maioria da doutrina, o legislador tributário assumiu a postura de que a interpretação e a integração são atividades distintas. Há, porém, doutrinadores que entendem ser a integração um mero trabalho intelectual também interpretativo. [iv] Outros, como Kelsen, entendem que seria uma ficção dizer que haveria lacunas no Direito ou omissões do legislador. [v] A conclusão que se pode tirar da arquitetura empreendida pelo legislador é que o ordenamento jurídico é uma coisa viva, algo mutável. Assim, sob o ponto de vista prático, não há lacunas, pois o ordenamento jurídico está obrigado a dar uma resposta às questões que lhe são submetidas. O sistema jurídico, então, referenciando-se nele mesmo, completa o sentido das normas que o legislador não ousou descer às minúcias, talvez, até, por considerá-las injustas. [vi]

4. A relação entre aplicação e interpretação da norma jurídica. Aplicar a norma jurídica significa impor o efeito jurídico, desejado pela sociedade, quando determinado fato, que ocorre no mundo real, se identifica com a hipótese abstrata fixada no enunciado da lei. Não é possível aplicar o “Direito” [a norma] sem interpretá-lo. [vii] A maioria da doutrina se posiciona dizendo a interpretação ocorre antes da aplicação. Entretanto, sob o ponto de vista da elaboração intelectual essas atividades não são autônomas. A interpretação do fato é tão importante, ou melhor, essencial, quanto a interpretação do texto normativo. A norma não é o texto, mas o sentido que se dá ao texto. Tal sentido é produzido com interferência direta da idéia [conceito; sentido; significado] que o interprete elaborou sobre o fato. [viii]

5. Comentários ao artigo 107 do CTN. A primeira leitura do enunciado deste artigo causa a impressão de que a interpretação da legislação tributária é uma atividade intelectual hermética, exclusiva, diferenciada e delimitada, apenas, ao que está posto nos artigos 107 a 112 do CTN. A doutrina e parte da jurisprudência combatem tal conclusão. Alguns doutrinadores são enfáticos ao dizer que o artigo 107 do CTN pode ser suprimido, pois seu texto nada conteria de aproveitável. [ix] Atualmente, a doutrina concentra-se na afirmativa de que não há essa especificidade de interpretação para a legislação tributária. Assim todos os meios e processos de interpretação devem ser utilizados para melhor aplicação do direito tributário. A interpretação da legislação tributária não exclui as regras gerais da hermenêutica. [x]

6. Comentários ao artigo 108 do CTN. O artigo versa sobre a integração da legislação. Verificando-se a impossibilidade direta de extrair dos enunciados da legislação tributária um dispositivo que permita a subsunção do fato discutido, o intérprete deve respeitar os art. 108, no que se refere aos limites e à ordem de utilização dos instrumentos elencados nos incisos do art. 108. [xi] A analogia – estender para um caso não previsto, aquilo que o legislador previu para outro semelhante[xii] – é aplicada a favor do contribuinte e contra o Estado. Assim, não se pode utilizar a analogia sobre os elementos da obrigação tributária ou sobre sua constituição. Há decisões no STF acolhendo expressamente o uso da analogia em matéria tributária. [xiii] O parágrafo 1º do art. 108 do CTN, embora desnecessário, realça que o princípio da legalidade restrita, não é atingido pela regra do art. 108, ou seja, do emprego da analogia, não pode resultar exigência de tributo. Da mesma forma, não se fala em uso da analogia para impor penalidades. O legislador, entretanto, autoriza em alguns casos, o emprego da analogia no campo da hipótese de incidência de alguns tributos, como ocorre na LC 116/2003, dizendo no item n. 1 que cabe impor o ISS sobre a hipótese de prestação de serviços de informática e congêneres. [xiv] Não sendo possível a analogia, o interprete deve buscar uma solução nos princípios gerais do direito tributário. Ora, no caso brasileiro, os princípios que regem o direito tributário estão positivados na própria Constituição. Tais enunciados devem ser observados em qualquer atividade de integração ou interpretação. A moderna interpretação do Direito provocou uma inversão na ordem do emprego dos instrumentos constantes no art. 4º, da LICC e do próprio art. 108, II, do CTN, colocando os princípios implícitos e explícitos de ordem constitucional, os instrumentos pelos quais se inicia qualquer atividade de interpretação, na qual se inclui a integração. Passa-se, depois das fases acima para o emprego dos princípios gerais do direito público e em seguida para a equidade. No tocante à equidade, a LICC não a relacionou no art. 4º, como instrumento de integração. Porém, o art. 127 do CPC autoriza o juiz a se valer da analogia, nos casos em que a lei o permitir. Sob essa ótica, o julgador está autorizado a empregar a equidade na atividade de integração, pois assim permite o inciso IV, do art. 108. A equidade é a mitigação dos rigorosos efeitos da lei – que, em tese, não leva em consideração as diversificadas situações aflitivas, que pode vivenciar o ser humano – quando esta vem agravar o sofrimento contingencial vivenciado pelo sujeito passivo da imposição legal. Tornou-se emblemático o exemplo de Sacha Calmon Navarro explicando que judiciário anulou a multa de 100% aplicada por um fiscal sobre um sujeito passivo que embora tenha mandado um funcionário pagar o tributo na data correta, este foi atropelado no caminho do banco e não conseguiu realizar o pagamento a tempo. O tributo, por força do §2º do art. 108, não pode ser dispensado, mas a multa moratória, pelo critério da equidade, sim. Não se dispensou, no caso descrito, a multa moratória. [xv] Não há esquecer que nossa Constituição coloca como fundamento da República a construção de uma sociedade justa (CF, art. 3º, I) e, expressamente, refere-se à equidade no art. 149, V, quando trata do custeio da seguridade social. Isso significa, também, a autorização para o uso da equidade. [xvi]

