quinta-feira, 27 de março de 2014

Futebol - Sala de Aula Aberta

SALA DE AULA A CÉU ABERTO 



Artigo publicado no jornal O Tempo, página 21, Edição de 26 de março de 2014.

Jogo de futebol: Werder Bremem x Nuremberg. De repente, sentido a proximidade do adversário às costas, Aaron Hunt, jogador do Werder, projeta-se ao chão. Pênalti. A torcida vibra, mas o inesperado acontece. Aaron levantou-se, dirigiu-se ao juiz e disse: EU NÃO SOFRI PENALTI.  A notícia roda pela internet. Os comentários espraiaram-se em diversas vertentes: arrependeu-se de cavar o pênalti! Se a partida estivesse empatada ele teria feito isso?  
O verdadeiro motivo de Aaron, ou seja, o seu arrependimento depois de cavado o pênalti ou a inexistência da intenção de cavá-lo, deixou de ter importância. O interessante nesse episódio é que as pessoas, em diversas partes do mundo, não ficaram indiferentes ao gesto. Houve reação e isso merece ser investigado. 
Jogar para a torcida, enganar, fazer teatro para o juiz, valorizar as faltas, reclamar tendo a consciência de que não tem razão, procurar levar vantagem em prejuízo de outrem, aproveitar-se de um cochilo do outro, ganhar no tapetão e prometer o que sabe que não vai cumprir são comportamentos que já se incorporaram no corpo e na alma de duas categorias de pessoas: profissionais do futebol; profissionais da política. Mas, há diferenças importantes.
O futebol é assistido por milhares de jovens em formação. É uma sala de aula a céu aberto. Lições não planejadas brotam das partidas que se disputam nos estádios. Elas entram pelos olhos e ouvidos de crianças e adolescentes. Jogadores cavam falta e são aplaudidos. Isso não os desmerecem perante a imprensa futebolística nem diante da torcida. Ninguém os chama de desonestos ou pessoas sem ética. Os pais, ainda que acompanhados de seus filhos numa partida de futebol, dificilmente recriminariam o comportamento do jogador que cava uma falta.
Na política, as lições são tardias e dolorosamente assimiladas. Você não se lembra em quem votou e muito menos investe o seu tempo em acompanhar os gestos e as atitudes de quem nos representa. Quando você acorda, o mal já está feito: poupança confiscada; aposentadoria bombardeada; moeda desvalorizada. Prometer e não cumprir faz parte da política. Qualquer coisa vale para ganhar as eleições. Cave um voto e o povo o aplaudirá. Sujeito esperto! Vão dizer. E vão ficando as lições: o adversário de hoje é o aliado de amanhã etc. É... Os políticos, com algumas exceções, têm um pensamento comum: sabem que o povo não resiste a uma fala mansa, doce e técnica. De bom tom que seja emotiva. Tudo se explica; tudo se justifica.   
Esse quadro, felizmente, despertou em alguns a firme convicção de que o comportamento honesto e ético não é uma virtude, mas uma necessidade estrutural da sociedade moderna. Prefiro acreditar que Aaron Hunt tem uma estrutura moral. Exerceu o livre arbítrio; uma opção entre o desenho do bem e a pintura atraente do mal. Gesto que poderá ficar gravado na memória de longo prazo de tantos jovens que um dia serão líderes.


Jorge Ferreira S. Filho. Advogado - Articulista. E-mail professorjorge1@hotmail.com