quarta-feira, 22 de junho de 2011

Artigo - Jornal - Os Conselhos e os vereadores

OS “CONSELHOS” E OS VEREADORES

·          Publicado no Jornal Diário Popular; edição de 22/06/2011



A população deve ficar atenta. Sob denominações diversas (Conselho Gestor; Conselho Consultivo; Conselho de Notáveis etc.), formal ou informalmente instituídos, grupos de pessoas estão sendo criados com a finalidade aparente de “colaborar” com a administração municipal no exercício dos poderes conferidos ao chefe do executivo pelo mandato popular – o voto.

A idéia de criar Conselhos não é nova, basta verificar nossa  Constituição Federal. Nesta encontramos o Conselho da República (art. 89) e o Conselho de Defesa Nacional (art. 91). O primeiro é “órgão superior de consulta do Presidente da República”. Sua composição esta definida na  própria Constituição. O funcionamento do Conselho da República, não depende da vontade do Presidente, mas, sim da Lei. O segundo também é órgão consultivo, porém com uma nuança: ele tem o dever de “estudar, propor e acompanhar o desenvolvimento de iniciativas necessárias a garantir a independência nacional e o Estado democrático”. Inegável que, na palavra “acompanhar”, está implícita a noção de fiscalizar.

Os dois mencionados Conselhos são integrados pelos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados. Com isso se garantiu a fidelidade ao desenho constitucional que finca para o Poder Legislativo (Congresso Nacional) a competência (poder) para “fiscalizar e controlar, diretamente ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta”.  

Importante observar que não integram os Conselhos acima qualquer membro do Poder Judiciário, do Ministério Público ou das instituições religiosas. Isso preserva os princípios axiológicos em torno dos quais organizamos o nosso Estado: imparcialidade do judiciário e Estado laico.

Inspirando-se na arquitetura constitucional acima delineada, os Conselhos municipais deveriam ter previsão legal na “Constituição dos Municípios”, ou seja, na Lei Orgânica de cada uma destas unidades federativas. No mínimo, qualquer um destes “Conselhos” municipais deveria ter a efetiva participação dos vereadores, pois são eles que receberam a outorga popular para fiscalizar atos do Poder Executivo.  

A fiscalização dos atos do Executivo municipal deve ser realizada pelo “Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei” (Constituição Federal, art. 31).

Não há dúvida de que as pessoas que são chamadas a compor tais Conselhos são normalmente lideranças egressas da sociedade organizada e entidades de classe. Cidadãos e cidadãs honrados e respeitados na comunidade. Porém, isso não basta. Há questões que são técnicas. Não basta a boa-fé no ato de colaborar. É necessário o conhecimento sobre a matéria e a capacidade de analisar e projetar os efeitos dos atos que o Conselho chancela.

O pior dos efeitos talvez seja o de criar na população a falsa imagem de que com os Conselhos estaria garantida a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência que devem ornar a administração pública.

Resta, ao final, conclamar o leitor a refletir sobre as seguintes questões: Seria conveniente que órgãos como a OAB (Ordem dos Advogados) e o Ministério Público, direta ou indiretamente, participassem ou interferissem nesses Conselhos? Seria lógico integrar um órgão fiscalizador no objeto da própria fiscalização?


Jorge Ferreira S. Filho. Advogado. Professor Universitário. Integrante do Instituto dos Advogados de Minas Gerais – IAMG. E-mail professorjorge1@hotmail.com

segunda-feira, 13 de junho de 2011

P166 - Meio Testemunhal de Prova

A OITIVA DE TESTEMUNHA COMO MEIO DE PROVA.


Jorge Ferreira da Silva Filho.
Professor de Direito Processual Civil da Faculdade Pitágoras.
 Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho.
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG.
Integrante do IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais






  1. INTRODUÇÃO. O Código Civil dispõe que o fato jurídico, dentre outros meios, pode provado com o depoimento de testemunha (CC. 212). No mesmo sentido, o Código de Processo Civil estabelece como meio probante  a prova testemunhal  (art. 400 e ss.). A testemunha é a pessoa que viu, presenciou, ouviu falar, sentiu os efeitos, teve contato ou, em síntese, interagiu de alguma forma com um fato [a verdade]. Na produção da prova testemunhal o que se pretende é ouvir uma declaração da testemunha de como ela percebeu (captou; introjetou; assimilou; entendeu; interpretou) a sua experiência com um fato. Provavelmente a maioria de nós admite que uma testemunha possa mentir e, se ela tiver sido a única pessoa que teve contato com o fato alegado, a mentira prevalecerá sobre a verdade. Acresce-se que, ainda não mentindo, a testemunha pode ter uma percepção distorcida do fato. Por exemplo, perguntar, a quem nunca dirigiu ou foi transportada por um automóvel, qual era aproximadamente a velocidade que um veículo se deslocava pela estrada pode implicar uma resposta distorcida da realidade. Por tudo isso é que o legislador cuida das regras processuais sobre a produção e valoração da prova testemunhal com minúcias.
  2. A PROVA TESTEMUNHAL NO ANTEPROJETO DO NOVO CPC. Por meio dos artigos 421 a 443 do Anteprojeto encaminhado ao Senado, a Comissão propõe normas sobre a prova testemunhal abordando os seguintes aspectos: admissibilidade; valor da prova; como deve ser prova produzida. A estrutura tópica é idêntica ao do atual CPC: “Da admissibilidade e do valor da prova testemunhal”; “Da produção da prova testemunhal”. Há, porém, pontuais modificações, tais como o artigo 434 do Anteprojeto que atribui ao advogado o ônus de informar a testemunha de seu cliente a data, o local e a hora da audiência.
  3. NORMAS PROCESSUAIS SOBRE A ADMISSIBILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL. A regra geral é no sentido de sempre admitir a prova testemunhal. Assim enuncia  o artigo 400 do CPC (art. 421 do Anteprojeto) afirmando  que se a lei não vedar [dispor de forma diversa] a  prova testemunhal será sempre admitida. O discurso do direito é típico; enuncia-se uma regra geral e em seguida discorre-se sobre as exceções à regra. A primeira exceção feita pelo legislador reside na autorização ao juiz para indeferir a prova testemunhal que, embora requerida,  se mostrar desnecessária (CPC. 400; parte final). Avança o legislador para delimitar os casos em que a prova testemunhal pode ser admitida quando o objeto da busca verdade recai sobre a existência ou inexistência da celebração de um contrato  (CPC. 401 a 404). Passa o legislador a discorrer sobre as pessoas que não podem depor como testemunha [os incapazes, os impedidos, os suspeitos] (CPC. 405 e 406). Finalmente, o legislador traça as regras sobre a produção da prova testemunhal. Esta parte é de crucial importância para o advogado, pois o desconhecimento das regras sobre a produção da prova pelo meio testemunhal, quando má utilizada, pode prejudicar o cliente. 
  4.  INDEFERIMENTO DE REQUERIMENTOS PARA INQUIRIÇÕES INÓCUAS. As testemunhas são inquiridas. Em outras palavras, pela inquirição de testemunhas é que se produz a prova testemunhal. O juiz, entretanto, não está obrigado a inquirir testemunhas sobre alegações desnecessárias, pois o tempo do juiz é precioso para a sociedade. Assim, o legislador deu liberdade ao juiz para que indefira a   inquirição de testemunhas sobre alegações de fato: que já estão provados por documento; que se encontram provados pela confissão da parte;  que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados. (CPC. 400; I e II).
  5. PROVAS CIRCUNSCRITAS A CONTRATOS COM VALOR ABAIXO DE 10 SALÁRIOS MÍNIMOS. Os contratos são nos dias de hoje talvez a maior fonte das obrigações. Contratos podem ser realizados pela via verbal ou escrita. Contratos escritos facilitam provar o conteúdo das obrigações neles inseridas. Redigir e assinar contratos, entretanto, demanda tempo e exige das partes conhecimento mínimo de gramática e interpretação de texto. Infelizmente, porém, no Brasil isso é raro. Por isso vários contratos são celebrados apenas na via verbal. O legislador,  porém, não admite que apenas por meio de testemunhas se prove um contrato cujo valor seja maior que 10 (dez) vezes o maior salário mínimo vigente no país, considerando o da data em que o contrato fora celebrado (CPC. 401; Anteprojeto: 422). Entretanto, a rigidez da inadmissibilidade da prova testemunhal para fazer provas a respeito de contratos com valor superior ao décuplo do maior salário mínimo vigente no país é quebrada quando: existir um “começo de prova escrita” produzido por uma das partes;  tal documento seja utilizado no processo para provar contra quem o emitiu; o credor não tinha meios morais e materiais de conseguir a prova escrita a respeito da obrigação por ele pleiteada (CPC. 402). A doutrina considera prova escrita para fins deste artigo toda comunicação escrita, independentemente da forma, do objetivo e de que a causou. São exemplos: declaração de imposto de renda; recados escritos, cartas; extratos bancários; rubricas em documentos; fotocópia de cheques etc. [I]
