A RELAÇÃO DE
PARENTESCO NO DIREITO BRASILEIRO
Professor: Jorge Ferreira da Silva Filho*
1. O SENTIDO JURÍDICO DA PALAVRA “PARENTESCO”. Os
sociólogos foram os primeiros a perceber que nos grupos sociais mais primitivos
havia laços muito fortes que prendiam, mais que uma pessoa a outra, o indivíduo
a um grupo. Detectaram nesses laços direitos, obrigações e proibições e a isso
denominaram parentesco (http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br/2012/04/familia-01-minidicionario.html. Sigmund Freud, na obra denominada Totem e Tabu,
amparando-se no trabalho de Fraser, pontuou que o sistema totêmico
(identificação das pessoas com um totem) criava laços mais fortes “que os laços
de sangue ou de família no sentido moderno”.[i] Pesquisando
os aborígenes, L.G. Morgan concluiu que os diversos graus de parentesco
detectados permitiam desenhar um sistema classificatório de parentesco. O
critério para a classificação centrava-se na identificação de costumes
caracterizados por deveres mútuos entre “um
indivíduo e um grupo”. [ii] A identificação de uma pessoa se dava mais
por pertinência a um grupo que pela identificação de quem fosse seu pai ou
mãe.[iii] De
comum nos grupos humanos primitivos se encontrava a proibição ao incesto. A exogamia (casamento entre pessoas de grupos distintos)
se instaura como “meio de manter o grupo
como grupo”, ou seja, grupo que se identifica por um traço diverso daquele
originado no sangue. [iv] No
direito romano facilmente se identificava que a relação de parentesco não se
baseava precipuamente no elemento consanguíneo, pois havia o parentesco civil
(agnação) e o parentesco relacionado com a “comunidade de sangue” (cognação).
Curiosamente, apenas os ágnatos entravam na linha sucessória.[v] Atualmente,
muitos dos costumes que informavam a relação de deveres e obrigações da pessoa
com o grupo no qual vivia (nasceu e cresceu) transformou-se em direito
positivo. Parentesco, atualmente, são
relações jurídicas de permissões, proibições, direitos e deveres, de pessoas
ligadas entre si por vínculos diversos (consanguinidade; afinidade; adoção;
fecundação heteróloga[vi]
etc.), porém diferentes daqueles de origem econômica ou relacionados com
pessoas jurídicas.
2. A RELAÇÃO DE PARENTECO NO CÓDICO CIVIL. O legislador brasileiro, sob a rubrica “Das
Relações de Parentesco” dispõe nos artigos 1.591 a 1638 sobre normas gerais a
respeito de parentesco, define as categorias de parentesco em nosso
ordenamento, discorrendo, em seguida, sobre os
institutos da filiação, do reconhecimento de filhos, da adoção, e do
poder familiar. Embora a Constituição Federal proíba qualquer referência à
origem dos filhos, o legislador se descuidou e fez expressa referência aos
filhos “havidos ou não da relação de casamento”. Apesar disso, o Código Civil
2002 avançou, pois regulamentou situações da realidade atual, como a fecundação
artificial homóloga e heteróloga, embriões excedentários[vii]
etc. O aluno deve tomar cuidado porque o Código Civil não trata apenas de
direito material. Ele versará sobre matéria processual, tais como a competência
e a legitimidade para as ações relacionadas com o parentesco.
3. A IMPORTÂNCIA JURÍDICA DA EXATA DETERMINAÇÃO DO
PARENTESCO. Há muitas legislações especificas que determinam efeitos jurídicos
diversos em função do grau de parentesco. São exemplos: No direito processual civil,
os parentes colaterais até o 3º grau não podem depor como testemunhas. No
direito penal, não há crime contra o patrimônio se o agente e a vítima
estiverem vinculados por uma relação de ascendência/descendência. [viii]
No direito eleitoral há várias
disposições proibitivas de candidaturas relacionadas com o parentesco. No
direito das sucessões, apenas os parentes colaterais até o 4º grau são
considerados herdeiros legítimos.
