quinta-feira, 18 de outubro de 2012

FAMILIA 32 - BENS DE FILHOS MENORES

FAMÍLIA 32: BENS DE FILHOS MENORES - NOTAS DIDÁTICAS
Professor: Jorge Ferreira da Silva Filho*  
Notas Didáticas Sintéticas para Orientação de Alunos de Cursos de Direito
 Disponibilizado no Blog EnsinoDemocrático -  http://jorgeferreirablog.blogspot.com
 Autorizada reprodução total ou parcial, desde que seja citado o site
 
1.      A PROBLEMÁTICA DOS BENS DOS FILHOS MENORES. Os filhos menores de 16 anos são absolutamente incapazes para os atos da vida civil. Apesar disso, eles podem adquirir bens, móveis ou imóveis,  pelas vias da doação e da sucessão causa mortis. Os bens demandam atos de administração para conservá-los e até deles tirar algum proveito econômico (locação, por exemplo). Para simplificar a fruição e administração destes bens, o legislador, por meio dos artigos 1.689 a 1.693 do CC, estabeleceu a regra geral que dá aos pais o direito de usufruir e administrar os bens dos filhos menores, bem como delineou a forma e os limites do exercício do usufruto e da administração (http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br/2012/04/familia-01-minidicionario.html ) dos bens.
2.      O USUFRUTO PELOS PAIS. Desde que estejam no exercício do poder familiar, o pai e a mãe são, por força de lei, usufrutuários dos bens dos filhos (CC 1.689, caput e inciso I). Isso significa que os pais têm o direito à posse, ao uso, à administração e à percepção dos frutos gerados pelos bens objetos do usufruto, conforme se pode extrair do enunciado do art. 1.394 do CC. Trata-se de usufruto legal[i] (imposto pela lei), dispensando-se, pois, o registro no Cartório de Registro de Imóveis, para o usufruto de bem imóvel, formalidade exigida para o usufruto ordinário (CC 1.391). Cessa o direito dos pais, quanto ao usufruto dos bens de filhos menores, no dia em que estes atingem a maioridade (CC 1.410, IV) (http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br/2012/04/familia-01-minidicionario.html).
3.      COMPARAÇÃO COM O USUFRUTO ORDINÁRIO. Denomina-se usufruto ordinário, o instituto previsto no Livro sobre o Direito das Coisas no Código Civil (arts. 1390 e ss.). Trata-se de um direito real que dá ao usufrutuário os seguintes direitos: posse; uso; administração; percepção dos frutos.[ii] Esse usufruto é constituído em benefício do usufrutuário, fato que o distingue do usufruto que a lei determinou aos pais. Obviamente, o usufruto legal, anteriormente inserido na regulamentação sobre o poder familiar (pátrio poder), tem uma finalidade diferente: proteção aos interesses dos filhos. O ponto de partida para esta criação do direito é a presunção de que ninguém melhor que os pais teria interesse na proteção dos bens dos filhos. Por isso, a doutrina converge para o entendimento de que o usufruto em estudo é “uma espécie sui generis de usufruto absolutamente diverso do de natureza real”. Configura-se  “um direito de família de caráter especial”.[iii]
4.      BENS EXCLUÍDOS DO USUFRUTO. Nem todos os bens dos filhos menores são passíveis de usufruto pelos pais, pois a própria lei excluiu esse direito nas seguintes hipóteses: sobre os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento; sobre os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício de atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos; sobre os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais; sobre os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão (CC 1.693; I a IV). Importante observar que a palavra “condição”, empregada pelo legislador no inciso III, do art. 1.693 do CC, não tem o sentido da modalidade de celebração de ato jurídico prevista no artigo 121 do CC. Não se trata propriamente de “condição”, mas de proibição (vedação a pratica do ato).
5.      DA REPRESENTAÇÃO E DA ASSISTÊNCIA AOS FILHOS MENORES. Coincidem os enunciados dos artigos: 142, caput, da Lei 8.069/90; 1.690 do CC; e 8º do CPC. A interpretação do art. 1690 do CC converge no sentido de que a lei dá aos pais o direito e o dever de “representar os filhos menores de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade ou serem emancipados”.
6.      ASPECTOS PROCESSUAIS RELEVANTES. No usufruto em estudo, os pais tem legitimidade ativa nas ações que tenham por objeto a proteção da posse. A legitimação é ordinária, pois são titulares da posse sobre os bens dos filhos.[iv]
7.      A EFICÁCIA DA DECISÃO DOS PAIS. Com a igualdade de direitos fincada na Constituição, pai e mãe passaram a ter os mesmos direitos e deveres no que se refere aos filhos. Por isso, a decisão de questões relativas à administração dos bens dos filhos deve ser tomada em conjunto. Havendo divergência, a solução do conflito deve ser estabelecida pela via judicial (CC 1690, p.u.).
8.      CURADOR ESPECIAL. Determina o legislador que o juiz deverá nomear para o menor um curador especial, toda vez que, no exercício do poder familiar, colidir o interesse dos pais com o do filho. Tanto o filho como o  Ministério Público poderá fazer este requerimento em juízo (CC 1.692).
9.      LIMITES AO PODER DE ADMINISTRAÇÃO. Estabelece o artigo 1.691 do CC que os pais não podem “alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz”.  Se, apesar da proibição, a alienação ou a gravação de ônus real ocorrer, o ato será considerado nulo. Tem legitimidade ativa para propor a ação declaratória de nulidade, o filho, proprietário do bem alienado ou gravado,  os herdeiros desse filho, e o representante legal do menor (CC 1691, parágrafo único). [v]
10.  DA PRESTAÇÃO DE CONTAS DOS PAIS AOS FILHOS. Não há dúvida de que a lei deu aos pais o direito de consumir os frutos naturais e cíveis dos bens dos filhos, sobre os quais tem o direito de administração. Podem os pais reter os rendimentos dos bens usufruídos sem prestação de contas, [vi] pois a lei não os obrigou a isso.  Os pais, portanto, têm a posse e o direito de perceber os frutos. Parece claro também que os pais não são obrigados a consumir os créditos dos filhos. Em benefício dos filhos, os pais poderão reinvestir os rendimentos ou guardá-los. Entretanto, não há como censurar os pais que gastam os rendimentos oriundos dos bens dos filhos. Eles procedem legitimamente em os fazendo. Cessando a incapacidade, os pais devem entregar os bens usufruídos aos filhos. A prestação de contas tem um viés especial, ou seja, não se trata de explicar ao filho o que fora feito com os rendimentos, mas deixar claro que os bens foram administrados de forma leal e honesta, sendo entregues com todos os acréscimos.  [vii] Não assiste aos pais o direito a qualquer remuneração por esse exercício de administração, porém, os frutos dos bens administrados pertencem a quem exerceu a administração. Não há, pois, o direito de os filhos exigirem dos pais a prestação de contas da administração dos bens dos filhos. [viii]
11.  PRESTAÇÃO DE CONTAS DO GENITOR QUE ADMINISTRA A PENSÃO PAGA AO FILHO.  Não é incomum que o pai ou a mãe que paga pensão ao filho, principalmente no divórcio, queira exigir de quem administra esta pensão uma prestação de contas. A maioria da doutrina entende inexistir a obrigação de “prestar contas ao outro genitor que paga os alimentos” [ix]. No STJ já se decidiu que “aquele que presta alimentos não detém interesse processual para ajuizar ação de prestação de contas em face da mãe da alimentada”. [x] Um dos fundamentos dessa decisão é a irrepetibilidade dos alimentos.