  6. PROVA DE PAGAMENTO OU DE REMISSÃO DE DÍVIDA. Pagamento e remissão de dívida são atos unilaterais. Não são, pois,  contratos, visto que estes são essencialmente bilaterais. O legislador permite que a prova unicamente testemunhal para provar um pagamento ou a remissão [perdão de uma dívida] seja admitida nos moldes dos artigos 401 e 402 do CPC (CPC. 403).
  7. PROVA DA VONTADE REAL E DOS VÍCIOS DE CONSENTIMENTO. Um dos problemas do direito é a distância entre a vontade real de uma pessoa e o conteúdo do que foi declarado por essa  pessoa em relação à sua vontade. Pensa-se em algo, mas a comunicação, verbal ou escrita, sobre este algo pensado não é captado pelo agente receptor com o mesmo significado que tem para o emissor. Há uma inocência da parte que emite a declaração. A este inocente o legislador deu o direito de provar com testemunhas que sua vontade real diverge da vontade declarada, em contratos simulados e  que incidiu em vícios de consentimento, nos contratos em geral. A dificuldade que surge concentra-se em determinar se o agente emissor da vontade era ou não inocente em relação à sua declaração. A inocência somente se depura depois da instrução, razão pela qual o juiz não poderá indeferir a prova testemunhal indicada, requerida e justificada como tendo a finalidade de provar o vício de consentimento ou a vontade real.[II]  (CPC. 404). A simulação se verifica nas hipóteses do §1º do art. 167 do Código Civil. Sua constatação implica a nulidade do negócio jurídico. Os vícios de consentimento estão descritos no art. 171 do Código Civil. Se argüidos implicarão a decretação da nulidade.
  8. PESSOAS QUE NÃO PODEM DEPOR. Qualquer pessoa, em tese, pode depor, mas o legislador proíbe que seja tomado o depoimento de alguém cujo psiquismo fique abalado, constrangido ou comprometido em dizer a verdade. Não se aceita também que uma pessoa que não tenha o desenvolvimento mental completo ou a higidez mental para apreciar os fatos possa depor. Não devem depor o incapaz, o suspeito e o impedido (CPC. 405).
  9. O INCAPAZ.  São incapazes:  o interdito por demência; o que, acometido por enfermidade, ou debilidade mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los; ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções; o menor de 16 (dezesseis) anos;  o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que Ihes faltam (CPC. 405, §1º).
  10. O IMPEDIDO. São impedidos: o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consangüinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa relativa ao estado da     pessoa, não se puder obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito; o que é parte na causa; o que intervém em nome de uma parte, como o tutor na causa do menor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros, que assistam ou tenham assistido as partes.
  11. O SUSPEITO.  São suspeitos:  o condenado por crime de falso testemunho, havendo transitado em julgado a sentença; o que, por seus costumes, não for digno de fé; o inimigo capital da parte, ou o seu amigo íntimo; o que tiver interesse no litígio. (CPC. 405. §3º).
  12. DEPOIMENTOS DE INFORMANTES. As pessoas impedidas e suspeitas podem ser ouvidas pelo juiz quando estritamente necessário (CPC. 405. §4º). Tais pessoas são designadas “informantes”, pois elas não prestam o compromisso de dizer a verdade.
  13. PROTEÇÃO LEGAL AO DIREITO DE NÃO DEPOR SOBRE DETERMINADOS FATOS. Embora todos devam colaborar com a Justiça, a pessoa arrolada como testemunha não é obrigada a depor sobre  fatos  que Ihe acarrete grave dano ou, ainda, ao seu cônjuge, aos seus parentes consangüíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em segundo grau. Estão protegidos também as pessoas que  por estado ou profissão, devam guardar sigilo, como os médicos, os advogados e os empregados com cargo de direção  (CPC. 406).
  14. A PRODUÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL. A produção da prova testemunhal, no rito comum ordinário, tem início com a apresentação do rol de testemunhas. Este deve ser apresentado em até 10 dias antes da data designada para a audiência de instrução e julgamento. O Juiz pode fixar prazos maiores. No Anteprojeto do novo CPC, o rol de testemunhas deverá ser apresentado na inicial e na contestação (art. 429 do Anteprojeto). Admite-se o número máximo de 10 testemunhas, sendo 03 para cada fato (CPC. 407). A apresentação do rol torna rígido o elenco das testemunhas. Apenas nas hipóteses legais é que uma testemunha arrolada poderá ser substituída. São elas: a morte, a enfermidade debilitante ao depoimento, e quando a testemunha mudar de residência e não for encontrada pelo oficial de justiça (CPC. 408). Via de regra, as testemunhas prestam depoimento na audiência de instrução e julgamento. Há exceções para as testemunhas que são inquiridas  por carta, para aquelas que por doença não possam comparecer ao fórum, e as autoridades designadas no artigo 411. (CPC. 410). O mandado de intimação da testemunha deve conter os requisitos do artigo 412 do CPC. Antes de depor a testemunha deverá ser qualificada (CPC. 414). Terminada a qualificação o advogado da parte contrária àquela que arrolou a testemunha pode contraditá-la (CPC. 414. §1º). Se não houver a contradita ou se esta for indeferida, o juiz deve exigir que a testemunha preste compromisso (CPC. 415).

