A VALIDADE DAS PROVAS NA OPERAÇÃO “LAVA-JATO”
·
Artigo
publicado no jornal O TEMPO; edição de 28/02/2016, pag. 17
Não é a primeira vez que a Presidente critica a
eficácia probante das declarações obtidas por meio das delações premiadas. Porém,
no dia 22/01/16, ela foi mais contundente, pois disse que não se conforma com a
interrogação de um investigado, com base no “diz que me diz”. Em outras
palavras, a delação não poderia ser aceita sem provas. Estaria Dilma com a
razão?
Inicialmente, declaro ao leitor que comungo a opinião
de Hélio Schwartsman, no sentido de que “é difícil acreditar que as prisões
provisórias não estejam sendo usadas para incentivar delações premiadas”,
todavia isso se insere no universo dos fatos inconfessáveis. A delação será
tratada como um mero efeito colateral. Nada mais.
Retornando ao tema, penso que o homem comum toma como
verdade o conteúdo de qualquer delação, considerando-o uma “confissão”.
Influencia-se pela mídia. Reage com indignação e desconfiança às justificativas
improváveis e aberrantes, tal como o taxista, que ao ouvir a notícia do rádio,
sobre o tríplex de Guarujá, exclamou: “essa gente acha que sou burro... o que a
mulher do Lula foi fazer lá? Ela não é decoradora...”.
A Presidente não é uma pessoa qualquer. Ela sabe que a
eficácia da prova oriunda da delação depende do conjunto probatório. Improvisando, no dia 28/01, em Quito, nossa
Presidente, que não é boa em história, e outras coisas mais, disse que “na era
medieval”, a inocência ou a culpa do acusado era decidida por meio de uma luta
(acusador x acusado), mas a civilização teria avançado muito, como resultado
das lutas democráticas. Não é bem assim.
A história registra que, já na Grécia Antiga, a verdade
nos litígios se estabelecia por meio do “jogo da prova”, aceitando-se o desafio
do acusador (jurar diante dos Deuses, lutar etc.). Com a evolução, ainda na Grécia, o depoimento de uma pessoa (a
testemunha) elevou-se ao quase status
de prova jurídica. Um simples pastor, relatando o que viu, na peça de Sófocles
(Édipo-Rei) resolve o litígio criminal: quem matou o Rei Laio?
Se surgisse um novo Francenildo, seria um desastre
para os acusados, mas não é necessário, pois nos crimes relacionados com a
“lava-jato”, as provas centradas na tecnologia têm preponderância.
O discurso de Dilma é “para a torcida”. Ela sabe que no
Brasil, o Código de Processo Penal considera a confissão como meio de prova,
porém, sempre retratável. Já na Lei 12.850/2013, sancionada por Dilma, “a
colaboração premiada” é um meio de obtenção da prova, mas “Nenhuma sentença
condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente
colaborador”.
O “diz que me diz” é muito pouco no conjunto
probatório. Há, também, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, a
interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, o afastamento dos
sigilos financeiro, bancário e fiscal. Nisso deveria residir a preocupação da
Presidente.
Jorge
Ferreira S. Filho. Articulista. Advogado. Conselheiro do Instituto
dos Advogados de Minas Gerais – IAMG. E-mail professorjorge1@hotmail.com
O QUE MORRE COM
UMBERTO ECO?
·
Artigo
publicado no Jornal Diário do Aço; edição de 24/02/2016; página 02 e no Portal
Carta de Notícias
O romance “O Nome
da Rosa” e o filme de mesmo nome, protagonizado por Sean Connery, popularizaram
mundialmente o eclético escritor Umberto Eco. Faleceu na sexta feira (19/02/2016) e a
notícia de sua morte fez-me viajar pela minha memória e lembrar quanto esse escritor
influenciou-me na vida acadêmica.
São muitas as suas
geniais obras, tais como “O Pêndulo de Foucault” e “O Cemitério de Praga”, mas
a que mais me marcou foi sem dúvida sua obra técnica Como si fa una tesi de láurea. Um livro quase “de bolso”, mas uma
bíblia em conteúdo. Na introdução, na qual ECO disseca criticamente o modelo da
universidade italiana dos anos 70, por ele definida como “uma universidade de
massa”, já se tem um texto imperdível.
O escritor
percebeu o modelo social da universidade italiana anterior como uma
“universidade de elite”. Os alunos normalmente dispunham de tempo integral para
o estudo e originavam-se de famílias que também passaram pelas mesmas salas de
aula. As lições “consistiam de prestigiosas conferências” seguidas de conversas
entre o professor e grupo de alunos, formatando um ambiente de sadio debate.