4. CATEGORIAS DE PARENTESCO. Há duas categorias de
parentesco: parentesco natural;
parentesco civil.[ix] O
primeiro se funda na existência de relação de consanguinidade. Já o parentesco
civil se funda em qualquer outro critério,
acolhido pelo direito, para atribuir o
título de pai ou mãe, a pessoa diversa do pai ou mãe biológico. Diz o
legislador que se o parentesco tiver “outra origem”, ou seja, diferente da
consanguinea, o parentesco é civil. Seja natural ou civil, o parentesco admite
ainda as seguintes subclasses: parentesco em linha reta; parentesco em linha
colateral ou transversal; parentesco por afinidade.
5. O CONCEITO DE GRAU NA RELAÇÃO DE PARENTESCO. A palavra
grau, no contexto da relação jurídica
de parentesco, significa a contagem entre gerações existentes entre duas
pessoas. Assim se diz que o filho é parente em 1º grau dos pais, em 2º graus
dos avós e daí por diante. Há duas formas de se estabelecer a contagem das
gerações: entre pessoas que descendem um
dos outros (linha reta); entre pessoas
que apenas têm em comum um tronco [x]
(linha transversal ou colateral). Por isso, didaticamente, necessário se faz
verificar os conceitos jurídicos de linha reta e transversal.
6. PARENTES EM LINHA RETA. Diz que as pessoas que “estão
umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes” são parentes
em linha reta. Trata-se de definição legal, cuja origem, porém, remonta à ideia
de filiação biológica. Porém, quando se trata de parentesco civil, como é o
caso da adoção, o adotado é, para todos os efeitos, titular dos direitos e
devedor das obrigações que o ordenamento jurídico consagra ao filho biológico.
Irrelevante é a consanguinidade, e o adotado passa a ser juridicamente parente
em linha reta de 1º grau do adotante.
7. PARENTES EM LINHA COLATERAL. As pessoas que são
provenientes de um só tronco, sem que exista entre elas a relação de
descendência (existência de um dependente da prévia existência do outro), são
considerados parentes em linha colateral ou transversal. Um sobrinho, por
exemplo, não guarda relação de descendência com o tio ( o nascimento do
sobrinho independe da existência ou inexistência prévia do tio), entretanto
sobrinho e tios não existiriam sem a prévia existência dos avós do sobrinho,
que são também pais do tio. [xi] Diferentemente
do que se verifica no parentesco em linha reta, que se perpetua independentemente
do grau, o ordenamento jurídico apenas reconhece como parentes, em linha colateral ou transversal, a
pessoa até o quarto grau de geração. [xii]
8. A CONTAGEM DOS GRAUS NAS DIFERENTES LINHAS. Estabelece
a lei que a contagem de graus na linha
reta se faz pelo número de gerações. Na linha colateral a contagem também se faz pelo número de gerações, porém, deve-se subir pela
linha reta, contando os graus, até encontrar o
ascendente comum. Em seguida desce-se,
“até encontrar o outro parente” na linha reta deste. [xiii]
9. O PARENTESCO POR AFINIDADE OU VÍNCULO DA AFINIDADE.
Diz-se que entre os cônjuges e companheiros não há relação de parentesco. São
marido e mulher, companheiro e companheira, mas não são parentes. Entretanto,
os parentes da mulher, na linha reta ou colateral, são parentes do marido pelo
vínculo da afinidade; e vice-versa. É a lei que enuncia: “Cada cônjuge ou
companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade”. [xiv] No
parentesco por afinidade há regras peculiares, destacando-se que somente há
vínculo de afinidade com os ascendentes, os descendentes e os irmãos do cônjuge
ou companheiro.[xv] Assim,
por exemplo, sobrinho ou tio da esposa ou companheira não é parente por afinidade
com o marido. Há posições doutrinárias que negam à afinidade inserir-se na
categoria de relação de parentesco.[xvi]
10. PARENTESCO POR AFINIDADE NA LINHA RETA. De modo
infinito se estabelece o parentesco por afinidade de um cônjuge com os
descendentes e ascendentes do outro cônjuge. A lei também enuncia que “a afinidade não se extingue com a
dissolução do casamento ou da união estável”.[xvii]
A sogra permanecerá sogra, ainda que o genro se torne viúvo. O genro não poderá se casar com a sogra, porque os afins em
linha reta estão impedidos ao casamento e o vínculo não se extingue ainda que
dissolvido o vínculo matrimonial do genro. [xviii]
No Brasil não há denominações específicas além do 2º grau na afinidade na linha
reta (sogro/sogra; enteado/enteada; pai do sogro; filho da enteada etc.). [xix]
Questiona-se a constitucionalidade das normas retro, uma vez que a Constituição
consagra a liberdade para a constituição
da família (CF 226, §6º).