 


[I] SILVA, João Pestana de Aguiar. As provas no cível. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 238.
[II] Idem, p. 240.

domingo, 5 de junho de 2011

ENSINO DEMOCRÁTICO - O SITE

O SITE “ENSINODEMOCRÁTICO” FOI CRIADO COM O INTUÍTO DE DISPONIBILIZAR MATERIAL DIDÁTICO  AOS ALUNOS COM DIFICULDADE DE ACESSO À LITERATURA ESPECIALIZADA

UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO BÁSICO DO DIREITO


JORGE FERREIRA DA SILVA FILHO

Artigo: Loteamentos Fechados - tendência irreversível

LOTEAMENTOS FECHADOS: UMA TENDÊNCIA IRREVERSÍVEL
*Artigo publicado no Jornal “Diário do Aço”; edição de 31 de maio de 2011

O Jornal “Diário do Aço”, edição de 27/05//2011, noticiou que a empresa EGESA já deu início à fase do orçamento das obras de um mega empreendimento imobiliário na margem da BR 458 (Ipatinga – Caratinga), próximo ao Clube do Cavalo. Foi divulgado também que o empreendimento comportará um parque tecnológico, um distrito industrial e condomínios residenciais para classe média alta e baixa, além de gerar “cerca de cinco mil empregos diretos e indiretos”.
O empreendimento, apesar da proximidade com nossa cidade de Ipatinga, está localizado em terras que pertencem ao município de Caratinga. Com as restrições à construção civil em Ipatinga, decorrentes do TAC, a futura realidade urbanística do município vizinho terá mais um vetor de impulsão.
Embora eu ainda desconheça os detalhes do projeto, não é difícil imaginar que o empreendimento certamente contemplará o modelo urbanístico dos “loteamentos fechados”. Assim são denominados os projetos urbanísticos no qual uma gleba é subdividida em lotes destinados à edificação, com aberturas de vias de circulação e logradouros públicos, seguindo-se com a construção de uma cerca ou muro, no perímetro da gleba,  com a finalidade de controlar o acesso aos lotes.
A discussão jurídica sobre a inconstitucionalidade da proibição de acesso a qualquer do povo ao interior do loteamento fechado ganhou espaço nacional. Entretanto, como ponderou o Juiz Vicente de Abreu Amadei, há uma “dialética entre norma e vida” e, assim, a realidade da criminalidade crescente nos centros urbanos, somada à impotência de o Estado atuar preventivamente, levou a sociedade, apoiada pelas autoridades municipais, a criar autodefesas, surgindo o fechamento de vilas, muros em loteamentos e outras invenções similares.  
Nada de novo, dirá o leitor, todavia, o empreendimento anunciado traz uma série de indagações: Onde serão alojados os operários que irão construir este empreendimento? Os futuros habitantes do empreendimento trabalharão, estudarão e praticarão atividades de lazer em Caratinga ou em Ipatinga? Quantos veículos novos circularão pelo já congestionado trecho entre Ipaba e Ipatinga?
Pelo visto, o ônus do empreendimento recairá sobre o nosso município, mas as receitas tributárias não.
O Ministério Público Estadual, que hoje tem um grupo especial que acompanha a revisão do Plano Diretor de Ipatinga, poderia atuar também sobre este empreendimento vizinho, de forma a assegurar o direito coletivo do povo de Ipatinga a uma “ordem urbanística justa e adequada”, como sempre ressalta o presentante da Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística de Ipatinga.
Quanto à empresa Egesa, parece-me que goza de idoneidade financeira e econômica. Atua em Ipatinga com advogados inscritos na Comarca.

