segunda-feira, 28 de março de 2011

P125 - Atos do juiz no processo civil


P125 – Atos do juiz no processo civil.

Jorge Ferreira da Silva Filho

Professor de Direito Processual Civil da Faculdade Pitágoras.

Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho

Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG.

Integrante do IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais

1. Os atos próprios do Juiz. O legislador, nos artigos 162 a 165 do CPC, assim dispôs em relação aos atos praticados pelo juiz: 1ª) denominou os atos que são praticados pelo juiz – as sentenças, as decisões interlocutórias e os despachos – art. 162, caput; 2ª) definiu cada um desses atos – parágrafos do art. 162; 3º) estabeleceu os atos que podem ser praticados de ofício pelo servidor da secretaria – art. 162, §4º; 4ª) denominou como “acórdão” os atos decisórios dos juízes em colegiado; 5ª) criou a imposição de os atos serem redigidos datados e assinados pelo juiz (art. 164); 6ª) abriu a possibilidade de o juiz apor sua assinatura pela via eletrônica (art. 164, p.u.); 7ª) a obrigatoriedade de que nas sentenças e nos acórdãos o juiz observe a estrutura formal – relatório, fundamentação, dispositivo – art. 165 c/c art. 458 do CPC; 8ª) a faculdade de o juiz fundamentar concisamente as decisões interlocutórias – art. 165, parte final.


2. Os atos do Juiz no Anteprojeto do Novo CPC. A Comissão, por meio dos artigos 158 a 160 do anteprojeto do novo CPC, substituiu a expressão “atos do juiz” por “pronunciamentos do juiz”. A rubrica adotada para o tema legiferado é “Dos pronunciamentos do Juiz”. O artigo 158 do anteprojeto enuncia “Os pronunciamentos do juiz consistirão de sentenças, decisões interlocutórias e despachos”. O Anteprojeto mantém as rubricas “dos atos em geral” e “atos das partes”, reservando para os atos praticados pelo juiz a denominação “pronunciamentos”. Há novas definições para sentença, decisão interlocutória (art. 158, §§1º e 2º do anteprojeto) e a determinação para que o pronunciamento judicial seja publicado na íntegra (art. 160, §2º do anteprojeto). No resto, não se localiza qualquer modificação digna de nota no cotejo com os enunciados do atual Código de Processo Civil.


3. Do emprego da palavra “pronunciamento” no Anteprojeto. Inegável que, dentre os atores principais do processo (juiz, autor e réu), ao juiz é que compete decidir – dizer quem está ou se está conforme do direito – e, também, dirigir o processo. O ato decisório se espraia nas seguintes vertentes: condenar, declarar, constituir, mandar (ordenar), permitir, vedar. Na condução do processo, o juiz exerce outras atividades que não se amoldam à idéia de decisão. São exemplos: o ato de ouvir testemunhas, de tentar a conciliação, de presidir as audiências etc. [i] A palavra “pronunciamento” evoca as idéias de solenidade, seriedade, importância e, também, de “ato” – acontecimento derivado da vontade. Aliás, José Frederico Marques, já empregava a palavra pronunciamento como recorrente para explicar o conceito de decisão judicial. É elogiável a novidade.


4. Da importância de saber distinguir os conceitos de sentença, decisões interlocutórias e despachos. Os juízes, como qualquer humano, erram. Tomam decisões em desacordo com a lei ou com o conjunto probatório. Às vezes suas decisões são pautadas dentro de sua esfera discricionária de interpretar fatos e enunciados. Há lógica e coerência entre as suas crenças e suas decisões, todavia, tais crenças podem não coincidir com o que pensa a maioria do Poder Judiciário. Por isso, nosso ordenamento permite à parte, que se sente prejudicada injustamente com a decisão judicial pronunciada, recorrer contra os efeitos desta. Os recursos, porém, são diferentes, no tocante ao inconformismo com as sentenças e com relação às decisões interlocutórias. Apenas por isso já fica demonstrada a importância de se conhecer os diferentes significados em relação aos pronunciamentos judiciais.


5. As sentenças. Antes da Lei 11.232/ 2005, o artigo 162, §1º do CPC definia que “Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”. A definição era inadequada, porque efetivamente o processo não encerrava com a sentença – prosseguia, caso houvesse recurso – e, além disso, continuava sua tramitação em ocorrendo a execução da sentença nos próprios autos. Com o advento da Lei 11.232/2005, a redação do §1º do artigo 162 foi assim posta: “Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”. A inovação foi bem recebida pela doutrina, embora ainda com críticas.[ii] Do enunciado retro se conclui que qualquer decisão judicial que se subsuma a uma ou mais das hipóteses descritas nos artigos 267 e 269 se constituirá como sentença. Com a publicação da sentença, o juiz não mais poderá inovar no processo (CPC, 463), exceto para corrigir erros materiais ou se provocado por embargos de declaração, resolvendo as omissões, obscuridades e contradições, porventura existentes. As sentenças, sendo pronunciamentos que “implicam” efeitos do artigos 267 ou 269 do CPC, podem resolver o mérito ou não. A idéia de mérito está centrada no objeto [pedido] do processo. Se o pedido for acolhido, rejeitado, tiver o direito que lhe fundamenta renunciado, for afastado pelo implemento da transação, se tornar inexigível, em face da prescrição ou decadência, ou for reconhecido pelo réu, haverá sentença de mérito. Tal sentença é classificada como “definitiva”. [iii] No caso de o juiz indeferir a petição inicial, verificar que o processo ficou paralisado por mais de um ano, constatar que a parte autora não deu andamento ao processo, em trinta dias depois de ordenado, se deparar com a litispendência, coisa julgada, perempção, ilegitimidade, falta de interesse processual, existência de convenção de arbitragem, desistência da ação, intransmissibilidade ou confusão entre o autor e o réu, haverá também sentença, porém, sem adentrar ao pedido [não haverá resolução do mérito]. Na linguagem do CPC, “extingue-se o processo sem resolução de mérito” (art. 267). [iv] Tais sentenças são denominadas “terminativas”. [v]


6. A definição de “sentença” no Anteprojeto do novo CPC. Com extensa redação, o §1º do artigo 158 do Anteprojeto enuncia que: “Ressalvadas as previsões expressas nos procedimento especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 473 e 475, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução”. Na exposição de motivos, encaminhada ao presidente do Senado em junho de 2010, a Comissão não se esforçou para justificar a necessidade de se alterar as definições de sentença e decisão interlocutória. Há aspectos positivos e negativos na nova definição. [vi] Por fim à fase cognitiva do procedimento significa, em outras palavras, dizer se o autor tem ou não tem o direito à pretensão condenatória formulada ou ao pleito declaratório ou constitutivo. No campo da decisão referente à execução, o discurso merece aplausos, pois o processo de execução será considerado extinto quando indeferida a petição inicial, satisfeita a obrigação, efetivação da transação, obtenção, por qualquer meio, da remissão total da dívida, houver renúncia ao crédito, ocorrer a prescrição intercorrente ou implementar o tempo suficiente para a prescrição (art. 845 do Anteprojeto).


7. Decisões interlocutórias. Enuncia o § 2º do artigo 162 do CPC que a “Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente”. No Anteprojeto, a decisão interlocutória é definida como “todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre na descrição do §1º” (art. 158, §2º, do anteprojeto). A técnica usada pelo legislador para prescrever o conceito de decisão interlocutória não é das melhores. Criar o conceito de uma coisa, utilizando-se do recurso de exclusão de outra não é boa. [vii] De qualquer forma, se entrar o vigor a proposta do Anteprojeto, um pronunciamento judicial será considerado decisão interlocutória se não puder ser descrito com os elementos conceituais estabelecidos para a sentença e, ainda assim, nele se puder constatar como adjeta a qualidade de uma decisão. Isso pouco resolve a fragilidade da definição atual que se recorre ao elemento semântico “que resolve questão incidente” para delinear o conceito de decisão interlocutória. Como se sabe, se o juiz decide uma preliminar de ilegitimidade da parte, tal decisão resolve questão incidente, mas não é uma decisão interlocutória. O raciocínio empreendido novamente é o da técnica da exclusão. No mais, as decisões interlocutórias, conforme previsto no art. 929 do Anteprojeto continuarão desafiadas pelo recurso de Agravo de Instrumento. Apenas como sugestão, pode-se considerar que a decisão interlocutória é ato do juiz idôneo a provocar alterações na esfera dos direitos das partes, relacionados com o processo, sem extinguir a continuidade da atuação do juiz no sentido de apreciar o mérito (CPC, 269) ou abortar sua apreciação (CPC, 267).


8. Despachos. Na dicção do § 3º do artigo 162, “São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma”. Os despachos impulsionam o processo e são incapazes, em tese, de provocar para o autor ou ao réu qualquer prejuízo em relação aos direitos materiais e processuais correlacionados ao processo. Por isso, contra os despachos não cabe recurso (CPC, 504). Há, porém, casos em que o despacho é apto para causar um prejuízo à parte, como por exemplo, a designação de uma audiência para uma data distante no futuro. Isso, compromete o art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal , que assegura ao jurisdicionado o direito a um processo célere. Contra esse exemplo de despacho cabe o mandado de segurança. Outra via para se insurgir contra os despachos é a reclamação. [viii]


9. Atos meramente ordinatórios. Em 1994, o legislador permitiu que o servidor da secretaria do órgão ao qual se vincula o juiz possa dar andamento ao processo. O enunciado do § 4º, do artigo 162 não desafia interpretações, eis que assim foi construído: “Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz


NOTAS


[i] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. V. 1. 47. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 265.

