quinta-feira, 28 de junho de 2012

CAMISINHA ENCONTRADA EM LATA DE EXTRATO DE TOMATE

CAMISINHA DENTRO DE LATA DE EXTRATO DE TOMATE

v  Artigo publicado no jornal Diário do Aço - edição de 28/06/2012, página 2.

Por incrível que pareça, a notícia está entre as mais acessadas nos portais do mundo jurídico desta semana. Tudo isso porque a 3ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu, no Recurso Especial 1317611, manter a condenação de um fabricante de extrato de tomate a pagar à compradora da lata que acondicionava esse produto a importância de R$10.000,00 (dez mil reais). A condenação se deu a  título de indenização por danos morais.
O dano moral circunscreveu-se ao fato de que uma senhora, depois de preparar e servir o jantar à sua família, usando parte do extrato de tomate adquirido, encontrou no fundo da lata um preservativo (camisinha) aberto.
A consumidora levou a camisinha e o extrato de tomate para análise e, concomitantemente, tentou uma composição com o fabricante. Pasmem os leitores:  o fabricante se recusou a compor com a consumidora, resultado disso uma ação. Houve condenação, no primeiro grau de jurisdição. O fabricante apelou. A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ainda inconformada, alegando nulidade processual por indeferimento injusto da prova pericial, a empresa interpôs o Recurso Especial supra informado.  
A notícia certamente é pitoresca, mas além desse aspecto, há um universo de questões que surgem do conjunto dos fatos, tais como: Quanto custou aos cofres públicos (salários pagos ao juiz, aos desembargadores; aos ministros) decidir essa lide de R$10.000,00? Quanto o fabricante gastou com honorários de advogados para fazer chegar seu processo até Brasília (STJ)? O fato ocorrido é idôneo a causar o dano moral? Teria agido com inteligência o fabricante ao exercer sua belicosidade jurídica contra a consumidora?
Em primeiro lugar, temos uma Constituição que assegurou a nós brasileiros o acesso à justiça toda vez que nos sentirmos ultrajados ou desrespeitados em nossos direitos. Por isso, independentemente do valor, agiu a consumidora como verdadeira cidadã, ao não se curvar perante a resistência de uma poderosa multinacional. Por sua vez, o fabricante nada fez contra a lei, pois usou dos permissivos processuais legais para arrastar o processo, fazendo-o chegar ao STJ.
O que me parece inadequado é a existência de tantas vias processuais a informar o sistema recursal. Isso, sim, traz prejuízo aos cofres públicos e prejudica a pessoa pobre. O Estado e as grandes empresas têm fôlego financeiro para litigar por muitos anos. O pobre não pode esperar nem goza de tempo para litigar. O Estado paga seus procuradores com o nosso dinheiro. As grandes empresas têm despesas fixas com seus departamentos jurídicos ou escritórios contratados. Por isso rotineiramente recorrem contra tudo.  Na verdade, o atual sistema recursal favorece o Estado e as grandes empresas. Essa conjuntura perversa precisa ser modificada pelo nosso legislador.
Quanto ao dano moral, hoje tão desmoralizado,  no presente caso, parece-me perfeitamente cabível. Como se sabe o dano moral não se prova. Basta provar a existência do fato capaz de quebrar a harmonia (a paz) do espírito de qualquer pessoa que daí surgirá íntegro o dano moral. Não há dúvida. Que desespero deve ter passado esta família ao se deparar com o fato de que ingeriram um extrato de tomate no qual repousava uma camisinha. Ficariam doentes? Passariam mal? Certamente estão configurados momentos de angustia. Uma agonia que não pode ser tratada como mero aborrecimento. Justa é a reparação à consumidora.

Jorge Ferreira S. Filho. Advogado - Articulista. E-mail professorjorge1@hotmail.com  

quarta-feira, 20 de junho de 2012

FAMILIA 34 - ALIMENTOS - NOTAS DIDATICAS

FAMÍLIA 34: ALIMENTOS - NOTAS DIDÁTICAS SIMPLIFICADAS

Professor: Jorge Ferreira da Silva Filho*
 Disponibilizado no Blog EnsinoDemocrático -  http://jorgeferreirablog.blogspot.com


