quarta-feira, 21 de novembro de 2012

PT UNGIDO COM O MENSALAO



A UNÇÃO DO PT COM O MENSALÃO.

 

*Artigo publicado no jornal Diário Popular - edição de 20/11/2012.

http://www.diariopopularmg.com.br/blog_posts_visualizar.aspx?id=150

 

A palavra “unção” significa “o ato ou efeito de ungir”. Este verbo pode também ser empregado com os sentidos de purificar, corrigir e melhorar. Discorro, aqui, sobre a possibilidade de o PT sair ungido com o “julgamento do mensalão”. Atiça-me discutir como a sociedade receberá, por exemplo, José Dirceu, depois que este cumprir sua pena? Como herói injustiçado ou como um meliante que abusou do poder?

No artigo “Idiossincrasias no julgamento do mensalão” (Diário Popular - edição de 26/09/2012), afirmei que os ministros do STF estariam perigosamente sinalizando uma ruptura em relação à dogmática penal brasileira, no que se refere à apreciação das provas no julgamento da famosa AP 470.

No dia 13/11/2012, em sintonia com minha tese, o jornalista Janio de Freitas, do jornal Folha de São Paulo, assina artigo com o título “A voz das provas”, no qual tece perspicazes considerações sobre a entrevista de Claus Roxin, jurista alemão, coautor da teoria do domínio do fato.

A teoria supra foi amplamente empregada na formulação dos argumentos que fundamentaram os votos vitoriosos do ministro Joaquim Barbosa. Entretanto, Roxin, na entrevista, apresenta posicionamentos que divergem da interpretação realizada pelo relator do mensalão. Perguntado “se o dever de conhecer atos de um  subordinado não implica corresponsabilidade”, Roxin respondeu que “A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato”. Acrescentou ainda que “o mero ter que saber não basta”. E agora? Qual importância deve-se atribuir à discussão sobre o domínio do fato, quando o que está em jogo é o conhecimento do próprio fato?

O ex-ministro do STF, Eros Grau, em suas reflexões sobre o direito,  ponderou: “podemos afirmar, assim, que também no que tange aos fatos não existe, no direito, o verdadeiro”. Citando Margarino Torres, Grau transcreve: “O juiz deve julgar com o alegado e provado, mesmo que saiba ser outra a verdade e a consciência lhe dite o contrário”. Se não o fizer, o povo, em nome do qual os juízes julgam, validamente desenvolverá a opinião de que os condenados foram injustiçados. Não há esquecer que nós, os brasileiros, somos sentimentais. O condenado de hoje, se percebido como injustiçado, volta nos braços do povo ao poder. A sociedade o purifica. Releva o censurável e exalta a intenção motivadora das condutas penalizadas.  

De tudo isso, pode-se ousar prever que os integrantes do núcleo político do mensalão serão ungidos com o bálsamo do tempo. Cada minuto passado na cadeia poderá catalisar reações sociais no sentido de formatar pessoas em ídolos.  Pessoas identificadas pela solidariedade, comunhão de propósitos e sacrifício. Sentimentos agregadores e arrebatadores para uma militância. 

 

Jorge Ferreira S. Filho. Advogado. Professor universitário. Presidente da Seccional Vale do Aço do Instituto dos Advogados de Minas Gerais – IAMG. E-mail professorjorge1@hotmail.com

sábado, 10 de novembro de 2012

FAMILIA 40 - TUTELA




FAMÍLIA 40: DA TUTELA

Professor: Jorge Ferreira da Silva Filho*

 Disponibilizado no Blog EnsinoDemocrático


 

1.        INTRODUÇÃO. A tutela (http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br/2012/04/familia-01-minidicionario.html) é um instituto de direito civil tratado no Titulo IV do Livro IV    Direito de Família — do Código Civil, sob a rubrica “Da tutela e da curatela”. A finalidade da tutela é a proteção do menor que perdeu os pais ou, sendo estes vivos, tiverem decaído do poder familiar (CC 1728). Essa guarida se efetiva pela via da instituição de uma pessoa natural (o tutor) para representar o menor (o pupilo ou tutelado) nos atos da vida civil e administrar os seus bens.[i] A matéria legiferada sobre a tutela espraia-se nos seguintes temas: quem deve ser tutelado; quem pode ser nomeado tutor; a quem compete nomear o tutor; a forma pela qual o tutor é nomeado; nomeação de tutor para irmãos órfãos; crianças e adolescentes com pais desconhecidos; incapacidade para exercer a tutela; as autorizações da lei para a escusa da tutela; Como deve ser exercida a tutela; A administração dos bens tutelados; a prestação de contas. 
 