Jorge Ferreira S. Filho. Advogado. Mestre em Direito. Presidente da Comissão de urbanismo da 72ª Subseção da OAB-MG.  

quarta-feira, 1 de junho de 2011

P165 - A prova no processo civil: perspectiva atual e futura

P165 – A prova no processo civil
 
Jorge Ferreira da Silva Filho.
Professor de Direito Processual Civil da Faculdade Pitágoras.
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho.
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG.
Integrante do IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais



  1. INTRODUÇÃO. A Lei 10.406/2002 (Código Civil) dispõe, sob a rubrica “Da prova”, que o fato jurídico, de forma geral, pode provado pelos seguintes meios: confissão; documento; testemunha; presunção; perícia (CC, 212). Na Lei 5.869/73 (Código de Processo Civil), a rubrica "Das Provas", o legislador enuncia que os meios legais e os moralmente legítimos são “hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa" (CPC, 332). Em seguida, o legislador trata dos seguintes meios de prova no CPC: Depoimento pessoal (art. 342 e ss.);  Confissão (art. 348 e ss.); Exibição de documento ou coisa (art. 355 e ss.); Prova documental (art. 364 e ss.); Prova testemunhal (art. 400 e ss.); Prova Pericial (art. 420 e ss.); Inspeção Judicial (art. 440 e ss.). A primeira dúvida que surge da leitura dos dispositivos retro consiste em saber se o instituto jurídico denominado “prova” pertence ao campo do direito civil ou do direito processual civil. Percebe-se, também, que não há no CC nem no CPC a definição ou o conceito de "prova". Pretende-se, aqui, perquirir sobre: o conceito jurídico da palavra “prova”; a natureza jurídica da prova; a finalidade da prova; o objeto da prova; o significado da expressão “ônus da prova”; a caracterização dos meios legais de prova; o destinatário da prova; a valoração da prova.
  2. A PROVA NO ANTEPROJETO DO NOVO CPC. O Anteprojeto traz novidades em relação à prova. A primeira consiste na abertura do Título VII, na Parte Geral, sob a rubrica, “Das Provas”. O Título é subdividido em quatro Capítulos: Disposições Gerais. Da Produção Antecipada de provas; Da Justificação; e da Exibição. A segunda se caracteriza por abrir no Livro II (Do Processo de Conhecimento), dentro do Título I (Do Procedimento Comum), o Capítulo XII, também sob a rubrica “Das Provas”, porém tratando mais detalhadamente sobre os meios de prova, assim rotulados: Depoimento Pessoal; Confissão; Exibição de documento ou coisa; Documental; Testemunhal; Pericial; e Inspeção Judicial. O núcleo transformador das normas processuais sobre a prova reside  principalmente nos artigos 257 a 270, inseridos na Parte Geral. Trata-se de normas que refletem a nova principiologia processal que inspirou o anteprojeto. Dentre elas está o enunciado do art. 262 que proclama a flexibilização da rígida regra da distribuição do ônus da prova, contida no art. 333, do CPC.1[I] Pelo Anteprojeto o juiz poderá “em decisão fundamentada, observando o contraditório, distribuir de modo diverso o ônus da prova”. A inversão do ônus da prova, figura processual hoje comum nas lides envolvendo relação de consumo, tomará expressamente assento no processo civil, por meio do enunciado no art. 262, §2º, do Anteprojeto.
  3. CONSTRUINDO O CONCEITO DE PROVA. O silogismo jurídico que se faz numa lide é aparentemente simples. O autor da ação descreve na petição inicial fatos e circunstâncias, afirmando-os como existentes ou ocorridos. Em seguida, o autor diz ao juiz que os fatos e as circunstâncias alegadas se ajustam a um modelo abstrato descritivo existente  num dispositivo de lei que, então, prescreve uma conseqüência jurídica, buscada pelo autor. Tal conseqüência jurídica espraia-se em três possibilidades: condenar alguém a entregar, fazer ou não fazer algo em benefício do autor; constituir uma nova situação jurídica; declarar a existência ou a inexistência de uma relação jurídica entre o autor e o réu na ação proposta. Se o réu não negar as afirmações fáticas alegadas pelo autor, elas serão consideradas incontroversas, caso em que o legislador vai dizer são “fatos” que não dependem de prova (CPC, 334). Conclui-se, pois, que depende de prova tudo que é afirmado pelo autor e negado pelo réu. Em síntese, a prova é um meio de aquilatar que tem maior probabilidade de estar dizendo a verdade, ou seja, se os fatos descritos pelo autor efetivamente existem ou existiram em dado espaço e tempo.[II]
  4.  DEFICIÊNCIA NA REDAÇÃO DO ARTIGO 332 DO CPC. Enuncia o artigo 332 do CPC que todos os meios legais “são hábeis para provar a verdade dos fatos”.   Ora, a palavra fato tem seu sentido condensado na idéia de: coisa ou ação feita; acontecimento; feito; aquilo que realmente existe;  aquilo que é real3[III]. Não há, pois, como provar a verdade ou a mentira do fato. O fato já é a verdade. O que se busca é provar se as alegações do autor ou do réu são verdadeiras. Mira-se, então, pelo meio (instrumento) denominado prova determinar qual fato existe ou existiu. Depois de determinar o fato ou declarar a probabilidade de que este tenha efetivamente ocorrido é que se apura se a alegação e verdadeira ou falsa.[IV] 
  5. O FATO E A VERDADE JURÍDICA. Infelizmente, nem sempre a verdade jurídica guarda sintonia com o real. Às vezes, embora a alegação seja verdadeira, o fato não consegue ser provado, por absoluta limitação dos meios de prova admitidos pelo direito. Uma mulher, espancada pelo marido, em local sem testemunhas, que não faz o exame de corpo delito em tempo hábil, não conseguirá provar a alegação de que sofreu violência, embora isso seja um fato.5[V]
  6. O ÔNUS DA PROVA. A palavra ônus não tem o sentido de dever ou obrigação. O ônus é uma responsabilidade atribuída a alguém, pela lei, no sentido de realizar, se quiser, um ato determinado. Não o realizando haverá uma conseqüência indesejada, mas, não há como compelir judicialmente o responsável pelo ônus a realizar o ato. Ao contrário, quem não cumpre seu dever ou sua obrigação pode ser compelido judicialmente a fazê-lo. A responsabilidade pela prova das alegações contidas na inicial é do autor (CPC, 333, I). Ao réu incumbe o ônus de provar as alegações que fizer  na sua contestação que, embora não negue a alegação afirmada pelo autor, tem como conseqüências impedir, modificar ou extinguir o direito pleiteado pelo autor (CPC, 333, II). Importante observar que o réu, na contestação, não deve meramente negar pura e simplesmente a alegação não verdadeira do autor. Ao réu se impõe o ônus de expor suas razões “de fato e de direito” pelas quais ele se defende, ou seja, impugna o pedido do autor (CPC, 300). Além disso, o réu tem o ônus de se manifestar “precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial” (CPC, 302). [VI]
