segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Artigo: Os Vereadores e as OSCIPS




OS VEREADORES E AS OSCIPS

* (publicado no Jornal Diário do Aço – Edição de Domingo – 21/11/2010, página 07)

Arrumar emprego, ajudar aliados e promover eventos de lazer devem ser as principais funções de um deputado federal. Essa é a opinião de aproximadamente 60% dos eleitores entrevistados em pesquisa exclusiva conjunta (Época/Ibope) – Revista Época de 27/09/2010. Os mesmos eleitores responderam também que todas as eleições são importantes, todavia o grau de importância decresce conforme o cargo, na seguinte ordem: Presidente da República, Governador, Senador, Deputado Federal e Deputado Estadual. Além de mitigar a importância do legislativo, 79% dos eleitores responderam que o número de parlamentares deveria diminuir em todo o Brasil.
Muito se pode extrair da pesquisa referida, mas há um fato que sobressai: os vereadores não foram mencionados, ao que parece, nem pelo pesquisador nem pelo pesquisado. Tudo isso nos leva a concluir que a importância dada pelo eleitor aos vereadores é absolutamente divorciada da nobre e indispensável função que nossa Constituição atribuiu a esses representantes do povo na esfera municipal. O eleitor pesquisado causa a impressão de se esquecer que, antes de viver no Brasil e num Estado da federação, ele vive concretamente num município. O local onde o eleitor reside é o palco no qual se realiza, quantitativa e qualitativamente, a aplicação direta do dinheiro público. As enchentes, a qualidade da água recebida, a coleta do lixo, o esgoto “a céu aberto” em sua rua, a limpeza urbana, os riscos da dengue, a rapidez ou a lentidão com que flui o trânsito, as longas horas de paradas no trânsito; a distância do posto de saúde, a demora ou a baixa qualidade na prestação de serviço de saúde e muito mais são exemplos de questões vivenciadas e que devem ser corrigidas no âmbito municipal.
Um exemplo da importância dos vereadores pode ser extraído dos recentes acontecimentos vinculados à administração do prefeito de Ipatinga, Robson Gomes. Este, recentemente, tornou-se alvo de questionamentos relacionados com contratações de OSCIPS – Organização da Sociedade Ccivil de Interesse Público. As suspeitas de irregularidades divulgadas pela imprensa resultaram de um trabalho jornalístico de pesquisa tendo por base dados divulgados pela própria administração municipal: o “Portal da Transparência”. Parte da imprensa questionou, dentre outras vertentes, a forma, a conveniência, a finalidade e a efetiva execução do objeto de alguns contratos entre o Município e as OSCIP’s. Imediatamente falou-se em CPI, mas ninguém falou sobre a atuação preventiva dos vereadores, pois como se sabe, a Constituição Federal (art. 31) determina que “A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo”. Daí, perguntar: se a imprensa detectou algum problema, tomando por base informações públicas, por que o legislativo municipal não o fez? Estaria sendo eficaz a atuação da vereança? O eleitor teria escolhido bem os seus vereadores?
Fato curioso é que nem sempre o eleitor cobra ou pune o administrador pelas estranhezas levantadas pela imprensa – Lula não foi afetado pelo mensalão; Paulo Maluf continua com intensa presença política; Dilma Roussef chegou à Presidência da República, apesar de Erenice Guerra; contratos para o “especializado” serviço de limpeza urbana são fechados entre o município e empresa privada, com prazo de vigência de 20 anos, sem maiores questionamentos pela maioria dos munícipes. Estranho, não?
No Brasil, o processo de licitação é, na forma da lei, quase perfeito; na prática, uma selva de insensatez. Dificilmente um produto será comprado em licitação pública, com preço igual ou abaixo daquele que é praticado no mercado. As explicações para os altos preços são igualmente esdrúxulas: quem vende para o poder público não sabe quando vai receber; há outros elementos “inconfessáveis” a considerar na composição de preço para a administração pública. Raramente se encontrará ilegalidade nas contratações por licitação pública, todavia, com perspicácia e determinação, perceber-se-á o desenho da imoralidade no contorno da sombra lançada pelo processo.
A lição que se tira disso tudo é que o vereador consubstancia peça chave no jogo democrático e elemento sustentador do pretendido Estado Democrático de Direito. Não há política pública capitaneada por Presidente da República ou Governador de Estado que possa produzir os resultados esperados sem a atuação eficaz do vereador. O primeiro elo entre o homem do povo e o Poder Político, exercido em nome do povo, se dá pelo vereador. Cabem a este “legislar sobre os assuntos de interesse local” e fiscalizar, preventiva e corretivamente, como estão sendo aplicados os recursos públicos.

Jorge Ferreira S. Filho – advogado – professor de Direito no Centro Universitário do Leste Mineiro - UNILESTE. e-mail professorjorge1@hotmail.com

P450 - Ações Coletivas




P450 – Ações Coletivas - fundamentos

Notas Didáticas de Direito Tributário
Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Tributário do Centro Universitário do Leste Mineiro – UNILESTE
Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo – Faculdade Pitágoras
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG
Associado ao IBRADT – Instituto Brasileiro de Direito Tributário
Associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais


1. Propedêutica. O processo é o meio pelo qual a pessoa, física ou jurídica, busca a tutela de seus direitos. Tornou-se usual, porém, dizer que a tutela se faz por meio de uma “ação”. No direito brasileiro, para propor ou contestar uma “ação”, a pessoa deve ter interesse e legitimidade (CPC, 3º)[I]. A legitimidade é um conceito jurídico de natureza processual. Diz-se que uma pessoa tem legitimidade quando ela preenche os requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico para se postar validamente como autora ou ré (requerida) num processo. Daí se fala em legitimidade ativa – a do autor da ação – e em legitimidade passiva – a do réu, ou requerido. O autor, via de regra, é a pessoa que formula “pedidos” na “ação”. Réu é aquele que suportará as consequências do deferimento dos pedidos formulados. A legitimação é o instituto jurídico pelo qual se confere legitimidade às pessoas. Desse conjunto de idéias, se construiu a definição de legitimação ordinária para a causa – legitimação comum. Trata-se de noção insculpida no art. 6º do CPC. Nesse, se encontra a regra geral, assim postada: QUEM PEDE, PEDE PARA SI. Em outras palavras, o autor de ação formula um pedido que, se deferido, atingirá sua esfera de direitos. O autor não pode pedir num processo que o juiz defira o pedido de tutela relativo aos direitos de outra pessoa, mesmo que essa esteja sofrendo lesões em seu legitimo direito. Apenas excepcionalmente se permite que, em nome próprio, se pleiteie direito alheio. Essa autorização especial dada pela lei configura a legitimação extraordinária. Autorizações expressas para pleitear em nome próprio um direito alheio estão dispersas no nosso ordenamento jurídico. São exemplos: a conferida às entidades associativas, pelo inciso XXI, do art. 5º da Constituição Federal[II]; a conferida aos sindicatos, para, autorizados ou não pelos sindicalizados[III], propor, em nome próprio, mandado de segurança coletivo, contra lesão a direito líquido e certo, de seus associados – CF, art. 5º, inciso LXX.