7. Comentários ao artigo 109 do CTN. Várias hipóteses de incidência de tributos estão calcadas em institutos de direito privado[xvii]. Assim, quando a Constituição, por meio do art. 156, inciso II, dá competência aos municípios para instituir tributo sobre a transmissão de bens imóveis por ato entre pessoas vivas (transmitente e adquirente) pelo menos dois institutos estão presentes: o conceito de bens imóveis; o contrato de compra e venda. A idéia central do artigo 109 do CTN é a de restringir o emprego dos princípios gerais de direito privado ao campo de investigação [interpretação] sobre o sentido e o alcance de seus próprios institutos. Para a legislação tributária, pouco importa como fato imponível do tributo foi classificado pelo direito privado. Em outras palavras, se alguém apresentou um contrato com o título de compra e venda, revestindo-o com todos os seus elementos – vendedor; comprador; coisa; preço –, mas dá ao preço um valor irrisório, para o direito tributário, o fato gerador ocorrido será o equivalente à doação. Outro exemplo é o fato de a energia elétrica produzida para ser alienada ser considerada simplesmente mercadoria pela legislação tributária.[xviii]

8. Comentários ao artigo 110 do CTN. Em contraste com o enunciado do art. 109 do CTN, que praticamente despreza o emprego dos princípios de direito privado para definir qual é o efeito tributário cabível sobre um fato ocorrido, o art. 110 do CTN proíbe que o legislador tributário e a autoridade administrativa fiscal altere a definição e o conteúdo (sic) dos institutos, dos conceitos e das formas de direito privado, quando estes institutos conceitos e formas são utilizados em algum dispositivo da Constituição Federal, das Constituições Estaduais e das Leis Orgânicas – municípios e Distrito Federal. Nesse diapasão, o Supremo Tribunal Federal, já decidiu que o registro da sentença de usucapião, na qual, formalmente, muda-se o nome do proprietário, não incide o ITBI (RE 94580/RS).[xix]