Em contraste,
na universidade de massa, os alunos eram egressos de todas as classes sociais e
diferentes perfis de cursos secundário. Milhares de alunos inscritos. Verdadeiros auditórios para realização de
aulas, sendo que o professor mal podia se lembrar de “uns trinta mais
assíduos”. No conjunto, havia alunos de boas condições socioeconômicas e outros
que trabalhavam o dia inteiro ou eram muito pobres. Estes se perfilavam como
estudantes “a quem nunca se explicou como procurar um livro na biblioteca” nem
informação alguma recebera sobre onde e como buscar outras bibliotecas. Todos,
porém, para conclusão do curso deveriam escrever a TESE (monografia, dissertação
etc.). Dessa preocupação com a conjuntura da universidade de massa é que nasceu
o livro destinado a ensinar aos alunos, numa linguagem direta, mas profunda: o
que é uma tese; como escolher o tema da pesquisa; como organizar o tempo para o
trabalho; como empreender a pesquisa bibliográfica; como organizar os dados; e,
finalmente, como fazer a redação do texto.
Sobreveio a Internet.
Disso resultou a democratização do acesso à informação científica. Nasceram também
as facilidades do plágio e da manipulação das notícias de conteúdo político,
tendo as Redes Sociais produzido, na visão do professor Umberto Eco o “idiota
de aldeia”. Pessoas intolerantes e agressivas, donas da verdade ou os “pequenos
profetas de plantão”, como as classifica o professor João Cezar de Castro
Rocha.
No seu último
livro “Número Zero”, Eco expõe sua decepção com a política e a sociedade
italianas, fundadas em reflexões que se ajustam ao Estado brasileiro. Vai com
ele a polêmica advertência no sentido de que intelectual não deve ser o motor
da revolução, pois as revoluções com esse berço seriam “sempre perigosas”.
Jorge
Ferreira S. Filho. Articulista. Advogado. Membro do Conselho Superior do Instituto
dos Advogados de Minas Gerais – IAMG. E-mail professorjorge1@hotmail.com
CARRETAS ASSASSINAS?
·
Artigo publicado no Jornal O TEMPO,
edição de 03/02/2016, pag. 19
Uma carreta desgovernada matou duas pessoas e atingiu veículos no Anel
rodoviário de Belo Horizonte. O jornal O Tempo, edição de 28/01/16, publica
extensa matéria e divulga que o condutor da carreta não se sentia culpado pelo
acidente. Justificou-se dizendo que “o caminhão perdeu o freio”. Não posso
concordar.
Os atuais equipamentos de transporte rodoviário de cargas pesadas (cavalos,
carretas etc.) são dotados de sofisticados sistemas de frenagem. Inconcebível
que um caminhão transportando várias toneladas possa perder os freios sem que
haja culpa de alguém. Não é razoável, ensinando os estudiosos que “por trás do
fato da coisa inanimada há sempre o fato do homem”. Alguém carregou o caminhão
com carga superior ao permitido, não substituiu a peça desgastada, deixou de
fazer a manutenção à época indicada, entrou em estrada com declive incompatível
com a carga ou deixou, dentre outras possibilidades, que o veículo atingisse
uma velocidade contra a qual nenhum freio adiantaria mais.
Infelizmente, muitos são os irresponsáveis e para evitar a consequência
de seus atos é que existe também o Estado, com os deveres de fiscalizar e
regulamentar o trânsito de forma preventiva.
Faz alguns anos que luto para que haja uma legislação especial quanto
ao trânsito de veículos de grande porte na BR 381. Um veículo pequeno não tem a menor chance
contra uma carreta ou uma bobina de aço que daquela venha a cair. Ninguém com
sanidade mental permitiria que uma criança de três anos de idade andasse
livremente num curral entre vacas e bezerros. Essa é a comparação que faço sobre
o que ocorre nas nossas estradas.
Em 2012, apresentei à 4ª Superintendência da PRF, um pedido de estudos sobre
medidas preventivas ao trânsito de carretas. Em especial, para o Anel
sugeri: a faixa obrigatória para os
caminhões nas descidas, ou seja, a proibição de ultrapassagens; a redução do
atual limite de velocidade; proibição da circulação das carretas nos horários
de rush. Uma das autoridades desse órgão defendeu que todos têm o mesmo direito
nas estradas (grandes e pequenos veículos).
