- Introdução. O direito processual civil brasileiro criou para o processo de conhecimento duas categorias de procedimentos: o procedimento comum; e o procedimento especial. A rigor terminológico, é “especial” tudo aquilo que não é “comum”. Pensando assim, haveria um procedimento geral (comum) e um conjunto de outros procedimentos (o especial) caracterizados por terem atos, prazos ou outras facetas diferentes, em relação ao procedimento comum. Entretanto, nosso legislador optou por uma construção diferente e dispôs no art. 272 do CPC que o procedimento comum pode ser ordinário ou sumário, ou seja, criou duas espécies [subclasses] para o gênero denominado procedimento comum. No parágrafo único do art. 272 do CPC, o legislador ressaltou que o procedimento comum sumário e o procedimento especial são regidos “pelas disposições que lhes são próprias”. As regras do procedimento comum ordinário foram colocadas como subsidiárias a esses procedimentos. Com isso, quebrou-se a lógica do sistema, pois se o procedimento sumário rege-se por regras próprias ele não poderia ser classificado como procedimento comum. Feitas essas considerações iniciais, passa-se ao exame da localização dos dispositivos relativos aos procedimentos comum e especial.
- Regulamentação. O procedimento comum ordinário está regulamentado nos artigos 282 a 475 do CPC. O procedimento comum sumário se localiza nos artigos 275 a 281 do CPC. Importante ressalvar que os artigos 475-A a 475-H se referem ao procedimento de liquidação de sentença, e os artigos 475-I a 475-R se referem à técnica de execução das sentenças. O legislador brasileiro, assim com o italiano, resolveu dispor sobre os procedimentos especiais em Livro próprio, ou seja, criou o Livro IV, “Dos procedimentos especiais”, contendo os artigos 890 a 1210. Por fim, merece notar que são encontrados ainda procedimentos diferentes do comum ordinário na esfera cível nas ações que correm nos Juizados Especiais Cíveis (Lei 9.099/95 e 10.259/2001).
- Críticas assacadas contra a organização temática no CPC. Ora, uma vez que os procedimentos especiais se referem ao processo de cognição, a lógica simples recomendaria que aqueles ficassem inseridos no próprio Livro I, encabeçados por um “Título”, que poderia ser também “dos procedimentos especiais”. Além disso, a idéia de criar o subsistema procedimental do rito sumário, no Livro I do CPC, sob o argumento de que isso viabilizaria meios para dar celeridade a algumas categorias de ações, não parece ser consonante com a realidade, ou seja, com os resultados obtidos.
- A proposta do Anteprojeto do novo CPC. O Anteprojeto propõe que o novo CPC seja organizado em quatro livros: Livro I – Parte Geral; Livro II – Do Processo de Conhecimento; Livro III – Do Processo de Execução; Livro IV – Dos Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação das Decisões Judiciais; Livro V – Das Disposições Finais e Transitórias. No Livro II desaparece por completo o emprego das palavras “ordinário” e “sumário”. A proposta é no sentido de existir o procedimento comum (sem divisões). O art. 302 do Anteprojeto enuncia: “Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei”. No tocante aos procedimentos especiais, a proposta, diga-se, muito inteligente, caminhou para abrir no Livro II, o Título III, denominado “Dos Procedimentos Especiais”. Em seguida, por meio de capítulos, foram insculpidas as regras procedimentais especiais concernentes aos direitos merecedores de tutela processual diferenciada, tais como: consignação em pagamento –art. 505 a 515; prestação de contas; divisão e demarcação de terras particulares; inventário e partilha; proteção da turbação da posse por ato judicial “embargos de terceiro”; habilitação; restauração de autos; homologação do penhor legal; ações possessórias; e exercícios de direitos não contenciosos, sujeitos à chancela judicial para sua efetivação.