[ii] Humberto Theodoro Júnior comentou que: “O problema gerado pela Lei 11.232/2005, sem se ter cogitado de solução legal, situa-se no reconhecimento de que a sentença nem sempre encerra o processo, pois há os casos de sentença condenatória em que o respectivo cumprimento reclama atos judiciais do sentenciante que implicam o prosseguimento do feito mesmo depois de resolvido o mérito (art. 475-I)” – Cf. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.5.

[iii] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. V. 1. 47. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 264.

[iv] A palavra “extinção” continua inadequada, pois o processo continuará, caso haja recurso contra a decisão, na qual o juiz simplesmente interrompe sua atividade de julgar o mérito, não mais podendo falar no processo em relação a esse fato.

[v] Por todos: SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. Vol. 1. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 217.

[vi] Gregório Assagra de Almeida assim pontua: “Novamente alterado o conceito de sentença, mas aqui (art. 158) com sério equívoco, já que na forma proposta somente haverá sentença no caso da decisão que põe fim à fase cognitiva do procedimento comum e quando houver extinção da execução” Continua: “Deste modo, nos demais procedimentos – reintegração de posse p. ex. – não haverá sentença na forma conceituada no art. 158. Haverá ... decisão interlocutória” (Cf. ALMEIDA, Gregório Assagra de. (et al). Um novo Código de Processo Civil para o Brasil: análise teórica e prática da proposta apresentada ao Senado Federal. Rio de Janeiro: GZ, 2010, p. 206). O comentário merece outras ponderações, haja vista que o procedimento de reintegração de posse está previsto expressamente no Anteprojeto, como espécie e procedimento especial no processo de conhecimento (artigos 645 a 650). Data venia, a decisão que mantém o possuidor na sua posse ou o reintegra, parece-me claramente sentença definitiva desafiando apelação (art. 923 do Anteprojeto).

[vii] “A unidade fundamental do conhecimento simbólico é o conceito, e os conceitos podem ser organizados em esquemas, que podem incluir outros esquemas, variar em aplicação e em abstracionismo, e incluir informações sobre as relações entre os conceitos, atributos, contextos e conhecimento em geral, bem como sobre relações causais”. Cf. STERNBERG, Robert J. Psicologia cognitiva; Trad. Maria Regina Borges Osório. –Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

[viii] DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 310.

sábado, 26 de março de 2011

P120 - Competência Cível




P120 – A fixação da competência em matéria cível.
Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Processual Civil da Faculdade Pitágoras.
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG.
Integrante do IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais

1. Competência – topografia temática no CPC. No Livro I – processo de conhecimento –, Título IV – que trata dos órgãos judiciários e dos auxiliares da justiça – o legislador dispõe sobre o instituto de direito processual denominado “competência”. Os três primeiros Capítulos do Título IV retro tratam da “competência”, matéria legiferada mediante as seguintes rubricas: “Da Competência”; “Da Competência Internacional”; “Da Competência Interna”. O Capítulo I – “Da Competência” – contém dois artigos. O artigo 86 prescreve que cada órgão jurisdicional deve decidir segundo sua competência. O artigo 87 consagra o princípio denominado perpetuatio jurisdictionis, pelo qual, proposta a ação no juízo competente, via de regra, tal juízo não se modificará. O Capítulo II – “Da Competência Internacional” –, apesar da rubrica, não versa propriamente sobre competência, mas, sim, basicamente, sobre os casos em que a Justiça brasileira aceitará ou não validar sentenças estrangeiras e, também, a respeito das hipóteses em que exercerá jurisdição para réus não brasileiros aqui domiciliados. O tema, pois, diz respeito à jurisdição. [i] No Capítulo III – “Da Competência Interna” – encontram-se todas as definições, categorias, desdobramentos e prescrições relativas ao instituto da competência. De plano, se percebe as seguintes categorias de competência: em razão do valor (CPC, 91 e 92); em razão da matéria (CPC, 91 e 92); funcional (CPC, 93 e 92); territorial (CPC, 94 a 100). Na Seção V, erigem-se três novos institutos correlatos ao da competência: a incompetência relativa (CPC, 112); a incompetência absoluta (CPC, 113); e a prorrogação da competência (CPC, 114). A seguir, se discorre sobre a importância do tema no campo do direito processual civil, a razão pela qual se criou este instituto, os cuidados com a linguagem contextual pertinente e a disciplina do raciocínio para a determinação correta da competência de cada órgão judiciário.

2. Jurisdição. O Estado moderno avocou o poder de dizer o direito. [ii] Ele o faz declarando se a lei acolhe ou não uma pretensão [iii] resistida e, também, quando autoriza ou não a realização de uma vontade (ou vontades) – v.g. um divórcio consensual, no qual não há pretensão resistida – depurando-a no conjunto das permissões e vedações legais. A essa atividade, um poder-dever do Estado moderno, se dá o nome de jurisdição, palavra derivada do latim jurisdictio (jus + dicere; juris + dictio). [iv] As leis de um Estado também o caracterizam. Cada Estado tem seu ordenamento jurídico próprio, composto de normas jurídicas. Essas, de forma geral, somente são aplicadas no território do próprio Estado, incidindo sobre seus nacionais ou estrangeiros em solo nacional. Trata-se do princípio da territorialidade das leis. [v] Às vezes é possível que a lei de um Estado atinja seu nacional mesmo que este esteja em território de outro Estado. Em outros casos, estrangeiros e apátridas não podem ser atingidos pelas leis do Estado do território em que estão. [vi] Resolver se um ato, negócio ou fato jurídico balizado por lei estrangeira, realizado no estrangeiro ou por estrangeiro e uma nacional, possa projetar seus efeitos em território nacional é um problema que afeta a jurisdição. Questão diferente é a enfrentada dentro do território nacional, no tocante a estabelecer qual órgão jurisdicional, dentre os diversos que compõem o Poder Judiciário de um Estado, pode decidir uma lide ou integrar as vontades que lhe são submetidas. Isso é resolvido pelo instituto jurídico denominado competência, objeto da presente reflexão.

2-A. As normas sobre competência no Anteprojeto do novo CPC. O anteprojeto do novo CPC, encaminhado pela Comissão de Juristas ao Senado Federal em 8 de junho de 2010, organizou de forma mais técnica as normas sobre a competência. Primeiramente, para marcar o posicionamento do direito brasileiro em relação às interfaces com o direito estrangeiro, a Comissão se afastou da criticada rubrica “Da competência internacional”. Têm-se, agora, dois títulos: Título II – “Limites da Jurisdição Brasileira e Cooperação Internacional”; Título III – “Da Competência Interna”. Nos artigos 20 e 26 do Anteprojeto, o legislador vai tratar das matérias que decididas por lei estrageira, possam gerar efeitos no Brasil e aquelas que somente produzirão efeito jurídico no Brasil se a decisão for proferida por autoridade jurídica brasileira. No tocante ao Título III, a Comissão organizou a matéria em dois Capítulos sob as rubricas: Da Competência; Da Cooperação Nacional. O Capítulo sobre a competência é subdividido nos seguintes temas: Disposições gerais; Da competência em razão do valor e da matéria; Da competência funcional; Da competência territorial; Das modificações da competência; Da incompetência. A grande novidade reside no fato de que, seja absoluta ou relativa, a incompetência deverá ser argüida como “preliminar”, pelo réu, na sua contestação. Elimina-se, assim, o incidente da exceção de incompetência, infra abordado.

3. A divisão do trabalho no Poder Judiciário. O nosso ordenamento jurídico permite que as pessoas que têm capacidade para contratar possam resolver suas disputas, desde que centradas em direitos patrimoniais disponíveis, por meio da arbitragem, ou seja, sem a intervenção do poder judiciário – art. 1º, da Lei 9.307/96. No CPC, o juízo arbitral está expressamente acolhido – CPC, 86. Excluindo-se, portanto, essa categoria de disputas, a jurisdição civil – o poder de dizer o direito em matéria cível – será exercida pelos juízes em todo o território nacional – CPC, 1º. Dessa leitura já se extrai que seria impraticável, ineficaz e ineficiente permitir que qualquer juiz pudesse exercer a jurisdição, a qualquer tempo, sobre todo o território nacional, independentemente das características objetivas e subjetivas da lide ou do interesse envolvido. Por isso, o mundo jurídico criou regras para dividir o trabalho entre os seus órgãos, delimitando onde, quando, como e sobre o que pode o juiz, porta-voz do órgão, dizer o direito. O conjunto das hipóteses, determinadas em lei, sobre as quais cada órgão jurisdicional pode atuar denomina-se “competência”.

4. Órgãos, juiz e juízo. A Constituição Federal visando dar eficiência à atividade jurisdicional criou vários órgãos (organizou). São eles: o STF, o CNJ, o STJ, os Tribunais Regionais Federais, os Juízes Federais, os Tribunais do Trabalho, os Juízes do Trabalho, os Tribunais Eleitorais, os Juízes Eleitorais, os Tribunais Militares, os Juízes Militares, os Tribunais dos Estados, os Juízes dos Estados e do Distrito Federal. Os juízes são, portanto, órgãos, na dicção da Constituição Federal. Entretanto, a Constituição diz também que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”, sendo a palavra “juízo”, a mais adequada para caracterizar o órgão judicante. Assim, a doutrina é uníssona em dizer que o juiz é a pessoa natural incumbida pelo Estado de exteriorizar a sua vontade no campo jurisdicional – dizer quem está com o direito nos litígios ou, ainda, chancelando ou não interesses na jurisdição voluntária. Juízo é o órgão jurisdicional. [vii] Essas observações são importantes, pois na linguagem contextual sobre o instituto da competência falar-se-á sobre juízo incompetente e, não, em “juiz incompetente”, como coloquialmente se diz.