[i] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 420.
[ii] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. IV. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 294.
[iii] Anacleto de Oliveira Faria. In: Família e sucessões: relações de parentesco / Yussef Said Cahali, Francisco José Cahali organizadores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 994.
[iv] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.421.
[v] Comentários ao Código Civil: artigo por artigo. Coordenadores Carlos Eduardo Nicoletti Camill ..[et al]. -São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 1.216.
[vi] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 242-243.
[vii] Idem, p. 243.
[viii] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 422.
[ix] Idem, p. 421.
[x] REsp 985061/DF; 3ª Turma; Min. Nancy Andrighi. Julgado em 20-08-2008.

domingo, 14 de outubro de 2012

FAMILIA 30 - REGIME DE BENS

FAMÍLIA 30: REGIME DE BENS - NOTAS DIDÁTICAS
Professor: Jorge Ferreira da Silva Filho*  
Notas Didáticas Sintéticas para Orientação de Alunos de Cursos de Direito
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1.      O REGIME DE BENS NA PERSPECTIVA JURÍDICA. É fácil perceber que nas duas principais formas de constituição de família (o casamento e a união estável) previstas no ordenamento jurídico brasileiro, eclode  entre os cônjuges e os companheiros, homo ou heteroafetivos, múltiplas relações de natureza tipicamente econômica.  São exemplos dessas relações: como repartir a responsabilidade pelo pagamento das despesas com o supermercado, o aluguel ou a prestação do financiamento da casa própria; saber se  determinado bem, imóvel ou móvel, pode ser alienado sem depender da anuência do outro cônjuge; determinar se um cônjuge pode ou não ter direito aos frutos de bens particulares do outro; Como administrar a propriedade comum e a particular de cada um dos cônjuges; quais atos jurídicos dependem da anuência do outro. Tudo isso perfaz o complexo das relações econômicas entre os cônjuges e companheiros, fato que interessou ao Direito regulamentar. O conjunto de regras jurídicas de direito positivo (http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br/2012/04/familia-01-minidicionario.html ) que informam tais relações se denomina “Regime de Bens”. [i]
2.      CATEGORIAS DE REGIME DE BENS. O Código Civil trata de quatro categorias de regimes: separação de bens (CC 1687/1688); comunhão parcial de bens (CC 1658/1666); comunhão universal de bens (CC 1667/1671); participação final nos aquestos (CC 1672/1686). 
3.      OS EFEITOS PRINCIPAIS DECORRENTES DOS REGIMES DE BENS. O principal efeito do regime de bens relaciona-se com o critério da imposição ou não da cotitularidade sobre os direitos dos cônjuges e da coresponsabilidade sobre obrigações dos cônjuges.  O segundo efeito vincula-se ao fato de como será exercida a administração destes bens, inclusive o poder de aliená-los ou gravá-los. Finalmente, perquiri-se a respeito de como será partilhado cada bem na hipótese de extinção da sociedade conjugal (morte; divórcio; anulação de casamento; decretação de extinção da união estável).
4.      O SENTIDO DA PALAVRA “COMUNICAR”. O verbo “comunicar” comparece em vários artigos do Código Civil.[ii] Diz-se que há comunicação quando um bem ou uma obrigação, na esfera jurídica de um dos cônjuges, passa a integrar a esfera do outro.  Portanto, o significado jurídico da expressão “comunicação de bens”, no âmbito do direito patrimonial das famílias, tem por núcleo a ideia da comunhão (CC 1.659), ou seja, responsabilidade e direitos iguais. A comunicação de bens  opõe-se à ideia de “separação” da administração e do direito de propriedade” dos bens circunscritos a um dos cônjuges ou a ambos. [iii]
5.      O REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS - ESPÉCIES. Faz-se necessário ter cuidado com a terminologia, pois o legislador ora se refere ao regime da “separação obrigatória de bens” (CC 1829, I), enuncia como  “obrigatório o regime de separação de bens” (CC 1.641), faz menção expressa ao “regime da separação absoluta” (CC 1.647), e finalmente enuncia a estipulação da “separação de bens” (CC 1687). Interpretando-se sistematicamente os enunciados dos dispositivos retro, pode-se concluir que o regime da separação de bens é único. Todavia, ele comporta duas origens: a imposição pela lei (v.g. art. 1.641); a autoimposição, ou seja, livre estipulação pelos nubentes ou companheiros. Ambos obrigam as partes. Esclarecedor  é voto da Ministra Nancy Andrigui: “A separação de bens, que pode ser convencional ou legal, em ambas as hipóteses é obrigatória, porquanto os nubentes se obrigam por meio de pacto antenupcial - contrato solene - lavrado por escritura pública, enquanto na segunda, a obrigação é imposta por meio de previsão legal”. [iv] ­
6.      O REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS - CARACTERÍSTICAS. A ideia central do regime de separação de bens é a não comunicação (incomunicabilidade) dos direitos e obrigações existentes antes e depois de formada a sociedade conjugal. Nesse sentido enuncia o legislador: Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real (CC 1687). Portanto, neste regime, legal ou convencional, cada um dos cônjuges ou companheiro poderá vender ou doar ou oferecer seus bens em garantia, sem depender da autorização do outro. No tocante às despesas comuns à vida conjugal (alimentação, energia elétrica, aluguel, água etc), ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial. (CC 1688).