2. A forma clássica individualista de pensar a legitimidade na tutela dos direitos. O processo foi pensado, até meados do século XX, como forma de tutelar o direito individual do autor da ação. Os direitos eram enfeixados em categorias de direitos subjetivos[IV] pessoais ou reais. Cada um deveria pedir para si a tutela[V] relativa ao seu direito. Quando a decisão judicial, relativa ao pedido formulado pelo autor da ação, fosse passível de afetar direitos de outras pessoas, além das partes envolvidas, aplicava-se o instituto do litisconsórcio necessário. Apenas dessa forma se admitia a ação exercida de forma coletiva – vários autores ou vários réus ou ambos. Ainda assim, no litisconsórcio, as tutelas deferidas circunscreviam-se ao direito individual. Com o desenvolvimento dos grandes centros urbanos, com a eclosão de desastres ambientais e a formação de complexas relações jurídicas, principalmente na relação de consumo, a forma clássica individualista se revelou insuficiente para a efetiva tutela dos direitos[VI]. Surgiram, então, novas categorias de direitos e de tutelas[VII]. Norberto Bobbio chegou a dizer que o problema atual dos direitos não está em justificá-los, mas, sim, como conseguir sua efetiva tutela. [VIII] Os norte-americanos perceberam que as pessoas estavam deixando de buscar a tutela de seus direitos quando: as despesas judiciais iniciais do processo eram muito altas; o direito tutelado era de pequena expressão financeira; não conseguiam, diante da complexidade do mundo moderno, perceber o sentido e o alcance de seus direitos. Para resolver essa inadequação do sistema clássico, eles construíram o instituto denominado class action[IX], fonte inspiradora das ações coletivas atuais.

3. O direito transindividual e sua defesa em juízo. Suponha que um grupo de pessoas resida nas proximidades de uma fábrica que expele pela chaminé produtos tóxicos. Qualquer pessoa, individualmente, poderia mover uma “ação” contra a empresa para ser ressarcido quanto aos danos sofridos com a poluição, se puder quantificá-los. Poderia também pedir a suspensão das atividades da fábrica até que fossem instalados filtros. As dificuldades práticas para uma pessoa mover essa ação são muitas, mas a principal se refere à prova que é técnica e muito cara. Isso decorre do fato de que o autor da ação deveria identificar o agente poluente, medir os índices [concentração do poluente], confrontá-lo com os limites da legislação específica sobre o poluente, pagar os honorários periciais. Se essa pessoa estivesse empregada na fábrica, certamente perderia seu emprego quando entrasse com a ação. Em síntese pode-se dizer: impraticável para o homem do povo. Todavia, por mera hipótese, se essa pessoa tivesse sucesso com a ação contra a fábrica não apenas ele seria beneficiado, mas todas as pessoas da comunidade e até eventuais pessoas que tivessem passado no local atingido pela poluição. Daí vem a noção de direito transindividual, ou metaindividual, que pode ser assim posta: Trata-se de um direito que pertence concomitantemente a várias pessoas; as pessoas podem ser inseridas em grupos, categorias ou classes; o vínculo que permite reunir as pessoas em categorias pode ser de natureza jurídica ou de natureza fática.

4. A importância do Código de Defesa do Consumidor no contexto dos direitos transindividuais. Em 1990, por meio da lei 8.078, denominada Código de Defesa do Consumidor, uma nova linguagem se descortinou para o direito material e processual. Expressões como “interesses e direitos difusos”, “interesses e direitos coletivos”, “interesses e direitos individuais homogêneos”, “Ações coletivas”[X] e tantas outras passaram a fazer parte da semântica processualista. As expressões iriam se inserir posteriormente em outras leis extravagantes, como na lei da ação civil pública – Lei 7.347/85, art. 1º, inciso IV.

5. Diferençando interesse e direito. As palavras interesses e direitos comparecem no enunciado do art. 81 do CDC, dando a idéia de diferentes significados. Historicamente, o direito exercitável era o direito subjetivo. Os interesses eram também direitos, todavia, um direito comum a determinado grupo de pessoas, desde que o grupo fosse indeterminado, em termos práticos, e o direito indivisível[XI]. Kazuo Watanabe, em relação ao art. 81 do CDC, assim explica: “Os termos interesses e direitos foram utilizados como sinônimos, certo é que, a partir do momento em que passam a ser amparados pelo direito, os interesses assumem o mesmo status de direitos, desaparecendo qualquer razão de ordem prática, ... , para a busca de uma diferenciação ontológica entre eles”. [XII]

6. Categorias de interesse, no ordenamento jurídico. De suma importância é o domínio dos conceitos relativos aos interesses, ou direito, pleiteados numa ação. Por isso o aluno deve se aplicar no exame das palavras nucleares que explicam os conceitos abaixo, inclusive buscando exemplos na literatura indicada, de forma a melhor introjetar as noções abaixo desenvolvidas.
6.1- Interesse individual: Caracteriza-se pelo fato de que a lesão ou a ameaça a este direito não tem como ultrapassar a esfera do titular. Identifica-se com a noção histórica do instituto jurídico denominado “direito subjetivo”[XIII].

6.2- Interesses plúrimos: O conceito assemelha-se ao de litisconsórcio. Grupo de pessoas coligadas que, por si, ou por meio de entidade de classe, buscam a satisfação de direitos individuais. O Litisconsórcio pode ser facultativo ou necessário. Quando facultativo encontra limitações naturais ao seu exercício.

6.3- Interesses difusos: São os “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (CDC 81, I). V.g.: eliminar a publicidade enganosa ou abusiva que atinge uma multidão indeterminável, em termos práticos; remover produtos colocados no mercado que tenham alto grau de nocividade e periculosidade à sáude.[XIV] O significado da palavra “indivisível” no presente contexto é importante. O interesse é indivisível quando a decisão judicial pleiteada for incapaz de circunscrever seus efeitos em torno apenas dos autores da ação. Pleiteando-se a remoção de uma propaganda enganosa, se deferido o pedido, toda a coletividade ficará tutelada. Não há como proteger uns sem atingir os demais membros.[XV] No tocante à expressão “pessoas indeterminadas” ela é interpretada no sentido de que são pessoas que se inserem no universo daqueles que foram, poderiam, podem ou poderão ser alcançados com a tutela. [XVI]

6.4 Interesses coletivos: são “os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” (CDC 81, II). Distinguem-se dos direitos difusos pelo aspecto da determinabilidade dos titulares. A tutela, entretanto deve permanecer indivisível. Exemplos: Associação de Pais de alunos que demandam por um critério justo de reajuste de mensalidade[XVII].

6.5. Interesses individuais homogêneos. Previsto no inciso III do art. 81 do CDC, eles se caracterizam pelo fato de serem “decorrentes de origem comum”, todavia sem que a expressão implique unidade espacial e temporal, como explica Kazuo Watanabe. Se a Associação de Pais de alunos demanda no sentido de devolver o excesso pago em mensalidades, fala-se em direitos individuais homogêneos, uma vez que são divisíveis.

7. A técnica brasileira para proteger os direitos coletivos. O legislador definiu as categorias de direito coletivo [o difuso, o coletivo em sentido estrito, os individuais homogêneos], nos incisos I a III, artigo 81 do CDC. Disse ainda que os interesses do consumidor podem ser defendidos de duas formas: individual; coletiva. Na via da defesa coletiva, o legislador optou pela técnica da legitimação extraordinária ampliada – art. 82. Assim, diferentemente do que ocorre nas ações de classe nos Estados Unidos da América, o consumidor brasileiro não goza de legitimidade extraordinária: pedir em nome próprio direito de outros, ainda que coletivo. O legislador optou por ampliar a base detentora de legitimação extraordinária para a defesa coletiva do consumidor em juízo. Assim, o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, as entidades e órgãos da administração pública, destinadas à defesa dos interesses coletivos, as associações legalmente constituídas, há pelo menos um ano e desde que seus fins sejam concernentes à defesa do consumidor, passaram a deter a legitimação extraordinária para defesa do consumidor em juízo – CDC, 82. Buscando a efetividade da tutela, disse o legislador que os autores, do processo judicial movido para a defesa do consumidor, poderiam se valer de “todas as espécies de ações capazes de propiciar” a adequada defesa – CDC 83. Pelo art. 84 do CDC, o legislador deu ao juiz o efetivo poder de conceder a tutela específica ou determinar providências de ordem prática que se aproximassem dos efeitos do adimplemento. Foi afastada a exigência de preparo e honorários periciais – CDC 87. As normas processuais do CPC e as contidas na ação civil pública foram expressamente incluídas nas ações coletivas – CDC, art. 90. Em relação à ação para defesa de interesse individual homogêneo, centrada em reparação dos danos individuais, o legislador traçou regras especiais – artigos 91 a 100.