9. Comentários ao artigo 111 do CTN. Diz o art. 111 que, deparando-se o intérprete com uma questão que verse sobre a suspensão ou exclusão do crédito tributário, a outorga de isenção e a dispensa do cumprimento de obrigações acessórias, a interpretação deverá ser feita apenas com o emprego do método literal. Parte da doutrina entende que este artigo quer apenas dizer que não serão admitidas a interpretação extensiva e a analogia para as matérias retro mencionadas. [xx] Há doutrinadores que se posicionam na gramaticalidade do texto. [xxi] Alguns dizem que a interpretação, apenas pelo método literal, é impossível. [xxii] A interpretação literal, porém, é apenas a porta de entrada, um primeiro significado, um rascunho ainda da idéia que se firmará a respeito do sentido e alcance do texto legal. [xxiii] Trata-se de uma postura cômoda àquele que se recusa a cumprir com zelo sua missão de intérprete da lei, pois interpretar literalmente é quase não raciocinar; é partir do pressuposto de que haveria um texto sem um contexto. [xxiv]
10. Comentários ao artigo 112 do CTN. Esse artigo acolhe a idéia egressa do Direito Penal, contida no princípio in dubio pro reo. Aqui, o legislador dá uma ordem à autoridade fiscal e ao julgador, no sentido de que estes sempre interpretem de maneira mais favorável ao acusado, de cometimento de infração tributária, toda vez que surgir uma dúvida centrada em: a capitulação legal do fato; à natureza do fato; às circunstâncias materiais; à autoria; verificação ou não da imputabilidade; configuração ou não da punibilidade; natureza da penalidade aplicável; graduação da penalidade. O STF já decidiu que quando uma mercadoria é embarcada, no porto exportador, poucos dias depois de vencido o prazo de validade da guia de exportação, não se pode aplicar a pesada multa que
[i] “Muita diferença existe entre a realidade do direito positivo e a Ciência do Direito”... “Os autores, de um modo geral, não se têm preocupado devidamente com as sensíveis e profundas dessemelhanças entre as duas regiões do conhecimento jurídico, o que explica, até certo ponto, a enorme confusão de conceitos e a dificuldades em definir qualquer um daqueles setores sem utilizar notações ou propriedades do outro”. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 20. ed. – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 01.
[ii] Ensina Regina Helena Costa que “os processos de interpretação e integração hão de preceder à aplicação normativa” – Cf. COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário, Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 158.
[iii] A maioria dos doutrinadores não usa o artigo indefinido “um”, mas o artigo definido “o” para se referenciar ao sentido. Ela diz “o sentido e o alcance” da lei. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 20. ed. – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 96. Entendo prudente usar o artigo indefinido, pois há muitos sentidos possíveis que resultam da atividade de interpretação. O que se busca é a “condensação de sentidos” para um foco, que se torna o significado aceito pelo grupo.
[iv] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 20. ed. – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 97. “
[v] “Uma das fontes principais da discussão acerca da problemática das lacunas está em Kelsen, que, de forma taxativa, classifica a tese das lacunas do direito e a omissão do legislador como sendo ficções”. Cf. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.104.
[vi] O juiz deve sempre proferir uma decisão, “isso significa que o ordenamento jurídico é dinamicamente completável, através de uma auto-referência ao próprio sistema jurídico”; Cf. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.107.
[vii] SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 1. ed. 3ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 591. “Antes da aplicação não pode deixar de haver interpretação, mesmo quando a norma legal é clara, pois a clareza só pode ser reconhecida graças ao ato interpretativo”; Cf. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 296.
[viii] “A norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir dos elementos colhidos no texto normativo (mundo do dever-ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual será ela aplicada, isto é, a partir de dados da realidade (mundo do ser)”; Cf. GRAU, Eros Roberto. Ensaio sobre a interpretação/aplicação do direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.X
[ix] CASSONE, Vittorio. Direito tributário. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 155. No mesmo sentido: “A interpretação da lei tributária admite todos os meios e processos consentidos pelo Direito, sendo o artigo do CTN, portanto, redundante e inócuo” – MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. v.2. 3a ed., Rev., aumentada e atualizada. –Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.215.
[x] Bernardo Ribeiro de Moraes diz: “Inexiste, pois, uma hermenêutica tributária, como ramo autônomo da hermenêutica jurídica. As leis tributárias devem ser interpretadas segundo o método exigido pelas circunstâncias, não havendo métodos próprios”; Cf. Compêndio de direito tributário. v.2. 3. ed. Rev., aumentada e atualizada. –Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.214.
[xi] MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. v.2. 3a ed., Rev., aumentada e atualizada. –Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 219. No mesmo sentido: SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 1. ed. 3ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 607.
[xii] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 296
[xiii] SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 1. ed. 3ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 607.
[xiv] SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 1. ed. 3ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2009, 608.
[xv] SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 1. ed. 3ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 610.
[xvi] CASSONE, Vittorio. Direito tributário. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.161.
[xvii] CASSONE, Vittorio. Direito tributário. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 162. SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 1. ed. 3ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 596.
[xviii] Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Gabinete de Revista. Código Tributário Nacional Interpretado. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 87.
[xix] Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Gabinete de Revista. Código Tributário Nacional Interpretado. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 86.
[xx] CASSONE, Vittorio. Direito tributário. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 163.
[xxi] “Em todos esses casos [incisos do art. 111], a interpretação da norma jurídica tributária deve ser apenas literal, com base nas palavras do respectivo texto”; Cf. MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. v.2. 3a ed., Rev., aumentada e atualizada. –Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.230.
[xxii] “O real escopo do artigo 111 do CTN não é o de impor a interpretação apenas literal – a rigor, impossível – mas evitar que interpretação extensiva de qualquer princípio de hermenêutica amplie o alcance da norma isentiva” – trecho do acórdão do REsp 14.400/SP; j. 20-11-1991; apud SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 1. ed. 3ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 603.
[xxiii] “Não obstante se preceitue a interpretação literal nas matérias assinaladas, não pode o intérprete abandonar a preocupação com a exegese lógica, teleológica, histórica e sistemática dos preceitos legais que versem as matérias em causa”; Cf. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 222.
[xxiv] “Prisioneiro do significado básico dos signos jurídicos, o intérprete da formulação literal dificilmente alcançara a plenitude do comando legislado, exatamente porque se vê tolhido de buscar significação contextual e não há texto sem contexto”; Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 20. ed. – São Paulo: Saraiva, 2008, p.108.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

RC005 - Responsabilidade Civil Indireta







RC005 – Responsabilidade Civil Indireta
Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Civil e Processual Civil do Centro Universitário do Leste Mineiro
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG
Direitos autorais na forma da Lei 9.610/98. Reprodução proibida