7.      O REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS OBRIGATÓRIO.  Trata-se do regime de separação de bens que não resulta da vontade dos nubentes. O regime é imposto pela lei quando um dos noivos se subsume a uma das seguintes hipóteses descritivas:  contrair núpcias desrespeitando pelo menos uma das causas suspensivas da celebração do casamento; na data do casamento sua idade for igual ou superior a 70 anos; qualquer dos nubentes tenha se casado por meio de suprimento judicial (CC. 1.641).
8.      A TORMENTOSA SÚMULA 377 DO STF. Antes do CC/2002, o STF se posicionou por meio do verbete 377, dizendo que “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. [v]O fundamento axiológico da Súmula retro tem fincas no princípio da vedação ao enriquecimento sem causa. Com o advento do Código Civil de 2002, abriu-se uma discussão doutrinária se a Súmula em comento continuaria em vigor.[vi] Verdade é que o legislador, no CC/2002,  não reproduziu nem adequou o artigo 259 do Código Civil de 1916 que assim determinava: “Embora o regime [separação de bens] não seja o da comunhão de bens, prevalecerão, no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos adquiridos na constância do casamento”. Pressupondo que não o reproduziu intencionalmente, resta-nos concluir que a presunção de comunicação dos aquestos no regime da separação de bens não existe mais. Nem cabe também ainda vigorar a Súmula 377.[vii] Penso, entretanto, que a discussão é inócua, haja vista que existindo o esforço comum para a aquisição de um bem, ao interessado caberá provar que colaborou, independentemente de existir Súmula, pois vigora em nosso ordenamento o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa.
9.      REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL - ESTRUTURA TEMÁTICA. Por meio dos artigos 1658 a 1666, o legislador dispõe sobre: a regra geral caracterizadora da comunicação de bens (CC 1.658); Detalhamentos sobre a regra geral de comunicação (CC 1660); Hipóteses de exclusão da regra geral (CC 1.659 e 1.661); a forma de administração dos bens (CC 1663 e 1665); as regras sobre a responsabilidade pelas dívidas (CC 1664 1666). O ponto de partida é a regra geral: “comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento”. Em seguida, o aluno deve se preocupar com a longa lista de exceções à regra geral.
10.  BENS QUE SE COMUNICAM NO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL. Conforme a redação do Art. 1.658, no regime de comunhão parcial, a regra geral é no sentido de que se comunicam os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, exceto, porém as exclusões previstas na lei. O legislador ressalta ainda alguns casos de bens que passam a integrar o patrimônio do marido ou da mulher, ou de ambos, dizendo que: Entram na comunhão: I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão (CC 1660).
11.  A RESPONSABILIDADE PELAS DÍVIDAS. No regime da comunhão parcial, os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal (CC 1.664). Isso significa que tais bens podem ser penhorados num processo de execução por dívida nos casos retro. Entretanto, as dívidas, contraídas por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens particulares e em benefício destes, não obrigam os bens comuns. Nesse caso, apenas os bens particulares podem ser penhorados para garantir dívidas contraídas por um dos cônjuges na administração de seus bens particulares (CC 1.666).
12.  BENS QUE NÃO SE COMUNICAM NO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL. A regra geral é que os bens, cuja aquisição da propriedade tenha ocorrida depois do casamento, comunicam-se. O legislador, porém, até abusando da lógica, expressamente excluiu da comunhão bens e obrigações a seguir relacionadas:  os bens que cada cônjuge possuir ao casar; os bens recebidos por doação durante o casamento; os bens egressos de sucessão causa mortis; os bens sub-rogados no lugar dos bens doados e herdados;  os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; as obrigações anteriores ao casamento;  as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão de cada cônjuge; os proventos (http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br/2012/04/familia-01-minidicionario.html ) do trabalho pessoal de cada cônjuge;  as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes; os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento (CC 1659 e 1661). [viii]
13.  ASPECTOS POLÊMICOS DOS BENS EXCLUÍDOS DA COMUNHÃO. Suponha que o marido guarde em espécie todo o dinheiro que sobra de seu salário, ou seja, depois de ter cumprido suas obrigações no tocante às despesas familiares. Interpretando-se literalmente os incisos VI e VII do artigo 1659 do CC, essa importância não se comunicaria, implicando isso que a esposa não teria o direito à meação. Surge, pois, tal interpretação em desarmonia com espírito dos enunciados dos artigos 1.551, 1.566, III e 1.565 do CC. [ix] O STJ já decidiu no sentido de que: “1. Os valores oriundos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço configuram frutos civis do trabalho, integrando, nos casamentos realizados sob o regime da comunhão parcial sob a égide do Código Civil de 1916, patrimônio comum e, consequentemente, devendo serem considerados na partilha quando do divórcio. Inteligência do art. 271 do CC/16. 