Oportuno transcrever as conclusões estarrecedoras da pesquisa
encomendada pelo DETRAN-ES, realizada em 2007, com a finalidade de levantar
dados para embasar medidas que melhorassem o trânsito na Grande Vitória. Na
síntese de Roberto DaMatta: somos treinados para enxergar as pessoas como um
superior ou inferior, mas nunca como um igual; o desconhecido do veículo ao
lado é sempre um inferior; a maioria dos condutores ignoram a responsabilidade
civil conexa às consequências de um acidente; os caminhoneiros entrevistados
“acham que a diferença entre conduzir um caminhão e um carro de passeio estaria
simplesmente no tamanho do veículo”; “a ausência de distinção entre as funções
dos diversos veículos e seus estilos de direção é outra fonte de acidentes e
imprudências, contribuindo para a violência no trânsito”.
Jorge Ferreira S. Filho. Articulista. Advogado. Conselheiro do Instituto dos
Advogados de Minas Gerais – IAMG. E-mail professorjorge1@hotmail.com
BRASIL: SEGUNDO
TEMPO.
·
Artigo
publicado no Jornal Diário do Aço – 16/12/2015, pag. 02.
Em 2006,
Aloizio Mercadante publicou seu livro “Brasil – Primeiro Tempo”, cujo objetivo era
comparar os resultados econômicos e sociais do Governo Lula com os dos governos
anteriores. Com as recentes divulgações dos indicadores econômicos e sociais,
instigou-me perguntar se Mercadante, depois de 13 anos de governo petista,
ainda sustentaria suas conclusões. Vamos lá!
Mercadante
escreveu: “Ao final desse primeiro tempo,
podemos dizer com orgulho que reconstruímos com consistência as bases de um
crescimento econômico sustentável e começamos a mudar o padrão histórico de
concentração de renda, riqueza e poder que marca uma longa e perversa
trajetória de exclusão social de amplas parcelas de nosso povo”.
A real
situação econômica e social do Brasil de 2015 contrasta o raciocínio exposto,
mas, há no livro uma consideração honesta. Trata-se da confissão do escritor
lamentando que erros foram cometidos no “esforço de reconstrução do Brasil”,
assim dizendo: “o mais grave foi errar naquilo em que não tínhamos o direito de
errar: o império da ética”. Verdade! O PT afastou-se de sua bandeira moral, que
era o discurso ético a ensejar que haveria uma pratica ética no comportamento
político.
Os líderes do
PT ficaram apenas com o discurso ético, e, com isso, comprometeram aquilo que
poderia efetivamente resgatar dívidas sociais históricas do nosso Brasil, tal
como a sustentabilidade dos meios para distribuição da riqueza e redução da
desigualdade. Como isso ocorreu?
Sob a rubrica
“Criação de Condições para o Crescimento Sustentado” (Capítulo 5), Mercadante
apregoa que Lula “iniciou seus trabalhos com a ameaça da desorganização da
economia nacional e uma herança de severas restrições estruturais”. Elogiou o
crescimento de 4,9% da economia em 2004, como o melhor resultado dos últimos 10
anos, e reconheceu que as principais causas para esse êxito foram as exportações, a produção de bens de
capital e de bens de consumo duráveis. Como causas, “em menor medida”,
desse êxito, ele elencou os aumentos do salário e do consumo das famílias. Exaltou
a meta ambiciosa de 4,5% para a inflação de 2005, dizendo-a compatibilizadora
entre o crescimento econômico e a estabilidade de preços.
Faltou dizer
que as exportações, grande motor do governo Lula, foram um presente. Um fator
externo que ajudou nossa economia, mas que não decorreu concretamente de nenhum
ato governamental. E agora! Inflação alta, desemprego, industrias fechando,
salários atrasando, falta de perspectivas, uma sociedade dividida, uma juventude
alienada e descompromissada com a ética.
Reconheço em
Lula seu forte pragmatismo: “sem alianças nunca ganharemos as eleições”.
Entretanto, aliar-se com aqueles que o PT tanto combateu (Sarney, Maluf,
Collor, Renan Calheiros etc.) não é pragmatismo. Trata-se de esperteza, assim
como também o é mentir ao povo para ganhar eleições.
Jorge
Ferreira S. Filho. Professor. Conselheiro do Instituto dos Advogados de Minas
Gerais – IAMG.
A VALIDADE DAS PROVAS NA OPERAÇÃO “LAVA-JATO”
·
Artigo
publicado no jornal O TEMPO; edição de 28/02/2016, pag. 17
Não é a primeira vez que a Presidente critica a
eficácia probante das declarações obtidas por meio das delações premiadas. Porém,
no dia 22/01/16, ela foi mais contundente, pois disse que não se conforma com a
interrogação de um investigado, com base no “diz que me diz”. Em outras
palavras, a delação não poderia ser aceita sem provas. Estaria Dilma com a
razão?