11. PARENTESCO POR AFINIDADE NA LINHA COLATERAL. Como
afirmado, o vínculo de afinidade de um cônjuge em relação aos colaterais do
outro cônjuge limita-se aos irmãos deste. Daí se pode dizer que o cunhado ou a
cunhada de um cônjuge são seus parentes por afinidade. Tal vínculo se extingue
com a morte ou dissolução do casamento ou da união estável. Diz-se, pois, que
tal parentesco é condicionado à higidez do casamento ou da união estável. [xx]
No Brasil, de grande prestígio social é a relação com o concunhado (a), mas não
se lhe reconhece nenhum efeito jurídico.
12. FILIAÇÃO - UMA RELAÇÃO DE PARENTESCO. Uma pessoa, até o
estágio atual da Ciência, somente pode ser gerada pelo espermatozoide de um
homem e o óvulo de uma mulher. Será filho biológico de um homem e uma mulher. Originam-se,
daí, os conceitos de paternidade e maternidade. Para o Direito, todavia, a
filiação é um conceito que vai muito além da simples relação biológica: uma
pessoa ter nascido de outra. Trata-se de uma “construção cultural[xxi]”;
um fato sociológico que ao direito interessou regulamentar. No caso do direito brasileiro a filiação advém
de critérios biológicos e não biológicos. Ao direito não mais interessa se uma
pessoa é filho havido de uma “relação de casamento, ou por adoção”.[xxii]
Qualquer seja a origem da filiação os filhos “terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à
filiação”. A filiação, portanto, não advém do vínculo biológico, mas de um
critério de direito.
13. PRESUNÇÕES QUANTO À FILIAÇÃO. Se a mulher é casada,
presume-se como filho de seu marido, aquele por ela gerado, na constância do
casamento: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de
estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias
subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial,
nulidade e anulação do casamento; III - havidos
por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos,
a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de
concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial
heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.[xxiii]
Com a grande evolução científica verificada no controle de técnicas e do
conhecimento da fecundação, tornou-se quase desnecessárias as presunções legais
sobre paternidade e maternidade fixadas pelo critério do número de dias entre o
nascimento do filho e um fato relacionado com a mãe e o pai. As regras sobre a presunção
aplicam-se à união estável.[xxiv]
14. HIPÓTESES QUE ILIDEM A PRESUNÇÃO LEGAL DE PATERNIDADE.
O texto da lei reflete claramente uma preocupação do legislador em estabelecer
critérios para afastar a presunção legal de paternidade nos idos em que o exame
de DNA ainda não era conhecido. Por isso determinou no artigo 1598 do CC que
“Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II
do art. 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este
se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da
data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse
período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do art. 1597”. Além
dessa disposição excludente da presunção legal de paternidade outras foram
fixadas. Assim, a “prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da
concepção, ilide a presunção da paternidade”.
15. A REPRODUÇÃO ASSISTIDA. O conhecimento científico e a evolução
da técnica permitem atualmente que a vida seja gerada, “independentemente do
ato sexual”. A técnica de fecundação de
um óvulo sem a ocorrência do ato sexual se denomina reprodução assistida.