2. Interpretação restritiva dos enunciados dos arts. 269, IV, e 263, XIII, do Código Civil de 1916, entendendo-se que a incomunicabilidade abrange apenas o direito aos frutos civis do trabalho, não se estendendo aos valores recebidos por um dos cônjuges, sob pena de se malferir a própria natureza do regime da comunhão parcial” (Cf.  REsp-848660: 2006/0098251-2; DJe de 13/05/2011; Ministro Paulo de Tarso Severino). Ora, esta interpretação é razoavelmente assimilável, haja vista que o CC/16 determinava expressamente que “os frutos civis do trabalho de cada cônjuge” não se comunicavam no regime da comunhão universal (CC/16; art. 263, XIII) e, no caso do regime da comunhão parcial, a comunicação ocorria (CC/16; art. 271, VI). O CC/2002 não reproduziu tais artigos, porém criou o artigo 1.659, que no inciso VI determina a incomunicabilidade dos proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge, estendendo essa restrição ao regime da comunhão universal (CC 1668, V). A doutrina observa que a tendência do  STJ é caminhar no sentido de que as verbas indenizatórias de caráter pessoal não se comunicam. Exemplificando, no REsp 1024169 / RS, a Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, decidiu que “ No que concerne aos créditos decorrentes de ação de reparação civil movida pelo ex-cônjuge em face de terceiro, considerando que não há, no acórdão impugnado, qualquer elucidação a respeito do que teria gerado a pretensão reparatória fazendo apenas alusão a "eventuais valores provenientes de ações de dano moral e patrimonial" (fl.. 389), deve ser mantida a incomunicabilidade de possíveis valores advindos do julgamento da referida ação, porque, conforme declarado no acórdão recorrido, os prováveis danos sofridos unicamente pelo ex-cônjuge revestem-se de caráter personalíssimo” (publicado no DJe de 28/04/2010).
14.  O REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL. Regime regulamentado nos artigos 1667 a 1671 do CC. Antes da lei do divórcio (Lei 6515/77) esse regime era considerado o regime legal. Isso significada que se os cônjuges não fizessem a opção pelo regime da comunhão parcial ou de separação de bens, prevaleceria o regime da comunhão universal. Sua essência está contida no caput do artigo 1.667 e se traduz pela comunicação dos  bens presentes e futuros dos cônjuges, com as exceções contidas na lei,  e suas dívidas passivas (http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br/2012/04/familia-01-minidicionario.html) . São excluídos da comunhão:- os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade; Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659. Entretanto, a  incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo 1668 do CC não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento.
15.  O REGIME DA PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS. Com previsão legal nos artigos 1.772 a 1.686 do Código Civil, este regime tem natureza convencional. Surge no Brasil com o Código Civil 2002, mas já estava contemplado no projeto de lei desde 1975. Alguns dizem que este regime  tem duas formas que produzem efeitos em fases diferentes da vida dos cônjuges, pois durante o casamento o regime assemelha-se ao da separação convencional de bens e no final do casamento, os bens são divididos como se o regime fosse o da comunhão parcial. Trata-se do regime de bens mais abrangente em número de artigos  e complexidade dos enunciados.  Surgiu no cenário jurídico mundial na Costa Rica, em 1888, sob a denominação de regime da “participação diferida de bens gananciais”.[x]  A ideia básica deste sistema aportou nos ordenamentos jurídicos da Argentina, da Alemanha, da Espanha, da França, de Portugal e da Suécia. Merece destaque, pelo aspecto didático, a legislação civil espanhola que assim define este regime: Artículo 1344. Mediante la sociedad de gananciales se hacen comunes para los cónyuges las ganancias o beneficios obtenidos indistintamente por cualquiera de ellos, que les serán atribuidos por mitad al disolverse aquella.
16.  EMANAÇÕES DA DENOMINAÇÃO DO REGIME. Da denominação do regime em estudo (participação final nos aquestos) surgem de plano as seguintes perguntas: no final de quê haverá a participação nos aquestos? Qual o significado da palavra “participação” no  contexto normativo? A ideia jurídica de aquestos permanece com seu sentido clássico: “bens que foram adquiridos na constância da sociedade conjugal”? [xi]  Analisando conjuntamente os enunciados dos artigos 1.672, caput e 1.673, caput e parágrafo único, todos  do CC, pode-se concluir que há duas situações patrimoniais distintas: aquela que vigora durante o casamento (CC 1.673; p.u.) —   caracterizada pela liberdade que  cada cônjuge tem em relação ao seu “patrimônio próprio”—; a da incidência do direito de participação, “à época da dissolução da sociedade conjugal”,  sobre a metade dos bens adquiridos onerosamente pelo outro cônjuge  — “pelo casal”  —,  durante a vigência do casamento (CC 1.672). Nota-se, portanto, que o conhecimento prévio sobre o instituto denominado “patrimônio próprio” é propedêutico e didático.  