5. O significado contextual da palavra “competência”. Na linguagem jurídica, a palavra “competência” tem o significado convergindo para e idéia de limites circunstanciais ao poder de dizer o direito que a lei estabelece para cada um dos diversos órgãos jurisdicionais. O juízo ou qualquer órgão judiciário será competente quando estiver decidindo uma causa inserida no conjunto das hipóteses que a lei lhe permite decidir. [viii] Enuncia o artigo 86 do CPC que as causas cíveis serão decididas pelo órgão jurisdicional “nos limites de sua competência”. Melhor seria enunciar que o órgão somente pode processar ou julgar uma causa dentro de sua competência, pois esta já é o limite ao poder de julgar. Nesse sentido, Chiovenda pontuou dizendo que há duas acepções jurídicas para a palavra “competência” referida a um tribunal: o conjunto das causas nas quais pode o tribunal exercer sua jurisdição; a “faculdade do tribunal considerada nos limites em que lhe é atribuída”. [ix] São encontradas também, definições doutrinárias para o instituto da competência como “quantidade de jurisdição”. [x] A jurisdição, porém, como poder estatal que é, não se reparte. O exercício da jurisdição é que é repartido para melhor eficiência da atividade. Daí, parte da doutrina, criticar com veemência o entendimento de que a competência seria a quantidade de jurisdição.

6. A importância da determinação da competência. A divisão do trabalho de julgar, entre os órgãos do Poder Judiciário, pode ser feita visando o interesse público ou o interesse particular da parte – autor ou réu. Há, pois, a competência fixada segundo o interesse público e segundo o interesse particular. Diz-se que a competência é absoluta quando o legislador a fixou visando o interesse público. Na segunda hipótese, a competência se qualifica como relativa. O advogado, ao redigir a petição inicial, deve, em primeiro lugar, decidir a qual Juízo dirigirá a causa [a demanda], pois assim determina o artigo 282 do CPC. Há, pois, três hipóteses em relação ao endereçamento da demanda: o juízo que recebeu a demanda é o competente para julgar a demanda; o juízo é absolutamente incompetente; o juízo é relativamente incompetente. Se o juízo que recebeu a petição inicial for absolutamente incompetente, o juiz da causa deverá declarar esta circunstância (CPC, 113). Se, entretanto, o juiz não perceber a incompetência de seu Juízo nem a parte (o réu) a arguir como preliminar em sede de contestação (CPC, 301, II), dando continuidade ao processo, todos os atos decisórios tomados serão nulos (CPC, 113, §2º). Verificado tal fato, o processo será remetido ao Juízo competente (CPC, 113, §2º) e a parte deverá pagar, integralmente, pelas custas do processamento (CPC, 113, §1º). Isso, obviamente, representa prejuízo financeiro para as partes e sobrecarga para o Poder Judiciário, fatos que, por si sós, consubstanciam a importância do estudo do instituto “competência”.

7. Vinculando as categorias de competência com as de incompetência. Na exposição supra, foi visto que há duas categorias de incompetência: a absoluta; a relativa. No tocante à competência interna, o legislador criou expressamente quatro categorias: em razão do valor da causa; em razão da matéria; funcional; territorial. Não há no CPC artigos que definam legalmente a incompetência absoluta ou a relativa, todavia, interpretando-se sistematicamente alguns dispositivos, é possível as idéias nucleares dos conceitos mencionados. O ponto de partida é o texto do artigo 111 do CPC. Este, na primeira parte, enuncia que “a competência em razão da matéria e da hierarquia é inderrogável por convenção das partes”. A inderrogabilidade significa que as partes não têm o poder para selecionar o órgão jurisdicional que decidirá a causa. A inobservância dessa norma, seja pela parte ou pelo juízo, implicará as sanções contidas nos parágrafos 1º e 2º do artigo 113 do CPC. A principal delas é a nulidade dos atos decisórios exarados pelo juízo incompetente. Tem-se, pois, a primeira correlação, qual seja: infringindo-se a regra da competência fixada pelo critério funcional ou pelo critério da natureza da causa, surgirá a incompetência absoluta do órgão processante. Visto isso, se passa ao exame dos vínculos relativos à incompetência relativa. Começa-se pelo enunciado da 2ª parte do artigo 111 do CPC que diz: as partes poderão modificar a competência em razão do valor da causa e do território, desde que façam previamente a eleição de foro em algum instrumento. Pergunta-se, então, que acontecerá se as partes não elegeram previamente o foro e o autor remeter a petição inicial para um juízo incompetente. Nessa hipótese, o réu, depois de citado, poderá assumir duas posturas. A primeira consiste em manifestação expressa, dizendo que o juízo é incompetente (exceção de incompetência; CPC, 112 c/c 304). A segunda postura é a de inércia do réu, ou seja, o réu não se manifesta, aceitando que o processo tramite perante juízo que não é o competente perante o critério do valor da causa ou em face do foro (critério territorial) determinado em lei. Não se manifestando o réu – “não opuser exceção declinatória” – o juízo originariamente incompetente se tornará competente por expressa determinação legal (CPC, 114). Por isso, se diz que as competências fixadas segundo o critério territorial ou do valor da causa implicam a incompetência relativa do juízo. É relativa porque poderá implicar ou não a remessa dos autos ao juízo competente, enquanto que, na incompetência absoluta do juízo sempre os autos serão remetidos ao juízo competente.

8. A postura do juiz diante de um processo ao qual é relativamente incompetente. A doutrina é uníssona em dizer que o juiz não tem o poder de recusar o processamento de demanda para a qual ele é relativamente incompetente. O fundamento para essa postura reside no fato de que as competências fixadas segundo o critério do valor da causa ou o territorial assim foram construídas pelo legislador para atender interesse das partes, cabendo a estas decidir pelo exercício ou não da faculdade dada pela lei. Entretanto, o parágrafo único do artigo 112 do CPC inaugurou uma exceção, pois permite ao juiz, de ofício, declarar a nulidade de cláusula de eleição de foro, desde que inserida em contrato de adesão, e remeter os autos ao juízo do domicílio do réu – “declinará de competência para o juízo de domicílio do réu”.

9. Critérios para fixação da competência e sua linguagem. Giuseppe Chiovenda [xi] influenciou o direito processual civil brasileiro com a teoria de que há três critérios para fixação da competência interna dos órgãos judiciários. São eles: o objetivo (valor da causa e matéria sob julgamento); o funcional; e o territorial. [xii] Francesco Carnelutti insurgiu contra esse posicionamento, dizendo inexistir um critério lógico que permitisse vislumbrar as relações entre os critérios criados por Chiovenda. Carnelutti identificou apenas dois critérios: o objetivo; o funcional. [xiii] Elio Fazzalari, comentando os critérios de fixação da competência civil no direito italiano observou que se eles se distribuem em quatro grupos: o valor econômico da demanda judicial; “em casos limitados”, sobre a “matéria” – “tipo de situação substancial na qual se pede ao juiz de decidir por sentença”; a ligação entre o território de atuação do juiz e alguns “elementos distintivos da controvérsia”. [xiv] Embora haja diferentes enfoques sobre os possíveis critérios para a determinação da competência, alguns autores entendem que o estudo do instituto da competência deve partir do conhecimento detalhado de cada um desses critérios. Inegável, porém, que nosso legislador seguiu Chiovenda. Por isso, se buscará neste estudo, perspectivar os critérios postos em destaque na Constituição Federal e no CPC.

9-A. O desenho brasileiro a respeito dos critérios de competência. Antes de colacionar as definições doutrinárias para os critérios de fixação de competência, far-se-á uma visitação a alguns dispositivos legais relativos ao tema, com a finalidade didática de identificar os critérios utilizados e se há neles alguma regularidade metodológica. De início, transcrevem-se os seguintes dispositivos: “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I – as ações oriundas da relação de trabalho...” (CF, 114); “Compete ao Superior Tribunal de Justiça:” ... “III – julgar, em recurso especial, as causas decididas em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados” (CF, 105); “Aos juízes federais compete processar e julgar: I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa ... forem interessadas na condição de autoras, rés...” (CF, 109, I); “serão propostas, em regra, no foro do domicílio do réu”, “a ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis”. Ora, em todas as determinações de competência retro transcritas, há um conjunto de hipóteses fática (as grifadas pelo autor do texto) que vincula a demanda com um órgão jurisdicional – tribunal ou juízo de primeiro grau. Pesquisando-se regularidades nessas hipóteses, tanto no direito processual brasileiro como no estrangeiro, podem ser percebidos os seguintes grupos de competência: o centrado em torno do valor da causa; o definido pela natureza da relação jurídica que informa a lide; aquele caracterizado pela função que o magistrado exercerá num processo, ou seja, a repartição de funções dos diversos órgãos numa mesma demanda; e finalmente, regras de atribuição de demandas da mesma natureza a juízes de mesmo grau, mas localizados em territórios diferentes. Chiovenda observou que as competências fixadas segundo o valor da causa ou da natureza (matéria) da lide revelam um critério objetivo. Aos outros dois grupos, Chiovenda os disse fixados, respectivamente, pelos critérios funcional e territorial. Todavia, tais critérios não se excluem mutuamente e, como será demonstrada abaixo, a determinação do órgão competente para julgar uma causa se dá por meio de um raciocínio que imbrica os critérios de fixação. [xv] Ora, mas se o principal cuidado em matéria de competência é o de evitar a remessa da peça processual ao órgão incompetente, deve-se concentrar, primeiramente, o presente estudo, no conhecimento das competências fixada na Constituição, sendo mera ilusão, achar que o modelo tripartite de Chiovenda, adotado no CPC, seja o bastante para elucidar a matéria.