1.      O SENTIDO DA PALAVRA “ALIMENTOS”. Não há no CC a definição legal do instituto de direito de família denominado alimentos (http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br/2012/04/familia-01-minidicionario.html). Apesar disso, a doutrina nacional e estrangeira condensa o sentido jurídico da palavra “alimentos”, como o complexo das necessidades que a pessoa tem, na vida moderna, para viver com dignidade. Nisso se compreende atendimento quanto ao sustento, à moradia, ao vestuário adequado, à instrução, à educação, ao lazer, ao tratamento preventivo e corretivo da saúde daquela pessoa que, por si só, não consegue suprir tais necessidades. Merece notar que o artigo 1920 do CC, ao instituir o legado de alimentos, reflete a mesma ideia da doutrina, ao dizer que os alimentos abrangem “o sustento, a cura, o vestuário, e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor”. [i] No direito brasileiro os alimentos devem abranger aquilo que as pessoas “necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação” (CC 1.964).
2.      A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. O enfoque jurídico-legislativo a respeito dos alimentos circunscreve-se às determinações de quem os deve prestar (alimentante) e quem os pode exigir (alimentado). Por isso, o discurso jurídico sobre alimentos envolve a noção de obrigação alimentar com seus elementos: credor de alimentos; devedor de alimentos; vínculo jurídico autorizador da obrigação; objeto da obrigação (prestação alimentar). O primeiro vínculo instituidor da obrigação alimentar é a relação de filiação. Modernamente, a existência de uma relação de parentesco entre o credor e o devedor de alimentos continua sendo a característica do vínculo que informa a obrigação alimentar.
3.      A PROBLEMÁTICA JURÍDICA DOS ALIMENTOS. Como afirmado acima, não se discute muito o dever de os pais alimentarem os filhos menores nem a obrigação mútua dos pares, numa relação de casamento ou união estável, prestarem entre si os alimentos. A situação, porém, toma outros rumos quando se pergunta: os filhos teriam a obrigação de prestar alimentos aos pais? Os netos, aos avós? Um irmão ao outro? Um tio ao sobrinho? O genro ao sogro? Os pais aos filhos que atingiram a maioridade? O marido à ex-mulher e vice-versa? À ex-mulher, doente e necessitada, já tendo o ex-marido contraído novo casamento? Quais fatos permitem a extinção da obrigação alimentar? A mulher grávida tem direito de receber alimentos do indigitado pai da criança, inexistindo com este uma relação de casamento ou união estável? Tudo isso já se configurava um bom combustível para a fogueira da polêmica quando sobreveio a Emenda Constitucional 66/2010, extinguindo  a separação judicial e abrindo novo foco de discussão doutrinária e jurisprudencial sobre os alimentos entre cônjuges ou companheiros que romperam o vínculo.  Abaixo relacionamos e comentamos alguns tópicos mais importantes relativos aos alimentos.
4.      A FIXAÇÃO DO VALOR DA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS. O legislador estabelece um critério baseado no equilíbrio entre a necessidade do alimentado e a possibilidade econômica do alimentante. Assim, determinou que os “alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada” (CC1694, §1º). Sabemos que as necessidades das pessoas são infinitas, mas as possibilidades econômicas de quem paga os alimentos são normalmente limitadas. Este é o limite jurídico das necessidades: o encontro com a possibilidade. Entretanto, os alimentos serão “apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade” do alimentante resultar de sua própria culpa (CC 1.694, §2º).
5.      A INCAPACIDADE DE SE MANTER, COMO INTEGRANTE DO CONCEITO DE NECESSIDADE. Não quer o legislador que uma pessoa faça opção por viver sendo sustentada por outro. Nesse sentido, determinou que os alimentos serão devidos apenas “quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença” (CC 1.695).
6.      O VALOR DOS ALIMENTOS NÃO PODE DESFALCAR O DEVEDOR.  Determina a lei que  aquele que fornece os alimentos deverá fazê-lo desde que possa “fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento” (CC1.695). Os alimentos, portanto, não podem se erigir como elemento que desfalca o alimentante do necessário ao próprio sustento.
