RESSUSCITANDO A DISCUSSÃO SOBRE A PENSÃO ALIMENTÍCIA FIXADA
EM SALÁRIOS MÍNIMOS.
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Artigo
publicado no Jornal Estado de Minas; Caderno Direito e Justiça, ed.
27/06/2014, pag. 3.
Analiso aqui
um caso hipotético. Um trabalhador foi condenado a pagar pensão de um salário
mínimo (SM) destinada aos seus dois filhos do primeiro casamento. No segundo
matrimônio teve mais três filhos. A questão posta é: os três filhos mais novos
estariam sendo tratados com igualdade econômica em relação aos dois primeiros
filhos?
Tomarei por
referência a variação do SM, entre janeiro de 2010 e janeiro de 2014. Nesse
período amostrado, o valor nominal do SM sofreu uma majoração de 41,96% (de R$
510,00 para R$724,00). Considerando o IPCA acumulado nos anos 2010 a 2013,
temos uma variação de 26,44% (5,91%; 6,50%; 5,84% e 5,91%). Portanto, a pensão
dos dois primeiros filhos teve um ganho no poder de compra de aproximadamente
14,52 pontos percentuais. Um aumento real, pois a variação do SM superou a do
IPCA. Isso significa melhor condição econômica de vida. A óbvia e incômoda pergunta
que segue é: o salário desse trabalhador, que paga a pensão, evoluiu conforme o
salário mínimo?
No Brasil,
muitas categorias profissionais tiveram os salários praticamente sem ganho
real. Como exemplo, tem-se a categoria dos comerciários da cidade de São Paulo,
que conseguiu reajustar os salários em 2013, conforme Data Folha, em apenas
5,6%. Isso significa mera recomposição do poder de compra sem ganho real.
No exemplo acima, os filhos do primeiro
casamento deste trabalhador, ao contrário dos três outros filhos, foram
beneficiados com um aumento real no poder de compra da pensão. Uma ostensiva desigualdade de tratamento
entre os filhos. Isso fere a Constituição e a lei ordinária, pois “os filhos
terão os mesmos direitos”, segundo proclama nosso ordenamento.
Ademais,
tem-se a lei, que diz: “as prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão
atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido”. Embora o
enunciado seja ambíguo, a maioria concorda que o índice ao qual o texto se
refere é o relativo à inflação. Essa interpretação é razoável, eis que o artigo
22 da Lei 6.515 de 26.12.1977, estabelecia que “salvo decisão judicial, as
prestações alimentícias, de qualquer natureza serão corrigidas, monetariamente,
na forma dos índices de atualizações das Obrigações Reajustáveis do Tesouro
Nacional”. Por conseguinte, como o IPCA é o índice oficial da inflação, então,
apenas esse indicador deveria ser observado para corrigir o valor de compra da
pensão alimentícia.
Por que,
então, pensões continuam sendo fixadas em SM?
O debate não é novo. O professor
da PUC-SP, Carlos Eduardo Nicoletti Camilo, já advertira em 2006 que não era
conveniente fixar em salário mínimo a pensão alimentícia, pois tal índice “em
nosso país, mais parece uma válvula político-eleitoral do que a mínima e digna
remuneração a que um trabalhador brasileiro efetivamente merece perceber”, mas
o Judiciário e parte da doutrina atrelaram-se, incialmente, ao vetusto artigo
22 da Lei 6515/77, que dava ao juiz o poder de sopesar e decidir qual índice
adotaria para corrigir o valor da pensão. Em seguida, doutrinadores de escol,
como Maria Berenice Dias e Pablo S. Gagliano, esposaram a tese no sentido de
que “a natureza especial da verba alimentar justificaria” a fixação da pensão
em salário mínimo e acrescentaram que este ato não se revelaria
inconstitucional perante o art. 7º, inciso IV da Constituição Federal, que
proíbe seja utilizado o salário mínimo como indexador para qualquer fim. Os
mais radicais propalaram que esta discussão estaria sepultada, pois o STF, no
RE 170203, de 1993, decidiu que prestações alimentícias poderiam ser fixadas em
salário mínimo. Estaria?
Para
responder, dirijo-me à fonte, o voto do Ministro Ilmar Galvão, relator do RE
170203, assim fundamentado: “O Supremo Tribunal Federal, sob a ordem
constitucional precedente, considerou inaplicável a proibição do uso do
salário-mínimo como base de cálculo, em se tratando de...cálculo de pensão em
ação de indenização por ato ilícito”. Argumentou ainda que esse critério daria ao
beneficiário as garantias que a Constituição quis dar ao trabalhador, no
tocante ao atendimento de suas “necessidades vitais” e concluiu que “nenhum
outro padrão seria mais adequado à estipulação da pensão”.
Exsurgem do
contexto, três perplexidades hermenêuticas:
1ª) Segundo Ronald Dworkin, as
decisões judiciais devem ser especificas ao caso e “calcadas em princípios”.
Por isso, soa ilegítimo, o STF simplesmente negar a literalidade de um
enunciado proibitivo constitucional, sem fundamentar seu entendimento,
sopesando princípios constitucionais. A interpretação constitucional, no dizer
de Carlos Maximiliano, é precipuamente sistemática e teleológica, e nem sempre
“o fato de se mencionar um caso determinado obrigará a excluir todos os
outros”.
2ª) A analogia defendida pela
doutrina (o aplicável à pensão por ato ilícito valer para a pensão de direito
de família) é inaceitável pois ela somente se aplica quando a lei for omissa
(art. 4º da LINDB) e, no caso, há norma específica dizendo que a pensão alimentícia
deve ser corrigida pelo índice oficial, sem dar ao julgador direito de fixá-la
de forma diversa.
3ª) É o valor do salário mínimo que deve
assegurar o atendimento às necessidades vitais do brasileiro e não seu emprego
como indexador.
Manter alimentos fixados em
salários mínimos é conscientemente afrontar o princípio da igualdade de
tratamento entre filhos insculpido no art. 227, §6º da Constituição Federal.
Jorge Ferreira S. Filho. Mestre em Direito pela UGV. Especialização em
Direito de Família pela Universidade de Coimbra – Portugal. Professor de
Direito de Família da Faculdade de Direito de Ipatinga. Associado ao IBDFAM. Advogado - Articulista. E-mail
professorjorge1@hotmail.com
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