DICAS DE DIREITO - Professor Jorge Ferreira da Silva Filho* - Blog Ensino Democrático http://jorgeferreirablog.blogspot
FAMÍLIA 15: EFICÁCIA
DO CASAMENTO
1.
O SENTIDO DA
PALAVRA “EFICÁCIA”. Há múltiplos
significados para a palavra eficácia.[i] No
presente contexto ela significa a capacidade de produzir efeitos, ou resultados. Portanto, o estudo da eficácia
do casamento circunscreve-se ao conhecimento dos resultados, ou efeitos, jurídicos decorrentes
da celebração do casamento. A Constituição Federal de 1988 provocou uma grande
transformação no modo de pensar a família e a eficácia do casamento.[ii]
2.
REGULAMENTAÇÃO
BÁSICA. Sob a rubrica “Da eficácia do casamento”, o Código Civil, por meio dos
artigos 1.565 a 1570, trata de vários efeitos do casamento, tais como: o de
gerar para ambos os cônjuges a condição de consorte; a imposição de deveres
recíprocos; a instituição do poder-dever de dirigir a sociedade conjugal;
estabelecer a supremacia do interesse do casal e dos filhos, como ponto
orientador das decisões direcionais da sociedade conjugal; o dever de
contribuir para o sustento da família; regras para escolha do domicílio;
fixação das hipóteses que permitem a um dos cônjuges, com exclusividade,
exercer a direção da família. Tudo, porém, balizado pela regra da igualdade fixada no art. 226, §5º, da Constituição
Federal.
3.
CAMPOS DE
INCIDÊNCIA DOS EFEITOS DO CASAMENTO. O casamento produz efeitos sociais, pessoais e patrimoniais. [iii] Às vezes um só efeito incide em dois campos,
tal como a alteração do estado civil de solteiro para casado que é um atributo
da personalidade e elemento da qualificação da pessoa perante a sociedade. O
casamento pode atingir terceiros, tal como o comprador de imóvel de pessoa
casada que necessita da autorização de ambos os cônjuges, para a validade do
ato.[iv] Há
também efeitos que são classificados como tributários, previdenciários,
sucessórios etc. O importante para o estudante de direito é o conhecimento de
todos estes efeitos. [v]
4.
CONSORTES -
COMPANHEIROS. Determina a lei que pelo casamento, os cônjuges assumem a
condição de consortes,[vi]
tornam-se companheiros e coresponsáveis pelos encargos da família (CC 1.565).[vii] O
casamento configura-se um efetivo contrato de adesão, pois a maioria dos seus
efeitos, principalmente os deveres e direitos, são impostos pelo Estado.
5.
O ACRÉSCIMO DO
SOBRENOME. No Código de 1916 cabia à mulher a faculdade de acrescentar ou não ao
seu sobrenome [apelidos] o sobrenome do marido. Atualmente, qualquer dos
nubentes pode “acrescer ao seu o sobrenome do outro” (CC 1.565, §1º). Reflexo
direto do princípio da igualdade dos cônjuges.
6.
O PLANEJAMENTO FAMILIAR. Sob a rubrica da
“eficácia do casamento” o legislador dispõe sobre o direito de liberdade do
casal em relação ao planejamento familiar (CC 1565 §2º). Dispositivo inócuo,
uma vez que a Constituição Federal (artigo 226 §7º) já consagrará tal direito,
inclusive fincando-o sobre os princípios da dignidade da pessoa humana e o da
paternidade responsável. Ao Estado compete dar meios lícitos ao casal para limitar o número de filhos.[viii]
A Lei 9.263/96 regulamenta o planejamento familiar.
7.
DEVERES DE CADA
UM DOS CÔNJUGES. Não há dúvida que os deveres comuns dos cônjuges configuram-se
uma moeda de duas faces. O dever de um deles faz nascer o direito para o outro
e vice-versa. O legislador, modificando a dicção anterior, que determinava
deveres diferentes para a mulher e o homem, estabeleceu como deveres de ambos:
a fidelidade recíproca; a vida em comum, no domicílio conjugal; a mútua
assistência; o sustento, a guarda e educação dos filhos; o respeito e
consideração mútuos (CC 1566, I a V).