2.        A PROBLEMÁTICA DA TUTELA. Partindo do exemplo em que os pais de um menor falecem num acidente, a questão imediata que se levanta é: quem poderá representar os interesses do menor órfão? Se os pais tiverem deixado formalmente uma manifestação de vontade nesse sentido, o problema estará resolvido, caso contrário, a ordem jurídica impõe que familiares consanguíneos assumam a responsabilidade de representar o menor e ao mesmo tempo administrar os bens deste.  Há uma ordem que deve ser observada inicialmente. Em primeiro lugar, busca-se encontrar os ascendentes (avós, bisavós). Em não os encontrando a responsabilidade passa aos colaterais, na forma da lei. Entretanto, pode ser que o familiar apontado na lei como a pessoa que deva assumir essa responsabilidade não seja conveniente ao interesse do menor ou não tenha condições adequadas para assumir a imposição legal. Poderá haver disputas entre parentes que queiram assumir a tutela. Ocorrerão casos em que o tutor, no exercício da tutela, apresente comportamentos prejudiciais ao menor, hipótese que imporá a sua destituição.  Sob a tutela, estando os pais do pupilo vivos, quem poderá conceder a emancipação?  Esses são alguns dos exemplos problemas que o legislador visa resolver com a tutela. [ii]

 

3.      A RELAÇÃO ENTRE TUTELA, ADOÇÃO E GUARDA. A Lei 8.069/90 (ECA) deu à criança e ao adolescente o direito de serem criados e educados numa família substituta, quando impossível a criação e a educação na família natural (ECA. 19). A colocação em família substituta se dá por três vias: a guarda; a tutela; a adoção (ECA 28). Esse é o ponto comum, ou seja, o menor, nas três hipóteses será transferido para uma família substituta. Isso, porém, somente se efetiva legalmente observando os procedimentos traçados na lei (ECA 165/170). A finalidade da guarda é a de regularizar a posse de fato do menor ou do adolescente (ECA 33 §1º). Normalmente a guarda é deferida liminarmente ou incidentalmente nos procedimentos de tutela e de adoção, pois com ela, o incapaz terá imediata  assistência moral, material e educacional. A guarda não pressupõe a perda do poder familiar, tanto que os pais permanecem com o direito de visitar os filhos e com o dever de lhes prestar alimentos (ECA 33 §4º). A tutela, ao contrário, pressupõe a decretação da perda ou suspensão do poder familiar (ECA 36 p.u.). Obviamente, a tutela abrange a guarda. Apesar de prevista no ECA, os critérios objetivos e subjetivos para o deferimento da  tutela estão contidos no Código Civil (ECA 36). Deferida a tutela, o menor terá quem lhe represente e administre os seus bens. Entretanto, a filiação do tutelado não sofre modificação. O tutor não é pai nem mãe do tutelado. Na certidão de nascimento do menor tutelado, permanecem os pais registrais (biológicos ou não). Na relação entre o tutor e o pupilo pode surgir uma efetiva relação afetiva. Muitos tutores lançam-se como pretendentes à adoção (http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br/2012/04/familia-01-minidicionario.html) do pupilo. A lei veda ao tutor assumir a adoção “enquanto não der conta de sua administração e saldar o seu alcance” (ECA 44).