8. Instrumentos de defesa coletiva. Como afirmado é possível manejar qualquer ação para a defesa dos interesses coletivos, desde que, obviamente, ela se mostre adequada. Revela-se de extrema adequação para a defesa de alguns direitos coletivos os seguintes institutos processuais: Ação Popular; Ação Civil Pública; mandado de segurança coletivo.

9. Ação coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos. A matéria está regulamentada nos artigos 91 a 100 do CDC. Os legitimados do art. 82 podem propor a ação em nome próprio e no interesse das vítimas, para reparação dos danos individualmente sofridos – CDC 91. Proposta a ação, se faz necessária a publicação do edital aos interessados, caso queiram atuar como litisconsortes – CDC 94. A condenação será genérica. A liquidação da sentença e a execução desta podem ser propostas pela vítima, seus sucessores ou pelos legitimados determinados no art. 82 do CDC. Poderá ainda, a execução ser coletiva – CDC 98. O produto da indenização devida, aos interessados não habilitados, será destinado ao Fundo criado pela LACP – Lei 7347/85.

[I] A rigor, tendo ou não tendo o interesse ou a legitimidade, a ação poderá ser proposta, porém o processo será extinto, sem resolução do mérito [o pedido], uma vez que assim determina o art. 267, inciso VI, do CPC. O CPC, no art. 3º, condiciona a proposição da ação (rectius: recebimento) à demonstração do interesse e da legitimidade. Diferente é o Código Italiano que exige apenas a demonstração do “interesse” como requisito para o recebimento da “ação” : Cf. Titolo IV: DELL'ESERCIZIO DELL'AZIONE: Art. 99 (Principio della domanda) Chi vuole far valere un diritto in giudizio deve proporre domanda al giudice competente. Art. 100 (Interesse ad agire) Per proporre una domanda o per contraddire alla stessa e' necessario avervi interesse.
[II] O legislador usou erroneamente o verbo representar no enunciado do inciso XXI do art. 5º da CF. As entidades associativas não representam. Elas podem substituir o titular do direito lesado e se apresentam como autoras da “ação”. Elas formulam pedidos para os seus membros ou associados, pedidos que se circunscrevem aos direitos dos associados. Daí se falar em substituição processual. Consulte: Alexandre de Moraes. Constituição do Brasil interpretada. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 262.
[III] Confira STJ REsp 70.417/SE, in: Alexandre de Moraes. Constituição do Brasil interpretada. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 2551.
[IV] Vicente Raó explica: “Referindo-nos ao direito objetivo e ao direito subjetivo, dissemos que uma distinção fundamental existe entre a norma considerada em si e a faculdade que ela confere às pessoas singulares ou coletivas, de procederem segundo o seu preceito, isto é entre a norma que disciplina a ação (norma agendi) e a faculdade de agir de conformidade com o que ela dispõe (facultas agendi)” – O direito e a vida dos direitos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 379.
[V] As tutelas clássicas espraiam-se em duas vertentes: as relativas às sentenças condenatórias, mandamentais e executivas; as pertinentes às sentenças declaratórias e constitutivas. Estas são consideradas auto-suficientes ou satisfativas. Leitura recomendada: MARINONI, Luiz Guilherme. Técnicas processuais e tutela de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 149.
[VI] Explica Luiz Guilherme Marinoni que a tutela jurisdicional poderá ou não prestar a tutela de do direito: “A tutela jurisdicional, quando pensada na perspectiva do direito material, e dessa forma como tutela jurisdicional dos direitos, exige a resposta a respeito do resultado que é proporcionado pelo processo no plano do direito material” – Cf. Técnicas processuais e tutela de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 147.
[VII] A tutela inibitória e a tutela de remoção do ilícito passaram a fazer parte do discurso da proteção aos direitos vinculados à sociedade de consumo e ao meio ambiente. Leitura recomendada: MARINONI, Luiz Guilherme. Técnicas processuais e tutela de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 249 e ss.
[VIII] Il problema di fondo relativo ai diritti dell’uomo è oggi non tanto quello digiustificarli, quanto quello di proteggerli. È un problema no filosofico ma politico. BOBBIO, Norberto. L’età dei diritti. Torino: Giulio Einaudi editore, 1997, p.16.
[IX] 3. Os inibidores práticos à defesa jurídica de certos direitos (Fail to seek judicial relief) são assim apontados: Small and modest claim; ignorant of they rights; cost of litigation. A CLASS ACTION deriva da “ Rule 23” de 1966, assim posta: Rule 23 governs the procedure for class action litigation. In a class action, a single plaintiff or small group of plaintiffs seeks to proceed on behalf of an entire class who allegedly have been harmed by the same conduct by the same defendants. Court approval is required for this procedure to be used. Rule 23.1 governs derivative suits in which a plaintiff seeks to assert a right belonging to a corporation (or similar entity) in which the plaintiff is a shareholder, on behalf of the corporation that is not pursuing the claim itself. Rule 23.2 governs actions by or against unincorporated associations. Explica Marcus Vinicius Gonçalves que “Há uma diferença profunda entre o sistema das class actions e o nosso. Naquele, qualquer um dos integrantes do grupo pode figurar como representante dos demais. No brasileiro, a legitimidade é restrita a alguns órgãos públicos ou privados que tenham por finalidade precípua a defesa dos interesses transindividuais” – (Tutela de interesses difusos e coletivos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 26). Leituras recomendadas: MEDINA, José Miguel Garcia et al. Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 354. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010
[X] “As ações coletivas representam tema palpitante no direito nacional e estrangeiro. Em julho de 2000, reuniram-se em Genebra professores de várias partes do mundo para debater e confrontar as respectivas experiências nacionais envolvendo class actions, desastres de escala, complex litigation, direitos do consumidor, civil rights, interesses difusos e assuntos relacionados com a tutela coletiva”. (Cf. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 19)
[XI] Ada Pellegrini Grinover e outros. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do projeto. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 32.
[XII] Idem, p. 623.
[XIII] MEDINA, José Miguel Garcia et al. Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 352.
[XIV] Kazuo Watanabe. In Ada Pellegrini Grinover e outros. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do projeto. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 625
[XV] “consequentemente, a indivisibilidade figura como qualidade do objeto que se quer buscar para a realização das necessidades, pertinentes à coletividade, ao grupo, categoria ou classe. Em termos processuais, a indivisibilidade deve ser apreciada a partir dos objetos imediato e mediato do pedido formulado” – Cf. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 214 e 215.
[XVI] Marcus Vinicius Rios gonçalves. Tutela de interesses difusos e coletivos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 15.
[XVII] Kazuo Watanabe, in: Ada Pellegrini Grinover e outros. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do projeto. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 629.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

T360 - Crimes Tributários




T360 – Crimes Tributários.

Notas Didáticas de Direito Tributário
Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Tributário do Centro Universitário do Leste Mineiro – UNILESTE
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG
Associado ao IBRADT – Instituto Brasileiro de Direito Tributário
Associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais

Referências[I]

1. Crime tributário. Qualquer crime é um fato típico e antijurídico que a lei comina uma sanção penal. Diz-se que há o crime tributário quando uma conduta contrária às normas tributárias atrai, além das sanções administrativas, consequências penais (Cais. 685). No Brasil a regra é que não há prisão civil por dívida. Logo, a fortiori, não cabe também prisão penal pelo não pagamento do tributo ( Amaro, 462). Portanto, o crime tributário tem fincas não na falta de pagamento do tributo, mas num comportamento direcionado para obter um resultado que configura o não pagamento do tributo. “As figuras penais tributárias geralmente são integradas por uma ação dirigida ao resultado querido de evadir tributo, ......, ou são crimes de resultado, quando pune a evasão do tributo atingida mediante certas condutas” (Amaro, 462).