  7. A PRODUÇÃO DA PROVA. Já afirmado que, quando se fala em prova, deve-se pensar em duas vertentes: a prova como o meio utilizado para se aproximar da verdade – o documento, o depoimento de uma testemunha, o laudo pericial etc.; e a prova como a convicção – a idéia – formada no intelecto do juiz sobre qual é o fato ocorrido, ou seja, o quê ficou provado. A prova sob o aspecto de instrumento somente produzirá efeitos depois de se integrar aos autos. Assim, um documento juntado e mantido nos autos configura um prova documental produzida. O depoimento de uma testemunha configurará prova produzida quando o termo assinado pela testemunha, pelo juiz e pelos advogados é incluído nos autos do processo. Excetuando-se a prova documental, a produção de uma prova depende de dois atos precedentes: a propositura, ou requerimento, da prova; a admissão, ou deferimento, da prova pelo juiz. Há, pois, a seguinte sequência: propositura; admissão; e, finalmente, a produção. [VII] 
  8. O PAPEL DO JUIZ NA PRODUÇÃO DA PROVA. Cabe ao juiz proferir a sentença. Essa, por sua vez deve ser fundamentada. No fundamento da sentença o juiz deve explicitar qual foi o seu convencimento a respeito da alegação de fato e a razão pela qual formou o seu convencimento. Assim, é comum dizer que o destinatário da prova é o Juiz, porém, as provas são produzidas para o processo no interesse das partes, pois o julgador não tem interesse. Cabe ao juiz determinar as provas necessárias à instrução do processo. Isso implica que o juiz poderá deferir os indeferir as provas indicadas requeridas pelas partes. Pode o juiz, inclusive, sem depender de requerimento da parte, determinar provas,  mas isso não se lhe configura uma obrigação. O juiz tem o direito de afastar suas dúvidas em relação à construção do seu convencimento. Para isso pode ordenar diligências, repetir oitivas e depoimentos. Assim, o juiz pode intimar a  parte para que junte um documento aos autos, mas não pode, na atual ideologia da prova, por si só, providenciar tal documento. [VIII] 
  9. VALORAÇÃO E APRECIAÇÃO DA PROVA. O juiz é livre para formar seu convencimento. Isso significa que ele livremente interpretará cada prova produzida e por meio de uma operação mental decidirá se as provas apontam ser verdadeiras ou falsas as alegações do autor. Trata-se da apreciação da prova. Todavia, isso não basta, pois é necessário que a prova apreciada tenha sido produzida dentro dos limites da lei. Assim, deve o Poder Judiciário valorar, ou valorizar, a prova, significando isso aquilatar se nenhum dispositivo constitucional ou infraconstitucional foi inobservado na produção da prova.
  10. ALEGAÇÕES QUE NÃO DEPENDEM DE PRODUÇÃO DE PROVA. Enuncia o legislador, no art. 334 do CPC, que “não dependem de prova os fatos”: notórios; afirmados pó uma parte e confessados pela parte contrária; admitidos no processo como incontroversos; em cujo favor milita a presunção legal de existência ou de veracidade. O enunciado retro não sofreu alteração no Anteprojeto do novo CPC (art. 264). Apenas a localização desse dispositivo é que foi acertadamente deslocada para a Parte Geral do Anteprojeto. A idéia que permeia esta norma processual é a de dar ao juiz ferramentas para cumprir seu dever de evitar diligências inúteis ou meramente protelatórias, no curso do processo. Cabe ao julgador determinar as provas necessárias à instrução da lide (CPC. 130).  Visto isso, se passa à interpretação do texto legal.
  11.  FATO NOTÓRIO. Um fato é considerado notório quando, no grupo social por ele afetado ou que dele conheceu, ninguém põe em dúvida a alegação de sua existência presente ou pretérita. [IX] Importante observar que a publicidade sobre  um fato pela imprensa, não o torna automaticamente notório, para efeitos processuais. [X]
  12.  FATOS AFIRMADOS POR UMA PARTE E CONFESSADOS PELA OUTRA. Há uma falta de técnica na redação deste inciso, pois a confissão é um meio de prova (CPC. 348; CC. 212. I). [XI] Se houve confissão  houve produção de prova. Portanto, peca pela lógica dizer que não depende de prova o que é confessado. A confissão é a admissão de uma alegação de fato como verdadeira. Mas não é só. A alegação admitida como verdadeira deve ser contrária ao interesse de quem a pronuncia e favorecer ao adversário na resolução da lide (CPC. 348).
  13. ADMITIDOS NO PROCESSO COMO INCONTROVERSOS. Insisto, não há fato incontroverso, mas alegação incontroversa sobre um fato. Incontroversa é a alegação que uma parte faz e a outra não a impugna [contesta; nega]. Outra atecnia redacional deste inciso reside no emprego do adjetivo “admitido”.[XII] Não se trata de admitir ou não a alegação como incontroversa, pois essa é ou não é incontroversa. O que o juiz admite não é a alegação incontroversa, mas sim a verdade da alegação, pelo fato de esta não ter sido impugnada. A figura é típica do processo civil, pois no processo penal, o silêncio do réu [equivalente a não impugnação] não afasta o dever de a acusação demonstrar a veracidade alegação da prática de um fato típico. Alegações não impugnadas presumem-se verdadeiras (CPC. 302). A alegação incontroversa, ou seja, não contestada, pode gerar o efeito da revelia, que consiste em se reputar como verdadeira a alegação de fato lançada pelo autor na inicial (CPC. 319). O efeito da não impugnação também está insculpido na parte final do art. 285 do CPC.
  14. ONDE OCORRE A PRESUNÇÃO LEGAL DE EXISTÊNCIA OU DE VERACIDADE. Por fim, o legislador diz que não precisa de “prova”  a alegação sobre fato em cujo favor milita a presunção legal de existência ou de veracidade. Há presunção quando determinadas hipóteses previstas em lei implicam a simples admissão de que é verdadeira a alegação formulada. A presunção admite duas categorias: a relativa, também denominada iuris tantum, ou seja, a que admite prova em contrário; a absoluta, iure et de iure, que se caracteriza por não admitir prova em contrário. A presunção de que são verdadeiros os fatos articulados na inicial e não contestados pelo réu configura presunção relativa [XIII].