[xxv] O
legislador, por descuido talvez, empregou três termos no Código Civil (fecundação
artificial; concepção artificial; inseminação artificial)[xxvi],
como se fossem técnicas de reprodução. Não é isso. O objetivo do legislador é o
de dar efeitos jurídicos diferentes, para
a filiação de quem é gerado por reprodução assistida, em função da concordância
ou não do marido com a gravidez da mulher pelo método artificial. Sobre as
técnicas na reprodução assistida, há duas que são básicas: o sêmen é conduzido
(introduzido) artificialmente pela trompa até fecundar o óvulo que existe no
corpo da mulher (fecundação ou fertilização in vivo; GIFT (Gametha Intra Fallopian
Transfer)); o óvulo é retirado do
corpo da mulher e fecundado em ambiente de laboratório (fecundação ou
fertilização in
vitro).[xxvii]
O Código Civil é insuficiente para determinar os efeitos legais da reprodução
assistida. O aluno deve pesquisar também a Lei da Biossegurança (Lei 11.105/05)
e a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM 1.358/92).
16. A FILIAÇÃO DECORRENTE DA FECUNDAÇÃO ARTIFICIAL
HOMÓLOGA. Diz que há fecundação[xxviii]
artificial homóloga quando a fecundação do óvulo
da mulher é realizada com o sêmen do marido, todavia
sem que isso tenha decorrido de uma relação sexual (cópula). A fecundação
ocorre por meios científicos (manipulação). Nessa categoria de reprodução
assistida (a homóloga) dispensa-se a autorização do marido. Entretanto, como a
técnica permite que a fecundação ocorra depois da morte do marido, decorridos
300 dias deste fato, a presunção de paternidade se verifica se existir a prévia
autorização para fecundação post mortem.
Diz-se que a fecundação é homóloga
porque o material genético é proveniente do próprio casal (do marido e da
mulher ou do companheiro e da companheira). A técnica é denominada inseminação artificial. [xxix]
17. A FILIAÇÃO DECORRENTE DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL
HETERÓLOGA. O legislador denomina heteróloga a fecundação artificial do óvulo da mulher ou
companheira com o sêmen de outro homem que não seja de seu marido ou
companheiro. Daí se empregar o adjetivo heteróloga.
[xxx]
A validade da presunção legal da paternidade ao marido depende de sua prévia autorização para que a mulher se submeta ao
procedimento retro. Não há cópula, pois é artificial. O inciso V, do artigo
1.597 do CPC não se preocupa com a técnica empregada[xxxi]
para a fecundação, mas com o consentimento do marido. Este não pode ser
revogado nem a paternidade impugnada. Uma vez dado o consentimento, a revogação
deste implicaria aceitar o venire contra
factum proprium. [xxxii]
18. FILIAÇÃO POR CONCEPÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA DE EMBRIÕES
EXCEDENTÁRIOS. O embrião[xxxiii]
humano é o ser humano que se desenvolve nas primeiras oito semanas depois da fecundação de um óvulo com um sêmen. A
fecundação na concepção artificial que forma embriões excedentários, ocorre quando muitos óvulos são expostos aos
espermatozoides para aumentar a probabilidade da fecundação. Escolhe-se um
óvulo fecundado, ficando excedentes os
demais. A fecundação não se verifica no corpo da mulher, mas fora deste (em
ambiente de laboratório). O embrião, uma vez formado, pode se desenvolver na
via intra-uterina. Possível também que o desenvolvimento ocorra numa proveta
(fecundação in vitro) e
posteriormente seja alojado no útero. No Brasil somente se admite a presunção
de paternidade para o caso de embriões excedentários em concepção homóloga (do
marido e da mulher). Não há previsão legal para a barriga de aluguel
(comercialização do útero). [xxxiv]
19. A BARRIGA DE ALUGUEL. A expressão compreende a ideia
de que um embrião será alojado no útero de mulher que não é a produtora do óvulo
(mulher diversa do que seria a mãe biológica natural). Se a gestante receber
pagamento por isso, ela estará infringindo disposição constitucional que veda a
comercialização de órgão, tecido ou substância humana, eis que a Constituição