8.
A INEFICÁCIA DO
DISCURSO SOBRE O DEVER DE FIDELIDADE E COABITAÇÃO. Dos deveres estabelecidos
para ambos os cônjuges, será demonstrado abaixo que não há qualquer sanção para
quem for infiel ou deixar de coabitar. Entretanto, os demais deveres
insculpidos nos incisos do artigo 1.566 do CC se mostram hígidos e sintonizados
com a ideia moderna e constitucional sobre o instituto família. [ix]
9.
A QUESTÃO DA
FIDELIDADE. A infidelidade, na literalidade da lei, constituía grave violação
dos deveres do casamento e autorizava o cônjuge traído a promover a ação de
separação judicial (CC 1573 c/c 1572). A maioria da doutrina considera que a
Emenda Constitucional 66/2010 pôs fim ao instituto processual denominado ação
de separação judicial, prevista no artigo 1.572 do CC. Atualmente, qualquer um
pode pedir o divórcio sem ter que explicar o motivo pelo qual o deseja.[x]
Trata-se de direito potestativo[xi]
podendo ser exercido por qualquer dos cônjuges independentemente de condições e
circunstâncias. Com isso, a infidelidade passou a ser uma transgressão que não mais
atrai mais qualquer sanção, seja na esfera civil ou criminal,[xii]
embora se constitua em fato apto a causar no traído o dano moral,[xiii]
indenizável na forma do artigo 927 do CC.
10. A INFIDELIDADE VIRTUAL. Com a internet e as redes
sociais, a doutrina passou a discorrer sobre a possibilidade de se verificar a
infidelidade virtual. Uma espécie de namoro da pessoa casada por via da
internet. Em primeiro lugar, o espaço cibernético está protegido
constitucionalmente. Acessar, sem autorização, ainda que não bloqueado por
senha, informações em correio eletrônico ou aquelas disponibilizadas apenas aos
“amigos” na rede social constitui-se infração ao direito de inviolabilidade do
sigilo da correspondência (CF 5º XII) e invasão da privacidade. [xiv]
11. O SENTIDO DA EXPRESSÃO “VIDA EM COMUM”. O pensamento
tradicional entendia que o dever de vida
em comum [coabitação] abrangia viver sob o mesmo teto e praticar relações sexuais[xv]
com seu consorte [débito conjugal]. Há
posicionamentos dizendo que o homem que forçasse sua mulher a com ele ter
relações sexuais não cometia o crime de estupro. Atualmente, há interpretações mais brandas
dizendo que o enunciado do artigo 1566, II não implica a imposição do débito
conjugal. [xvi]
12. O “DÉBITO CONJUGAL”. Expressão anacrônica que provoca
a ideia de existir o direito de um dos cônjuges exigir que o outro tenha com
ele relações sexuais. Do casamento não
poderia nascer tal direito, pois isso violaria, em relação ao parceiro que se
recusa à relação sexual, o direito à inviolabilidade do corpo, o princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à privacidade e,
destacadamente, o direito à privacidade. A abstinência sexual por si só não
implica direito indenizatório, eis que a conduta está amparada por princípios
constitucionais. Pontes de Miranda já afirmara que o casamento de um impotente
não de ser casamento.[xvii]
13. O DEVER DE MÚTUA ASSISTÊNCIA. Na sociedade moderna o
casamento é muito mais uma opção do que uma necessidade. O elemento
caracterizador da manutenção do vínculo conjugal é o desejo de estabelecer uma
vida em comum com outra pessoa. O efeito jurídico principal é o de estabelecer
a comunhão plena de vida (CC 1511), nascendo daí o compromisso com a
solidariedade. Este é o dever maior, do qual decorrem o dever de mútua assistência material e moral.[xviii]
A ruptura jurídica do vínculo pode por fim ao dever de assistência moral, mas,
no plano do direito positivo, a assistência material continua existindo para
além do casamento, tal como o dever de prestar alimentos ainda que sobrevindo o
divórcio. [xix]
14. O DEVER DE SUSTENTO GUARDA E EDUCAÇÃO DOS FILHOS. Os
pais têm o dever de “assistir, criar e educar os filhos menores”, não
importando se estes advenham ou não de um casamento (CF 229). O legislador,
para o caso de filhos gerados na constância de um casamento impõe