[I] 1. ALMEIDA, Gregório Assagra de. GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Um novo código de processo civil para o Brasil: Análise teórica e prática da proposta apresentada ao Senado Federal. Rio de janeiro: GZ, 2010, p.100.
[II] 2. “A prova é todo elemento que pode levar o conhecimento de um fato a alguém” (Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro. Volume 2. 18. Ed. –São Paulo: Saraiva, 2007, p.195).
“Há, por isso, dois sentidos em que se pode conceituar a prova no processo: a) um objetivo, isto é como instrumento ou meio hábil, para demonstrar a existência de um fato (os documentos, as testemunhas, a perícia etc.); b) e outro subjetivo, que é a certeza (estado psíquico) originada quanto ao fato, em virtude da produção do instrumento probatório. Aparece a prova, assim, como convicção formada no espírito do julgador, em torno do fato demonstrado” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Volume I. 47. Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007.
[III] 3. Novo Aurélio: O dicionário da língua portuguesa – Século XXI. São Paulo: Nova Fronteira, 1999, p. 883.
[IV] 4. Nesse sentido, afirma Alexandre Freitas Câmara: “Meios de prova são os instrumentos através dos quais se torna possível a demonstração da veracidade das alegações sobre a matéria fática controvertida e relevante para o julgamento da pretensão” (Lições de direito processual civil. 16. Ed.  Rio de janeiro: Lumen Juris, 2007, p.420)
[V] 5. Pondera Michel Focault que  “As práticas judiciárias me parecem uma das formas pelas quais a nossa sociedade definiu tipos de subjetividade, formas de saber e, por conseguinte, relações entre o homem e a verdade que merecem ser estudadas” ( A verdade e as formas jurídicas. 3. Ed. Rio de Janeiro, PUC – NAU, 2003, p. 11). João Carlos Pestana de Aguiar Silva concluiu que a busca da verdade é simplesmente uma postura, às vezes inalcançável: “Logo, basta a probabilidade, a plausibilidade, verossimilitude ou verossimilhança, já que na quase totalidade das vezes é inacessível a verdade pura, o que a seguir veremos” (As provas no cível. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 9)
[VI] 6. “O ônus da prova indica que a parte que não produzir a prova se sujeitará ao risco de um resultado desfavorável. Ou seja, o descumprimento desse ônus não implica, necessariamente, num resultado desfavorável, mas no aumento do risco de um julgamento contrário” (Luiz Guilherme Marinoni. Teoria geral do processo. 3. Ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.326)
[VII] 7. Alexandre Freitas Câmara: Lições de direito processual civil. 16. Ed.  Rio de janeiro: Lumen Juris, 2007, p.424.