Federal determina que “ A lei disporá
sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e
substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a
coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização”.[xxxv] Entretanto, a Resolução 1.358/92 do CFM
permite que, sem fins lucrativos, a mãe, a avó, a neta ou a irmã da mãe
genética possa a esta ceder o útero acolher
o embrião formado com o óvulo da parente. Caem por terra, com o desenvolvimento da
técnica de reprodução assistida, as presunções: mater semper certa est; pater
is est quem justae nuptiae demonstrant. [xxxvi]
20. FILIAÇÃO DECORRENTE DA POSSE DE ESTADO DE FILHO -
SOCIOAFETIVIDADE. A expressão “posse de estado” tem um sentido jurídico
próprio. Ela significa exteriorizar uma situação jurídica que não deriva de filiação
biológica ou da adoçãoe. [xxxvii]
Na cultura brasileira discursa-se sobre o “pai de criação”. Uma situação de
aparência na qual a sociedade identifica uma pessoa como integrante da família
formada pelas pessoas que se apresentam como pais. Se a pessoa que se apresenta
como filho é criado e educado como tal, além de usar publicamente o nome da
família, instaura-se a posse de estado de filho que constitui modalidade de
parentesco civil de origem afetiva. [xxxviii]
21. DIREITO AO CONHECIMENTO DA ORIGEM GENÉTICA. Filiação e origem genética são institutos distintos. Estabelecida uma filiação
sabidamente advinda por critério não biológico, se ocorrida na forma da lei,
paternidade e maternidade são irrevogáveis. Apesar disso, a pessoa tem o
direito de conhecer sua origem genética. Não se trata de investigação de
paternidade, mas simplesmente direito da personalidade. Por isso, a Resolução
CFM 1.358/92 obriga os centros de reprodução assistida, nos casos de pessoas
concebidas com gametas de doador anônimo, a manter “de forma permanente, um
registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma
amostra de material celular dos doadores”. [xxxix]
Em qualquer caso, o doador não é revelado ao investigante de sua origem
genética.
22. ADULTÉRIO DA MULHER E A PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE DO
MARIDO. O legislador determinou que o fato de a mulher ter cometido adultério,
“ainda que confessado”, não é o bastante para ilidir automaticamente a
presunção legal da paternidade.[xl]
Ressalta-se que a confissão materna de que seu filho não o é do marido é
insuficiente para excluir a paternidade.[xli]
23. DA PROVA DA FILIAÇÃO.
O instrumento legal de que prova a filiação de uma pessoa é “certidão do
termo de nascimento registrada no Registro Civil”.[xlii]
Trata-se de prova robusta, mas iuris
tantum, eis que apesar de ninguém poder “vindicar estado contrário ao que
resulta do registro de nascimento”, isso poderá ser feito, “provando-se erro ou falsidade do registro”.[xliii]
Inexistindo o termo ou sendo este defeituoso, a filiação poderá ser provada por qualquer modo admissível em direito,
desde que: haja “começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou
separadamente”; existam veementes presunções resultantes de fatos já certos. [xliv]) .
24. AÇÕES TÍPICAS RELATIVAS À FILIAÇÃO. Normalmente as
ações relativas a filiação distribuem-se em duas categorias: ação negatória de
paternidade, também conhecida como ação de contestação de paternidade; ação de
investigação da paternidade, também denominada ação declaratória de
paternidade/maternidade. A primeira cabe para desconstituir a paternidade
presumida pela lei. A segunda tem sentido quando a pessoa não sabe quem é o seu
genitor ou genitora (investigação de paternidade ou maternidade) e pretende ver
essa situação declarada. Sob o impacto
da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, mudanças no
pensamento jurisprudencial ocorreram. Surgiu, dentre outras, a ação declaratória de ascendência genética. [xlv]
Por isso, no plano prático, o que interessa processualmente é conhecer quais
são os objetos das ações que podem ser movidas: pelo filho; pelo pai; pela mãe;
por terceiros.