7.      CONTEÚDO E FORMA DA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS. A via usual pela qual os alimentos se exteriorizam e na forma de obrigação pecuniária, ou seja, um montante de dinheiro, entregue periodicamente,  capaz de atender as necessidades do credor, limitado, porém às possibilidades do devedor. Trata-se da pensão. Além dessa forma, pode o credor dar ao devedor “hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação, quando menor”. Ao juiz é conferido o poder, “se as circunstâncias o exigirem, fixar a forma do cumprimento da prestação” (CC 1701).
8.      VICISSITUDES DOS ALIMENTOS FIXADOS. A obrigação alimentar sofre mutações. A prestação pode ser majorada, reduzida ou até extinta.  Para alcançar tais fins o interessado deve se dirigir ao Judiciário e provar que sobreveio “mudança na situação financeira” de quem supre os alimentos, ou na de quem os recebe. Portanto, poderá haver “exoneração, redução ou majoração do encargo”, conforme as circunstâncias adjetas à vida econômica do alimentante e do alimentado (CC. 1.699). A lei dos alimentos aponta no mesmo sentido.[ii]
9.      O CREDOR DE ALIMENTOS. A lei enuncia que os parentes, os cônjuges ou companheiros podem pedir alimentos uns aos outros. Assim, no tocante aos parentes, a primeira impressão causada seria no sentido de que qualquer classe ou grau de parentesco implicaria o dever alimentar. Entretanto, interpretando-se pelo método sistemático os demais artigos pertinentes ao tema, verifica-se que há limitações impostas pela lei. Nem todos os parentes integram os polos da obrigação alimentar. Abaixo, ver-se-á também que fatos supervenientes e circunstâncias adjetas à vida de ex-cônjuge ou ex-companheiro, podem alterar ou até extinguir a obrigação alimentar.
10.  IRRENUNCIABILIDADE DOS ALIMENTOS. O CC determina que o credor de alimentos pode  não exercer tal direito, “porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos”. Além disso, o respectivo crédito de alimentos é “insuscetível de cessão, compensação ou penhora” (CC 1707). Diz-se, pois, que os alimentos são irrenunciáveis, incessíveis, incompensáveis e impenhoráveis. Entretanto, as regras expostas não se aplicam aos alimentos devidos em decorrência do casamento. Conforme o Enunciado 263 da III Jornada de Direito Civil do CJF, ocorrida em Dezembro de 2004, há o uníssono posicionamento no sentido de ser válida e eficaz a renúncia aos alimentos, por um ou por ambos os cônjuges, “por ocasião do divórcio (direto ou indireto [inexistente depois da EC/66), ou da dissolução da união estável”.[iii]
11.  ALIMENTOS ENTRE PAIS E FILHOS. Não há confundir o dever de sustento que os pais têm em relação ao filho menor (CC 1.566, IV e 1.568) com a obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos, insculpida no artigo 1696 do CC. Esta decorre do parentesco e aquele tem fundamento no poder familiar. O dever de sustento, em tese, cessa com a maioridade. A obrigação alimentar nasce com a cessação da menoridade, todavia se constituirá apenas nos limites jurídicos do binômio possibilidade-necessidade. [iv] Importante, pois, salientar que o dever de sustento é unilateral (pais aos filhos) e o  “direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos” (CC 1.696). 
12.  AÇÃO DE ALIMENTOS MOVIDA POR FILHO FORA DO CASAMENTO. Estabeleceu o legislador que “o filho havido fora do casamento pode acionar o genitor” para obter os alimentos que lhe são devidos pelos pais. Faculta-se ao juiz “determinar, a pedido de qualquer das partes, que a ação se processe em segredo de justiça” (CC 1705).
13.  ALIMENTOS ENTRE AVÓS E NETOS / BISAVÓS E BISNETOS. Trata-se da responsabilidade alimentar avoenga. Prescreve o legislador que o direito aos alimentos é  “extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros” (CC 1696). Portanto, se o necessitado não tiver pais ou, embora os tendo, este não tiverem condições econômicas de prestar alimentos, a obrigação poderá ser exigida dos avós. [v] Para se exigir alimentos dos bisavôs (grau mais remoto), necessário demonstrar a inexistência ou incapacidade econômica dos ascendentes de graus mais próximos.  Pode-se afirmar “que a responsabilide dos avôs não é apenas sucessiva em face da responsabilidade dos progenitores, mas também complementar, na hipótese em que os pais não se achem em condições comprovadas de suportar a totalidade da pensão”.[vi] Sendo o avô ou a avó um idoso, os direitos destes, em relação aos netos, assumem matizes amplas, em decorrência do Estatuto do Idoso[vii] (EI), conforme será visto abaixo.