redundantemente, como deveres do pai e da mãe, o sustento,[xx] a
guarda e a educação dos filhos (CC 1566, III). Os pais podem ser destituídos do
poder familiar se deixar o filho em abandono (CC 1638). A maioridade do filho não implica automaticamente o
cessar do dever de sustento (prestar alimentos). Se o filho está frequentando
curso superior (ou curso de formação profissional) a obrigação se estende até a
data que o filho completar 24 anos. [xxi]
15. OS DEVERES DOS PAIS EM RELAÇÃO AO FILHO QUE FAZ
PÓS-GRADUAÇÃO. O dever de sustento e educação dos pais aos filhos maiores e
capazes se estende, como afirmado acima, ao pagamento das despesas com relação
ao curso de graduação superior. No tocante ao dever para com a continuidade da educação superior
(pós-graduação e mestrado) do filho, o
Superior Tribunal de Justiça se mostra resistente.[xxii]
16. DEVER DE RESPEITO E CONSIDERAÇÃO MÚTUOS. O Código
Civil anterior não teve o privilégio de estampar o dever de respeito e
consideração mútuos como faz o Código de 2002. É no respeito e na consideração
de um cônjuge pelo outro que se pode viabilizar a convivência no mar de
pluralidades de opções que a vida proporciona num Estado Democrático de
Direito.[xxiii]
São tantas as opções políticas, filosóficas, religiosas e nas múltiplas
vertentes da vida moderna, que o respeito e a consideração pelas posições do
outro se tornam importante elementos
para a manutenção do casamento.
17. A FORMA DE DIREÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL. Dirigir
significa tomar decisão. Na família há muitas decisões a tomar: em qual escola
o filho estudará; qual investimento fazer; qual orientação religiosa será dada
etc. Surge, então, naturalmente, a pergunta: Quem deve decidir? No Código de
1916 cabia ao marido, cabeça do casal, tomar as decisões. Agora, consentâneo
com as determinações constitucionais, o Código Civil 2002 impôs o dever de
colaboração dos cônjuges no tocante à direção da sociedade conjugal. Deve
prevalecer a decisão que melhor proteja o interesse do casal e dos filhos ( CC
1567). Havendo divergência entre o marido e a mulher sobre qual decisão deva
ser tomada, o Judiciário poderá ser conclamado a intervir e solucionar a
questão (CC 1567 p.u.)
[i] Eficácia é “propriedade que tem um ato ou
fato para produzir o resultado desejado” - Dicionário Jurídico da Academia
Brasileiro de Letras Jurídicas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. “A eficácia PE o último plano de realização
do ato jurídico, após os planos da existência (...) e da validade” - Cf.
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias.
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 113.
[ii]
Cf. LÔBO, Paulo. Direito Civil:
famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 113.
[iii]
Cf. Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil: Direito de
Família. Volume V. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, pp. 101 1 103. DIAS, Maria Berenice. Manual
de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 251.
[iv]
Dispensa-se a autorização do outro cônjuge, quando o regime de bens do
casamento for o da separação absoluta de bens (CC 1647).
[v] No
campo sucessório, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes ou os
ascendentes do de cujus, nos limites
do artigo 1829, I e II do CC. O casamento faz do cônjuge um herdeiro necessário
(CC 1845) e titular do direito real de habitação (CC 1831).
[vi]
Consorte significa “Companheiro na mesma sorte, estado ou encargo”. Emprega-se
também essa palavra como sinônimo de cônjuge (FERREIRA, Aurélio Buarque de
Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1999). Percebe-se, pois uma redundância do
legislador ao dizer que os cônjuges são consortes e companheiros, exceto se
conotarmos a palavra consorte como sócios nos direitos e obrigações, e, quanto
à palavra companheiros entendê-la no sentido de um na companhia do outro nas
alegrias e atribulações da vida.