25. AÇÃO
DECLARATÓRIA DE ASCENDÊNCIA GENÉTICA.
26. AÇÃO DECLARATÓRIA DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. Depois que
o TJRS reconheceu a validade da adoção póstuma, ou seja, validar uma adoção que
não se deu pelo rito da lei, mas pelo reconhecimento da posse de estado de
filho, descortinou-se o acolhimento da filiação sócio afetiva. Isso significa
declarar o “pai de verdade” ou a “mãe de verdade”. O efeito dessa sentença
declaratória tem primazia sobre a ação de ascendência genética. [xlvi]
27. Quanto à ação negatória, dispõe o Código Civil que “cabe ao marido [legitimidade] o direito de
contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação
imprescritível”. Atualmente é pacífico o entendimento de que o filho tem o
direito de buscar a negação da filiação que lhe fora atribuída. Uma vez
distribuída a ação de negação da paternidade, os herdeiros do impugnante terão
o direito de prosseguir na ação. [xlvii]
[i] “O
totem é o antepassado comum do clã” (FREUD, Sigmund. Obras psicológicas: Volume
XIII: Totem e tabu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.22).
[ii]
Idem, p. 26.
[iii]
“A linguagem dessas tribos australianas apresenta uma peculiaridade que sem
dúvida tem relação com o que estamos tratando: os termos por elas empregados
para expressar os diversos graus de parentesco não denotam uma relação entre
dois indivíduos mas sim entre um indivíduo e um grupo. Foi isto que L. H.
Morgam (1877) denominou sistema classificatório de parentesco. Assim um homem
se utiliza do termo pai não apenas par o seu verdadeiro genitor, mas também
para todos os outros homens com que sua mãe poderia ter-se casado, de acordo
com a lei tribal, e que, desse modo, poderiam tê-lo gerado. Emprega o termo mãe
não apenas para a mulher de quem na realidade nasceu, mas também para todas as
outras mulheres que lhe poderiam ter dado à luz sem transgredir a lei da tribo;
usa as expressões irmão e irmã não somente para os filhos de seus pais
verdadeiros, mas tambpem para os filhos de todas aquelas pessoas com que mantém
uma relação de pais, no sentido classificatório, e assim por diante”. (FREUD, Sigmund. Obras psicológicas: Volume
XIII: Totem e tabu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.26).
[iv] LEVI-STRAUSS,
Claude. As estruturas elementares do
parentesco. 3. ed. Petrópolis: Vozes,
2033, p. 520.
[v]
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano. 20. Ed. Rio de Janeiro,
Forense, 1997, p. 108 e 109.
[vi]
DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, p. 339.
[vii]
CC 1.597, incisos I a V.
[viii]
CP 181.
[ix]
CC 1593.
[x]
“Ancestral comum, do qual se originou uma descendência” (SIDOU, J. M. Othon.
Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1995).
[xi]
CC 1592.
[xii]
CC 1592.
[xiii]
CC 1594.
[xiv]
CC 1.595
[xv]
CC 1.595 §1º
[xvi]
Guilherme Calmon Nogueira da Gama já manifestou dizendo que o legislador
cometeu equívoco “ao considerar as relações de afinidade como relação de
parentesco”. A corrente contrária se ampara no fato de que a relação de
parentesco, não mais se ampara apenas em critérios biológicos (LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 183).
[xvii]
CC 1.595 §2º
[xviii]
CC 1521; II.
[xix]
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias.
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 189.
[xx]
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias.
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 190.
[xxi]
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias.
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 192.
[xxii]
CC 1.596
[xxiii]
CC 1597.
[xxiv]
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias.
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 202.
[xxv] DIAS,
Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, p. 358.
[xxvi] CC
1597, incisos III, IV e V.
[xxvii] As
atuais técnicas de reprodução assistida espraiam-se em quatro vertentes:
inseminação artificial; transferência intratubária de gametas; transferência
intratubária de zigotos; fertilização in vitro.
