domingo, 5 de agosto de 2012

INFIDELIDADE NO CASAMENTO

A INFIDELIDADE NO CASAMENTO E SUAS CONSEQUENCIAS LEGAIS

·          Artigo publicado no Jornal Diário do Aço; Edição de 05/08/2012; pag. 2.

Comentei recentemente em sala de aula que a infidelidade do marido ou da mulher não atrai mais os severos efeitos jurídicos desenhados pela doutrina e jurisprudência. Imediatamente, esboçaram-se algumas peculiares reações: inconformismo; perplexidade; manifestações no sentido de que o casamento transformou-se em instituição falida etc.
Numa época em que a infidelidade partidária alcançou a graça da indulgência dos eleitores, o tema infidelidade entre cônjuges atiçou minha curiosidade, no sentido de investigar como estaria a censurabilidade social a respeito deste assunto. A oportunidade da discussão decorre também do fato de que duas novelas de grande audiência na televisão têm nos seus enredos a traição, revelando o interesse popular sobre a matéria.  
Historicamente, como pontua o professor Paulo Lobo, a finalidade principal  da imposição legal do dever de fidelidade “voltava-se em grande medida ao controle da sexualidade feminina, para proteger a paz doméstica e evitar” a dúvida sobre a paternidade. A religião, como instrumento normativo do convívio social, considera o adultério um pecado. A adúltera era tratada severamente, inclusive apedrejada.  
No aspecto comportamental, ensina Caio Mário da Silva Pereira, que a infidelidade se caracterizaria pela “prática de relações sexuais com outra pessoa” diversa do cônjuge. Modernamente, discorre-se até sobre a infidelidade virtual, assim explicado por Rolf Madaleno: A infidelidade surge “na sua versão virtual quando um relacionamento erótico-afetivo e entretido através da internet...”.
Atualmente, devido à igualdade de direitos entre o homem e a mulher, nosso Código Civil determina que são deveres de ambos os cônjuges a “fidelidade recíproca”. Em termos legais, quem é infiel, descumpre dever jurídico praticando, portanto, uma ilicitude. Nem a infidelidade virtual escapa deste enquadramento, pois tal comportamento não deixa de abalar os pilares atuais da relação afetiva, centrados na ideia de lealdade recíproca, viés pelo qual, segundo Maria Berenice Dias, “deve pautar todos os vínculos amorosos”.
Apesar do aparente rigor legal, tais disposições se mostram inúteis, na verdade, inócuas, pois na vida real a fidelidade não é uma obrigação exigível. Ninguém propõe uma ação judicial na qual se pede a condenação para que o marido ou a mulher cumpra o dever de fidelidade.
De fato, exceto pela reparação moral,  não há mais qualquer sanção de ordem civil ou penal para o cônjuge adúltero. O adultério deixou de ser crime desde 2005. Com a Emenda Constitucional 66 (outubro de 2010), extinguiu-se o instituto processual da separação judicial. Qualquer um pode pedir o divórcio não se exigindo mais a “lavação de roupa suja”, ou seja, a discussão sobre a culpa  perante os atores legais (advogados, juiz, promotor). Apontar o cônjuge culpado (o infiel)  postava-se mais como instrumento de vingança do que efetivo requisito legal de restauração da ordem jurídica.  Nem caberia ao cônjuge traído executar o infiel pela obrigação de não fazer e lhe impor o pagamento de multa a cada traição empreendida. Seria ridículo e indigno.
Resta dizer que hoje o dever de fidelidade insere-se apenas no  mundo das normas sociais e morais. Entretanto, sob o fundamento de que a infidelidade violou o dever contratual de agir com boa-fé objetiva, pela quebra da confiança que cada cônjuge deposita no outro (“prometo-lhe ser fiel, na alegria e na tristeza”), muitas ações de indenização por danos morais estão sendo propostas.


Jorge Ferreira S. Filho. Advogado - Articulista. Presidente da Seccional Vale do Aço do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG). E-mail professorjorge1@hotmail.com