2. Os Crimes de colarinho branco. Em 1939, Edwin Sutherland apresentou um ensaio denominado The white collar criminal. A expressão se popularizou e atualmente significa um gênero de crimes, cujas espécies são: crimes contra o sistema financeiro; crimes contra a ordem tributária. No Brasil se popularizou a idéia do crime de sonegação fiscal. (Cais, 685).

3. Direito Tributário Penal x Direito Penal Tributário. A primeira expressão diz respeito às sanções administrativas estabelecidas na legislação tributária. A segunda se refere ao estudo das condutas criminosas cujo fato típico relaciona-se com condutas vinculadas às obrigações tributárias. O crime de contrabando ou descaminho (CP 334) e o crime de sonegação de contribuição previdenciária (CP 337-A) são também exemplos de infrações tributárias criminais.

4. Instrumentos normativos. No Brasil, a legislação penal tributária evoluiu, basicamente, por meio dos seguintes instrumentos: Lei 4.729/65 (Lei da sonegação fiscal); Lei 8.137 de 27.12.1990; Lei 9.249/95 (Tratou, no art. 34, do crime de sonegação fiscal); Lei 9.983/2000 (revogou parte do art. 95 da Lei 8.212/91 e inseriu artigos no Código Penal).

5. Disposições do CTN sobre “Responsabilidade por infrações tributárias”.

Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.

Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:
I - quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;
II - quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar;
III - quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:
a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem;
b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;
c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.

Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.

6. Ilações dos artigos 136 e 137 do CTN sobre o crime tributário. O art. 136 do CTN, interpretado gramaticalmente, assenta a responsabilidade por infração tributária como objetiva (Amaro, 444). A interpretação sistemática (art. 136 c/c art. 108, IV) aponta que, embora desnecessário o dolo, é imprescindível a culpa do agente. SACHA CALMON dá o exemplo do preposto do comerciante que é atropelado e não consegue efetivar o pagamento do tributo a tempo (Amaro, 445). Os artigos 136 e 137 trazem a palavra “agente” em seus enunciados, porém com significados diferentes. No art. 136, a palavra “agente” se refere a quem age em seu próprio nome (sujeito passivo). No art. 137, o agente é a pessoa que atua em nome e por conta de terceiro, pois se atuasse em seu próprio nome e por sua conta haveria incidência do art. 136. Se o dolo específico for uma elementar do crime tributário, a responsabilidade será pessoal daquele que age em nome e por conta de outrem (CTN 137, II). Há dolo específico quando o agente tem “a vontade de realizar a conduta visando a um fim especial previsto no tipo” (Capez Vol I 203). V.g.: furto – subtrair, para si ou para outrem.




7. Pontuações sobre a Lei nº 4.729, de 14 de Julho de 1965. O art. 1º define as condutas que tipificam o “crime de sonegação fiscal” e estabelece a pena de detenção de seis meses a dois anos e multa variando entre duas a cinco vezes o valor do tributo. A lei admitiu a possibilidade de a pessoa jurídica ser o agente do crime de sonegação e determinou que a responsabilidade penal será de todos aqueles que, direta ou indiretamente, de modo permanente ou eventual, tenham praticado ou concorrido para a prática da sonegação fiscal ( art. 6º). Obriga as autoridades administrativas fiscais, sob pena de responsabilidade, remeter ao MP os elementos comprobatórios da infração, para a instrução do procedimento criminal cabível (art. 7º ). Atualmente, o art. 1º da Lei 8.137/90, que trata dos “Crimes contra a ordem tributária”, absorveu todas as condutas do crime de sonegação fiscal.

Lei nº 8.137, de 27 de Dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. O Presidente da República: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1 - Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação;
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Art. 2 - Constitui crime da mesma natureza:
I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se total ou parcialmente, de pagamento de tributo;
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;
IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;
V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Art. 15 - Os crimes previstos nesta Lei são de ação pública, aplicando-se-lhes o disposto no artigo 100 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.

8. A extinção da punibilidade dos crimes tributários. A denúncia espontânea “afasta qualquer possibilidade de punição, não apenas de natureza administrativa, mas, igualmente, a criminal” ( Amaro, 468). O crime de “apropriação indébita previdenciária”, com tipo definido no CP 168-A, contém a excludente de punibilidade pela denúncia espontânea (CP 168-A, § 2º ), porém o delimitador temporal não era a denúncia, mas o início da ação fiscal. Atualmente, a questão da extinção da punibilidade deve ser examinada à luz do art. 9º da Lei 10684/2003, infra transcrito (Capez, 612).

Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.


8.1 Extinção da punibilidade pelo pagamento. São três as leis que regem a matéria. A Lei 9.249 /95, no art. 34, extinguiu a punibilidade do agente que paga – a vista ou não – o tributo e o acessório, antes do recebimento da denúncia (Cf. STJ HC 18958/SP). Em seguida, a Lei 9964/2000 – Lei do REFIS – extinguiu a punibilidade do agente que conseguisse parcelar seu débito tributário, antes do recebimento da denúncia. Por fim, a Lei 10.684/2003 – Lei do PAES – pelo art. 9º, supra transcrito, extinguiu suspendeu a pretensão punitiva dos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90 e artigos 168-A e 337-A do CPB, pelo simples fato do pagamento ou do parcelamento, sem o marco temporal do oferecimento da denúncia. A PGR ofereceu a ADI 3002 contra o art. 9º da Lei do PAES (Capez, 613).

9. Responsabilidade criminal das pessoas jurídicas.
A Constituição Federal, por meio dos artigos 173, § 5º e 225, §3º, permite a responsabilização criminal da pessoa jurídica. Trata-se de uma conquista do Direito Penal.
CF 173 .... Parágrafo quinto - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
CF 225 Parágrafo terceiro - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
A Lei 9.605 (crime ambientais) responsabiliza criminalmente a pessoa jurídica – Cf. art. 3º.
A Lei 8.137/90 somente admite a responsabilidade penal tributária aos dirigentes – Cf. art. 11.

10. Princípio da insignificância. Pelo art. 20 da Lei 10.252, dívidas até R$10.000,00 são consideradas insignificantes. Excluem a punibilidade penal.

Traição benéfica. Lei 8.137; art. 16. Permite a redução da pena, entre 1/3 a 2/3, do co-autor ou partícipe, de crimes praticados em quadrilha, co-autoria ou participação, que por confissão espontânea revele toda a trama à autoridade policial ou judiciária. Tem natureza de caso de “diminuição de pena”. É incomunicável (Capez, 611 ).

Acordo de leniência. Aplica-se aos crimes previstos nos artigos 4º, 5º e 6º da Lei 8.137/90. O autor do crime econômico acorda com as autoridades no sentido de colaborar com as investigações e o processo administrativo, de forma que sejam identificados co-autores e localizados documentos probantes da infração. Celebrado o acordo, suspende-se a prescrição da pretensão punitiva e o prazo para oferecimento da denúncia. Cumprido o acordo extingue-se a punibilidade do cooperador ( Capez, 611; Lei 10.149/2000, que alterou Lei 8.884/94).

O ministro Joaquim Barbosa, do STF, declarou a prescrição do crime de estelionato previdenciário, suspendendo a ação penal e os efeitos decorrentes da condenação de um senhor de 87 anos, que fraudou uma certidão para receber benefício do INSS, no Ceará. Os benefícios previdenciários indevidos foram pagos de dezembro de 2000 a janeiro de 2003.

J.S.P. foi denunciado pelo crime previsto no artigo 171, parágrafo 3º, do Código Penal, mas o juiz da 12ª vara Federal de Fortaleza/CE não a recebeu, e declarou a extinção da punibilidade em 25 de janeiro de 2007, aplicando as normas do artigo 115 do CP (clique aqui). O dispositivo legal prevê que os prazos de prescrição são reduzidos à metade quando o criminoso tenha, ao tempo do crime, menos de 21 anos, ou mais de 70, na data da sentença. Naquela ocasião, o denunciado tinha 84 anos.