OBSERVAÇÃO: TEXTO AINDA SEM REVISÃO GRAMATICAL

1. Introdução. A regra geral da responsabilidade civil aquiliana diz que a pessoa que praticou a conduta causadora do dano é quem deve indenizar a vítima. Nesse sentido se interpreta os artigos 927, caput, 186 e 187 do Código Civil. Trata-se da responsabilidade direta, ou responsabilidade por fato próprio[1]. Há casos, porém, que o legislador determinou que pessoa diversa daquele que praticou a conduta causadora do evento danoso responda perante a vítima. A esse fato a doutrina denomina responsabilidade civil indireta, ou, ainda, responsabilidade civil por fato de terceiro, ou responsabilidade por fato de outrem. [2] O fundamento desse instituto na história da humanidade é bem remoto. Ele decorre, segundo relata Demogue, da forma de pensar, nos primórdios dos agrupamentos sociais, que desprezava a individualidade de seus integrantes e, por isso, todo o grupo se sentia “responsável pelos delitos cometidos por qualquer deles”.[3] Em simplórias palavras: um faz e outros pagam. Modernamente, são outros os fundamentos da responsabilidade civil indireta, tema do qual se discorre na parte final destas anotações. Atualmente, nosso Código Civil acolhe a figura da responsabilidade civil indireta por meio do artigo 932, que assim enuncia: São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. O estudo deste artigo deve ser feito inciso por inciso e com o cuidadoso exame das circunstâncias e das condições postas em relevo no texto legal.

2. Designação das personagens na responsabilidade indireta. Tomando de exemplo o inciso I, do art. 932 do CC, se pode notar a existência de três personagens: o filho menor, causador do dano [o agente]; o pai do menor, que terá a obrigação de reparar [o responsável]; e a vítima. Essa trilogia de atores (agente, vítima e responsável) é encontrada nos incisos I a IV do art. 932. Apenas o texto do inciso V, do art. 932 do CC, difere quanto a presença dos três personagens. Na verdade, o comando legal não se refere ao causador do dano nem ao responsável pelo crime. Ele estabelece apenas uma regra obrigatória no sentido de que qualquer pessoa que se beneficiar gratuitamente com o produto de um crime, do qual ela não participou, terá a obrigação de devolver a coisa, a quantia ou o valor “correspondente ao recebido”. [4]

3. A natureza objetiva da responsabilidade indireta. Espancando as dúvidas levantadas sob a égide do Código Civil de 1916, o legislador, de modo claro, no artigo 933 do CC, estabeleceu que a responsabilidade dos civilmente responsáveis elencados nos incisos I a V do artigo 932 é de natureza objetiva. O responsável indireto terá a obrigação de indenizar a vítima, ainda que de sua parte não haja qualquer conduta culposa, relacionada com as condutas do agente, pelo qual é responsável. Essa é a mensagem do art. 933 do CC, que assim enuncia: As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente[932], ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos (grifo do professor).[5] Faz-se importante ressaltar que objetiva é a responsabilidade das pessoas nomeadas nos incisos I a V do art. 932 do CC, mas isso não se verifica em relação aos agentes. Portanto, para que vítima tenha direito à indenização prevista na responsabilidade indireta, ela deverá provar a conduta culposa do agente, ou seja, daquele que diretamente causou o dano. [6]

4. A responsabilidade dos pais, pelos filhos menores. No curso da vida, o normal é que os filhos menores não tenham patrimônio. Por isso, visando dar proteção à vítima, o legislador transferiu aos pais a responsabilidade pela reparação dos danos causados pelos seus filhos menores. Para que se reconheça essa responsabilidade dos pais, por condutas de filhos menores, é necessário ainda que estes estejam sob a “autoridade” e a “companhia” de pelo menos um dos pais. A palavra autoridade, no contexto, significa que os pais estão diante de circunstâncias que lhes permitem definir e controlar o que o filho possa ou não possa fazer. Em outras palavras, há autoridade quando se tem o efetivo controle e direção dos atos dos filhos. [7] Delineado o significado da expressão condicionante para a responsabilização dos pais, cumpre ressaltar alguns casos mais comuns, em que os pais se exoneram da responsabilidade. No caso de pais que estão judicialmente desobrigados da convivência – separados, divorciados, um sendo ausente ou interditado etc. – a responsabilidade incidirá sobre aquele que tem efetivamente a guarda e posse do filho menor. [8] Essa leitura, contudo, há que ser feita com minudências, pois a simples situação fática de pais separados não implica a responsabilidade isolada daquele com quem o filho menor reside. Se o ato do menor decorrer de má orientação dos pais, a responsabilidade será de ambos, uma vez que os pais têm este dever, ainda que judicialmente separados.[9] Fica afastada a responsabilidade dos pais nos casos em que o menor é deixado, continuamente, sob a guarda de terceiros, como acontece com filhos que ficam sob a autoridade de avós, dos professores nos educandários etc. A responsabilidade dos pais pode, portanto, configurar-se como intermitente, todavia, a simples delegação do dever de vigilância sobre o filho menor não tem o condão de transferir a responsabilidade dos pais. A delegação de vigilância capaz de afastar a responsabilidade dos pais é aquela que tem lastro jurídico, apta a instaurar uma substituição do guardião do menor, ainda assim, de forma regular – “permanente ou duradoura”. [10] Ainda neste campo da transferência do dever de vigilância, tem-se o instigante caso da emancipação. Como se sabe a emancipação pode se dar nas hipóteses elencadas nos incisos do parágrafo único do art. 5º do CC. Dentre essas se encontra a possibilidade de os pais concederem ao filho menor a emancipação (art. 5º, I, CC). Tal ato pode se configurar impensado ou imprudente. Por isso, há o entendimento jurisprudencial no sentido de que a emancipação de filho menor, por simples outorga, não afasta a responsabilidade dos pais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados pelo filho emancipado. [11] Por fim cumpre ressaltar que a responsabilidade considerada objetiva é a dos pais e não a do filho menor. [12] Assim, se o filho menor, burlando a vigilância dos pais, apossa-se de chave de veículo automotor e se envolve num acidente, a vítima deverá provar o dano e que este foi causado por fato culposo do condutor do veículo [o menor].