14.  ALIMENTOS DEVIDOS AO IDOSO. Os alimentos se incluem na categoria dos direitos sociais (CF 6º). Não tendo o idoso como prover seu próprio sustento nem podendo seus familiares arcar com essa obrigação alimentar, este dever ficará para o Estado. O valor dos alimentos será pelo menos de 01 (um) salário-mínimo, caso o idoso atinja 65 anos (EI 34). A família é devedora da obrigação alimentar ao idoso (EI 3º). Tal obrigação “é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores” (EI 12).[viii]
15.  A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ENTRE COLATERAIS. A única menção aos colaterais, no tocante à obrigação alimentar, estabelecida no CC, refere-s e ao 2º grau, ou seja, aos irmãos. Tal obrigação alimentar afigura-se como subsidiária, pois apenas na falta ou incapacidade dos ascendentes  e dos descendentes é que caberá  a obrigação aos irmãos, tanto os germanos como os unilaterais (CC 1697).
16.  ASPECTOS PROCESSUAIS DA AÇÃO DE ALIMENTOS. O Código Civil e a lei  dos alimentos (LA - Lei 5478/1968) sincretizam normas de direito material e processual . Sem dúvida, pode-se dizer que a legitimidade passiva na ação de alimentos está baseada em critérios de subsidiariedade  e litisconsórcio facultativo, pois assim dispõe a lei: “Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide” (CC 1698). [ix] Conclui-se que, na relação alimentar avoenga, por exemplo, é perfeitamente aceitável oferecer a ação diretamente contra os avós paternos sem que o pai tenha sido acionado e os avós maternos integrados no polo passivo. [x]
17.   ALIMENTOS DECORRENTES DA SEPARAÇÃO JUDICIAL. O Legislador cuidou de prever a prestação de alimentos entre cônjuges separados judicialmente nos artigos 1702 a 1704 do CC. Dispôs que: “na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694”; “ Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial”; ainda que haja um cônjuge culpado pela separação, se este “vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes[xi] em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência”. A questão que se levanta é: Como a Emenda Constitucional 66/2010 extinguiu  a separação judicial, existindo agora, apenas o divórcio, como interpretar a eficácia dos dispositivos retro transcritos? 
18.  OS EFEITOS DA EC 66/2010 SOBRE OS ALIMENTOS ENTRE EX-CÔNJUGES. Partindo do pressuposto majoritário de que inexiste mais a separação judicial, deve-se pensar ainda sobre o direito intertemporal. Isso implica que aqueles que se separaram antes da EC 66/2010 e não renunciaram aos alimentos podem continuar a exigi-los do cônjuge obrigado. Se, na sentença da separação o cônjuge apenas dispensou  a pensão alimentícia, poderá posteriormente, em ação para este fim, pleitear “o recebimento dos alimentos dispensados”. [xii] Sob a égide da EC 66/2010, não há mais a separação nem a discussão sobre a culpa. Resta o divórcio para a dissolução da sociedade conjugal advinda do casamento. Isso, porém, não tem o condão de afastar os direitos recíprocos entre os cônjuges no tocante aos alimentos, pois estes decorrem do princípio da solidariedade familiar, que se projeta para além da extinção do vínculo matrimonial.[xiii] Por isso, a tendência é que na ação de divórcio litigioso seja acolhida a cumulação do pedido de dissolução do vínculo com o pedido de alimentos. Acontece, porém, que o rito da ação de divórcio é o ordinário e o da ação de alimentos tem rito especial. Para solucionar o impasse adota-se o rito ordinário para os processos com pedidos cumulados.[xiv]
19.  OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DOS PAIS SEPARADOS EM RELAÇÃO AOS FILHOS. A separação em nada modifica o dever alimentar dos pais aos filhos.  Para a manutenção destes, “os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos” (CC 1703).
20.  ALIMENTOS GRAVÍDICOS. A Lei 11.804 de 2008 (LAG) inaugurou expressamente o direito de a mulher grávida (gestante) receber do indigitado pai alimentos durante a gestação. Verdade é que a obrigação de prestar alimentos ao nascituro, mesmo antes da lei retro, já estava acolhido na doutrina e jurisprudência. [xv] Com a lei consagrou-se o direito de alimentos da mulher gestante e a forma do seu exercício. A condição para que os alimentos sejam deferidos é o convencimento do juiz sobre “a existência dos indícios da paternidade”. O valor estipulado pelo juiz referente aos alimentos gravídicos deve cobrir: “as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes”, desde a concepção da criança até o parto, incluindo as “referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis” (LAG 2º). As coberturas são exemplificativas. Os alimentos gravídicos convertem-se em pensão alimentícia em favor do menor, desde que este nasça com vida (LAG 6º, p.u.). O indigitado pai (o réu) é citado para contestar com prazo de 05 (cinco) dias. Na prática processual, pode-se apontar o seguinte conjunto de problemas: o que são os indícios de paternidade; caberia alimentos provisórios com base apenas em indícios; qual o procedimento a ser seguido.[xvi]