 

4.        O DIREITO DE NOMEAR O TUTOR. São os pais, em conjunto, que têm o direito de nomear a pessoa que querem para ser o tutor de seus filhos (CC 1.729). Na cultura brasileira, os pais não têm o costume de nomear preventivamente um tutor para os filhos.  Fazem-no em casos de risco de morrer. A presunção do legislador aponta no sentido de que ninguém melhor que os pais poderia fazer melhor escolha de quem defenderá os interesses dos filhos. Confiança e afeto gravitam em torno da decisão dos pais. Deve o judiciário, quando possível[iii], respeitar a escolha manifestada. [iv]

 

5.        A FORMA DE NOMEAÇÃO. A nomeação pode ser feita pela simples manifestação dos pais no corpo de um testamento (público, cerrado ou particular). A nomeação também será válida se manifestada em documento público ou particular, desde que seja possível apurar de forma clara a vontade declarada, deixando inquestionável a identificação do tutor. Assim se interpreta a expressão “documento autêntico” contida na lei (CC 1729 p.u.). A validade da nomeação exige também que os pais, no momento do ato, detenham o poder familiar (CC 1.730). Os pais podem escolher para tutor qualquer pessoa; parente ou não. [v]

 

6.        A TUTELA COMO MUNUS. Se os pais não tiverem exercido o direito de nomear um tutor para os filhos, estes não ficarão sem quem os represente, pois a lei atribuiu a alguns parentes consanguíneos o dever de assumir a tutela dos menores (CC 1.731).  Exceto nas hipóteses legais, o tutor determinado pela lei não pode recusar a tutela, pois ela é um munus. Isso significa que a pessoa nomeada deve assumir o encargo. Considera-se também como munus  a tutela instituída por escolha dos pais em testamento ou documento autêntico. O escolhido não pode rejeitar a nomeação. Trata-se de serviço público prestado por particular. [vi] Esse munus deve ser exercido pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos, podendo o juiz estendê-lo, na forma da lei, ou seja, a pedido do tutor ou pela conveniência de proteção ao menor (CC 1.765, p.u.).

 

7.        OS TUTORES LEGAIS. Determina a lei que, em falta de tutor nomeado pelos pais, parentes consanguíneos serão chamados para assumir este ônus. Há uma ordem estabelecida na lei, porém ela  não é inflexível. O STJ já decidiu que tal ordem pode ser alterada sempre no interesse do menor (STJ - 3ª T. REsp 710.204, Min. Nancy Andrighi).[vii] Em primeiro lugar são chamados os ascendentes (normalmente os avós). Havendo avós maternos e paternos e todos querendo a tutela, o juiz decidirá atendo ao que for melhor para a criança. Há outros requisitos, pois os avós devem residir próximos ao domicílio do menor e ter idade compatível com o bom exercício da tutela. Impossibilitada a tutela pelos ascendentes, buscam-se os colaterais até o terceiro grau. Prefere-se o tutor colateral de grau mais próximo. Por isso, os irmãos têm preferência aos tios. No mesmo grau de parentesco, prefere-se o mais velho; um critério objetivo. O sobrinho é parente em 3º grau, porém isso não lhe dá o direito de ser tutor, entendendo a doutrina que se aplica em analogia à exclusão dos descendentes ,como aptos a exercer a tutela (CC 1.731; I e II). 

 

8.        TUTORES JUDICIALMENTE NOMEADOS. Não havendo tutor nomeado pelos pais ou tutores legais em condições de exercerem a tutela, o juiz deverá nomear uma pessoa para ser o tutor dos menores. Trata-se de terceiro que deve ser uma pessoa idônea e residente no domicílio do menor, conforme exigência legal (CC 1732). Nomear-se-á, também, um terceiro para exercer a tutela quando: 1º) o tutor legítimo for excluído da tutela; 2º) a escusa apresentada estiver amparada na lei; 3º) o tutor testamentário, documental ou legítimo for removido do encargo por inidoneidade (1732, III).

 

9.        O CASO DE NOMEAÇÃO DE TUTOR PARA IRMÃOS.  Determina a legislação que o juiz nomeie um só tutor para irmãos órfãos (CC. 1733, caput). Havendo disposição testamentária com nomeação de tutores sem estabelecer uma regra de procedência, entender-se-á que “a tutela foi cometida ao primeiro” sucedendo-lhe os outros, caso venha a ocorrer impedimentos (CC 1733 §1º).