5. Responsabilidade patrimonial do menor. A interpretação literal do enunciado contido no artigo 932 do CC leva à conclusão de que os pais estariam obrigados a reparar a totalidade do dano causado à vítima, por ato do filho menor. Essa leitura não é mais correta, pois o legislador positivou no art. 928 do CC, uma norma jurídica fundada no princípio da equidade, e também nas irradiações o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – que informa a possibilidade de o patrimônio do menor ser também atingido na efetivação da reparação. Afirma-se isso porque o art. 928 do CC, assim enuncia: O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Portando, interpretando-se, pelo método sistemático, a responsabilidade dos pais, tem-se que o artigo 932, I deve ser interpretado em conjunto com o art. 928, também do CC. Dessa leitura conjunta se extrai que os pais terão o dever de indenizar a vítima, ou seja, perderão patrimônio em favor da vítima. Contudo, isso apenas se verificará se os pais detiverem patrimônio suficiente, pois se não tiverem riqueza bastante para suportar a reparação à vítima, atacar-se-á, então, o patrimônio do menor, caso este o tenha. Na vida real, isso poderá implicar reparação parcial da vítima, preservando-se, um mínimo para os pais, de forma a não comprometer-lhes a dignidade. Idêntica postura ocorre em relação aos bens do menor. [13]

6. A questão da inimputabilidade do menor. Soa estranho falar em responsabilidade civil do menor de 16 anos, pois este é presumidamente, pela lei, um incapaz. [14] O é porque não tem desenvolvimento mental completo não podendo, por isso, praticar uma conduta voluntária com pleno entendimento do ilícito. Não haveria, pois, como atribuir ao menor uma conduta culposa, e, assim, atribuir-lhe a responsabilidade. Todavia, em vários países do mundo já se admitia a responsabilidade civil dos incapazes. Como exemplo se tem o § 829 do Código Civil Alemão[15] que expressamente determina que os amentais participem, na medida do possível, da reparação da vítima, em conjunto com os seus responsáveis. [16] No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente estatuiu claramente, no seu artigo 116, a possibilidade de o menor infrator ter que suportar os efeitos da reparação civil. Com o Código Civil de 2002, a discussão sobre essa possibilidade se tornou dispensável, eis que ela está positivada no artigo 928.

7. A responsabilidade do tutor e o do curador. A tutela é um instituto de direito civil cuja finalidade é a de definir um representante legal – o tutor – para menores órfãos ou de pais que perderam o poder familiar – Código Civil art. 1.728. A curatela é também um instituto de direito civil que fixa um representante legal – o curador – para a pessoa incapaz – Código Civil art. 1.767. Esses representantes legais são necessários, pois viabilizam o sagrado acesso ao direito daqueles que não gozam da capacidade de exercício. O fundamento da responsabilidade do tutor e do curador ainda é o vínculo jurídico que ata o pupilo ao tutor e o curatelado ao curador. [17] Tudo que se disse em relação à responsabilidade dos pais, por atos dos filhos menores, aplica-se ao tutor e ao curador. Isso decorre da parte final do inciso II, do art. 932.