21.   TRANSMISSÃO DA OBRIGAÇÃO AOS HERDEIROS DO DEVEDOR. Causa impacto, a dicção do legislador, ao dizer que “A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694” (CC 1700). Parece que os herdeiros teriam a obrigação de continuar a pagar os alimentos devidos pelo falecido autor da herança. A interpretação preponderante deste texto legal aponta no sentido de que a obrigação alimentar se transmite ao espólio e não aos herdeiros.[xvii] Os herdeiros não podem ser responsabilizados pessoalmente por essa obrigação. Com a partilha, desfaz-se o espólio. Cada um dos herdeiros será proprietário de sua quota parte; patrimônio particular que não responde pela obrigação alimentar do falecido.
22.  ALIMENTOS PROVISIONAIS, PROVISÓRIOS E DEFINITVOS. No artigo 1706 do CC, o legislador faz menção aos  alimentos provisionais,  dizendo que estes  serão fixados pelo juiz, nos termos da lei processual. Discussão há sobre a diferença entre os conceitos de alimentos provisionais e provisórios.  A rigor são provisórios os alimentos fixados liminarmente na ação interposta com fulcro na Lei de Alimentos (Lei 5478/1968; art. 4º). São provisionais os alimentos fixados como medida cautelar (CPC 852, I) ou na sentença proferida no rito da lei de investigação de paternidade (Lei 8560/1992, art. 7º), dentre outros. Há, na verdade, o emprego sincrético das expressões provisório e provisional, defendendo alguns que inexiste  diferença entre os institutos. [xviii] A maioria dos nossos juízes tratam indistintamente os dois institutos. [xix] Melhor caminhou a doutrina que majoritariamente percebe a diferença entre os alimentos provisórios e provisionais. Provisório é algo que será substituído por alguma coisa definitiva. Provisional é aquilo que tem existência temporária e condicionada. Vigora por certo tempo e depois se esvai. [xx]
23.  EXTINÇÃO DO DEVER ALIMENTAR. Admitem-se algumas hipóteses legais que fazem cessar a obrigação alimentar. No primeiro grupo de causas encontram-se o casamento, a união estável ou o concubinato do credor (CC 1707). No segundo está o procedimento indigno do alimentado (credor) em relação ao alimentante (devedor de alimentos), conforme dispõe o parágrafo único do artigo retro.
24.  A MAIORIDADE E A EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO PAI-FILHO. Atingindo a maioridade cessa o poder familiar. Com isso, via de regra, o filho perde o direito a alimentos, exceto se o filho maior for inválido, porque as disposições relativas a prestação de alimentos “estendem-se aos maiores incapazes” (CC 1590). [xxi] Atualmente, a jurisprudência entende que aos filhos que se encontrem cursando escola superior se estende o direito de receberem essa modalidade de pensão.[xxii]
25.  EFEITOS DO CASAMENTO DO EX-CÔNJUGE QUANDO DEVEDOR DE ALIMENTOS. Reza o Art. 1.709 do CC que “o  novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio”. A sentença pode ser homologatória ou não.
26.  ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DO VALOR DA PENSÃO ALIMENTÍCIA. Art. 1.710. As prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido. Há doutrinadores que recomendam a aplicação do IPCA. [xxiii] Entretanto, há muitas decisões que fixam os alimentos com base no salário-mínimo, apesar de a Constituição Federal vedar a utilização deste parâmetro como índice de correção monetária (CF 7º, VI). Quem aplica o salário-mínimo para fixar os alimentos se ampara na  Súmula STF 490 e no artigo 475-Q, §4º do CPC.
27.  CARACTERÍSTICAS DOS ALIMENTOS.  A doutrina aponta, com poucas variantes, as seguintes características do direito aos alimentos: personalíssimo; divisibilidade e não solidariedade; reciprocidade; inalienabilidade; irrepetibilidade; alternatividade; incedibilidade, incompensabilidade, Imprescretibilidade; intransmissibilidade; irrenunciabilidade; periodicidade; anterioridade; atualidade monetária. [xxiv]