[VIII] “Ao juiz é facultada a determinação de provas necessárias à instrução do processo, sem ficar à mercê do requerimento da parte. Essa faculdade, porém, jamais se transmudará em obrigação. O que cabe ao juiz afastar por todos os meios são as dúvidas que lhe assaltem sobre as provas das afirmações” (Cf. SILVA, João Pestana de Aguiar. As provas no cível. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 33)
[IX]“ Note-se não ser imprescindível que a notoriedade seja universal, variando seu grau de amplitude conforme a natureza do fato considerado, e podendo a redução chegar ao ponto de alcançar um restrito grupo social” (Cf.  nota de Fábio Tabosa; in: MARCATO, Antônio Carlos (Coord). Código de processo civil interpretado. 3. ed. - São Paulo: Atlas, 2008, p.1.066). Paradigmática é a conclusão no REsp 78.457, assim posta: “Módica importância deferida a título de despesas com o funeral da vítima (três salários mínimos) pode ser deferida independentemente de prova, pois que sua ocorrência é fato notório”.
[X] Ed. São Paulo: RT, 2010, p. 640.
[XI] Cf.  nota de Fábio Tabosa; in: MARCATO, Antônio Carlos (Coord). Código de processo civil interpretado. 3. ed. - São Paulo: Atlas, 2008, p.1.067.
[XII] Idem, p. 1.068.
[XIII] NERY JÚNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 11. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 640.