sábado, 15 de fevereiro de 2014

MAIORIDADE PENAL NO BRASIL

MAIORIDADE PENAL.
Artigo publicado no Jornal Diário Popular – Edição de 13/02/2014                
    

Lá vem um torrencial de palpites! Vão discutir no Senado, mais uma vez, a questão da maioridade penal. A ira irrefletida das pessoas pouco informadas exigirá dos congressistas a redução da maioridade penal. Digo isso porque 92,7% dos brasileiros, segundo pesquisa divulgada pela CNT (Confederação Nacional dos Transportes), opinaram favoravelmente a reduzi-la, dos atuais 18, para 16 anos.
Certamente não é por acreditar que nosso sistema prisional recuperará um jovem infrator que a maioria da sociedade deseja trancafiá-lo. Hipocrisia. O que desejamos é ignorá-lo; afastá-lo das ruas nem que seja por um breve espaço de tempo. Todos sabem que nossas unidades prisionais e de medidas de segurança são escolas do crime. Se alguma chance existe de recuperar alguém com 16 anos de idade, certamente não a encontraremos remetendo-o às nossas penitenciárias.
A cada crime violento, do qual tomamos conhecimento, aviva-se nosso adormecido espírito da vingança contra o jovem infrator. “Cadeia nele”; “pau nele”; “Ele já sabe o que faz”; Se possível, mande-o para a penitenciária cuidada pela governadora Roseana Sarney, pois assim teremos a oportunidade de vê-lo decapitado.
Não se pode esquecer do velho discurso do Direito Penal: protege-se a sociedade, difundindo o temor da sanção penal e celebrando um acordo ético, entre o Estado e os cidadãos, pelo qual o respeito às normas advém mais da convicção de sua necessidade que pelo medo da punição. Mas, falhamos. Nosso Estado, conforme ponderou o penalista Fernando Capez, “se incumbiu de demonstrar sua pouca ou nenhuma vontade no acatamento” aos deveres de acionar prontamente os mecanismos penais e ensinar dignidade nas prisões. Somos morosos, ineficientes e omissos.
Precisamos mais de conhecimento do que de opiniões. O Código Penal brasileiro de 1890, estabeleceu no seu artigo 27 que não seriam considerados criminosos, dentre outros, os menores de 09 anos incompletos, e os maiores de 09 e menores de 14 anos, “que obrarem sem discernimento”. Quem, entre nove e quatorze anos agisse com discernimento na prática da conduta criminosa eram “recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriais”, até que a pessoa completasse 17 anos. Portanto, já foi assim. Adiantou?
A redução da idade penal não resolverá a questão do avanço da criminalidade praticada pelo jovem. O mais importante é a discussão com a sociedade para identificarmos se trataremos ou não as crianças e adolescentes brasileiros, efetivamente, como sujeitos de direitos. Isso significa: pessoas merecedoras de serem educados para o direito e reinseridos na sociedade, tudo de forma digna. Para isso precisamos destinar verbas orçamentárias. Exigir dos governantes ações concretas. Mais efetivos estabelecimentos educacionais para internação de adolescentes e menos Copa.
O espírito da lei, no que se refere ao Estatuto da Criança e do Adolescente, circunscreve-se em torno da crença de que melhor se protege a sociedade, quando, ao invés de proscrever o menor infrator, nele se investe; educando-o; resgatando-o, pela via da dignidade, que deve existir em todo ser humano. A maioridade penal é simplesmente uma idade. Uma questão de política legislativa. Informa simplesmente até quando a sociedade está disposta a investir no resgaste de um ser humano à sua qualidade de cidadão. O escopo é a proteção aos “miúdos”, como me ensinou Paulo Guerra, o culto e humanista Desembargador português do Tribunal de Relações do Porto.  
A discussão vai longe, pois ainda que a PEC da redução da maioridade seja aprovada, há quem pense, como o ministro Eduardo Cardozo, que o artigo 228 da Constituição Federal banha-se nas águas protetoras das cláusulas pétreas; núcleo imodificável da Constituição.
Não posso terminar sem transcrever Nelson Hungria: “O delinquente juvenil é, na grande maioria dos casos, um corolário do menor socialmente abandonado, e a sociedade, perdendo-o e procurando, no mesmo passo, reabilitá-lo para a vida, resgata o que é, em elevada proporção, sua própria culpa”.


Jorge Ferreira S. Filho. Advogado. Professor universitário. Integrante do Instituto dos Advogados de Minas Gerais – IAMG; E-mail professorjorge1@hotmail.com