10. Competência funcional. O CPC não explica nem define diretamente a competência funcional. Em sede doutrinária o conceito de competência funcional tem condensação de sentido na idéia da necessidade de gerenciar diferentes atuações dos magistrados (órgãos) no curso de uma mesma demanda. [xvi] O enunciado do artigo 94 do CPC diz que a competência dos tribunais é determinada pela “Constituição da República” e pelas normas de organização judiciária. Assim, se pode inferir que é funcional a competência atribuída a qualquer tribunal, seja pela Constituição Federal seja por norma estadual – Constituição estadual, Lei de organização judiciária estadual. A competência dos tribunais, por ser funcional, é absoluta, na esteira da interpretação do artigo 111 do CPC. Os juízes de primeiro grau [rectius: juízo], na dicção da parte final do artigo 93 do CPC também gozam de competência funcional, porém, esta competência é disciplinada não na Constituição ou nas normas de organização judiciária estadual, mas, sim, pelo CPC. Como isso ocorre? Um dos exemplos de competência funcional entre os juízes do primeiro grau está contido no artigo 200 do CPC, que ordena ao juiz do primeiro grau requisitar por carta precatória o cumprimento de atos processuais que devam ser realizados “fora dos limites territoriais da comarca”. Assim, uma testemunha que tenha domicílio em comarca diferente daquela na qual se processa a demanda, será ouvida em juízo diverso daquele que preside a demanda. Trata-se da competência funcional qualificada pela “fase do procedimento” [xvii]. O grau de jurisdição e o objeto do juízo também determinam a competência funcional. Assim, v.g., se num processo de execução, movido na comarca X for ordenada a penhora de imóvel na comarca Y, o juízo desta comarca é que cumprirá a ordem de penhora transmitida por carta precatória e, se houver embargos de terceiros, a comarca Y é que terá competência para processá-lo e julgá-lo.

11. Competência em razão da matéria. Como afirmado acima, não há falar em competência sem que se lhe vincule uma hipótese fática relacionando a demanda com o órgão judiciário que deve processá-la. A rigor, todas essas hipóteses são matérias, porém, a doutrina convergiu para o entendimento de que havendo um critério que vincule um ramo do direito com um específico órgão jurisdicional entre outros do mesmo nível hierárquico, qualificado por um direcionamento (especialização), a competência é considera fixada em razão da matéria. [xviii] Assim, quando se diz que há, numa comarca, vara destinada a julgar demandas centradas em direito de família, fazenda pública, direito sucessório, recuperação de empresa ou, acidentes de trânsito, tais casos são considerados competência em razão de matéria, ou seja, competência absoluta. O CPC transfere às normas de organização judiciária dos Estados e do Distrito Federal fixar a competência em razão da matéria (CPC, 91). Porém, a primeira nota jurídica de competência em razão da matéria é egressa da Constituição Federal. Trata-se da criação de justiças especializadas por assuntos (eleitoral, relação de trabalho, direito militar) e, também, o critério de divisão das matérias residuais entre a Justiça Federal Cível e as Justiças Estaduais, objeto destas reflexões. Assim, o ponto de partida para a identificação da competência cível em razão da matéria é o artigo 109 da Constituição Federal. Analisando-se as partes e a causa de pedir, e verificada a subsunção às hipóteses contidas nos incisos, I, II, III, V-A, VIII, e XI, do artigo 109, a peça processual de ingresso deverá ser remetida à Justiça Federal. Por exclusão, nos demais casos, a competência material será atribuída à Justiça Estadual.


12. Competência segundo o valor da causa. No direito italiano, a competência centrada no valor da causa é objeto de vários artigos. Nosso Código de Processo Civil limita-se a dizer que a competência em razão do valor é regida pelas normas de organização judiciária (CPC, 91) e que tal categoria de competência é modificável (CPC, 102), ou derrogável, na linguagem da 2ª parte do artigo 111 do CPC. Em outras palavras, a competência fixada pelo critério do valor da causa pode provocar a incompetência relativa do juízo. Trata-se, de regra geral, com exceções, sendo emblemática a norma contida no artigo 3º, da Lei 10.259/2001, que determina: “Compete ao Juizado Especial Federal Civil processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos... omissis ... § 3o No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta”. Inobservado este critério no direcionamento da petição inicial consubstanciar-se-á incompetência absoluta do juízo federal que a recebeu.
A doutrina sempre reservou pouco espaço para o tema competência segundo o valor da causa. [xix] Via de regra, a doutrina apenas ressalva a vinculação obrigatória entre a causa e um valor econômico, ainda que este não exista concretamente (CPC, 258). No Juizado Especial da justiça estadual aplica-se a Lei 9.099/95. O valor da causa não atrai a incompetência absoluta do juízo comum. Gera apenas a necessidade de a parte litigar por meio de advogado, em sendo a causa superior a 20 salários mínimos.

13. Competência territorial. Sem sombra de dúvida, esse tópico foi o que demandou do legislador minuciosa legiferação. O adjetivo territorial não evoca diretamente a idéia que adjeta a este critério, pois o território referido diz respeito ao local de domicílio ou residência da parte. Trata-se da região geográfica na qual o juiz de primeiro grau tem o poder legal para exercer sua jurisdição. Por isso, se diz que a competência territorial é denominada também competência de foro ou de competência da comarca. A finalidade do critério é a de aproximar o juízo do jurisdicionado. A competência territorial, segundo o critério do nosso legislador, admite duas variantes: a competência territorial comum, que é a do juízo do domicílio do réu (CPC, 94); a competência territorial especial, que é a definida por um critério político ou teleológico do legislador (CPC, artigos 95 e 100). Cada um dos artigos do CPC, que versam sobre a competência fixada pelo critério territorial, recebe comentário específico no item próprio, abaixo.

13. O raciocínio do aluno para a fixação da competência. Não há falar em competência sem falar em jurisdição, ou seja, alguém deflagrar um processo, de jurisdição contenciosa ou voluntária, com o objetivo de obter um pronunciamento judicial. Em função da qualificação das partes envolvidas (pessoa jurídica de direito público interno, pessoa jurídica de direito privado, cargo ou função pública, nacional ou estrangeiro etc.), da categoria de fatos que compõem a causa de pedir ou da classe de direitos que informam o pedido (direito família, direito das coisas, sucessão, relação de trabalho, direito eleitoral etc), o aluno deve empreender um cuidadoso raciocínio denominado por Vicente Greco Filho “eliminação gradual de hipóteses”,[xx] assim formulado: 1º) Resolver se o caso pode ser decidido por juiz brasileiro; 2º) Examine se a causa somente pode ser julgada por um Tribunal Superior, ou seja, quando o poder jurisdicional é tomado do juiz das comarcas e atribuído originariamente a um Tribunal ( CF, artigos 102, I; 105, I; 108, I) – trata-se da competência originária; 3º) Identifique se a Constituição do Estado da Federação relacionado com a causa, dispõe sobre competência originária de seu Tribunal de Justiça para a matéria; 4º) Decida se o caso é absorvido pela Justiça Especializada do Trabalho (CF, art. 114); 5º) Verifique se o tema da causa deve ser julgado pela Justiça Eleitoral [xxi]; 6º) Analise se a competência não é da Justiça Militar (não se aplica ao caso cível – Decreto Lei 1.001/69); 7º) Não encontrada nenhuma das possibilidades anteriores, examine se a Justiça Comum federal é a competente para o caso (hipóteses traçadas no artigo 109 da CF); 8º) Não sendo o caso da esfera da competência da Justiça Federal passa-se á Justiça Estadual Comum buscando a regra da competência de foro (foro comum), ou seja, a Competência Territorial; 9º) examina-se, se na comarca, há juízos (Varas) especializados por matéria (família, fazenda pública etc).