17.  O PATRIMÔNIO PRÓPRIO. Em síntese, pode-se dizer que as duas principais características do regime da participação final nos aquestos são: a liberdade de cada cônjuge, durante o casamento, para gerir o seu “patrimônio próprio”; a imposição legal de dividir, na dissolução “da sociedade”, os bens adquiridos onerosamente por qualquer dos cônjuges. No que se refere ao conceito de patrimônio próprio, afirma-se que o legislador o delimitou pelos elementos que o integram, ou seja, “os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na constância do casamento” (CC 1.673). Portanto, fazem parte do patrimônio próprio de cada cônjuge os bens: cuja aquisição da propriedade se verificara antes do casamento; adquiridos onerosamente, em conjunto ou individualmente; adquiridos gratuitamente (por doação ou herança). Importante ressaltar que neste regime um cônjuge pode adquirir um imóvel apenas em seu nome, conforme expressamente prevê a lei (CC 1.681). Em esquema tem-se: PP = BP + BANCC (Patrimônio Próprio = os bens adquiridos antes do casamento + os bens adquiridos na constância do casamento, a qualquer título).
18.  APURAÇÃO DO MONTANTE DOS AQUESTOS A SER DIVIDIDO OU COMPENSADO. Para fins de se apurar o que cada cônjuge tem direito ao final da “dissolução da sociedade conjugal”  há de se observar as réguas contidas nos incisos I a III do artigo 1.674 do CC. O objetivo destas é a apuração do “montante dos aquestos”, pois é essa cifra patrimonial que servirá de referência contábil para a participação de cada cônjuge. Não se trata, pois, de condomínio sobre as coisas adquiridas, mas participação econômica sobre o patrimônio adquirido pelo outro.[xii] O montante dos aquestos se apura por meio de uma operação aritmética relativamente simples. Em primeiro lugar deve-se chegar ao valor patrimonial do patrimônio próprio. Em seguida devem ser subtraídos desse montante os seguintes valores: dos bens anteriores ao casamento; dos bens que se sub-rogaram aos bens adquiridos anteriormente ao casamento; dos bens que sobrevieram ao cônjuge por sucessão; dos bens recebidos pelo cônjuge por meio de liberalidade (doação); das dívidas relativas aos bens retro especificados (CC 1.674); dos bens alienados em detrimento da meação (CC 1.676); dos bens doados por um dos cônjuges sem a autorização do outro (CC 1.675). Os aquestos, portanto, para este regime, é o conjunto dos bens de cada um dos cônjuges, ou seja, aqueles bens que, em nome próprio, o cônjuge adquiriu durante o casamento, mais os bens adquiridos em conjunto por ambos os cônjuges. [xiii] O objetivo é igualar os ganhos patrimoniais (os aquestos) dos cônjuges, ao término da convivência do casal.
19.  O SENTIDO PRÓPRIO DA EXPRESSÃO “DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL”.  Há de se ter cuidado com a expressão, haja vista que o Código Civil estabelece que a sociedade conjugal dissolve-se pela morte de um dos cônjuges, pela anulação ou nulidade do casamento, pelo divórcio (CC 1571). Interpretando-se literalmente o dispositivo, enquanto não estiver transitada em julgado a sentença relativa aos processos de divórcio, à decretação da anulação do casamento ou declaratória de nulidade, os bens adquiridos pelos cônjuges já separados de fato entrariam no conceito de aquestos. Doutrina e jurisprudência repelem tal interpretação. No caso do regime da participação final nos aquestos, o legislador determinou expressamente que o momento em que cessou a convivência entre os cônjuges (data) é também considerado o  marco da dissolução da sociedade conjugal (CC 1.683).  
20.  ADMINISTRAÇÃO E ALIENAÇÃO DOS BENS DO PATRIMÔNIO PRÓPRIO. A lei possibilita que  cada cônjuge administre, sem depender do outro, os bens de seu  patrimônio próprio. Entretanto, o cônjuge não pode alienar o bem imóvel que integra esse patrimônio sem a outorga uxória ou marital. Importante observar que se os cônjuges estabelecerem no pacto antenupcial que cada um poderá alienar os imóveis escriturados em nome individual (bens particulares) sem a outorga do outro, tal convenção valerá, por expressa permissão legal (CC 1.656).[xiv] No tocante aos bens móveis, cada cônjuge pode aliená-los ou gravá-los independentemente do consentimento do outro (CC 1.673; p.u.).
21.  EXEMPLOS DE PARTICIPAÇÃO.  Suponhamos que o marido, antes do casamento, tivesse a propriedade de  um apartamento cujo valor atual é de R$1.000.000,00. A mulher, por sua vez, ao se casar tinha uma Ferrari - testa rossa, cujo valor atual é de R$500.000,00. Na constância do casamento o marido vendeu seu apartamento, empregando o dinheiro para adquirir, em nome próprio, uma cobertura cujo valor atual é de R$1.700.000,00. A mulher adquiriu, na constância do casamento, R$300.000,00 em ações da Petrobrás. Não há dívidas. Cessando a convivência como ficará a participação? Aplicando-se a regra geral, devem-se calcular os aquestos de cada um. Aquestos do marido= Patrimônio Próprio - Exclusões = R$1.700.00,00 - R$1.000,00= R$700.000,00. Aquestos da mulher = Patrimônio Próprio - Exclusões = R$800.000,00 - R$500.000,00= R$300.000,00. O montante dos aquestos do casal é de R$700.000,00 + R$300.000,00=R$1.000.000,00. Este montante deverá ser dividido igualmente, ou seja, cada um deverá ficar com R$1.000.000,00/2=R$500.000,00. Neste exemplo, adaptado da ilustração de Paulo Lôbo,[xv] o marido deverá restituir para a mulher R$200.000,00(duzentos mil reais)
22.  EFEITOS DA MORTE DE UM DOS CÔNJUGES CASADOS SOB O REGIME DA PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS. Conforme expressamente determina a lei, falecendo um dos cônjuges dá-se a dissolução da sociedade conjugal. Os herdeiros do cônjuge falecido terão direito ao patrimônio que este teria na hipótese de ter dissolvido em vida a sociedade conjugal (CC 1.685). Em síntese, devem-se aplicar as regras dos artigos 1674 e demais regras correlatas ao cálculo dos aquestos. [xvi] As dívidas do cônjuge falecido não obrigam a participação do cônjuge supérstite nem se transmite, além da força da herança, aos herdeiros.
 
