quarta-feira, 12 de outubro de 2016

JUSTIÇA GRATUITA



SABEDORIAS E ILUSÕES DO INSTITUTO DA “JUSTIÇA GRATUITA”.


Jorge Ferreira da Silva Filho. Advogado. Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho. Conselheiro do IAMG (Instituto dos Advogados de Minas Gerais). Professor de Direito de Família da Faculdade de Direito de Ipatinga (FADIPA). Associado ao IBDFAM.



  • * Artigo publicado na Revista INCONFIDENTE - Informativo Acadêmico do Instituto dos Advogados de Minas Gerais - Ano 11 nº 52, ago. a out.  de 2016, p. 17 


Nos anos noventa, a simples afirmação da pessoa natural, no sentido de que não estava em condições de pagar as “custas” do processo, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família, configurava-se ato idôneo à concessão dos benefícios para litigar sem pagar as taxas cobradas pela prestação do serviço de justiça. À parte contrária impunha-se o ônus de impugnar o pedido e provar a insinceridade daquele que pleiteava a concessão. Provar que a outra parte tinha condições financeiras para pagar as despesas do processo e os honorários de sucumbência não era uma tarefa fácil. Tal quadro transmutou-se radicalmente nas duas primeiras décadas do Século XXI. Por quê? 

O desenvolver do tema recomenda um breve acordo semântico sobre as expressões “justiça gratuita”, “assistência judiciária gratuita”, “assistência jurídica gratuita” e “gratuidade da justiça”. Na dicção da Lei 1.060/50, os poderes públicos devem conceder a “assistência judiciária aos necessitados”. Nossa Constituição, por sua vez enuncia que o Estado deve prestar “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. O CPC/2015 traz a rubrica “Da Gratuidade da Justiça” e passa a enunciar que a pessoa natural ou jurídica, “com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça”. Pode-se concluir que a expressão “justiça gratuita”, interpretada por alguns como o benefício àquele que, embora necessitado, tivesse nomeado um advogado, firmou-se como gênero, sendo espécies as demais expressões. 

Em Minas Gerais, tornou-se paradigmático, o reposicionamento hermenêutico do Desembargador FERNANDO CALDEIRA BRANT, relator no Agravo de Instrumento 1.0105.12.003116-3/001, julgado em 2014, sintetizado na seguinte transcrição: “Em que pese em outros julgados ter decidido no sentido que basta a simples declaração da parte para que seja concedida a assistência judiciária, me reposicionei, me aliando ao entendimento majoritário desta Câmara, para exigir da parte que requerer o benefício a comprovação de sua hipossuficiência”. Como fundamentos disse que: A Constituição não revogou a Lei 1060/50; os institutos assistência jurídica e assistência judiciária têm naturezas diversas; o interprete deve equalizar ambos os dispositivos; as custas são tributos, norma cogente, não admitindo presunção de veracidade da simples declaração da necessidade da gratuidade.  

As mudanças de posicionamentos não são estranhas ao mundo jurídico, mas causa perplexidade pensar que foram necessárias duas décadas para que o Judiciário fizesse uma releitura quase literal do texto constitucional, passando a   exigir do jurisdicionado a comprovação de sua miserabilidade. Tudo isso instiga perguntar sobre a postura do novo CPC sobre o tema.  

O CPC/2015 revogou o art. 4º da Lei 1060/50, que tratava da presunção de veracidade da simples declaração de miserabilidade, porém, no seu art. 99, §3º, enunciou: “presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural”. Isso ressuscitaria o espírito da Lei 1060/50, mas o legislador desenhou outra vertente. Pelo art. 99, §1º, se o Juiz prospectar nos autos “elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade”, deverá, antes de indeferir o pedido, determinar à parte que comprove sua falta de condição financeira. Essa norma seria exequível no plano prático? O juiz teria tempo para examinar todas as folhas dos autos com o objetivo de detectar os referidos “elementos”? Tal comando legislativo ao juiz não inaugura o princípio da desconfiança em relação ao jurisdicionado? O juiz, quando ordenar a comprovação da efetiva necessidade da gratuidade, não deveria fundamentar sua decisão explicitando os elementos que encontrou nos autos para exigir essas provas do jurisdicionado? Poderia o dispositivo em análise transformar-se numa via prática de postergar o principal dever do juiz estampado nos artigos 321 e 334 do NCPC? 

De outra banda, não há esquecer que o art. 98, § 2º, da Constituição Federal determina que as custas e emolumentos serão destinados ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça. Em época de crise econômica, não seria, politicamente, oportuno e conveniente “espremer” mais o jurisdicionado? Paradoxalmente, o legislador não impõe ao Judiciário nenhum dever de verificar se “a situação de insuficiência de recursos” permaneceu para o beneficiário (art. 98, §3º NCPC).

Jorge Ferreira da Silva Filho. Advogado. Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho. Conselheiro do IAMG (Instituto dos Advogados de Minas Gerais). Professor de Direito de Família da Faculdade de Direito de Ipatinga (FADIPA). Associado ao IBDFAM.