[vii] O enunciado do artigo 1.565 resulta de uma adequação
aos dizeres do artigo 240 do Código Civil de 1916, que impunha apenas à mulher
assumir a condição de companheira, consorte e colaboradora, às irradiações da
Constituição Federal.
[viii]
MADALENO, Rolf. Curso de direito de familia. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense,
2008, p. 146.
[ix]
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias.
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 124.
[x] “A
partir da EC66/10, a dissolução do casamento só pode ocorrer do divórcio, que
não admite questionamentos sobre causas e motivos (CC 1580, §1º)” - Cf. DIAS, Maria Berenice. Manual de
direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 254.
[xi]
Potestativo é o direito caracterizado pelo fato de que seu exercício “depende apenas da vontade do
agente, independentemente da colaboração ou concurso de outrem” (SIDOU, J. M.
Othon. Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 3. ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1995. )
[xii]
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2011, p. 255.
[xiii]
Idem, p. 254.
[xiv]
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2011, p. 257.
[xv]
ROLF MADALENO explica que “A coabitação dos cônjuges também envolve seu
relacionamento sexual, como dever implícito do vínculo matrimonial”. Cf. MADALENO, Rolf. Curso de direito de
familia. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 153. Caio
Mário da Silva Pereira, mais incisivo diz: “O casamento sugere coabitação e
esta requer comunidade de existência. É preciso deixar bem claro que a
coabitação não se satisfaz com a moradia sob o
mesmo teto. Requer intimidade de convivência, que se apelida de débito
conjugal, segundo a terminologia advinda do Direito Canônico, para exprimir as
relações sexuais” - Cf. Instituições de
Direito Civil: Direito de Família. Volume V. 11. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1996, pp. 106.
[xvi]
“A origem da expressão débito conjugal é de natureza religiosa, já que a
finalidade do matrimônio é a procriação. Aliás, a falta de contato sexual é
causa inclusive para a anulação do casamento religioso, Estes preceitos não
cabem ser transportados para a regulamentação do casamento pelo Estado” -
Cf. DIAS, Maria Berenice. Manual de
direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 258.
[xvii] DIAS,
Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, p. 258.
[xviii]
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias.
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 122
[xix]
MADALENO, Rolf. Curso de direito de familia. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense,
2008, p. 156.
[xx] “O
sustento relaciona-se com o aspecto material, isto é, as despesas com a
sobrevivência adequada e compatível com os rendimentos dos pais, e ainda com a
saúde, esporte, lazer, cultura e educação dos filhos” - Cf. LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 123.
[xxi] MADALENO,
Rolf. Curso de direito de familia. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 157. DIAS,
Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, p. 260.
[xxii]
“ Em geral, os tribunais tem determinado o pagamento de aliementos para o filho
estudante até os 24 anos completos. Mas a necessidade se limitaria à graduação.
Em setembro de 2011, a Terceira Turma desonerou um pai da obrigação de prestar
alimentos à sua filha maior de idade, que estava cursando mestrado. Os
ministros da Turma entenderam que a missão de criar os filhos se prorroga mesmo
após o término do poder familiar, porém finda com a conclusão, pelo alimentando,
de curso de graduação. A filha havia ajuizado ação de alimentos contra o pai,
sob a alegação de que, embora fosse maior e tivesse concluído o curso superior,
encontrava-se cursando mestrado, fato que a impede de exercer atividade
remunerada e arcar com suas despesas. No STJ, o recurso era do pai. Segundo a
relatora, ministra Nancy Andrighi, o estímulo à qualificação profissional dos
filhos não pode ser imposto aos pais de forma perene, sob pena de subverter o
instituto da obrigação alimentar oriunda das relações de parentesco – que tem
por objetivo apenas preservar as condições mínimas de sobrevivência do
alimentado – para torná-la eterno dever de sustento (REsp 1.218.510)”. Cf. http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=104337
[xxiii] Idem
159.
Nenhum comentário:
Postar um comentário