14. Pontuando os enunciados das regras de competência territorial no CPC.
Art. 94. Determina que demandas sobre direitos pessoais (rectius: obrigacionais) serão dirigidas ao juízo da comarca onde está o domicílio do réu. Se a demanda versar ainda sobre bens móveis e disser respeito a algum direito real (v.g. penhor), o foro será também o do domicílio do réu.
Art. 94. Parágrafos. Versam estes parágrafos sobre as alternativas legais para o caso de indeterminação ou multiplicidade de domicílios possíveis.
Art. 95. Competência para as ações reais imobiliárias. Aplica-se a regra da competência para o foro da situação da coisa – forum rei sitae. Não se observará a regra do foro do domicílio do réu. A competência é atribuída ao juízo da comarca onde se localiza o imóvel, sobre o qual se discute um direito real sobre esse mesmo bem. A segunda parte do artigo em comento vai tratar, porém, de um competência territorial que não é relativa, mas absoluta, pois o legislador disse ser possível, “optar pelo foro do domicílio ou de eleição, não recaindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova”. [xxii] Competência, pois, absoluta, erigindo-se de critério “funcional” – REsp 150.902/PR. [xxiii]
Art. 96. Foro territorial especial. Estabelece o foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, como o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade e todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro. A regra admite exceções, pois estabelece como competente o foro: I - da situação dos bens, se o autor da herança não possuía domicílio certo; II - do lugar em que ocorreu o óbito se o autor da herança não tinha domicílio certo e possuía bens em lugares diferentes. Competência meramente relativa. [xxiv]
Art. 97. Foro territorial especial para o caso de questões relativas aos direitos do ausente: As ações em que o ausente for réu correm no foro de seu último domicílio, que é também o competente para a arrecadação, o inventário, a partilha e o cumprimento de disposições testamentárias.
Art. 98. Foro territorial especial com a finalidade de facilitar a defesa do incapaz, por seu representante legal. A ação em que o incapaz for réu se processará no foro do domicílio de seu representante.
Art. 99. Enuncia que “O foro da Capital do Estado ou do Território é competente: I - para as causas em que a União for autora, ré ou interveniente; II - para as causas em que o Território for autor, réu ou interveniente. Parágrafo único. Correndo o processo perante outro juiz, serão os autos remetidos ao juiz competente da Capital do Estado ou Território, tanto que neles intervenha uma das entidades mencionadas neste artigo”. O dispositivo se mostra ocioso. Primeiro porque não há mais território do Brasil (artigos 14 e 15 da ADCT). Segundo porque nos termos do art. 109, §1º da Constituição Federal, é na Seção Judiciária onde o autor da ação tiver domicílio que se processará as ações contra a União e suas autarquias.
Art. 100.
O inciso I enuncia que o foro da residência da mulher é o competente para a ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio, e para a anulação de casamento; (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 26.12.1977). Havendo igualdade entre o homem e a mulher, para o caso, o dispositivo se eleva como inconstitucional. Em havendo a desigualdade, o foro é o da mulher, se esta se constituir como hipossuficiente.
O inciso II estabelece a competência para a comarca onde estiver o domicílio ou a residência do alimentando, para a ação em que se pedem alimentos. Se o pedido de alimentos for cumulado com o de investigação de paternidade, ainda assim o foro da residência do alimentando será o competente (STJ, Súmula 01). Não há confundir alimentos decorrentes de relações familiares com os alimentos fixados em ações indenizatórias fundadas em atos ilícitos. Nessas prevalece a regra geral – CPC, 94.
O inciso III estabelece o foro do domicílio do devedor, como competente para a ação de anulação de títulos extraviados ou destruídos.
No inciso IV, o legislador fixou a competência da comarca do lugar: a) onde está a sede, para a ação em que for ré a pessoa jurídica; b) onde se acha a agência ou sucursal, quanto às obrigações que ela contraiu; c) onde exerce a sua atividade principal, para a ação em que for ré a sociedade, que carece de personalidade jurídica; d) onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se Ihe exigir o cumprimento. Assim, pessoas jurídicas, quando rés, terão que ser demandadas na sua sede, porém, sendo a demanda de cunho consumerista, a regra que prevalece é a do CDC.
O inciso V cria as alternativas, ou seja, o autor da ação poderá escolher o foro do lugar do ato ou fato: a) para a ação de reparação do dano; b) para a ação em que for réu o administrador ou gestor de negócios alheios. Dessa forma, as ações indenizatórias podem ser propostas no local onde o dano se verificou.
Acidentes envolvendo veículos. O Parágrafo único do art. 100 estabelece que nas ações de reparação do dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, será competente o foro do domicílio do autor ou do local do fato. As alternativas facilitam a defesa do prejudicado com o acidente.

14-A. O foro do idoso. O idoso é protegido constitucionalmente. No plano infraconstitucional foi sancionada a lei 10.741/2003, denominada Estatuto do Idoso. Esse diploma criou uma competência absoluta (artigo 80) para o foro do domicílio do idoso, em relação às ações versadas na lei retro.
15. Modificações da competência. Entende-se por modificação da competência o prosseguimento válido de uma ação em juízo que originariamente seria incompetente. Isso somente é possível nos casos legais, conexão ou continência, ou nas hipóteses de incompetência relativa do juízo. Nesse sentido, estabelece o legislador que a competência fixada em razão do valor ou em razão do território poderá ser modificada, pelos fenômenos da conexão e da continência (CPC, 102). Haverá conexão entre duas causas quando os pedidos forem comuns (objetos comuns) ou as causas de pedir das duas ações se coincidirem (CPC, 103). A continência envolve as existências de mesmas partes, mesmas causas de pedir e um dos pedidos absorvendo o outro (CPC, 104). Na prática, verificada a conexão, o processo mais novo, via de regra, será transferido ao juiz da causa mais velha. A isso se dá o nome de prorrogação da competência. Os autos serão apensados. Havendo duas ou mais ações conexas, o juízo que primeiro despachou em uma delas se torna prevento – prevenção do juízo – para receber as demais causas. O juiz, se perceber a conexão, determinará a reunião dos processos de ofício. Qualquer das partes poderá requerer
[i] Melhor andou o legislador italiano que na Seção inaugural do Codice di Procedura Civile dispõe expressamente sobre a jurisdição e a competência, tratando, nos artigos 2º, 3º e 4º, matéria relativa à jurisdição, como se percebe, por exemplo, no seguinte enunciado: 2 – La giurisdizione italiana non puó essere convenzionalamente derogata a favore de giurisdizione straniera, né di arbitri...
[ii] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. V. 1. 51. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 165.
[iii] Pretensão, no contexto, significa a exigência de alguém no sentido de que outrem lhe cumpra uma obrigação de dar, fazer ou não fazer.
[iv] De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. Jurisdição, na percepção de Vicente Greco Filho, é “o poder, função e atividade de aplicar o direito a um fato concreto, pelos órgãos públicos destinados a tal...” (Cf. Direito processual civil brasileiro. Vol. 1. 20. ed. – atualizada até a Lei 11.441 / 2007. São Paulo: Saraiva, 2007, p.175).
[v] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 15. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 114.
[vi] Idem, p. 115.
[vii] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. I. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 100, nota 66.
[viii] A doutrina majoritária expõe o conceito de “competência” recorrendo-se ao substantivo “limite”. Esta é a noção recorrente nuclear para o significado da palavra “competência”, como se pode perceber, v.g., nas seguintes transcrições: “Assim sendo, pode-se definir a competência como o conjunto de limites dentro dos quais cada órgão do Judiciário pode exercer legitimamente a função jurisdicional” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. I. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 100).
[ix] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. Paolo Capitanio. Volume II. 1. ed. Campinas: Bookseller, 1998, p. 183.
[x] “Chama-se competência essa quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão ou grupo de órgãos (Liebman)” – Cf. Antônio Carlos de Araújo Cintra et al. Teoria geral do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 229.
[xi] Giuseppe Chiovenda, em maio de 1935, na cidade de Roma, prefaciou seu livro Instituzioni di Diritto Processuale Civile, dizendo que seu livro anterior, Princípios de Direito Processual Civil, escrito em 1906, se tornou uma espécie de Manual. É notório o reconhecimento de nossos doutrinadores sobre a influência de Chiovenda no direito processual brasileiro, principalmente no desenvolvimento do instituto “competência”. (Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. Paolo Capitanio. Volume I. 1. ed. Campinas: Bookseller, 1998, p. 5).
[xii] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. Paolo Capitanio. Volume II. 1. ed. Campinas: Bookseller, 1998, p. 184.
[xiii] Apud, GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. Vol. 1. 20. ed. – atualizada até a Lei 11.441 / 2007. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 200.
[xiv] FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. trad. Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006, p.169 – 170.
[xv] Importante a observação de Vicente Greco Filho, no sentido de que não é a competência que é objetiva ou funcional, mas, sim, os critérios de fixação da competência é que o são (Cf. Direito processual civil brasileiro. Vol. 1. 20. ed. – atualizada até a Lei 11.441 / 2007. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 180).
[xvi] Segundo Chiovenda, “O critério funcional extrai-se da natureza especial e das exigências especiais das funções que se chama o magistrado a exercer num processo. Tais funções podem repartir-se entre diversos órgãos na mesma causa ..., ou devem confiar-se ao juiz de dado território, em vista, exatamente de suas exigências, abrindo-se lugar a uma competência em que o elemento funcional concorre com o territorial”. (Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. Paolo Capitanio. Volume II. 1. ed. Campinas: Bookseller, 1998, p. 184).
[xvii] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. V. 1. 51. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 178.
[xviii] “O critério extraído da natureza da causa refere-se, em geral, ao conteúdo especial da relação jurídica em lide (exemplos: questões de impostos; ações possessórias; questões de falsidade)” – Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. Paolo Capitanio. Volume II. 1. ed. Campinas: Bookseller, 1998, p.184.
[xix] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. V. 1. 47. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 193.
[xx] GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. Vol. 1. 20. ed. – atualizada até a Lei 11.441 / 2007. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 200.
[xxi] A Justiça eleitoral julga apenas questões vinculadas ao processo eleitoral, iniciando pelo alistamento de eleitores até o momento da diplomação. Depois que ocorreu a diplomação, as discussões sobre a posse do candidato ou sobre seu mandato serão resolvidas pela Justiça comum – Cf. GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. Vol. 1. 20. ed. – atualizada até a Lei 11.441 / 2007. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 204.
[xxii] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. V. 1. 47. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 298.
[xxiii] MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 159.