 
Referências.


[i] “Os regimes de bens constituem, pois, os princípios jurídicos que disciplinam as relações econômicas entre os cônjuges” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 187).
[ii] Exemplos: Artigos 1658; 1661; 1667;
[iii] “Quanto ao seu objeto, do regime de bens pode resultar a comunicação, total ou parcial dos haveres dos cônjuges, ou a sua separação” (Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 187). 
[iv] Recurso Especial 1.117.563 - SP (2009/0009726-0), Relatora Ministra Nancy Andrighi; julgado em 17/12/2009.
[v] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 190.
[vi] Paulo Lobo e Rolf Madaleno, por todos que acolhem a permanência da Súmula 377 (LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 330; MADALENO, Rolf. Curso de direito de familia. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 603).  Marina Berenice Dias entende que “Em face da exclusão da norma, o Código atual simplesmente desprezou a orientação da justiça e derrogou a súmula. Para determinar a repartição dos aquestos, passou a exigir a prova da efetiva colaboração na aquisição do matrimônio” (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 245).
[vii] “Como visto antes, a Súmula 377 já amenizara os efeitos desta norma. Com a redação do presente artigo [1641], restaurou-se o antigo preceito com toda severidade, porque ele enuncia exatamente o oposto, estabelecendo que no regime de separação legal, por ele estabelecido, não haverá comunhão de aquestos” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 195).
[ix] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 231.
[x] MADALENO, Rolf. Curso de direito de familia. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 583.
[xi] SIDOU, J. M. Othon. Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
[xii] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.238.
[xiii] Idem, p. 237.
[xiv] MADALENO, Rolf. Curso de direito de familia. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 582.
[xv] LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 337.
[xvi] Comentários ao Código Civil: artigo por artigo. Coordenadores Carlos Eduardo Nicoletti Camill ..[et al]. -São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 1.210.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O DIA DO PROFESSOR

