SABEDORIAS E ILUSÕES DO INSTITUTO DA “JUSTIÇA GRATUITA”.
Jorge
Ferreira da Silva Filho. Advogado.
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho. Conselheiro do IAMG
(Instituto dos Advogados de Minas Gerais). Professor de Direito de Família da
Faculdade de Direito de Ipatinga (FADIPA). Associado ao IBDFAM.
- * Artigo publicado na Revista INCONFIDENTE - Informativo Acadêmico do Instituto dos Advogados de Minas Gerais - Ano 11 nº 52, ago. a out. de 2016, p. 17
Nos anos noventa, a simples
afirmação da pessoa natural, no sentido de que não estava em condições de pagar
as “custas” do processo, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família,
configurava-se ato idôneo à concessão dos benefícios para litigar sem pagar as
taxas cobradas pela prestação do serviço de justiça. À parte contrária
impunha-se o ônus de impugnar o pedido e provar a insinceridade daquele que
pleiteava a concessão. Provar que a outra parte tinha condições financeiras
para pagar as despesas do processo e os honorários de sucumbência não era uma
tarefa fácil. Tal quadro transmutou-se radicalmente nas duas primeiras décadas
do Século XXI. Por quê?
O desenvolver do tema recomenda
um breve acordo semântico sobre as expressões “justiça gratuita”, “assistência
judiciária gratuita”, “assistência jurídica gratuita” e “gratuidade da justiça”.
Na dicção da Lei 1.060/50, os poderes públicos devem conceder a “assistência
judiciária aos necessitados”. Nossa Constituição, por sua vez enuncia que o
Estado deve prestar “assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos”. O CPC/2015 traz a rubrica “Da
Gratuidade da Justiça” e passa a enunciar que a pessoa natural ou jurídica,
“com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas e os
honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça”. Pode-se concluir
que a expressão “justiça gratuita”, interpretada por alguns como o benefício
àquele que, embora necessitado, tivesse nomeado um advogado, firmou-se como
gênero, sendo espécies as demais expressões.
Em Minas Gerais, tornou-se paradigmático,
o reposicionamento hermenêutico do Desembargador FERNANDO CALDEIRA BRANT,
relator no Agravo de Instrumento 1.0105.12.003116-3/001, julgado em 2014,
sintetizado na seguinte transcrição: “Em que pese em outros julgados ter
decidido no sentido que basta a simples declaração da parte para que seja
concedida a assistência judiciária, me reposicionei, me aliando ao entendimento
majoritário desta Câmara, para exigir da parte que requerer o benefício a
comprovação de sua hipossuficiência”. Como fundamentos disse que: A
Constituição não revogou a Lei 1060/50; os institutos assistência jurídica e
assistência judiciária têm naturezas diversas; o interprete deve equalizar
ambos os dispositivos; as custas são tributos, norma cogente, não admitindo
presunção de veracidade da simples declaração da necessidade da gratuidade.
As mudanças de posicionamentos
não são estranhas ao mundo jurídico, mas causa perplexidade pensar que foram
necessárias duas décadas para que o Judiciário fizesse uma releitura quase
literal do texto constitucional, passando a exigir do
jurisdicionado a comprovação de sua miserabilidade. Tudo isso instiga perguntar
sobre a postura do novo CPC sobre o tema.
O CPC/2015 revogou o art. 4º da
Lei 1060/50, que tratava da presunção de veracidade da simples declaração de
miserabilidade, porém, no seu art. 99, §3º, enunciou: “presume-se verdadeira a
alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural”. Isso
ressuscitaria o espírito da Lei 1060/50, mas o legislador desenhou outra
vertente. Pelo art. 99, §1º, se o Juiz prospectar nos autos “elementos que
evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade”,
deverá, antes de indeferir o pedido, determinar à parte que comprove sua falta
de condição financeira. Essa norma seria exequível no plano prático? O juiz
teria tempo para examinar todas as folhas dos autos com o objetivo de detectar os
referidos “elementos”? Tal comando legislativo ao juiz não inaugura o princípio
da desconfiança em relação ao jurisdicionado? O juiz, quando ordenar a
comprovação da efetiva necessidade da gratuidade, não deveria fundamentar sua
decisão explicitando os elementos que encontrou nos autos para exigir essas
provas do jurisdicionado? Poderia o dispositivo em análise transformar-se numa
via prática de postergar o principal dever do juiz estampado nos artigos 321 e
334 do NCPC?
De outra banda, não há esquecer
que o art. 98, § 2º, da Constituição Federal determina que as custas e
emolumentos serão destinados ao custeio dos serviços afetos às atividades
específicas da Justiça. Em época de crise econômica, não seria, politicamente,
oportuno e conveniente “espremer” mais o jurisdicionado? Paradoxalmente, o legislador
não impõe ao Judiciário nenhum dever de verificar se “a situação de
insuficiência de recursos” permaneceu para o beneficiário (art. 98, §3º NCPC).
Jorge
Ferreira da Silva Filho. Advogado.
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho. Conselheiro do IAMG
(Instituto dos Advogados de Minas Gerais). Professor de Direito de Família da
Faculdade de Direito de Ipatinga (FADIPA). Associado ao IBDFAM.