Inicialmente, declaro ao leitor que comungo a opinião
de Hélio Schwartsman, no sentido de que “é difícil acreditar que as prisões
provisórias não estejam sendo usadas para incentivar delações premiadas”,
todavia isso se insere no universo dos fatos inconfessáveis. A delação será
tratada como um mero efeito colateral. Nada mais.
Retornando ao tema, penso que o homem comum toma como
verdade o conteúdo de qualquer delação, considerando-o uma “confissão”.
Influencia-se pela mídia. Reage com indignação e desconfiança às justificativas
improváveis e aberrantes, tal como o taxista, que ao ouvir a notícia do rádio,
sobre o tríplex de Guarujá, exclamou: “essa gente acha que sou burro... o que a
mulher do Lula foi fazer lá? Ela não é decoradora...”.
A Presidente não é uma pessoa qualquer. Ela sabe que a
eficácia da prova oriunda da delação depende do conjunto probatório. Improvisando, no dia 28/01, em Quito, nossa
Presidente, que não é boa em história, e outras coisas mais, disse que “na era
medieval”, a inocência ou a culpa do acusado era decidida por meio de uma luta
(acusador x acusado), mas a civilização teria avançado muito, como resultado
das lutas democráticas. Não é bem assim.
A história registra que, já na Grécia Antiga, a verdade
nos litígios se estabelecia por meio do “jogo da prova”, aceitando-se o desafio
do acusador (jurar diante dos Deuses, lutar etc.). Com a evolução, ainda na Grécia, o depoimento de uma pessoa (a
testemunha) elevou-se ao quase status
de prova jurídica. Um simples pastor, relatando o que viu, na peça de Sófocles
(Édipo-Rei) resolve o litígio criminal: quem matou o Rei Laio?
Se surgisse um novo Francenildo, seria um desastre
para os acusados, mas não é necessário, pois nos crimes relacionados com a
“lava-jato”, as provas centradas na tecnologia têm preponderância.
O discurso de Dilma é “para a torcida”. Ela sabe que no
Brasil, o Código de Processo Penal considera a confissão como meio de prova,
porém, sempre retratável. Já na Lei 12.850/2013, sancionada por Dilma, “a
colaboração premiada” é um meio de obtenção da prova, mas “Nenhuma sentença
condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente
colaborador”.
O “diz que me diz” é muito pouco no conjunto
probatório. Há, também, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, a
interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, o afastamento dos
sigilos financeiro, bancário e fiscal. Nisso deveria residir a preocupação da
Presidente.
O QUE MORRE COM
UMBERTO ECO?
·
Artigo
publicado no Jornal Diário do Aço; edição de 24/02/2016; página 02 e no Portal
Carta de Notícias
O romance “O Nome
da Rosa” e o filme de mesmo nome, protagonizado por Sean Connery, popularizaram
mundialmente o eclético escritor Umberto Eco. Faleceu na sexta feira (19/02/2016) e a
notícia de sua morte fez-me viajar pela minha memória e lembrar quanto esse escritor
influenciou-me na vida acadêmica.
São muitas as suas
geniais obras, tais como “O Pêndulo de Foucault” e “O Cemitério de Praga”, mas
a que mais me marcou foi sem dúvida sua obra técnica Como si fa una tesi de láurea. Um livro quase “de bolso”, mas uma
bíblia em conteúdo. Na introdução, na qual ECO disseca criticamente o modelo da
universidade italiana dos anos 70, por ele definida como “uma universidade de
massa”, já se tem um texto imperdível.
O escritor
percebeu o modelo social da universidade italiana anterior como uma
“universidade de elite”. Os alunos normalmente dispunham de tempo integral para
o estudo e originavam-se de famílias que também passaram pelas mesmas salas de
aula. As lições “consistiam de prestigiosas conferências” seguidas de conversas
entre o professor e grupo de alunos, formatando um ambiente de sadio debate.
Em contraste,
na universidade de massa, os alunos eram egressos de todas as classes sociais e
diferentes perfis de cursos secundário. Milhares de alunos inscritos. Verdadeiros auditórios para realização de
aulas, sendo que o professor mal podia se lembrar de “uns trinta mais
assíduos”. No conjunto, havia alunos de boas condições socioeconômicas e outros
que trabalhavam o dia inteiro ou eram muito pobres. Estes se perfilavam como
estudantes “a quem nunca se explicou como procurar um livro na biblioteca” nem
informação alguma recebera sobre onde e como buscar outras bibliotecas. Todos,
porém, para conclusão do curso deveriam escrever a TESE (monografia, dissertação
etc.). Dessa preocupação com a conjuntura da universidade de massa é que nasceu
o livro destinado a ensinar aos alunos, numa linguagem direta, mas profunda: o
que é uma tese; como escolher o tema da pesquisa; como organizar o tempo para o
trabalho; como empreender a pesquisa bibliográfica; como organizar os dados; e,
finalmente, como fazer a redação do texto.