O DIA DO PROFESSOR E SEU ATUAL STATUS
 
Certamente haverá muitos parabéns aos que exercem a difícil, essencial e honrosa profissão do magistério. Nas escolas não faltarão cerimônias de homenagens; churrascos; confraternizações e ritos correlatos. O discurso político convergirá para exaltar professores e professoras. Entretanto, este discurso valorativo ressoará  divorciado da realidade. Explico:
No Brasil, nas três últimas décadas, o ensino privado tornou-se a principal via pela qual a sociedade educa seus filhos. Durante os períodos de recessão da nossa economia, o ensino privado, como atividade empresarial, emergiu como uma das poucas oportunidades viáveis de negócio. Com isso, investidores, sem nenhum envolvimento anterior com a atividade educacional lançaram-se neste lucrativo negócio. Cresceu a oferta de vagas em proporção maior que a procura. As escolas passaram a disputar os potenciais alunos. Uma atividade de mercancia: “matricule-se conosco e ganhe um tablet”.
Nas cerimônias de formatura o discurso final dos reitores ficou monotônico: “agradeço aos formandos por terem escolhido a nossa escola”. O aluno elevou-se à categoria de consumidor; polarizado em direitos em detrimento de suas obrigações.  Na outra ponta, o professor é reduzido a mero proletário do ensino. Um centro de deveres despojado dos mais elementares direitos, dentre os quais o de receber um salário condigno de sua responsabilidade — transmitir ordenadamente o conhecimento objetivo acumulado pela humanidade; transmitir valores da sociedade e construir  um cidadão.
Não sou pessimista, como fora Schopenhauer,  quando escreveu que na Alemanha do século XIX “os professores ensinam para ganhar dinheiro e não se esforçam pela sabedoria, mas pelo crédito que ganham dando impressão de possuí-la. E os alunos não aprendem para ganhar conhecimento e se instruir, mas para poder tagarelar e para ganhar ares de importantes. A cada trinta anos, desponta no mundo uma nova geração, pessoas que não sabem nada e agora devoram os resultados do saber humano acumulado durante milênios”.
Há, e são muitos, professores comprometidos com a missão social de sua profissão. Esta se resume, parafraseando Celso Vasconcellos, em atuar na promoção do conhecimento do aluno, como via de formação de sua consciência social, do caráter e da cidadania. Porém, essa categoria de mestres luta contra uma adversa realidade, pontuando Ítalo Meneghetti que “por todos os lugares da universidade, encontramos ambientes de disputas e cobiças”.
Com muita frequência, o professor valorizado pela instituição de ensino é aquele que se faz passar de amiguinho dos alunos, relacionando com estes, como descreve Meneghetti, “por meio de e-mails, telefonemas, encontro em barzinhos nos fins de semana” etc. São professores que desprezam as bibliotecas e “semestre após semestre” entulham os alunos com “as mesmas e ensebadas cópias nas precárias pastinhas do xérox da faculdade”.
Saúdo meus colegas professores que abraçam o ensino como atividade capaz de transformar o aluno, inserindo-o num espaço dialético e construtivista. Não há aprendizagem sem que o aluno possa interagir com o objeto do seu conhecimento. A sala de aula não é um fim em si mesmo, mas um instrumento para melhorar as pessoas. O ensinar somente faz sentido se for capaz de transformar o aluno em alguém apto a compreender, usufruir e transformar a realidade que nos circunda. Alguém com mais conhecimento e menos diploma; mais juízo crítico e menos decoreba. Alguém que antes de querer se sair bem queira viver o bem proporcionado por uma sociedade democraticamente construída.
 
