SALA DE AULA A CÉU ABERTO
Artigo publicado no jornal O Tempo, página 21, Edição de 26 de março de 2014.
Jogo de
futebol: Werder Bremem x Nuremberg. De repente, sentido a proximidade do
adversário às costas, Aaron Hunt, jogador do Werder, projeta-se ao chão.
Pênalti. A torcida vibra, mas o inesperado acontece. Aaron levantou-se,
dirigiu-se ao juiz e disse: EU NÃO SOFRI PENALTI. A notícia roda pela internet. Os comentários
espraiaram-se em diversas vertentes: arrependeu-se de cavar o pênalti! Se a
partida estivesse empatada ele teria feito isso?
O verdadeiro motivo
de Aaron, ou seja, o seu arrependimento depois de cavado o pênalti ou a
inexistência da intenção de cavá-lo, deixou de ter importância. O interessante
nesse episódio é que as pessoas, em diversas partes do mundo, não ficaram
indiferentes ao gesto. Houve reação e isso merece ser investigado.
Jogar para a
torcida, enganar, fazer teatro para o juiz, valorizar as faltas, reclamar tendo
a consciência de que não tem razão, procurar levar vantagem em prejuízo de
outrem, aproveitar-se de um cochilo do outro, ganhar no tapetão e prometer o
que sabe que não vai cumprir são comportamentos que já se incorporaram no corpo
e na alma de duas categorias de pessoas: profissionais do futebol;
profissionais da política. Mas, há diferenças importantes.
O futebol é
assistido por milhares de jovens em formação. É uma sala de aula a céu aberto.
Lições não planejadas brotam das partidas que se disputam nos estádios. Elas
entram pelos olhos e ouvidos de crianças e adolescentes. Jogadores cavam falta
e são aplaudidos. Isso não os desmerecem perante a imprensa futebolística nem
diante da torcida. Ninguém os chama de desonestos ou pessoas sem ética. Os pais,
ainda que acompanhados de seus filhos numa partida de futebol, dificilmente recriminariam
o comportamento do jogador que cava uma falta.
Na política,
as lições são tardias e dolorosamente assimiladas. Você não se lembra em quem
votou e muito menos investe o seu tempo em acompanhar os gestos e as atitudes
de quem nos representa. Quando você acorda, o mal já está feito: poupança confiscada;
aposentadoria bombardeada; moeda desvalorizada. Prometer e não cumprir faz
parte da política. Qualquer coisa vale para ganhar as eleições. Cave um voto e
o povo o aplaudirá. Sujeito esperto! Vão dizer. E vão ficando as lições: o
adversário de hoje é o aliado de amanhã etc. É... Os políticos, com algumas
exceções, têm um pensamento comum: sabem que o povo não resiste a uma fala
mansa, doce e técnica. De bom tom que seja emotiva. Tudo se explica; tudo se
justifica.
Esse quadro,
felizmente, despertou em alguns a firme convicção de que o comportamento
honesto e ético não é uma virtude, mas uma necessidade estrutural da sociedade
moderna. Prefiro acreditar que Aaron Hunt tem uma estrutura moral. Exerceu o livre
arbítrio; uma opção entre o desenho do bem e a pintura atraente do mal. Gesto
que poderá ficar gravado na memória de longo prazo de tantos jovens que um dia
serão líderes.
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