8. A responsabilidade do empregador ou comitente. Empregador é toda pessoa física ou jurídica que “admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”[18] de outra pessoa [o empregado]. Comitente é a pessoa que encarrega outra de praticar um ato determinado, por sua conta e ordem [o comissário]. [19] O empregador pode se postar como comitente, este, porém, não precisa ser um empregador. Quem está sob ordens são os empregados, os serviçais e os prepostos. [20] Empregados são aqueles que têm uma relação de emprego com o empregador. Serviçais podem ser considerados, grosso modo, os domésticos, ou seja, aqueles que possuem com alguém uma relação de trabalho e não de emprego. Prepostos são as pessoas que, remuneradas ou não, executam determinada atividade a pedido de outrem. [21] Quando esses personagens, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele, causarem dano a outrem, estarão também, no plano jurídico, implicando a responsabilização do empregador ou do comitente, pela obrigação de reparar a vítima. A responsabilidade dos empregadores e comitentes é objetiva, por força do artigo 933 do CC. Entretanto, cabe a observação já realizada, ou seja, para que o empregador responda por atos de seus empregados é necessário que estes tenham, no caso de responsabilidade civil subjetiva, realizado uma conduta culposa. Objetiva é a responsabilidade do empregador e não a do empregado. Antes do Código Civil 2002 a posição jurisprudencial do STJ entendia que o empregador [o patrão] responderia subjetivamente, porém com culpa presumida. [22] Atualmente, não se fala mais em culpa presumida do empregador, mas em simples responsabilidade objetiva egressa do direito positivo brasileiro, sem comportar qualquer discussão doutrinária. A expressão “no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele” merece uma pequena digressão. Sem dúvida, quando se trata de empregados nas dependências do estabelecimento onde se realiza a atividade econômica do empregador, a responsabilidade destes já está consagrada na jurisprudência. Tanto é que o Enunciado 191 da CEJ proclama que a “instituição hospitalar privada responde, na forma do art. 932-III do CC, pelos atos culposos praticados por médicos integrantes de seu corpo clínico”. [23] Já se decidiu também que o empregador deverá indenizar pelo homicídio praticado por seu empregado, quando este o faz no horário de trabalho e em defesa do patrimônio da empresa ou do empregador. [24] Entretanto, essa clareza de posição já não se verifica para o caso em que o empregado usa veículo da empresa sem o controle ou limitação desta. No caso, para afastar a responsabilidade do empregador, deverá ficar provado que o preposto abusou ou desviou de suas funções. O que prevalece é a teoria da aparência, ou seja, a de que o empregado está a mando do empregador. [25] Se o empregado tem acesso ao veículo da empresa, ainda que em feriados ou dias de folga, não existindo regra proibitiva expressa restringindo o uso, o empregador responderá perante a vítima. [26]

9. A responsabilidade dos donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos. A palavra “donos” abrange as pessoas físicas ou jurídicas. Pretende o Código estabelecer a responsabilidade civil dos “donos” dos estabelecimentos mencionados, perante duas situações distintas: quando os empregados dos “donos” causarem danos aos hóspedes e educandos do estabelecimento; quando os hóspedes e educandos causarem danos a terceiros. [27] A responsabilidade dos “donos” é objetiva, por determinação da lei (art. 933 do CC). Porém, ainda que não existisse a norma do artigo 933, retro, a responsabilidade perante os hóspedes e educandos seria objetiva, pois os donos dos estabelecimentos mencionados, uma vez que albergam por dinheiro, são prestadores de serviço. Por isso, no caso retro especificado, ocorre a atração das normas especiais contidas no Código de Defesa do Consumidor (art. 14, Lei 8078/90), que impõe como objetiva a responsabilidade civil dos prestadores de serviço por danos decorrentes de serviços defeituosos. [28] A doutrina discute se o estabelecimento que albergar alguém gratuitamente, uma vez que o inciso IV, do art. 932 do CC, restringe a responsabilidade civil aos donos de estabelecimentos que albergam por dinheiro, responderia por atos de seus empregados perante o beneficiado. Debate-se, ainda, se haveria responsabilidade do dono do estabelecimento, caso o gratuitamente albergado causasse dano a terceiro. Por fim, surge a questão da Escola Pública, que pode albergar gratuitamente, como nos casos de internatos em Escolas Agrícolas ou militares. Quem alberga gratuitamente responderá civilmente perante o beneficiado, por danos causados por seus empregados, não pela regra do inciso IV do art. 932 do CC, mas, sim, pela regra do inciso III, ou seja, por ser objetivamente responsável por ato do preposto. No tocante à responsabilidade do dono por ato de um hóspede pagante contra o beneficiado, a doutrina responde que haverá responsabilidade, fundada no dever de segurança em relação ao albergado, seja a relação onerosa ou não. [29] No tocante às Escolas, sendo pública ou não, o entendimento espraia em duas vertentes: se durante o período em que a Escola pode exercer a vigilância sobre o aluno, este causa um dano a terceiro, a entidade responde objetivamente; se o aluno, em decorrência de atividades controladas pela instituição de ensino, vier a sofrer dano, também haverá responsabilidade desta, independentemente de culpa. [30] Importante ressalvar que, na hipótese de a Escola ser pública, a responsabilidade será da entidade estatal a ela vinculada. [31]