 

10.     EXERCÍCIO CONCOMITANTE DE CURATELA DE BENS COM A TUTELA. A legislação prevê também a hipótese de um menor órfão ter recebido bens como herdeiro ou legatário durante o exercício de uma tutela. Nesse caso, o autor da herança pode designar no testamento um curador especial aos bens deixados ao menor, afastando-se, assim, a administração desse bens pelo tutor (CC 1733. §2º).

 

11.  A NECESSIDADE DA NOMEAÇÃO JUDICIAL DO TUTOR. Em decorrência da Lei 12.010/2009, a redação do artigo 1.734 do CC passou a determinar que às crianças e adolescentes, cujos pais forem desconhecidos, falecidos ou que não possam exercer o poder familiar, o juiz lhes nomeie um tutor. Caso o juiz não consiga nomear-lhes um tutor, deverá incluí-los no programa de colocação familiar, previsto na Lei 8.069/90 (ECA). Merece transcrição a redação anterior: “os menores abandonados terão tutores nomeados pelo juiz, ou serão recolhidos a estabelecimento público para este fim destinado, e, na falta desse estabelecimento, ficam sob a tutela das pessoas que, voluntária e gratuitamente, se encarregarem da sua criação”.  Vê-se, pois, que não é automática a instituição do tutor, ainda que este tenha sido nomeado pelos pais. Há de ser formulado um pedido em juízo, assim determinado no art. 37 do ECA: “ O tutor nomeado por testamento ou qualquer documento autêntico, conforme previsto no parágrafo único do art. 1.729 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, deverá, no prazo de 30 (trinta) dias após a abertura da sucessão, ingressar com pedido destinado ao controle judicial do ato, observando o procedimento previsto nos arts. 165 a 170 desta Lei” O juiz, além de observar os requisitos previstos nos artigos. 28 e 29 do ECA, somente deferindo “a tutela à pessoa indicada na disposição de última vontade, se restar comprovado que a medida é vantajosa ao tutelando e que não existe outra pessoa em melhores condições de assumi-la”.

 

12.   INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DA TUTELA. A lei determina algumas hipóteses em que a pessoa ficará proibida de exercer a tutela. Se, apesar da vedação, o impedido de assumir a tutela a exerça ele deverá ser exonerado. (CC 1.735, caput). O procedimento de exoneração está previsto no CPC (artigos 1.194 a 1.197). As vedações ao exercício da tutela são para: “I - aqueles que não tiverem a livre administração de seus bens; II - aqueles que, no momento de lhes ser deferida a tutela, se acharem constituídos em obrigação para com o menor, ou tiverem que fazer valer direitos contra este, e aqueles cujos pais, filhos ou cônjuges tiverem demanda contra o menor; III - os inimigos do menor, ou de seus pais, ou que tiverem sido por estes expressamente excluídos da tutela; IV - os condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade, contra a família ou os costumes, tenham ou não cumprido pena; V - as pessoas de mau procedimento, ou falhas em probidade, e as culpadas de abuso em tutorias anteriores; VI - aqueles que exercerem função pública incompatível com a boa administração da tutela” - (CC 1.735).

 

13.  A TAXATIVIDADE DAS DISPOSIÇÕES. Há posicionamentos no sentido de que as hipóteses legais de “incapacidade” ao exercício da tutela são taxativas e não admitem interpretação extensiva.[viii]  Por essa ótica, a leitura do  inciso IV, do artigo 1.735 do CC nos leva a concluir que quem comete um crime hediondo, ainda assim poderia ser tutor. Acontece que o inciso V do artigo 1.735 traz uma hipótese que se configura “conceito aberto”, indeterminado ou vago. Trata-se da circunstância qualificada como “mau procedimento”. Por essa via, ébrios, rufiões, estelionatários, traficantes de drogas, sequestradores, e outras pessoas que assumam comportamentos comprometedores de sua honorabilidade e credibilidade serão impedidos de exercer a tutela. [ix]