[xxiv] MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 160.








domingo, 20 de março de 2011

Artigo. O Ensino do Direito no Leste Mineiro


O ENSINO DO DIREITO NO LESTE MINEIRO.

*Artigo publicado no Jornal "Diário do Aço", edição de domingo, 20/03/2011, página 6.

* Artigo publicado no Jornal "Hoje em Dia", de Belo Horizonte, edição de 12 de Abril de 2011, pag. 13; setor "Opinião". A OAB/MG divulgou no seu site os dados estatísticos sobre o desempenho das IES (Instituição de Ensino Superior) relativo ao exame de ordem 2010/2. As IES são apresentadas em três categorias: Universidades; Centros Universitários; e Faculdades.

Para calcular o desempenho de cada IES, a OAB contabiliza o número de alunos aprovados no exame de ordem por IES e divide essa grandeza pelo número de alunos oriundos, da mesma IES, que realizaram o exame, ou seja, pelo comparecimento.

Tomando de exemplo o caso da UFV (Fundação Universidade Federal de Viçosa) tem-se que: 47 se inscreveram; 46 compareceram para a avaliação; 32 alunos foram aprovados. Isso significou 69,57% de aprovação / desempenho e o 2º lugar na classificação geral. O 1º lugar ficou com a UFMG – 70,40% em 250 alunos.

O indicador acima revela muito sobre a qualidade do ensino do direito nas IES. Entretanto, para melhor se apurar se o ensino é ou não de qualidade, o índice de desempenho da OAB é insuficiente. Penso que o algoritmo para aferir a qualidade de ensino deveria levar em consideração a quantidade de alunos formados pelas IES em cada período anterior à realização do exame.

Explico: se uma IES diplomar 50 alunos, apenas um deles se inscrever para o exame e for aprovado, o desempenho da IES seria de 100%. Parece evidente que os 49 alunos que não se inscreveram estariam despreparados. Formaram, mas terão que fazer cursinho para a OAB. Ressalvada essa peculiaridade, vamos para a análise do quadro estatístico da OAB.

As universidades federais ocuparam os três primeiros lugares em desempenho: UFMG (70,40%); UFV (69,57%); UFJF (65%). A Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES – ficou com o 4º lugar (52,43%) e a federal de Uberlândia – UFU –, com 5º lugar (50,91%). Merece destaque a diferença de quase 20 pontos, entre o 1º e o 5º lugar no ranking geral.

Na categoria “Faculdade”, a melhor colocada foi a Faculdade de Direito Milton Campos (49,34%), ocupando o 6º lugar no ranking geral. Em seguida encontramos a Faculdade Integrada Viana Júnior, a Faculdade Católica de Uberlândia, a Faculdade de Direito de Pedro Leopoldo (25%) e Faculdade de Direito do Sul de Minas (22,99%).

Na categoria “Centro Universitário”, o primeiro colocado foi o Centro Universitário Newton de Paiva (25,54%), seguido do Centro Universitário UNA, Centro Universitário de Lavras, Centro Universitário de Belo Horizonte e, no 5º lugar, o Centro Universitário de Patos de Minas (15,38%).

Se considerarmos que o índice de 20% representa um sofrível desempenho, as IES’s da região do Leste Mineiro, infelizmente, se inseriram nessa categoria. A melhor delas foi a Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE – (18,49%). O Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UNILESTE – obteve a 2ª lugar nesse grupo (14,60%), com 137 inscritos, 137 presentes, e 20 alunos aprovados. A Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce – FADIVALE – alcançou 13,31%. A Faculdade Pitágoras, 11,11%. As Faculdades integradas de Caratinga (3,85%).

Conclusão: Sem cobrança do aluno, não há ensino com qualidade. Jorge Ferreira S. Filho – Advogado – Coordenador Regional da Escola Superior de Advocacia da OAB/ Subseção de Ipatinga

E410 - Cheque - Notas Didáticas



E410 – Cheque – Notas Didáticas.

Jorge Ferreira da Silva Filho
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho - RJ
Membro da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT
Integrante do Instituto dos Advogados de Minas Gerais - IAMG
Professor de Direito Empresarial e Processo Civil na Faculdade Pitágoras.

** Todos os artigos de lei mencionados neste texto sem identificação da norma se referem à Lei 7.357/85.
TEXTO SEM REVISÃO GRAMATICAL

1. Legislação Pertinente. No Brasil, por meio do Decreto 57.595, de 24 de janeiro de 1966, o Presidente Castello Branco ordenou o cumprimento da Convenção Internacional, realizada em Genebra em 1931, denominada Lei Uniforme de Genebra relativa ao Cheque. O Brasil fez reservas quanto à aplicação de alguns dispositivos da Lei Uniforme (art. 1º, do Decreto 57.595). As reservas levantaram algumas questões. Em 1985, resolvendo essas questões, o Presidente José Sarney sancionou a Lei 7.357 dispondo sobre o cheque (Lei do Cheque). Essa norma é praticamente um espelho da Lei Uniforme. Em 1979, em Montevidéu, outra Convenção Internacional sobre conflito de Leis em matéria de cheque foi assinada pelo Brasil. O Decreto 1.240 de 15/09/1994 inseriu no direito brasileiro a Convenção retro. [i]

2. Origem do cheque. Não há uniformidade entre aqueles que procuram apontar o lugar e o tempo em que o cheque foi criado. Alguns dizem que seu nascimento foi concomitante à letra de câmbio e a razão para sua criação repousa na falta de segurança relacionado com o transporte de moeda. [ii] Outros afirmam que o cheque é uma evolução da lettere di pagamento italiana e das “Kassierbriefje (letras de caixa e tesoureiro) de Amsterdam” [iii] . Apesar das incertezas dos historiadores, o fato é que a primeira legislação sobre o cheque surgiu na França em 1865. Em seguida, vários países europeus produziram suas leis sobre o cheque. No Brasil, o cheque surgiu oficialmente com a lei 2.591 de 07/12/1912. Atualmente, o cheque é um instrumento usado globalmente e integra a vida da sociedade moderna. Daí a importância de seu estudo.

3. Natureza do cheque. O cheque é considerado majoritariamente uma espécie de título de crédito. [iv] É também título executivo extrajudicial, por expressa determinação legal (CPC, 585, I). Caracteriza-se, principalmente, pelo fato de ser uma ordem de pagamento à vista, sempre emitida contra uma instituição bancária ou similar (art. 3º, Lei do Cheque).

4. Requisitos para a criação válida do cheque (saque, ou emissão). Segundo o artigo 1º da Lei 7.357/85, o cheque deve conter: a denominação cheque no vernáculo; a ordem incondicional de pagar quantia determinada; o nome do banco ou instituição financeira que deve pagar a quantia – o sacado –; a indicação do lugar do pagamento; a indicação da data da emissão; a indicação do lugar da emissão; a assinatura do emitente – o sacador –, admitindo-se também que o cheque possa ser assinado por mandatário com poderes especiais.

5. Peculiaridades em relação aos requisitos do cheque. A palavra “cheque” já vem impressa nas folhas dos talões de cheques produzidos pelos bancos. A ordem para o pagamento advém da expressão “pague-se por este cheque a quantia de”, também impressa na folha. A incondicionalidade da ordem de pagamento advém da lei e significa que o banco deve pagar a quantia do cheque independentemente de qualquer ajuste, ainda que consignado no cheque. O nome do sacado, ou seja, do Banco, é acompanhado de outras informações – número do Banco cadastrado no BACEN, nome ou número da agência, município, bairro e rua onde fica o estabelecimento. Esse endereço é considerado o lugar do pagamento , caso não haja indicação especial (art. 2º, I, Lei do Cheque). Este requisito, o lugar do pagamento, não é, pois, essencial. [v] A data da emissão é um requisito importantíssimo, pois a partir dela passa a se contar o tempo que determinará a prescrição da força executiva do cheque. O local da emissão do cheque normalmente é lançado no campo que antecede a data (___local_________, dia, mês, ano). Trata-se de um requisito suprível, porém essencial. Não preenchido o campo destinado ao local da emissão, será considerado como local aquele indicado próximo à assinatura do emitente. Não havendo o lugar da emissão nem referência a uma localidade ao lado do nome do emitente, o documento não será considerado “cheque”. [vi] A assinatura é o requisito mais importante. Na abertura da conta, o correntista lança, de próprio punho, um sinal gráfico que o identifica, em fichas que ficam arquivadas no banco. Apenas o correntista ou seu mandatário com poder especial pode assinar o cheque. Não se admite assinatura a rogo nem o lançamento da impressão digital. O analfabeto pode ser correntista, mas deve nomear mandatário para assinar seus cheques. [vii]

6. A identificação do titular da conta. Segundo a Resolução 2.537/98 do BACEN, no cheque, logo abaixo do nome do correntista, deverá constar graficamente o CPF ou CNPJ e o número da identidade (RG), para o caso das pessoas físicas.