[i] CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 6. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 15.
[ii] A possibilidade de se modificar ou não a pensão alimentícia de natureza familiar se resolve com base nos artigos 15 da Lei 5.478/68 e 1.699 do Código Civil. “Pela própria natureza do direito a alimentos, a sentença proferida nesta ação contém ínsita a cláusula rebus sic standibus: enquanto perdurarem as circunstâncias de fato e de direito da forma como afirmadas na sentença, esta permanece com sua eficácia inalterável. Modificadas as circunstancias sob as quais foi proferida a sentença, é possível o ajuizamento de nova ação de alimentos (revisão ou exoneração). Ausente a comprovação da mudança da situação financeira do alimentante, apta a minorar os alimentos anteriormente fixados, não logra êxito o pedido” – Apelação Civil de número  1.0194.08.085430-1/001(1), com numeração única 0854301-46.2008.8.13.0194, Dj 24-02-2011; DJe – 18-03-2011.
[iii] PATERNIDADE E ALIMENTOS. Coordenador: Luiz Fernando Valladão Nogueira. Belo Horizonte: Del Rey, 2012 , p. 260.
[iv] CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 6. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 452.
[v] Comentários ao Código Civil: artigo por artigo. Coordenadores Carlos Eduardo Nicoletti Camill ..[et al]. -São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 1221.
[vi] Apelação Cíveil 115.211/5 - Jurisprudência Mineira 145/163; Rel. Des. Francisco Figueiredo - apud Paternidade e Alimentos. Coordenador: Luiz Fernando Valladão Nogueira. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 396. 
[vii] O Estatuto do idoso é lei ordinária (Lei 10.741/2003). Considera-se idoso quem tem idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos (EI 1º).
[viii] Ensina Maria Berenice Dias que: “a obrigação de alimentos é solidária, podendo o credor optar entre os prestadore. O idoso pode acionar, indistintamente, seus parentes, ou seja, qualquer de seus filhos, netos, irmãos e até sobrinhos. O limite é o parentesco colateral de quarto grau”. (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 461).
[ix] Ensina NEWTON TEIXEIRA CARVALHO, Juiz de Direito Familiarista, que “sem dúvida alguma o art. 1968 do CC admititu uma nova modalidade de chamamento ao processo... E, por se tratar de chamamento ao processo, de ver-se que se trata de mera faculdade a ser exercida ou não pela parte requerida em uma ação de alimentos, com a convocação de demais parentes”; in: Paternidade e Alimentos. Coordenador: Luiz Fernando Valladão Nogueira. Belo Horizonte: Del Rey, 2012p. 398. 
[x] Paternidade e Alimentos. Coordenador: Luiz Fernando Valladão Nogueira. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 401. 
[xi] Ministra Dimas Messias de Carvalho que: “neste caso a obrigação cabe primeiro aos parentes e, somente na impossibilidade destes, o cônjuge será obrigado a fornecer alimentos, mesmo assim os naturais ou mínimos, indispensáveis à sobrevivência (art. 1704, p.u.)” Cf. PATERNIDADE E ALIMENTOS. Coordenador: Luiz Fernando Valladão Nogueira. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 243. 
[xii]  PATERNIDADE E ALIMENTOS. Coordenador: Luiz Fernando Valladão Nogueira. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 243. Confira também  TJMG AC. 1.0183.06.109209-8/001. Rel. Des. Armando Freire. Julgado em 8.4.2008.
[xiii] Cf. PATERNIDADE E ALIMENTOS. Coordenador: Luiz Fernando Valladão Nogueira. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 250. 
[xiv] Ensina Dimas Messias de Carvalho que: “O juiz de família é o competente para conhecer dos pedidos de divórcio e de alimentos, para o cônjuge e filhos, compatíveis entre si, empregando-se o procedimento ordinário” - Cf. PATERNIDADE E ALIMENTOS. Coordenador: Luiz Fernando Valladão Nogueira. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 252. 
[xv] Clayton Rosa de Resende. In: Paternidade e Alimentos. Coordenador: Luiz Fernando Valladão Nogueira. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 359.  
[xvi] Considerações de CLAYTON ROSA DE RESENDE In: Paternidade e Alimentos. Coordenador: Luiz Fernando Valladão Nogueira. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 359.  
[xvii] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 511.
[xviii] CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 6. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 619.
[xix] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 549.
[xx] “Alimentos provisórios e provisionais não se confundem: possuem propósitos e finalidades diferentes e, inclusive, são previsot em distintos estatutos legais” (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 549).
[xxi] CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 6. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 453.
[xxii] “A maioridade do filho que é estudante e não trabalha, a exemplo do que acontece com as famílias abastadas, não justifica a exclusão da responsabilidade do pai quanto a seu amparo financeiro pra o sustento e estudos” - Cf. CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 6. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 457.
[xxiii] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 515.
[xxiv] CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 6. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pp. 49 a 95. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp 505 a 515.