10. A responsabilidade do que participou, gratuitamente, no produto do crime. Para entender a norma contida no inciso V, do art. 932 do CC é necessário rever ou estabelecer os seguintes conceitos jurídicos: produto do crime; e participação no produto do crime. Produto do crime é a coisa que foi objeto do furto ou roubo. Trata-se da res furtiva. [32] Outro instituto jurídico é o proveito do crime, ou seja, o valor em dinheiro em que se converteu o produto do crime. A norma jurídica ora em comento ordena que a pessoa beneficiada com o produto o restitua. Nada se diz em relação ao proveito do crime. Assim, a doutrina informa que se os familiares de um ladrão souberem que estão sendo sustentados com o proveito do crime, aqueles não estarão cometendo nenhum ilícito, por inexigibilidade de conduta diversa.[33] E primeiro lugar, deve ser observado que a doutrina converge para a posição de que o tema é estranho à responsabilidade civil.[34] Afirma-se isso porque participar no produto do crime não é a mesma coisa que participar do crime. Assim, quem participa gratuitamente do crime é aquele que, sem saber, recebe de presente, por exemplo, uma coisa que foi furtada ou roubada, sem o saber. Quem assim procede não comete ato ilícito, por isso não lhe pode incidir responsabilidade civil. O caso em tela se resolve pela teoria do “locupletamento indevido” [35]