7. Da faculdade para receber um cheque em pagamento de dívida. Na época do Presidente Sarney foram editadas leis para repreensão dos abusos contra o consumidor. Especificamente, havia a Lei 8.008 de 14-3-1990 que no seu artigo 1º, §2º, inciso II expressamente consagrava o cheque como meio de pagamento de mercadorias, sendo sua recusa pelo vendedor inaceitável. Este dispositivo legal foi revogado pela Lei 8.884/94. Portanto, atualmente no Brasil, não há hipótese legal para obrigar alguém a receber um pagamento por meio de cheque. [viii]

8. Cheques nominativos. No Brasil, o artigo 69 da Lei 9.069/95 veda a emissão, o pagamento e a compensação de cheque cujo valor seja maior que R$100,00 (Cem reais), sem identificação do beneficiário. O controle do pagamento ou da compensação é eficaz, pois feito pelo próprio banco. Quanto à emissão, a proibição é norma inócua. Não há como controlá-la.

9. Pessoas vinculadas ao cheque. O cheque é um título de crédito. É uma cártula. Seu suporte físico é o papel com expressões gráficas e dimensões físicas reguladas – Modelo Padrão de Cheque, constante no CADOC, como modelo 38058-0 (RES 885). Deve ser fornecido pelo banco. [ix] A criação válida do cheque pressupõe a existência de um contrato entre um banco, ou instituição financeira assemelhada, e uma pessoa, física ou jurídica, denominada titular da “conta bancária”. O contrato bancário usual é o de conta corrente, pelo qual o banco responde perante o titular em relação ao saldo – fundos disponíveis. Normalmente, o titular da conta corrente é o sacador do cheque, ou seja, ele cria ou emite o cheque, assinando-o no campo especificamente designado para isso. A ordem para pagar é dada ao Banco, sendo este o sacado. O Banco pagará o cheque ao beneficiário, ou tomador. Em síntese: sacador é o emitente do cheque; sacado é o banco; tomador é o beneficiário. Este pode ser o próprio sacador. Além disso, outras pessoas podem se vincular ao cheque, pois este admite o endosso e o aval (artigos 17 e 29 da Lei do Cheque). Tem-se, pois, as figuras do sacador, do sacado, do tomador, do endossante e do avalista.

10. Obrigações do Sacado e do Sacador. A principal obrigação do emitente (sacador) é a de manter fundos disponíveis em poder do sacado. Apresentado um cheque ao Banco, existindo fundos, ele tem a obrigação de entregar a quantia declarada na ordem ao tomador. Se inexistirem fundos disponíveis, verificados sempre no momento da apresentação do cheque ao Banco para o pagamento (art. 4º, §1º da Lei do Cheque), o sacado não tem nenhuma obrigação cambial, seja perante o sacador ou o tomador. [x] O sacado está proibido pela lei de ser um garantidor do cheque. O banco não pode dar o aceite, o endosso ou o aval no cheque (artigos, respectivamente, 6º, 18, §1º e 29, da Lei do Cheque).

11. As espécies de fundos disponíveis. A lei do cheque determina ao sacador que ele garanta a existência de fundos no ato de emitir o cheque (art, 4º, caput da Lei do Cheque). A primeira idéia que vem ao leigo é no sentido de acreditar que os fundos disponíveis sejam depósitos de dinheiro à vista feitos na conta do correntista. Depósito à vista perfaz-se em fundos, desde que seja crédito em conta-corrente não sujeito a termo. Além do depósito, também são considerados fundos disponíveis o saldo exigível de conta-corrente contratual e a soma proveniente de abertura de crédito (art. 4º, §2º, alíneas “a” até “c”, da Lei do Cheque). O depósito pode ser feito em dinheiro ou por meio de cheques de outros bancos do depositante. Os depósitos em cheque não se tornam imediatamente fundos. Os cheques precisam ser liquidados, pelo sistema de compensação bancária. A segunda categoria de fundo disponível se refere ao saldo exigível em conta-corrente contratual. Isso significa que o correntista realizou um negócio com o banco, normalmente se trata de antecipação de parte de valores que o correntista tem para receber de seus devedores. O banco fica com o título, como endossatário, para receber do sacado, no futuro, o valor declarado no título, disponibilizando para o correntista, parte do valor consignado no título. Daí a lei dizer “saldo exigível”. A terceira hipótese se refere à soma proveniente de abertura de crédito. Esse instituto pressupõe um contrato entre o Banco e correntista, pelo qual, aquele disponibiliza a este uma soma em dinheiro para ser utilizada, quando quiser. Por isso, os cheques vinculados a este tipo de contrato são denominados “cheques garantidos”. Emitidos cheques até o valor da soma disponibilizada, o Banco é obrigado a pagá-los ao tomador. A emissão de cheques para serem pagos com a soma disponibilizada implica ao correntista o pagamento de juros e outros encargos. Por isso, o correntista deve repor o valor debitado na soma disponibilizada por meio de depósitos. [xi]

12. Modalidades legais de cheque. A lei do Cheque dispõe sobre o “cheque cruzado” e o “cheque para ser creditado em conta” (artigos 44 e 46 da Lei do Cheque). A doutrina identifica ainda na lei duas outras categorias: o “cheque visado” (art. 7º, da Lei do Cheque) e o cheque administrativo (art. 9º, III, da Lei do Cheque). [xii]

13. Cheque cruzado. Diz-se que o cheque é cruzado quando são lançados no seu anverso dois traços paralelos. Realizada essa operação o cheque não poderá ser pago em dinheiro diretamente ao tomador. Exige-se que o cheque seja creditado em uma conta bancária do beneficiário. O cruzamento admite duas formas: a geral e a especial. O cruzamento geral ocorre quando nada se escreve entre os dois traços (barras) paralelos lançados no cheque. Se entre as os traços se escrever o nome de um Banco, o cruzamento se diz especial. Neste caso, o valor do cheque somente poderá ser creditado em conta corrente do beneficiário no banco discriminado. Cheque cruzado pode ser endossado a terceiros. [xiii]

14. Cheque para ser creditado em conta. Expressamente regulamentado na lei do cheque (art. 46), esta categoria de cheque assemelha-se ao cheque cruzado no aspecto de que impede o recebimento direto do valor declarado nesse título, na “boca do caixa”. Tal cheque somente pode ser creditado na conta corrente do beneficiário determinado no cheque. Por isso, o beneficiário dessa categoria de cheque, se não tiver conta corrente no banco sacado, deverá abri-la para conseguir o crédito em conta. Não se admite a “cláusula à ordem” e, consequentemente, o endosso. Não se admite também o endosso. [xiv]

15. Cheque administrativo. Denomina-se cheque administrativo aquele que é criado pelo próprio banco contra um de seus estabelecimentos (v.g. agências). Neste caso o sacador se confunde com o sacado. A previsão legal resta contida no enunciado do art. 9º, inciso III da Lei do Cheque, que expressamente autoriza a emissão de cheque contra o próprio banco sacador. Essa categoria de cheque somente pode ser emitida para um tomador identificado, ou seja, o cheque administrativo não pode ser ao portador. O cheque visado dá garantia de recebimento ao tomador, pois o não pagamento do cheque seria sinônimo de quebra da instituição financeira.

16. Cheque visado. O cheque é classificado como visado, toda vez que o banco sacado lançar no seu corpo uma declaração de que existem fundos para o pagamento. Isso somente pode ser feito a “pedido do emitente ou do portador legitimado”, exigindo-se, ainda, que o cheque seja nominativo e não esteja endossado (art. 7º da Lei do Cheque). O ato de visar o cheque não equivale ao aceite. [xv] Ao visar o cheque, o banco sacado deve debitar à conta do emitente a quantia declarada, reservando-a para o tomador (art. 7º, §1º). O sacado de cheque visado não contrai obrigação cambial. Portanto, o tomador não tem direitos em face do Banco que visou o cheque. O crédito relativo ao cheque visado, apresentado e não pago, deverá ser exigido do emitente e dos demais obrigados (art. 7º, §1º, parte final, Lei do Cheque). [xvi]

17. Traveller’s Check. Extremamente utilizado por quem viaja ao estrangeiro, essa categoria de cheque nada mais é que um cheque administrativo. O viajante, ao invés de levar moeda na viagem, leva o traveller check. Ao chegar ao país de destino, o possuidor do título procura a instituição bancária emissora e o troca por dinheiro local. [xvii]

18. Declarações cambiais no cheque. O sacador, o endossante, o aceitante e o avalista, quando assinam e/ou escrevem expressões determinadas no corpo físico de um título de crédito, eles estão fazendo declarações cartulares. Como explica TULIO ASCARELLI, a declaração cartular é uma declaração de vontade que cria um direito autonômo, significando isso que este direito não se vincula ao negócio jurídico que estimulou a criação do título nem se prende a qualquer avença não lançada na carta – extracartular. [xviii] No caso do cheques, com exceção do aceite, vedado pela lei do Cheque (art. 6º), todas as declarações verificáveis para a Letra de Câmbio também se verificam para o cheque. São pertinentes ao cheque, as declarações de emissão, de endosso e de aval [xix] . A primeira e essencial declaração se faz pela assinatura.