 

14.  A POSSIBILIDADE DE AFASTAR A NOMEAÇÃO (ESCUSA) - CC 1.736/1.739. Inexistindo tutor nomeado pelos pais, a tutela é direcionada como múnus para os parentes consanguíneos. Entretanto, o tutor legal pode pedir ao juiz da causa que seja afastado deste dever se alegar e provar  que: I - é mulher casada; é maior de sessenta anos; já tem sob sua autoridade mais de três filhos; está  impossibilitados por enfermidade; habitam longe do lugar onde se haja de exercer a tutela;  já exercerem tutela ou curatela; é  militar em serviço. O tutor que não for  parente do menor “não poderá ser obrigado a aceitar a tutela, se houver no lugar parente idôneo, consanguíneo ou afim, em condições de exercê-la”. Há um prazo para decadencial para a manifestação da escusa. Ela deve ser apresentada ao juiz, “nos dez dias subsequentes à designação, sob pena de entender-se renunciado o direito de alegá-la”. A superveniência de motivo escusatório reabre o prazo de 10 (dez) dias (CC 1738).[x] Inadmitida a escusa, o nomeado à tutela deverá exercê-la, até que o provimento do recurso interposto, respondendo, “desde logo pelas perdas e danos que o menor venha a sofrer” (CC 1739).

 

15.     COMO DEVE SER EXERCIDA A TUTELA. Sob a rubrica “Do exercício da tutela” o legislador traça normas relacionadas com os seguintes aspectos: Deveres do tutor em relação aos cuidados com o tutelado (CC 1740); Deveres do tutor sob a inspeção do juiz (CC 1741); Deveres de agir do tutor depois de autorizado pelo juiz (CC 1748-1749); Responsabilidades do Juiz (CC 1741 e 1744);  A possibilidade de instituição do “protutor” (CC 1742); Delegação de parte da administração incumbida ao tutor (CC 1.743); Medidas preventivas de proteção aos bens do menor (CC 1.745); Responsabilidade civil do juiz, do tutor e demais pessoas relacionadas com a administração dos bens (CC 1744 e 1752); Nulidades (CC 1749).

 

16.  ESPECIFICANDO E GARANTINDO OS BENS DOS MENORES. A primeira preocupação do legislador é a de discriminar os bens dos menores que estarão sob a administração do tutor. Por isso, os bens dos menores somente serão entregues ao tutor “mediante termo especificado deles e seus valores” (CC 1745). É inócua a dispensa de tal procedimento pelos pais do menor, por expressa disposição legal.   A segunda atenção do legislador recai sobre a garantia oferecida pelo tutor, quanto aos eventuais prejuízos que possa dar ao pupilo. O Código Civil de 1916, no art. 418, obrigava o tutor a especializar em hipoteca legal de seus imóveis, tanto quanto bastassem para acautelar os bens do pupilo. O procedimento ainda persiste no CPC. Todavia, o CC/2002 não repetiu tal exigência. Para a mesma finalidade, o legislador deu ao juiz a faculdade para “condicionar o exercício da tutela à prestação de caução, podendo dispensá-la se o tutor for de reconhecida idoneidade” (CC 1745, p.u.).

 

17.  O FISCAL DO TUTOR. A legislação, em socorro das múltiplas funções do juiz, permitiu a este nomear alguém para controlar as atividades do tutor. Isso significa vigiar, intervir, questionar, em síntese fiscalizar. Trata-se do protutor, figura inexistente no CC/16. O protutor é um longa manus do juiz. [xi] Ele tem, inclusive, direito a remuneração módica, por expressa previsão legal (CC 1744, II).