- Procedimento comum Sumário. O artigo 275 do CPC elenca as causas que podem ser processadas pelo rito sumário. A petição inicial deverá atender às exigências do artigo 282 e 283 do CPC, com as seguintes modificações: se indicada prova testemunhal, o autor apresentará na inicial o rol de testemunhas (CPC, 276); se indicada e requerida a prova pericial, o autor formulará os quesitos e indicará o assistente técnico (CPC, 276). Recebida a petição inicial o juiz deve designar a data da audiência de conciliação (CPC, 277). A data não pode ultrapassar o prazo de trinta dias. O réu deve ser citado com antecedência mínima de 10 dias (CPC, 277). Autor e réu serão intimados para comparecerem pessoalmente à audiência, podendo, entretanto serem representados por prepostos, com poderes para transigir (CPC, 277, § 3º). Se obtida a conciliação, essa será reduzida a termo e homologada por sentença. Não obtida a conciliação, o réu apresentará a sua contestação, podendo ser na forma escrita ou oral (CPC, 278). A contestação deverá apresentar o rol de testemunhas e os quesitos ao perito, se for o caso, indicando-se também o assistente técnico. O réu poderá formular pedidos contrapostos (CPC, 278, §1º). Não se verificando qualquer hipótese dentre as elencadas nos artigos 329 e 330 incisos I e II, do CPC, o juiz designará a audiência de instrução e julgamento em data próxima, não excedente de trinta dias. Finda a instrução o juiz abre os debates orais. Em seguida profere a sentença, permitindo o legislador que esta decisão seja proferida em até 10 (dez) dias. No procedimento sumário, a intervenção de terceiro não é admitida nem a ação declaratória incidental. Há, porém, três exceções: o recurso de terceiro prejudicado; a assistência; e a intervenção fundada em contrato de seguro, muito importante nas ações circunscritas em acidentes de trânsito.
- Procedimento comum ordinário. O autor deverá apresentar petição inicial atendendo aos requisitos dos artigos 282 e 283 do CPC. O juiz percebendo que a petição inicial não preenche os requisitos ou apresente defeitos e irregularidades, intimará o autor para que proceda com a emenda ou a complemente, no prazo de 10 (dez) dias (CPC, 284). Não cumprida a determinação do juiz a petição inicial será indeferida. Recebida a petição inicial, o juiz ordenará a citação do réu e o advertirá no sentido de que não contestada a ação as alegações serão presumidas como verdadeiras (CPC, 285). O juiz poderá dar a sentença sem citar o réu, quando a matéria for unicamente de direito e já houver sido proferida sentença anterior em caso idêntico (CPC, 285-A). O autor poderá apelar contra a sentença, caso em que o juiz poderá revogá-la, em até cinco dias. O pedido (condenatório, constitutivo ou declaratório) deve ser certo ou determinado. O legislador permite em alguns casos a formulação de pedido genérico (CPC, 286). O pedido poderá ser alternativo (CPC, 288) ou subsidiário (CPC, 289). Permite-se a cumulação de pedidos contra mesmo réu, ainda que sem conexão (CPC, 292). É possível aditar o pedido, desde que antes da citação do réu (CPC, 294). A petição inicial será indeferida nos casos elencados no art. 295, destacando-se a hipótese de inépcia, instituto delineado no parágrafo único do art. 295 do CPC. A prova documental deve acompanhar a inicial e a contestação (CPC, 396). O réu, depois de citado terá 15 dias para, se quiser, contestar, oferecer reconvenção e apresentar os incidentes de exceção (CPC, 297). Conta-se o prazo de quinze dias na forma do artigo 241 do CPC. A reconvenção será oferecida em peça autônoma, todavia nos próprios autos. As exceções são oferecidas e processadas em apenso (CPC, 299). A contestação deve ser feita com esmero, expondo as razões que embasam a resistência ao pedido do autor (CPC, 300). Antes de impugnar o pedido [o mérito], o réu deve levantar qualquer uma das possibilidades descritas no artigo 301 do CPC, denominadas “preliminares”. Não contestada a ação o réu será considerado revel. O efeito da revelia é a reputação de que os fatos alegados pelo autor na inicial são verdadeiros (CPC, 319). Contestando, ao se defender quanto ao mérito, o réu deverá se manifestar precisamente sobre todos os fatos narrados na inicial (CPC, 302). Se o réu contestar o direito que fundamentou o pedido do autor, este poderá requerer a declaração incidental (CPC, 325). Se o réu, reconhecendo os fatos narrados na inicial, alegar a existência de outros fatos de natureza impeditiva, modificativa ou extintiva do direito do autor, este será intimado para impugnar a contestação, no prazo