Mas em 1º de abril de 2008, o TRF da 5ª região reformou a sentença e recebeu a denúncia. A Defensoria Pública recorreu então ao STJ, alegando que o crime estaria prescrito, tendo em vista que se passaram oito anos entre a data do crime (ocorrido com o recebimento do primeiro benefício indevido) e o recebimento da denúncia pelo TRF.

O STJ aplicou ao caso o entendimento de que, no caso de estelionato previdenciário, a contagem do prazo prescricional começa com o recebimento do último benefício indevido, tendo em vista que se trata de crime de natureza permanente. No habeas corpus impetrado no STF, a Defensoria Pública da União sustentou que a decisão do STJ era "diametralmente oposta" à jurisprudência do Supremo.

"O chamado estelionato contra a Previdência Social é crime instantâneo de efeitos permanentes e, como tal, consuma-se no recebimento da primeira prestação do benefício indevido, contando-se, a partir daí, o prazo de prescrição da pretensão punitiva", argumentou o defensor público.

De acordo com o ministro Joaquim Barbosa, a argumentação do defensor público está em sintonia com os precedentes recentes do STF. "Nesse contexto, mostra-se plausível a tese de ocorrência de prescrição do crime atribuído ao paciente, uma vez que, entre a consumação do ilícito e o recebimento da denúncia, se passaram mais da metade do prazo prescricional de 12 anos, previsto no artigo 109, inciso III, combinado com os artigos 111, inciso I, 117, inciso I, e 171, parágrafo 3º, todos do CP", concluiu o ministro relator.
(Cf. Migalhas 2469).

[I]
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2010.
CAIS, Cleide Previlatti. O processo tributário: de acordo com a medida provis´ria do parcelamento de débitos tributários – MP 449/2008 e Lei Complementar que altera o Supersimples – LC 128/2008. 6. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009, Cap. 10.
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Direito penal tributário: uma análise lógica, semântica e jurisprudencial. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
MARTINS, Sérgio Pinto. Manual de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2009, cap. 25.

T350 - Garantias e privilégios do crédito tributário




T350 – Garantias e Privilégios do Crédito Tributário.

Notas Didáticas de Direito Tributário
Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Tributário do Centro Universitário do Leste Mineiro – UNILESTE
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG
Associado ao IBRADT – Instituto Brasileiro de Direito Tributário
Associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais

1. Introdução. Sob a rubrica “Garantias e Privilégios do Crédito Tributário”, o Código Tributário Nacional dispõe nos artigos 183 a 193 sobre normas jurídicas dirigidas a dar proteção, direta ou indireta, ao Fisco, no sentido de que ele tenha reais possibilidades de receber seu crédito. Estranhamente, porém, o Capítulo que versa sobre o presente tema está dividido em duas seções: as disposições gerais; e as preferências. Tal arranjo de rubricas não permite identificar de plano quais artigos versam sobre as garantias e quais versam sobre os privilégios. A verdade é que o Fisco, como poder de império, sempre gozou de instrumentos de proteção ao recebimento do crédito. Tais instrumentos podem ser agrupados em garantias, privilégios e preferências. À doutrina coube diferençar esses institutos. Todas, na verdade, são medidas acautelatórias do crédito tributário.

2. Garantia – Conceito. No Direito Privado a idéia de garantia esta associada a uma circunstância pela qual, diante do não cumprimento da obrigação pelo devedor, o credor dela pode fazer uso com o objetivo de satisfazer o seu crédito. A regra geral caminha no sentido de que o patrimônio do devedor é a principal garantia da obrigação a ele vinculada, mas nada impede que um terceiro possa juridicamente ser obrigado a cumprir a obrigação do devedor principal. Assim, as garantias são classificadas em dois grupos: as reais – penhor e hipoteca –; as fidejussórias – garantias pessoais, como fiança e aval. No Direito Tributário, o conceito de garantia é mais amplo, assim explicado nas palavras de Celso Cordeiro Machado: “tudo o que confere segurança e estabilidade ao crédito tributário, ou regularidade e comodidade ao recebimento do tributo, é uma garantia”.[i] Essas palavras sintetizam o pensamento doutrinário dominante sobre a noção jurídica da palavra garantia no campo do Direito Tributário.

3. Privilégio – Conceito. Dar privilégio ao crédito tributário significa conferir, pela lei, uma posição de primazia, ou seja, mais importância diante de outras categorias de crédito. É uma vantagem dada pela lei ao credor do crédito tributário que pode ser traduzida pelo direito que tem a Fazenda, diante da impossibilidade de o devedor pagar todas as suas dívidas – tributárias ou não – de receber a sua parte com exclusão dos demais credores ou gozar de posições vantajosas para criar dificuldades legais ao devedor, que atuam como mecanismo coativo. Portanto, falar em privilégio evoca também a idéia de preferência em pagamentos.

4. Preferência – Conceito. O significado jurídico no contexto tributário da palavra “preferência” nos remete à idéia de prioridade no recebimento do crédito tributário, quando este concorre com outros créditos. Há concorrência de créditos quando o patrimônio do devedor não for suficiente para viabilizar o pagamento de todas as suas dívidas. Assim, é necessário estabelecer um critério para dividir o “bolo”. Para os créditos que não gozam de preferência o critério é o rateio proporcional do patrimônio do devedor. Na preferência conferida a determinados créditos não existe a figura do rateio. Retira-se, quando possível, a parte integral do crédito privilegiado e rateia-se o que sobrar proporcionalmente entre os credores sem preferência. [ii]

5. Via da criação das garantias e privilégios do crédito tributário. Nos termos do art. 146, III, “b”, da Constituição Federal é a União que tem competência para legislar sobre a matéria.

6. Pontuações sobre o conteúdo dos artigos do capítulo das garantias e privilégios.
Artigo 183. Expressamente o texto menciona a palavra garantia. No caput desse artigo o legislador deixa claro que as garantias estampadas no Código Tributário Nacional não são taxativas, podendo o rol ser ampliado.
Artigo 184. Estabelece que a totalidade dos bens e rendas do devedor tributário responde pelo pagamento do crédito tributário, porém, é perfeitamente possível acolher privilégios especiais sobre determinados bens. Ressalva ainda que os bens e rendas declarados pela lei como absolutamente impenhoráveis não se prestam para a garantia da dívida. Isso significa que o privilégio do crédito tributário não é absoluto. Os principais bens absolutamente impenhoráveis estão relacionados no artigo 649 do CPC. O bem de família legal é também impenhorável, nos termos da Lei 8.009/90.
Artigo 185. A redação desse dispositivo foi alterada em 2005 e seu enunciado criou a presunção absoluta de fraude (juris et de jure) toda vez que o sujeito passivo alienar bens depois que o crédito já estiver inscrito como dívida ativa.
Artigo 185-A. Esse dispositivo foi acrescentado pela Lei Complementar 118/2005. Seu efeito no mundo da execução é importante, pois o juiz da execução fiscal passou a ter o poder de determinar a indisponibilidade de bens e direito do devedor tributário. A ordem de arresto dos bens será dada preferencialmente pela via eletrônica. [iii]
Artigo 186. O dispositivo vem colocar o crédito decorrente da legislação do trabalho em primazia ao crédito tributário. Curioso é que o crédito trabalhista é de natureza privada, mas goza de privilégio absoluto. Isso significa que o credor de dívida trabalhista receberá com preferência à Fazenda.
Artigo 187. A Fazenda não entre em concurso de credores nem se habilita em falências, inventários ou arrolamentos. Isso significa que a execução fiscal de dívida tributário prossegue ainda que esteja em curso um processo de falência ou de recuperação judicial. [iv]
Artigo 187. Parágrafo único. A redação do parágrafo único vem tratar de outro instituto; o concurso de preferências entre os credores com privilégio. Em outras palavras, havendo créditos tributários com várias entidades federativas, como se deve proceder quando o patrimônio do sujeito passivo não for suficiente para cobrir todas as dívidas tributárias. Vários doutrinadores se levantaram contra este instituto, dizendo-o inconstitucional por dar privilégio à União, em detrimento dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O STF caminhou no sentido de que não haveria a inconstitucionalidade (Súmula 563).[v]
Artigo 188. Ressalva o legislador que serão extraconcursais os créditos tributários com fatos geradores verificados no curso do processos judicial de falência.
Artigo 189. Créditos tributários que se verificarem no curso de processos de inventários devem ser pagos pelo Espólio com preferência a qualquer crédito outro crédito habilitado durante a tramitação desses processos.
Artigo 190. Nos processos de liquidação de pessoas jurídicas de direito privado, os créditos tributários vencidos ou vincendos terão preferência ao pagamento em face dos demais créditos.
Artigo 191. O legislador estabelece um elemento coativo, impedindo que se decrete extinta a obrigação do falido se este não comprovar que pagou todos os tributos. A expressão “prova da quitação”, embora inadequada, tem o sentido de comprovação de pagamento dos tributos.
Artigo 191-A. Elemento indireto de coação, impedindo a recuperação judicial sem a comprovação dos pagamento dos tributos.
Artigo 192. Elemento indireto de coação, impedindo que o juiz julgue a partilha ou adjudique bens sem a comprovação de pagamento dos tributos.Artigo 193. Elemento indireto de coação, impedindo que as pessoas contratem com a administração pública, direta ou indireta, sem a comprovação de pagament
[i] MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. v.2. 3a ed., Rev., aumentada e atualizada. –Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 419.
[ii] MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. v.2. 3a ed., Rev., aumentada e atualizada. –Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.420.
[iii] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 20. ed. – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 562.
[iv] Idem.
[v] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.504.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