19. Correntista e intervenientes incapazes. Não há qualquer restrição para que exista uma conta corrente bancária em nome de incapaz. O absolutamente incapaz não se obriga. Por isso a movimentação de sua conta-corrente se dá por autorização judicial. O relativamente incapaz pode assinar cheques, desde que autorizado pela pessoa que seja seu represente legal. [xx]

20. A circulação do cheque – o endosso. A circulação do cheque, ou seja, transmissão do direito do beneficiário original para terceiro, se faz por meio do endosso (art. 17 da Lei do Cheque). Somente pode ser endossado um cheque que não contenha a restrição “não à ordem”. Cheques “à ordem” ou sem qualquer referência à transmissão admitem o endosso. A transmissão de um cheque com a cláusula “não à ordem” não produz efeitos cambiários. Trata-se de mera cessão civil de direitos, regulada pelo Código Civil. O endosso não pode ser condicionado, deve ser puro e simples. O endosso parcial é nulo, assim como o feito pelo sacado (art. 18 e § 1º da Lei do Cheque). O endosso-caução, possível na letra de câmbio, é incabível para o cheque, porque este é ordem de pagamento à vista. [xxi] O endosso em branco está previsto na lei e consubstancia pela simples assinatura do endossante no verso do cheque (art. 19, §1º). O endosso em branco pode ser dado no anverso do cheque, mas nesse caso, além da assinatura, o endossante deve indicar que se trata assinatura para endosso. [xxii]

21. Garantias ao cheque – aval. O aval é uma espécie de garantia ou caução fidejussória, ou seja, não real. Previsto expressamente na lei do cheque (art. 29), o aval pode ser total ou parcial. Essa garantia pode ser dada por terceiro ou até pelo próprio signatário do título. O banco sacado não pode dar o aval, por vedação legal. O lançamento do aval se faz pela simples assinatura do avalista lançada no anverso do cheque (art. 30). O avalizado deve ser indicado pelo avalista. Omitido o nome do avalizado, entende-se que a garantia foi dada pelo emitente. Se o avalista pagar o cheque ao beneficiário, ele terá direitos contra o avalizado e os demais obrigados com este (art. 31, p.u.).

22. Prazo para apresentação do cheque. A lei do cheque (art. 33) determina dois prazos para a apresentação do cheque ao banco sacado. Em trinta dias, contados da data da emissão, para o caso de cheque onde coincidam o local do pagamento (praça) e o local da emissão. Se o cheque foi emitido fora da praça, o prazo para apresentação é de 60 dias. As implicações decorrentes de o cheque não ser apresentado dentro desses prazos é matéria polêmica. Segundo o artigo 47 da Lei do Cheque, a execução de cheque não pago contra os endossantes e avalistas somente seria possível se o cheque fosse apresentado dentro do prazo e o banco acusasse a falta de fundos. Apesar da literalidade da lei, o STF se posicionou, por meio da Súmula 600, dizendo: Cabe ação executiva contra o emitente e seus avalistas, ainda que não apresentado o cheque ao sacado no prazo legal, desde que não prescrita a ação cambiária. Essa ação cambiária executiva está prevista no art. 47 da Lei do Cheque (Ver comentários infra) [xxiii] .

23. Cheque pós-datado. No Brasil este fenômeno é conhecido como cheque PRÉ-DATADO.[xxiv] A denominação é imprópria para alguns doutrinadores. Realiza-se a criação do cheque pós-datado escrevendo na folha do cheque a expressão “Bom para”, seguida da data futura combinada para a apresentação. Outra forma de gerar o cheque pós-datado é com a entrega do cheque ao credor sem o preenchimento data no qual esse título deverá ser apresentado. Para o direito cambiário relativo ao cheque a data futura não tem nenhum efeito, pois o cheque que for apresentado antes da data de emissão lançada no título é “pagável no dia da apresentação” (art. 32, p.u). [xxv]

24. Sustação de Cheques. Susta-se o cheque por duas vias: 1ª) pela revogação, ou contra-ordem; 2ª) pela oposição. A lei do cheque dá ao emitente o direito de revogar a ordem de pagamento. Trata-se, pois, de uma contra-ordem (ordem em sentido contrário à ordem anteriormente dada para o pagamento). Há três vias para se promover a contra-ordem: aviso por carta (epistolar); a judicial; a extrajudicial formal (art. 35). A contra-ordem somente faz sentido quando formulada antes do vencimento do prazo de apresentação (art. 35, p.u.). Se a revogação não for promovida no prazo da apresentação, o banco poderá pagar o cheque, desde que não tenha fluído o prazo prescricional de 06 (seis) meses, previsto no art. 59 da lei do cheque. A revogação somente pode ser feita pelo emitente do cheque. Não se deve confundir a contra-ordem com o instituto da oposição (art. 36), inclusive porque eles se excluem (art. 36, §1º). A oposição é um direito, do emitente e do portador legitimado, de se opor ao pagamento do cheque, desde que faça uma manifestação expressa, por escrito, e fundamentada (art. 36 caput, parte final). São exemplos de fundamentos: extravio, furto do título, roubo do título, falência do devedor etc. O legislador não permite ao Banco questionar os fundamentos da sustação. [xxvi]

25. Cheque sem fundos. Para melhor compreender os efeitos de um cheque sem provisão de fundos, é propedêutico falar de dois efeitos relacionados com um pagamento realizado por títulos: o pro solvendo; o pro soluto. O efeito pro solvendo implica que, até a compensação do cheque, considera-se que a obrigação está ativa, ou seja, não adimplida. Trata-se de um efeito presumido, exceto se houver pacto prévio, dizendo que o pagamento da prestação da obrigação será considerado realizado pela simples tradição do cheque, ou seja, a simples entrega do cheque ao credor da obrigação, implica o pagamento. Esse é o efeito pro soluto. Assim, quem “paga” entregando cheque sem fundos, via de regra, não cumpriu sua obrigação. Se o devedor pagou por meio de cheque, com avença pro soluto, a obrigação relativa ao negócio estará cumprida. O valor consignado no cheque não pago, em virtude a falta de fundos, será exigido na forma que se usa para cobrar um título de crédito, ou seja, pelas ações cambiais. O cheque sem fundo implica o pagamento da importância designada no título, de juros legais, despesas e correção monetária (art. 52, IV). A emissão de cheque sem fundos é crime de fraude, cuja pena vai de um a cinco anos. Trata-se de modalidade dolosa (CP, 171, §2º, VI). A criação do cheque pós-datado pode afastar o tipo penal. A Resolução BC 1.682/90 determina a inscrição do emitente de cheque sem fundos no CCF (Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos), quando o cheque for duas vezes devolvido ou se detectada prática espúria. Fica vedado ao banco entregar talonário ao correntista com nome no CCF. Não há, entretanto, a obrigação de encerrar a conta corrente. É faculdade do banco. [xxvii]

26. A ação cambial. A lei do cheque dispõe sobre duas ações cambiais: a de execução do cheque (art. 47 a 55); e a ação de enriquecimento contra o emitente e outros obrigados que se locupletaram com o não pagamento (art. 61). A ação de execução prescreve em seis meses, prazo contado na forma do art. 59 da Lei do Cheque. Isso implica, na prática, prazos reais de 07 ou 08 meses, em relação à data da emissão. A interrupção pode também ser interrompida pelo protesto cambial, conforme prescreve o art. 202, III, do Código Civil. De outra banda, se verificado o prazo prescricional para a ação de execução, o credor tem ainda o direito de promover a ação de enriquecimento. Trata-se de processo cognitivo com rito comum, no qual a apresentação do cheque é necessária, mas insuficiente para a procedência do pedido, pois o autor deverá provar seu prejuízo. Prescreve em dois anos a pretensão de condenação de quem se locupletou. Conta-se o prazo prescricional a partir da data de prescrição da ação de execução. [xxviii]
27. A ação monitória. A ação monitória pertence à classe do processo de conhecimento com procedimento especial previsto no art. 1.102ª do CPC. O cheque prescrito é prova escrita apta a instruir a ação monitória (matéria pacificada com Súmula 299 do STJ) [xxix]. Na inicial deve ser informada a causa debend
[i] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 276.
[ii] ABRÃO, Carlos Henrique. Contra-ordem e oposição no cheque. 4. ed. São Paulo, Leud, 2003, p. 19.
[iii] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 325.
[iv] WILLE DUARTE COSTA defende que o cheque e uma letra de câmbio “são quase idênticos”. Ensina ainda que as diferenças residem na inexistência da data de vencimento para o cheque e no fato deste não comportar o “aceite”, aspectos que não descaracterizam o cheque como uma espécie de título de crédito. – (Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 324). Na mesma linha de pensamento encontramos BUGARELLI, BORGES e REQUIÃO (apud Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 433). Fran Martins considera o cheque um título de crédito impróprio.
[v] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 333.
[vi] Idem, p. 334.
[vii] Idem, p. 335.
[viii] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 282.
[ix] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 433.
[x] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 273.
[xi] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 339.
[xii] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 276. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 437.
[xiii] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 360.
[xiv] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 362. COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 278.
[xv] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 276.
[xvi] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.360.
[xvii] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 277.
[xviii] ASCARELLI, Túlio. Teoria geral dos títulos de crédito. Campinas: Servanda, 2009, p. 99 e 100.
[xix] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 326.
[xx] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 337.
[xxi] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p.275.
[xxii] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 436. COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 342.
[xxiii] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 440
[xxiv] Para Wille Duarte Costa, não há, a rigor, significados jurídicos diferentes para as expressões pós-datado e pré-datado (Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 334, p.7). Nos julgados encontram-se as duas formas. A expressão “pós-datado” é a preferida dos estudiosos do direito. A outra caiu no gosto popular. Penso que a discussão é inócua, pois só há falar em pós ou pré em relação a um referencial no tempo. Se o referencial é a data da apresentação do cheque, ele é pré-datado. Se, ao contrário, tomar-se o referencial como a data real da emissão do título, ele será pós-datado.
[xxv] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 441.
[xxvi] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 444. COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 370.
[xxvii] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 446.
[xxviii] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 447.
[xxix] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 372.