 
Jorge Ferreira S. Filho. Advogado. Professor universitário. Presidente da Seccional Vale do Aço do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. E-mail professorjorge1@hotmail.com

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

MAPA GEOPOLÍTICO DEPOIS DAS ELEIÇOES

AÉCIO E DILMA NO NOVO MAPA GEOPOLÍTICO MINEIRO
 
* Artigo publicado no Jornal Diário do Aço; edição de 10/10/2012; pag. 02
 
Até o momento, ou seja, sem levar em consideração que em Contagem, Juiz de Fora, Montes Claros e Uberaba os opositores aos tucanos disputarão o segundo turno, pode-se afirmar que a base Aécio-Anastasia elegeu 592 prefeitos contra 236 que integram a frente PT, PMDB e PCdoB. Parece-me, também, tomando por referência a população da Capital mineira, que, em número de eleitores, Aécio saiu vitorioso. Entretanto, um fato social expressivo e destoante da situação eleitoral retro narrada eclodiu na região do Leste Mineiro. Aqui o eixo Aécio-Anastasia foi derrotado. Por quê?
Sabe-se que, no domínio das Ciências Sociais, as respostas às perguntas sobre as causas dos fatos sociais são normalmente circunstanciais e meramente hipotéticas. Não se pode confirmá-las por meio de uma repetição (uma experiência, como se diz na química, na física ou na biologia). Sobreviverá a hipótese causal cujos argumentos forem os mais palatáveis ao auditório. Cada facção esposará a explicação que se lhe apresente menos danosa aos olhos do público, mas certamente se importará, e muito, com a tese defendida pela parte adversa. Apesar disso, o método científico não falha e ele ensina que o ponto de partida para encontrar a causa de um fato social  inesperado  passa pela investigação daquilo que se apresenta comum no cenário do fenômeno. Então, perguntamos, qual é o fato comum encontrado em Caratinga, Coronel Fabriciano, Ipatinga, Timóteo, Santana do Paraíso etc?
Qualquer pesquisador identificará, de imediato, que os municípios acima destacados integram a  RMVA (Região Metropolitana do Vale do Aço). Constatará também que o Secretário de Governo Alexandre Silveira tem vínculo político direto e indireto com a RMVA e com todos os candidatos a prefeito que foram derrotados no pleito de 07 de outubro. Emerge, então, uma primeira hipótese: a rejeição ao Secretário mencionado teria refletido nas urnas punindo os candidatos vinculados a esse político. A explicação surge por demais simples, o que nos remete a perspectivar outros ângulos para o fenômeno eleitoral ocorrido na  nossa região. Ressalto, dentre eles, a participação da juventude no processo eleitoral, revitalizando a atuação da militância romântica e pura do PT primevo.  Deixo isso para outra oportunidade, mas algumas ilações são razoavelmente plausíveis de abordagem, o que passo a destacar.
Não há mais como a Presidente Dilma desconsiderar o peso geopolítico da RMVA. Os novos prefeitos deverão explorar essa vantajosa posição política e com isso viabilizar investimentos, recursos financeiros e prioridades de projetos para a nossa região. Dilma deverá abrir o cofre para Ipatinga e demais municípios da RMVA. Entretanto, a gerência da RMVA está sob a batuta do articulador político do eixo Aécio-Anastasia e o sucesso dessa Região Metropolitana poderia resultar, reflexivamente, em louros para esse bloco político. Como Anastasia buscará resgatar sua perda política no Vale do Aço? Será que o governador manteria Silveira na atual posição? Não é descabido prever que se aproxima uma adequação no secretariado do governo estadual.   
 
 
Jorge Ferreira S. Filho. Advogado - Articulista. E-mail professorjorge1@hotmail.com