[1] “A regra em sede de responsabilidade civil é que cada um responda por seus próprios atos, exclusivamente pelo que fez, conforme salientado quando tratamos da conduta. É o que tem sido chamado de responsabilidade direta ou responsabilidade por fato próprio, cuja justificativa está no próprio princípio informador da teoria da reparação”; – Cf. CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 191.
“A teoria da responsabilidade civil assenta, em nosso direito codificado, em torno de que o dever de reparar é uma decorrência daqueles três elementos: antijuridicidade da conduta do agente; dano à pessoa ou coisa da vítima; relação de causalidade entre uma e outro. Dá-se-lhe o nome de responsabilidade por fato próprio ou responsabilidade direta”. Cf. Caio Mário da Silva Pereira. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 85.
[2] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. vol. III. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 147.
[3] Caio Mário da Silva Pereira. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 86.
[4] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 209.
[5] “Os pais terão que indenizar simplesmente porque são pais do menor causador do dano. Assim também o tutor, o curador e o empregador. Mas, em contrapartida, se, ao menos em tese, o fato não puder ser imputado ao agente a título de culpa, os responsáveis não terão que indenizar” – Cf. DIREITO, Carlos Alberto Menezes (et al). Comentários ao novo código civil: da responsabilidade civil. Rios de Janeiro: Forense, 2004, p. 201.
[6] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 195.
[7] “Depreende-se isso do próprio texto legal, da expressão ‘ estiverem sob sua autoridade e sua companhia’. Esse dever de guarda e vigilância é exigível daquele que tem autoridade sobre outrem e enquanto o tiver em sua companhia”. – Cf. DIREITO, Carlos Alberto Menezes (et al). Comentários ao novo código civil: da responsabilidade civil. Rios de Janeiro: Forense, 2004, p. 200 e 201.
[8] “Indenização – responsabilidade civil – acidente de trânsito – Veículo dirigido por menor – ilegitimidade passiva do pai que não tem poderes de vigilância sobre ele, por deferida a guarda à própria mãe – exclusão do pai” – Cf. RJTSP 54/182; in: Rui Stoco. Responsabilidad civil e sua interpretação jurisprudencial. 3. ed. São Pauto: Revista dos Tribunais, 1997, p. 347.
[9] Na determinação do art. 1.579 do Código Civil, o divórcio não tem o condão de modificar os deveres dos pais em relação aos filhos. Consequentemente, o dever de sustento e educação dos filhos, estampado no inciso IV do art. 1.566 do CC permanece, ainda que rompido o vínculo ou a sociedade conjugal. O Superior Tribunal de Justiça, assim se manifestou: “A mera separação dos pais não isenta o cônjuge com o qual os filhos não residem, da responsabilidade em relação aos atos praticados pelos menores, pois permanece o dever de criação e orientação , especialmente se o poder familiar é exercido conjuntamente” (STJ, 4ª T. REsp 1.074.937, Min. Luis Felipe, j. 1.10.09, DJ, 19.10.09) – Cf. Theotônio Negrão. Código Civil e legislação civil em vigor. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 286.
[10] DIREITO, Carlos Alberto Menezes (et al). Comentários ao novo código civil: da responsabilidade civil. Rios de Janeiro: Forense, 2004, p. 205.
[11] Cf. REsp. 122.573-PR; Rel. Min. Eduardo Ribeiro. Ver também: Enunciado 41 da Jornada de Direito Civil promovido pela CECJF (Brasília – Setembro de 2002). CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 196.
[12] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 195.
[13] “A impossibilidade de privação do necessário à pessoa, prevista no art. 928, traduz um dever de indenização equitativa, informado pelo princípio constitucional da proteção à dignidade da pessoa humana. Como consequência, também, os pais tutores e curadores serão beneficiados pelo limite humanitário do dever de indenizar, de modo que a passagem ao patrimônio do incapaz se dará não quando esgotados todos os recursos do responsável, mas quando reduzidos estes ao montante necessário à manutenção de sua dignidade” – Enunciado 39 da Jornada de Direito Civil da CEJF – Setembro de 2002; Cf. DIREITO, Carlos Alberto Menezes (et al). Comentários ao novo código civil: da responsabilidade civil. Rios de Janeiro: Forense, 2004, p. 162.
[14] Código Civil, art. 3º.
[15] BGB. Section 829 - Liability in damages for reasons of equity - A person who, for reasons cited in sections 827 and 828, is not responsible for damage he caused in the instances specified in sections 823 to 826 must nonetheless make compensation for the damage, unless damage compensation can be obtained from a third party with a duty of supervision, to the extent that in the circumstances, including without limitation the circumstances of the parties involved, equity requires indemnification and he is not deprived of the resources needed for reasonable maintenance and to discharge his statutory maintenance duties.
[16] ENNECCERUS, Ludwig; KIPP, Theodor; WOLF, Martin. Tratado de derecho civil: Código Civil Aleman (BGB)- traducción al castellano por Carlos Melon Infante. Barcelona: Casa Editorial Bosch, 1955, p. 171
[17] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 198.
[18] CLT, art. 2º, caput e §§ 1º e 2º.
[19][19] A palavra comitente possui muitos significados no campo do direito. A idéia central que constitui o núcleo do conceito é de que comitente é a pessoa que confia, entrega ou encarrega a outrem a realização de uma tarefa. ( Cf. COSTA, Carlos Celso Orcesi da. Código civil na visão do advogado: responsabilidade civil. vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 317). Alguns trabalham com o conceito de comitente vinculado à parte que integra o contrato típico de Comissão, existente no Código Civil. Exemplo: Comitente é a “Denominação que se dá à pessoa que encarrega outra de comprar, vender ou praticar qualquer ato, sob suas ordens e por sua conta, mediante certa remuneração, a que se dá o nome de comissão” – (Cf. De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 184). O conceito atual de comitente é mais abrangente.
[20] Preposto, segundo entendimento do STJ, é “aquele que possui relação de dependência ou presta serviço sob interesse de outrem”. Há preposição, ainda que não haja contrato escrito. Basta a relação de dependência ou a prestação de serviço sob interesse e comando de outro. Se o causador do dano for empregado de empresa terceirizada, o tomador do serviço não fica excluído da responsabilidade. Cf. Theotônio Negrão. Código Civil e legislação civil em vigor. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 287.
[21] Ensina José de Aguiar Dias que “Não tem nenhuma influência, para a caracterização da figura do preposto, que seja ou não salariado. A relação pode resultar de ato de cortesia, como acontece quando o dono do veículo passa a direção a um amigo”. ... “A relação de principal a preposto é criada por subordinação voluntária” – Cf. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista por Rui Berford Dias. - São Paulo: Renovar, 2006, p. 760.
[22] Súmula 341 do STJ: É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto.
[23] Cf. Theotônio Negrão. Código Civil e legislação civil em vigor. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 286.
[24] TJRJ. Ap. cível 6.930/94 (2ª Câmara; Rel. Sérgio Cavaliere Filho); Cf. CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 191.
[25] Cf. CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 186.
[26] “A circunstância de ter o acidente ocorrido num domingo, fora do horário de trabalho do empregado da empresa demandada, é irrelevante. O que é decisivo é que o motorista tenha acesso ao veículo causador do evento danoso, em razão do vínculo empregatício existente. Estando comprovado que o evento decorreu de ato culposo do motorista presume-se a responsabilidade do patrão”. TAMG – Ap. 20.443 – apud: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. Volume IV. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 115
[27] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 207.
[28] Um serviço é considerado defeituoso quando não oferece a segurança que dele se espera. Trata-se de definição legal contida no art. 14, § 1º I da Lei 8078/90. Ensina Sérgio Cavaliere Filho que “em nada favorece ao hotel fixar avisos nos apartamentos, salas de recepção e outros locais ostensivos no sentido de que não se responsabiliza pro eventuais danos pessoais sofridos por seus hóspedes, nem em relação aos seus valores e bagagens” (Cf. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 208).
[29] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. volume IV. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 124.
[30] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. volume IV. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 118.
[31] Idem, p. 119.
[32] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 210.
[33] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 210.
[34] Comenta Carlos Celso Orcesi da Costa que o inciso V “é uma velharia inconsistente sob o aspecto ético” (Cf. Código civil na visão do advogado: responsabilidade civil. vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 325)
[35] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. volume IV. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 124.