RC140 - Resp. Civil - Acidentes de Transito


RC120 – Responsabilidade Civil no Acidente de Trânsito
Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Civil e Processual Civil do Centro Universitário do Leste Mineiro -UNILESTE
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG
Direitos autorais na forma da Lei 9.610/98.


OBSERVAÇÃO: TEXTO SEM REVISÃO GRAMATICAL

1. Introdução. As pessoas podem sofrer lesões corporais e até morrer em acidentes de trânsito. A pessoa que sofre o dano (a vítima) pode ser o próprio condutor do veículo, a pessoa transportada (passageiro) ou um terceiro, ou seja, uma pessoa sem qualquer vínculo contratual com o condutor do veículo ou com o proprietário deste. Para buscar a melhor reparação da vítima, cada acidente deve ser examinado com cuidado, pois a natureza da responsabilidade civil poderá variar entre a aquiliana e a contratual. Além disso, em cada uma dessas naturezas, a responsabilidade civil poderá assumir as vertentes subjetiva ou objetiva. A relação entre o transportador e o transportado poderá atrair a incidência das regras do Código de Defesa do Consumidor. Oportuno lembrar que, além da reparação civil, as pessoas que sofrem danos oriundos de acidentes de trânsito, sejam elas causadoras ou não do acidente, têm direito de receber a indenização social prevista em lei, popularmente conhecida como “seguro obrigatório”.

2. Categorias de responsabilidade. A relação entre a vítima e o agente causador do acidente implica diferentes categorias de responsabilidade civil (Dias, 580). Exemplos: se a vítima é um pedestre, um ciclista ou um cavaleiro, a responsabilidade do agente é aquiliana e, normalmente, subjetiva; se a vítima é um passageiro, a responsabilidade é contratual; se a vítima tem com o dono do veículo uma relação de trabalho (motorista, trocador, fiscal etc), a responsabilidade se resolve nos termos da legislação trabalhista (CF 7º, XXVIII); se o condutor do veículo é um menor, os pais respondem objetivamente (CC 932 c/c 933), perante a vítima. Cada caso deve ser cuidadosamente estudado para seu devido enquadramento maximizando as possibilidades da reparação.

3. O veículo automotor como objeto perigoso. O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) classifica os veículos, quanto à tração, nas seguintes categorias: automotor; elétrico; de propulsão humana; de tração animal; de reboque ou semireboque. Quanto à espécie, os veículos podem ser de passageiros, de carga ou misto. [1] Interessa-nos o veículo automotor de transporte de passageiros ou de carga (automóvel, motocicleta, micro-ônibus, ônibus, caminhonete, caminhão etc.), pois esta categoria de veículo é que responde pela maioria dos acidentes de trânsito. Trata-se de um “mal necessário”, pois com a complexidade que o ser humano criou na rede de produção de suas necessidades, o transporte, realizado por veículo automotor, é hoje uma atividade vital, porém perigosa. [2] Inclinou-se, inicialmente, nossa doutrina e jurisprudência, no sentido de que a responsabilidade civil por danos causados pela utilização do veículo automotor seria meramente subjetiva. A culpa do condutor do veículo deveria ficar provada, caso contrário, não haveria o dever de reparar. Assim já se manifestou Arnaldo Rizzardo, dizendo que o acidente de trânsito normalmente ocorre por que alguém desobedeceu a uma regra de trânsito. [3] Esse posicionamento permitia ao condutor do veículo afastar a sua responsabilidade alegando, por exemplo, que o acidente ocorreu porque o pneu de seu veículo “estourou”. Com o crescimento de decisões judiciais injustas, na responsabilidade civil perante terceiros, a forma de perceber a realidade foi mudando. O Tribunal de Justiça de São Paulo talvez tenha sido o primeiro a reconhecer que o automóvel é um aparelho sumamente perigoso [4]e, a partir daí, condenar os responsáveis a reparar a vítima, independentemente de haver a conduta culposa do condutor do veículo. [5] No Rio Grande do Sul o Juizado Especial Civil tem se posicionado no sentido de a atividade de transporte ser atividade de risco, porém a matéria não está pacificada. No tocante ao transporte de passageiros em relação jurídica contratual, já está positivada a responsabilidade objetiva: "A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente de passageiros, não é elidida por culpa de terceiros, contra o qual tem ação regressiva." - Súmula 187 do STF.

4. O responsável pela reparação dos danos em acidentes de trânsito. Normalmente, o proprietário do veículo automotor, que serviu de instrumento para causar danos em acidente de trânsito, será a primeira pessoa a ser apontada como responsável. Cabe, porém, distinguir primeiramente algumas situações, para não pensarmos que sempre estaremos diante responsabilidade civil por fato da coisa. Com esse fim, se esclarece que se o dono do veículo o estiver conduzindo no momento do acidente, ele responde por ato próprio, como responsabilidade civil aquiliana. Se na condução do veículo, instrumento do acidente, estava um preposto, responde o proprietário por fato de terceiro, na forma do artigo 932 do CC. Se a vítima desfrutava a condição de passageiro, a responsabilidade civil será aferida na forma contratual ou, ainda pela relação de transporte gratuito, regulada no Código Civil. Tudo isso, já foi estudado, portanto, nesse tópico, o foco será o da responsabilidade do proprietário quando ele, efetivamente, deixa de ter o “poder de direção ou comando” sobre o seu veículo. São exemplos, os acidentes com veículos conduzidos por quem os furtou ou roubou. Trata-se de aplicação da teoria da guarda, esclarecendo RIPERT: Se qualificarmos uma pessoa de guarda, é para a encarregar de um risco[6]. O assunto sempre foi polêmico. Na Alemanha, desde 1909, com a lei dos veículos automotores, já se encontrava a posição no sentido de que o dono do veículo responde pela morte ou lesões corporais relacionadas com a circulação de seu veículo. [7] O proprietário do veículo automotor, no direito brasileiro, é o seu guarda presuntivo. [8] A presunção é relativa, por isso pode ser elidida com prova contrária, ou seja, no sentido de que o poder de direção sobre o veículo, no momento do acidente, já estava juridicamente transferido a terceiro – v.g.: um contrato de locação ou comodato – ou que o proprietário fora esbulhado da posse – furto ou roubo.