de dez dias (CPC, 326). Se o réu apresentou as preliminares do artigo 301, ao autor será concedido o prazo legal de 10 dias para se manifestar (CPC, 327). Ultrapassadas as fases anteriores o juiz terá as seguintes possibilidades para continuar com o processo: extinguir o processo na forma do artigo 329; julgar antecipadamente a lide, quando a questão de mérito for unicamente de direito ou, sendo de direito e de fato, não depender de prova em audiência (CPC, 330); designar a audiência preliminar [conciliação], caso o direito versado na causa seja disponível (CPC, 331). Não obtida a conciliação na audiência preliminar, o juiz deverá fixar os pontos controvertidos, resolver as questões processuais pendentes, deferir ou indeferir cada prova indicada e requerida na inicial e na contestação, e, finalmente, designar a data da audiência de instrução e julgamento (CPC, 331, §2o). Deferida a prova pericial, o juiz nomeará o perito e dará às partes 05 (cinco) dias para apresentarem quesitos e indicar assistente técnico (CPC, 421). O juiz fixará o prazo para a entrega do laudo pelo perito. Entretanto, o laudo deve ser entregue pelo menos vinte dias antes da audiência de instrução (CPC, 433). Este ato é público (CPC, 444). Há ações, porém, que são realizadas a portas fechadas, ou seja, em segredo de justiça, nos termos do art. 155 do CPC. O juiz deverá observar a seguinte ordem na produção da prova: o perito e os assistentes técnicos, desde que cumprida a disposição contida no art. 435 do CPC; os depoimentos pessoais do autor e do réu; as testemunhas do autor; as testemunhas do réu (CPC, 453). Finda a instrução os advogados terão a palavra por 20 (vinte) minutos para proferir as alegações finais (CPC, 454).
- Modificações relevantes encontradas no procedimento comum, traçado no Anteprojeto. O prazo para emendar a petição inicial passa de 10 (dez) para 15 (quinze) dias (Art. 305) As partes deverão apresentar o rol de testemunhas, devidamente qualificadas, na petição inicial e na contestação (art. 306). O pedido e a causa de pedir poderão ser alterados ou aditados, enquanto não for proferida a sentença (art. 314). O simples protocolo da petição inicial implica a propositura da ação (art. 319, p.u.). Recebida a petição inicial o juiz designará a audiência de conciliação. O mandado de citação (art. 195) intimará o réu para comparecer à audiência de conciliação e mencionará o prazo que ele terá para contestar. O não comparecimento injustificado do réu será considerado ato atentatório à dignidade da justiça. O réu terá 15 (quinze) dias, contados da audiência de conciliação (art. 334), para apresentar a sua contestação. Na contestação poderão ser formulados pedidos contrapostos, eliminando-se o instituto da reconvenção (art. 337). A arguição de incompetência, absoluta ou relativa, será levantada na contestação (art. 338), eliminando-se o incidente de exceção de incompetência.
- Fundamentos axiológicos e teleológicos que orientaram o anteprojeto do novo CPC. Em 08 de junho de 2010, a Comissão de juristas encarregada de elaborar um anteprojeto de reforma do Código de Processo Civil encaminhou ao Presidente do Senado Federal o Anteprojeto e a “Exposição de Motivos” do empreendimento. Na referida exposição, a Comissão destacou que “o novo Código de Processo Civil tem o potencial de gerar um processo mais célere, mais justo, porque mais rente às necessidades sociais e menos complexo”. Disse ainda a Comissão que o trabalho por ela desempenhado orientou-se buscando atingir cinco objetivos: 1º) estabelecer uma “sintonia fina com a Constituição Federal”; 2º) “criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa”; 3º) reduzir a complexidade do subsistema recursal; 4º) “dar todo rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado”; “imprimir maior grau de organicidade ao sistema”.
Notas
i) Codice di Procedura Civile. Libro Secondo: Del processo de cognizione. Livro Quarto: Del Procedimenti speciali.
ii) Explica Luiz Fux que “O processo de conhecimento é concebido de há muito como o instrumento de definição dos direitos em conflito. Na versão ortodoxa, é denominado processo de sentença. Nessa classe inserem-se, como objetos mediatos, todas as pretensões resistidas previstas no direito material, configurando essa constatação como a ratio essendi da inserção no novel processo de conhecimento, dos antigos procedimentos especiais” ( Cf. O novo processo civil brasileiro – direito em expectativa. 1. Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2011, p.14).
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