 

18.  COMPARAÇÃO ENTRE OS DEVERES DO TUTOR E O DOS PAIS. O tutor não é pai nem mãe. Somente os pais têm o poder familiar. Apesar disso a lei lhe impõe alguns deveres idênticos aos dos pais, tais como: “I - dirigir-lhe a educação, defendê-lo e prestar-lhe alimentos, conforme os seus haveres e condição”. A diferença tem início com o poder que têm os pais de castigar moderadamente os filhos, pois o tutor pode apenas,  “reclamar do juiz que providencie, como houver por bem, quando o menor haja mister correção”. Nem o inciso III do art. 1740 do CC, que ordena ao tutor “adimplir os demais deveres que normalmente cabem aos pais, ouvida a opinião do menor, se este já contar doze anos de idade” tem esse condão. A doutrina converge no sentido de que o tutor não pode ser exigido quanto aos “deveres que são inerentes ao indelegável poder familiar”. [xii] Por isso, não se tem admitido ao tutor: castigar o pupilo; exigir a companhia do tutelado; exigir do pupilo obediência; determinar, ao menor, tarefas e serviços próprios de sua idade e condição.  Quanto a conceder ou não permissão ao pupilo para casar, entende-se que estando os pais do pupilo vivos, não poderia o tutor autorizar o casamento. [xiii] Em caso contrário, o tutor tem a faculdade de conceder a autorização para o casamento, tanto que o Código lhe autoriza revogar a autorização (CC 1.518). [xiv]

 

19.     DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. A lei determina que o tutor deva prestar contas de sua administração quanto aos bens do pupilo (CC 1.755). Nem que os pais, no testamento ou no documento autêntico, tenham dispensado o tutor nomeado dessa obrigação, tal dever persistirá. A prestação de contas deve ser feita de forma contábil e sua apresentação se dará perante o juiz competente a cada dois anos (CC 1.757). Haverá também a obrigação de prestar contas, toda vez que o juiz o determinar ou se findar o exercício da tutela (CC 1.757, caput e p.u.). Não há confundir o instrumento contábil denominado “balanço” com a prestação de contas. Aquele deve ser apresentado ao final de cada ano da administração, ao juiz do inventário (CC 1.756).

 

20.     DO DEVEDOR DAS CONTAS E DE SUA FORMA. O tutor é o devedor da obrigação de prestar contas, porém, sobrevindo sua morte, interdição ou ausência, as contas serão prestadas pelos herdeiros ou pelos representantes (CC 1.759). Ao tutor são dadas como créditos as despesas realizadas, justificadas e reconhecidas como proveitosas ao pupilo (CC 1.761). Ficam por conta do tutelado as despesas com a prestação de contas, caso essas existam (CC 1.761). Tanto o saldo apurado contra o tutelado como o alcance (http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br/2012/04/familia-01-minidicionario.html) do tutor são dívidas de valor, vencendo juros desde o julgamento das contas (CC 1.762). As contas prestadas em juízo são julgadas depois da audiência dos interessados, impondo-se ao tutor recolher imediatamente o saldo favorável ao pupilo, em estabelecimento bancário oficial. Alternativamente, o tutor poderá adquirir bens imóveis para o tutelado ou comprar títulos    obrigações ou letras — (CC. 1757, p.u.).

 

21.     DA CESSAÇÃO DA TUTELA. Prescreve o legislador que a maioridade, a emancipação do menor ou o deferimento de sua adoção são fatos aptos a fazer cessar a tutela (CC 1.763). A cessação das funções do tutor não depende da cessação da tutela ao menor. As funções do tutor podem cessar pelo implemento do termo final da duração, pela superveniência da escusa legítima ou em decorrência de sua   remoção (CC 1.764). A remoção ocorrerá por exclusão —  hipóteses do art. 1.735 do CC —  pelo deferimento da escusa fundada nas hipóteses do art. 1.736 do CC ou no caso da destituição por negligência, prevaricação ou incursão na incapacidade (CC 1.766).  

 

22.     ASPECTOS PROCESSUAIS. As questões processuais relativas à tutela circunscrevem-se, basicamente a dois assuntos: a nomeação do tutor; a remoção de um tutor nomeado. Há regras de cunho procedimental em três instrumentos:[xv] Código Civil; CPC; e ECA. A nomeação do tutor segue o procedimento traçado nos artigos 1.187 a 1193 do CPC.  A destituição do tutor tem procedimentos específicos no CPC (arts. 1.194 a 1.197) e no ECA (art. 164).