5. A responsabilidade no caso de empréstimo de veículos. A rigor, o empréstimo de veículo é um contrato de comodato, ou seja, o empréstimo gratuito de coisa não fungível, que se perfaz com a tradição (CC 579). Realizada esta, o dono do veículo não mais tem o poder de direção, fato que se transfere ao comodatário. Isso nos leva a concluir que o proprietário não pode ser responsabilizado por acidentes causados pelo comodatário. Entretanto, não é este o entendimento predominante no Superior Tribunal de Justiça. Nessa Corte consolidou-se a posição de que há responsabilidade solidária entre o dono do veículo emprestado e o condutor deste. Os fundamentos para este posicionamento são titubeantes e até paradoxais. [9] Apesar disso, o posicionamento tem sido acatado e aplicado. [10]

6. A responsabilidade no caso de furto ou de roubo de veículos. Sendo esbulhado na posse o veículo o proprietário deste perde a condição de guardião. Furtos e roubos são cada vez mais sofisticados. No caso, se o ladrão que roubou um veículo atropelar uma pessoa, essa não terá como exigir a reparação pelo dono do veículo. O dono do veículo, entretanto, poderá ser responsabilizado pelos danos causados pelo gatuno, na condução do veículo furtado, apenas se ficar provado que houve negligência ou imprudência em relação ao dever de guarda. [11]

7. O estranho caso da responsabilidade das locadoras de veículos. Há hoje várias empresas cuja atividade principal centra-se na locação de veículos. Grosso modo, a locadora transfere, com o contrato de locação de bem móvel, a guarda da coisa para o locatário. Este é que tem a posse direta do veículo. Não existe relação de preposição entre o locador e o locatário de veículos. Daí, a rigor, não se poder falar, no caso de acidente de trânsito provocado pelo locatário em responsabilidade conjunta ou solidária da locadora. Entretanto, outro é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, eis que este se posicionou no verbete 492, assim dizendo: A empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com o locatário, pelos danos causados a terceiros, no uso do carro locado. Cabe, mais uma vez, reafirmar a dificuldade em se compatibilizar logicamente o posicionamento do STF com a doutrina. Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça, guardião inteireza da norma infraconstitucional, acolheu a interpretação do STF, como precedente (Conferir REsp 33.055-RJ e 90.143-PR). Atualmente é possível acolher o posicionamento do verbete à luz do Código de Defesa do Consumidor, com base na seguinte argumentação: A circulação de veículo automotor é idônea a provocar risco para terceiros. Locador e locatário estão diretamente vinculados com a criação deste risco. O locador é um fornecedor de serviço no mercado de consumo e dele se espera que o serviço prestado não seja defeituoso, ou seja, não coloque o consumidor nem terceiro em risco. Ocorrendo o acidente, a vítima pode ser considerada consumidor por equiparação (CDC, 17). Com isso, estende-se ao locador a responsabilidade pela reparação da vítima.


8. O seguro social. Como o veículo automotor é uma necessidade dos tempos modernos, criou-se, então um seguro obrigatório, pago pelos proprietários de veículos automotores, com a finalidade de garantir uma indenização mínima às vítimas de acidentes de veículos, mesmo que não haja culpa do motorista atropelador. [12] É o DPVAT – Indenização de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres. Não se trata de contrato de seguro, mas de imposição legal, instituída pela Lei 6.194/74, alterada pela lei 8.441/92. A vítima, mesmo que tenha sido ela a causadora do dano, tem direito à indenização. A título de exemplo, em uma batida, envolvendo dois carros, cada um com três ocupantes, e sendo atingido um pedestre, as sete pessoas terão direito a receber indenizações do DPVAT separadamente. Não é necessário sequer identificar o veículo causador do acidente. A Súmula 257 do STJ determinou que: “A falta de pagamento do prêmio do seguro obrigatório de danos pessoais, causados por veículos automotores de vias terrestres (DPVAT) não é motivo para recusa do pagamento da indenização”. Os valores de indenização por cobertura são os constantes da tabela abaixo, valores estes fixados na Lei 6.194/74, por meio da Lei 11.482, de 31/05/2007: Morte R$ 13.500,00 ; Invalidez Permanente (1) - até R$ 13.500,00 ; Reembolso de Despesas Médicas e Hospitalares (DAMS) (2) até R$ 2.700,00. A FNESPC (Federação nacional de empresas de seguros privados e capitalização) administra o pool de seguradoras brasileiras, que respondem em conjunto e solidariamente, pela indenização.

9. Dos danos a reparar. A vítima de acidente automobilístico pode sofrer danos materiais (perda de bens móveis, imóveis e semoventes) e morais. Se o dano sofrido pela vítima implicar lesões corporais, haverá também responsabilidade penal do agente. Isso ocorre também no caso de atropelamento ou colisão com morte.

10. Os cuidados específicos. Condutores e pedestres devem obedecer às regras comportamentais de trânsito (CTB 68 a 71). O pedestre e o condutor de veículos não motorizados têm preferência de passagem quando: encontrarem-se na faixa que lhes for destinada; ainda em curso de travessia das pistas; se criança, idoso, gestante ou deficiente; já iniciada a travessia; em curso de travessia numa transversal (CTB 241). O uso da buzina não a responsabilidade civil no caso de atropelamento; o motorista deve reduzir a velocidade. [13] A inobservância da regra de trânsito caracteriza a culpa contra a legalidade. [14] Não afasta a responsabilidade a colisão com veículo estacionado irregularmente. Veículos à direita, em rotatórias e nas rodovias têm preferência (CTB 215). O sinal amarelo implica parar o veículo.

11. O procedimento. O rito adequado é o sumário, independentemente do valor (CPC 275, II, d). Pode-se optar pelo rito especial da Lei 9.099/95, desde que a causa seja inferior a 40SM (RT 778/317). Excepcionalmente, na ação de reparação por acidente de trânsito, é cabível denunciar à lide, a seguradora (CPC 280). Quando o acidente relacionado com o trânsito for passível de inserção numa relação de consumo – v.g.: a vítima estava como passageiro de transporte coletivo, em acidente provocado pelo motorista do coletivo – cabe o chamamento ao processo da seguradora da ré (CDC 101, II c/c CPC 77 e 80). A posição as seguradora não é de denunciada, mas de co-devedora, pois o CDC ampliou o rol dos legitimados no CPC 77, observou Kazuo Watanabe. [15] O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou nesse sentido (RSTJ, 116/305). [16]

12. Colisões múltiplas. O fenômeno é popularmente denominado engavetamento. Há diferentes soluções[17]. A regra geral diz que o primeiro a colidir, sendo o último da fila dos envolvidos, é o responsável pelo evento (RT 508/90). Se o veículo da frente não sinaliza a manobra de acesso à via secundária ou transversal, ele responderá pelos danos, afastando a presunção de culpa de quem bateu na traseira. Veículo prensado, por ter diminuído a marcha em face de descontrole do veículo dianteiro e sofrido colisão na traseira; responsabilidade solidária do primeiro e terceiro veículos.