Comentários ao Código Civil: artigo por artigo. Coordenadores Carlos Eduardo
Nicoletti Camill ..[et al]. -São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 1163,
notas 145 a 148.
[xxviii]
“No caso de haver espermatozoides nas trompas de Falópio no momento da
ovulação, um espermatozoide pode fecundar o óvulo. A fecundação ocorre no terço
anterior da trompa (próximo ao ovário) e o zigoto formado inicia imediatamente
o processo de desenvolvimento embrionário. O embrião em desenvolvimento vai-se
deslocando pela trompa em direção ao útero”. (AMABIS, José Mariano (et al).
Curso básico de biologia: os seres vivos. 1. ed. São Paulo: Moderna, 1985, p.
458).
[xxix]
“Aqui a fertilização se faz pelo método GIFT (Gametha Intra Fallopian
Transfer), onde há inoculação do sêmen na mulher, sem que haja qualquer
manipulação externa do óvulo ou embrião. Há a introdução de esperma no interior
do canal genital feminino, por processos mecânicos, sem que tenha havido aproximação
sexual. O operador recolhe em uma seringa o material fecundante, injetando-o na
cavidade uterina da mulher. Essa técnica pretende auxiliar a resolução dos
problemas da fertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando
outras terapêuticas tenham sido ineficazes”
[xxx]
Diz-se do que é composto de elementos diferentes pela origem ou pela estrutura
- FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário
da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
[xxxi]
Comentários ao Código Civil: artigo por artigo. Coordenadores Carlos Eduardo
Nicoletti Camill ..[et al]. -São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 1163.
[xxxii]
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias.
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 201.
[xxxiii]
“Cerca de quatro semanas após a fecundação, o embrião humano tem perto de 1 cm
de comprimento; seus olhos estão em formação e seu pequeno coração começa a funcionar.
... Na oitava semana, o embrião, então, com aproximadamente 2,5 cm de
comprimento, já possui forma humana e passa a ser chamado de feto” (AMABIS,
José Mariano (et al). Curso básico de biologia: os seres vivos. 1. ed. São
Paulo: Moderna, 1985, p. 461).
[xxxiv]
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias.
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 199.
[xxxv]
CF 199 §4º
[xxxvi]
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2011, p. 362. GONÇALVES,
Carlos Roberto. Direito de Família. Sinopse Jurídica. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 87.
[xxxvii]
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2011, p. 362.
[xxxviii]
“O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva produz todos os
efeitos pessoais e patrimoniais que lhe são inerentes. O vínculo de filiação
socioafetiva, que se legitima no interesse do filho, gera o parentesco
socioafetivo para todos os fins de direito, nos limites da lei civil” - (DIAS,
Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, p. 365). “A família do terceiro milênio é arquitetada pelo
casamento, união estável e pela comunidade formada por qualquer dos pais e o
filho, denominada família nuclear, pós-nuclear, unilinear, monoparental,
eudemonista ou socioafetiva” (Belmiro Pedro Welter, in: Família e sucessões:
relações de parentesco / Yussef Said Cahali, Francisco José Cahali
organizadores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 419). SOCIOAFETIVIDADE.
“O registro espontâneo e consciente da paternidade — mesmo havendo sérias dúvidas sobre a
ascendência genética — gera a
paternidade socioafetiva, que não pode ser desconstituída posteriormente , em
atenção à primazia do interesse do menor”... “Ademais, a prevalência da
filiação socioafetiva em detrimento da verdade biológica, no caso, tão somente dá vigência à cláusula geral de
tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento
fundamental na formação da identidade do ser humano. - REsp 1.224.957- SC, Rel. Min. Nancy Andrighi;
julgado em 7/8/2012. (Boletim IBDFAM N. 76 - setembro/outubro 2012).
[xxxix]
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias.
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 204.
[xl]
CC 1.600.
[xli]
CC 1602.
[xlii]
CC 1603.
[xliii]
CC 1604
[xliv]
CC 1605
[xlv] DIAS,
Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, p. 391.
[xlvi] DIAS,
Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, P. 393.
[xlvii]
CC 1.601.
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