 



[i] LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 385.
[ii] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 471.
[iii] Confira o artigo 37 da Lei 8.069/90 (ECA). O juiz deve observar primeiro o interesse do menor.
[iv] LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 385.
[v] LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 386.
[vi] LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 385.
[vii] NEGRÃO, Theotônio. Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2009, p.514.
[viii] LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 387.
[ix] Carlos Eduardo Nicoletti Camillo. Comentários ao Código Civil: artigo por artigo. -São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 1.249.
[x] Importante observar que o art. 1.192 do CPC estipula 05 (cinco) dias de prazo para o oferecimento da escusa. Considerando que o Código Civil é lei mais nova, segue-se o prazo de dez dias.   
[xi] MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 844.
[xii] LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 390.
[xiii] Idem.
[xiv] Comentários ao novo código civil: Do direito pessoal. Vol. XVII.  Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 96.
[xv] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 606.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Eleiçao na OAB - Debate


POR QUE DEBATER PUBLICAMENTE AS ELEIÇÕES NA OAB?

 * Artigo publicado no Jornal Diário do Aço - edição de 6/11/2012; pag. 02.

O Jornal Folha de São Paulo anunciou a organização de um debate entre  os candidatos à presidência da seção paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), evento previsto para 05/11/2012. Conforme divulgado* o debate será conduzido por três repórteres, tendo como mediador Mário César Carvalho, destacado jornalista investigativo da Folha.

A notícia faz emergir, de imediato, alguns questionamentos, tais como: Esse assunto não seria de interesse apenas interna corporis, ou seja, circunscrito aos advogados? Por que um dos maiores jornais do país está interessado em quem será o futuro presidente da OAB/SP?

Ora, a OAB é uma instituição diferente de uma associação de profissionais. Não é um clube recreativo. Não é um sindicato de advogados. Ela foi criada por lei federal no interesse, não do advogado, mas, do público brasileiro. Por isso é que o artigo 44 da Lei 8.906/94 enuncia que a OAB é um serviço público.

A OAB tem personalidade jurídica própria e duas são as suas finalidades: “I - defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”; II - “promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil”.

Vê-se, pois, que a sociedade brasileira deve ter atenção sobre o que acontece na OAB. Essa instituição tem uma gloriosa história de lutas em prol dos valores democráticos da sociedade brasileira. Pela presidência do Conselho Federal e das Seccionais (OAB dos Estados) já passaram grandes nomes. Verdadeiros juristas, conhecedores do direito, pesquisadores da Ciência Jurídica, pessoas com muitas obras publicadas, profissionais envolvidos com grandes temas do direito. Pessoas distantes das colunas sociais, mas sempre presentes nos palcos onde há interesse público a defender.

Não é de estranhar, pois, que os candidatos à presidência da OAB/SP estão sob os holofotes da imprensa.  Disputam o cargo Marcos da Costa, Ricardo Sayeg   e Alberto Toron. Da Costa concorre pela situação. Sayeg e Toron são da oposição e não se compuseram numa mesma chapa porque divergem sobre o tema  descriminalização das drogas. 

Tudo isso merece ser refletido pelo advogado que inicia sua carreira. Muitos se encantam com o deslumbramento dos eventos festivos (grandes bailes; grandes palestras; muitas fotos; cerimônias pomposas; homenagens variadas etc.). Data vênia, isso é muito pouco para a OAB. Somos muito mais que isso. O lazer do advogado é importante, mas essa instituição tem uma predestinação maior que uma OAB RECANTO CLUB.

Nas eleições, saibamos escolher como dirigentes quem tem o perfil de agir sem “nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem incorrer em impopularidade”, como exige o art. 31, §2º da Lei 8.906/94. Analise a história do candidato, seu currículo, sua produção intelectual, sua independência política, seus vínculos ou não com setores econômicos e decida por uma OAB digna de nós advogados.

 
Jorge Ferreira S. Filho - Articulista e advogado - professorjorge1@hotmail.com