terça-feira, 19 de junho de 2012

ATRASO NA ENTREGA DE APARTAMENTOS - OVERBOOKING

ATRASO NA ENTREGA DE OBRAS - OVERBOOKING IMOBILIÁRIO

·         Artigo publicado no Jornal Diário do Aço - edição de 19/06/2012, pag. 2.

O leitor conhece alguém que já ficou irritado, frustrado e indignado com o fato de uma construtora não lhe ter entregado sua casa ou apartamento na data prevista no contrato? Na verdade, são muitos nessa triste realidade; uma legião de frustrados.
O sonho da casa própria e a perspectiva de valorização imobiliária empurram muitas pessoas a adquirir apartamentos ainda “na planta”. Isso quer dizer: apartamentos que não existem; imóveis que ainda serão construídos.
Normalmente, o promissário comprador assina com a construtora um contrato, mas desconhece completamente as peculiaridades e os efeitos jurídicos do ato que assina. Não sabe se o contrato refere-se a uma incorporação ou construção por administração ou mera empreitada de obra. Ignora, pois, que cada uma das modalidades de contrato implica diferentes responsabilidades para a construtora e para o adquirente (o comprador).
Vendedores inescrupulosos pressionam sempre o comprador com as velhas técnicas: “restam poucas unidades”; “há muitos interessados”; “seguro a proposta até amanhã pela manhã” etc. Quem cai na conversa sequer busca um especialista para analisar o contrato (promessa de compra e venda; sinal de negócio; termo de adesão; prazos; multas pelo atraso; seguro da obra; idoneidade da construtora; etc.).
 Em Belo Horizonte, há um interessante Projeto de Lei denominado OVERBOKING DO MERCADO IMOBILIÁRIO.        Idealizado e redigido pelo meu colega Dr. Kênio Pereira,  encaminhado no final do ano 2010 ao Presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte, o projeto tem por objetivo oferecer maior credibilidade e segurança da população quanto ao cumprimento dos prazos estabelecidos nos contratos de construção.
A ideia central do Projeto de Lei supra é bem simples e pode ser assim resumida: “somente as construtoras que entregarem as unidades com atraso de até 60 dias poderão obter novo alvará de construção para lançar outros empreendimentos”.
O fundamento de tal projeto tem lastro na ética e na lógica. Quanto à vertente da lógica, parece-me sensato proibir a construtora, que não conseguiu entregar no prazo apartamentos “já quitados”, de vender novos apartamentos a serem construídos.  Isso, certamente, contribuiria para a moralização do mercado imobiliário.
Infelizmente, comentara Kênio em Maio do presente ano, o projeto estranhamente “parou”, depois de ter sido aprovado na Câmara Municipal de Belo Horizonte, em 1º turno no ano 2011. Seriam “as forças ocultas”?
Desconheço se há no legislativo de Ipatinga algum projeto semelhante, mas seria um exemplo para a nossa sociedade que a própria Associação dos Construtores de Ipatinga encaminhasse projeto neste sentido. Isso afastaria os maus construtores do mercado e contribuiria para a credibilidade no setor da construção civil, importante setor de geração de empregos e da efetivação do direito social a moradia.


Jorge Ferreira S. Filho. Advogado - Articulista.