13. Colisão por trás. A Lei 9.503 de 23-09-1997, no art. 29, II, estabelece que é dever do motorista guardar distância de segurança lateral, frontal e ao bordo da pista, tudo em função da velocidade e das particularidades climáticas e locais. Por isso, que colide na traseira de outro veículo é presumidamente o responsável. A presunção é relativa, mas dificilmente afastada, porque quem abalroou por trás somente não será responsabilizado se provar que o veículo que seguia na sua frente fez uma manobra inesperada para as circunstâncias e imprevisível. Em outras palavras, deve-se provar que o condutor do veículo que seguia à frente agiu com imprudência. [18]

[1] Artigo 96 da Lei 9.503 de 23-09-1997
[2] Wilson Melo da Silva comenta que “a cada dia que passa, mais se multiplica o número de veículos automotores e, consequentemente, o dos acidentes que deles defluem” – apud: SOUZA, Wendell Lopez Barbosa de. A responsabilidade civil objetiva fundada na atividade de risco. São Paulo: Atlas, 2010, p. 118.
[3] “Em síntese, a responsabilidade objetiva configura-se mais quando leis específicas asseguram a indenização, como nos seguros. Nos acidentes de trânsito a culpa é a força máxima que desencadeia a responsabilidade, Mo o fato em si tem importante relevância, pendendo a presunção sempre em favor da vítima. Ao agente causador do evento compete demonstrar a ausência de culpa” (RIZZARDO, Arnaldo. A reparação nos acidentes de trânsito. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.25). Confira também: SOUZA, Wendell Lopez Barbosa de. A responsabilidade civil objetiva fundada na atividade de risco. São Paulo: Atlas, 2010, p. 118.

[4] . Cf. RDCiv, 3/304; (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. volume IV. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 462).
[5] “Atropelamento – Alegação de defeitos mecânicos nos veículo – irrelevância. Não pode o responsável pelo dano causado por ato ilícito escudar-se em sua própria negligência, alegando defeitos em seu veículo, os quais a ele competia sanar, Todavia, mesmo que não tenha ele agido com culpa, ainda assim deve indenizar a vítima, aplicando-se o princípio do risco objetivo (1ª TACSP, RT, 610:110) – apud:SOUZA, Wendell Lopez Barbosa de. A responsabilidade civil objetiva fundada na atividade de risco. São Paulo: Atlas, 2010, p. 123.
[6] (apud, DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista por Rui Berford Dias. - São Paulo: Renovar, 2006. p. 580).

[7] Comentam, Enneccerus, Kipp e Wolff: el que tiene un automóvil responde de las muertes, lesiones corporales y dãnos en las cosas causados en la circulación, si el accidente no obedece a un acontecimiento inevitable, que no se base ni en un defecto del vehículo ni en la carencia de los dispositivos de protección (ley de vehículos automóviles de 3 de mayo de 1909 §7; tomo II § 246). Cf. ENNECCERUS, Ludwig, et al. Tratado de Derecho Civil. Primer Tomo, Parte General II. Primera Edición. Barcelona: Bosch, 1944, p. 441.
[8] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 215 - § 56.
[9] Todos sabem que a obrigação solidária somente pode decorrer da lei ou da vontade das partes (CC, art. 265). Em matéria de responsabilidade civil, a solidariedade está prevista na lei civil, precisamente no artigo 942, parágrafo único, que diz: São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932. Ora, “co-autores são autores comuns”, como ensina Carlos Celso Orcesi da Costa (Código civil na visão do advogado: responsabilidade civil. vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 366). No caso, não parece que o comodatário possa ser confundido com um co-autor nem ele está relacionado nas hipóteses do artigo 932 do CC. A idéia jurídica que mais se aproxima da pessoa que tomou o veículo emprestado é a de cúmplice – figura do direito penal. O fundamento apaziguador para a responsabilidade solidária atribuída pelo Superior Tribunal de Justiça entre o proprietário e o condutor do veículo pode ser construído partindo do pressuposto que ambos são criadores do risco proveniente da aquisição e do uso de coisa perigosa – o veículo.
[10] Nesse sentido, transcreve-se:

EMENTA: EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ILEGITIMIDADE PASSIVA DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO - CHAVES POSSUIDAS POR FILHO MENOR - CULPA IN VIGILANDO - PRELIMINAR REJEITADA - VEÍCULO NA CONTRAMÃO - VÍTIMA COM LESÕES GRAVES - AMPUTAMENTO DE MEMBRO - RESPONSABILIDADE CIVIL - CARATERIZAÇÃO - INDENIZAÇÃO MATERIAL E MORAL - VALOR - REDUÇÃO - NÃO CABIMENTO - RECURSO NÃO PROVIDO.-O proprietário do veículo também é responsável, quando este se envolve em acidente, por culpa in vigilando em função da posse das chaves por filho menor. -Provado que o veículo, no momento do acidente, trafegava na contramão de direção, presente estão os requisitos da responsabilidade civil de indenizar os prejuízos causados ao condutor do outro veículo que sofreu danos morais e materiais.-Não cabe redução da indenização por danos morais e materiais, se fixada em conformidade com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, e conforme as provas dos autos. -Apelação conhecida e não provida.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0680.03.000208-2/001 - COMARCA DE TAIOBEIRAS - APELANTE(S): ADEIR MOREIRA DOS SANTOS E SUA MULHER - APELADO(A)(S): LUCIMAR MENDES DOS SANTOS - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. MÁRCIA DE PAOLI BALBINO

CIVIL. RESPONSABILIDADE. ACIDENTE DE TRÂNSITO.
O proprietário responde solidariamente pelos danos causados por terceiro a quem emprestou o veículo. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 233.111/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Terceira Turma, julgado em 15.03.2007, DJ 16.04.2007 p. 180)

ACIDENTE DE TRÂNSITO. TRANSPORTE BENÉVOLO. VEÍCULO CONDUZIDO POR UM DOS COMPANHEIROS DE VIAGEM DA VÍTIMA, DEVIDAMENTE HABILITADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PROPRIETÁRIO DO AUTOMÓVEL. RESPONSABILIDADE PELO FATO DA COISA.

- Em matéria de acidente automobilístico, o proprietário do veículo responde objetiva e solidariamente pelos atos culposos de terceiro que o conduz e que provoca o acidente, pouco importando que o motorista não seja seu empregado ou preposto, ou que o transporte seja gratuito ou oneroso, uma vez que sendo o automóvel um veículo perigoso, o seu mau uso cria a responsabilidade pelos danos causados a terceiros.
- Provada a responsabilidade do condutor, o proprietário do veículo fica solidariamente responsável pela reparação do dano, como criador do risco para os seus semelhantes.
Recurso especial provido.
(REsp 577.902/DF, Rel. Ministro Antônio De Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 13.06.2006, DJ 28.08.2006 p. 279) .
Cf. também CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 218 - § 58.
[11] RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. VEÍCULO FURTADO. DANOS CAUSADOS PELO CONDUTOR, AUTOR DO DELITO. RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO E DO GUARDIÃO DO AUTOMÓVEL. NECESSIDADE QUE A OMISSÃO DO GUARDIÃO EQUIVALHA À CULPA GRAVE OU AO DOLO.
1. Não se pode exigir daquele que guarda automóvel, seu ou de outrem, mais cuidados do que se exigiria da média das pessoas.
2. Só responde por culpa in vigilando aquele cuja omissão na guarda do veículo equivalha à culpa grave ou dolo. Não age com culpa in vigilando quem guarda veículo na garagem de sua casa e coloca as respectivas chaves em outro cômodo, na parte íntima da residência.
3. Afastada a culpa in vigilando do guardião do automóvel, também se afasta a culpa in eligendo do proprietário.
4. Declarada pelo acórdão recorrido a circunstância de que o veículo causador do dano - guardado em garagem - fora furtado por terceiro, não há como cogitar-se em culpa in vigilando.
REsp 445896 DF 2002/0086614-1; 21 de Fevereiro de 2006.

[12] (CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 151 - § 25.3)

[13] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. volume IV. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 476.

[14] (CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 41 - § 9.4)
[15] (in: GRINOVER, Ada Pellegrini [et al]. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, 701.
[16] Confira também: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. volume IV. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 474. MONTENEGRO FILHO, Misael. Responsabilidade Civil: Aspectos Processuais. São Paulo: Atlas, 2007, p. 314.

[17] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. volume IV. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 492.
[18] (RIZZARDO, Arnaldo. A reparação nos acidentes de trânsito. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.287).