Sobreveio a Internet.
Disso resultou a democratização do acesso à informação científica. Nasceram também
as facilidades do plágio e da manipulação das notícias de conteúdo político,
tendo as Redes Sociais produzido, na visão do professor Umberto Eco o “idiota
de aldeia”. Pessoas intolerantes e agressivas, donas da verdade ou os “pequenos
profetas de plantão”, como as classifica o professor João Cezar de Castro
Rocha.
No seu último
livro “Número Zero”, Eco expõe sua decepção com a política e a sociedade
italianas, fundadas em reflexões que se ajustam ao Estado brasileiro. Vai com
ele a polêmica advertência no sentido de que intelectual não deve ser o motor
da revolução, pois as revoluções com esse berço seriam “sempre perigosas”.
Jorge
Ferreira S. Filho. Articulista. Advogado. Membro do Conselho Superior do Instituto
dos Advogados de Minas Gerais – IAMG. E-mail professorjorge1@hotmail.com
CARRETAS ASSASSINAS?
·
Artigo publicado no Jornal O TEMPO,
edição de 03/02/2016, pag. 19
Uma carreta desgovernada matou duas pessoas e atingiu veículos no Anel
rodoviário de Belo Horizonte. O jornal O Tempo, edição de 28/01/16, publica
extensa matéria e divulga que o condutor da carreta não se sentia culpado pelo
acidente. Justificou-se dizendo que “o caminhão perdeu o freio”. Não posso
concordar.
Os atuais equipamentos de transporte rodoviário de cargas pesadas (cavalos,
carretas etc.) são dotados de sofisticados sistemas de frenagem. Inconcebível
que um caminhão transportando várias toneladas possa perder os freios sem que
haja culpa de alguém. Não é razoável, ensinando os estudiosos que “por trás do
fato da coisa inanimada há sempre o fato do homem”. Alguém carregou o caminhão
com carga superior ao permitido, não substituiu a peça desgastada, deixou de
fazer a manutenção à época indicada, entrou em estrada com declive incompatível
com a carga ou deixou, dentre outras possibilidades, que o veículo atingisse
uma velocidade contra a qual nenhum freio adiantaria mais.
Infelizmente, muitos são os irresponsáveis e para evitar a consequência
de seus atos é que existe também o Estado, com os deveres de fiscalizar e
regulamentar o trânsito de forma preventiva.
Faz alguns anos que luto para que haja uma legislação especial quanto
ao trânsito de veículos de grande porte na BR 381. Um veículo pequeno não tem a menor chance
contra uma carreta ou uma bobina de aço que daquela venha a cair. Ninguém com
sanidade mental permitiria que uma criança de três anos de idade andasse
livremente num curral entre vacas e bezerros. Essa é a comparação que faço sobre
o que ocorre nas nossas estradas.
Em 2012, apresentei à 4ª Superintendência da PRF, um pedido de estudos sobre
medidas preventivas ao trânsito de carretas. Em especial, para o Anel
sugeri: a faixa obrigatória para os
caminhões nas descidas, ou seja, a proibição de ultrapassagens; a redução do
atual limite de velocidade; proibição da circulação das carretas nos horários
de rush. Uma das autoridades desse órgão defendeu que todos têm o mesmo direito
nas estradas (grandes e pequenos veículos).
Oportuno transcrever as conclusões estarrecedoras da pesquisa
encomendada pelo DETRAN-ES, realizada em 2007, com a finalidade de levantar
dados para embasar medidas que melhorassem o trânsito na Grande Vitória. Na
síntese de Roberto DaMatta: somos treinados para enxergar as pessoas como um
superior ou inferior, mas nunca como um igual; o desconhecido do veículo ao
lado é sempre um inferior; a maioria dos condutores ignoram a responsabilidade
civil conexa às consequências de um acidente; os caminhoneiros entrevistados
“acham que a diferença entre conduzir um caminhão e um carro de passeio estaria
simplesmente no tamanho do veículo”; “a ausência de distinção entre as funções
dos diversos veículos e seus estilos de direção é outra fonte de acidentes e
imprudências, contribuindo para a violência no trânsito”.
Jorge Ferreira S. Filho. Articulista. Advogado. Conselheiro do Instituto dos
Advogados de Minas Gerais – IAMG. E-mail professorjorge1@hotmail.com
BRASIL: SEGUNDO TEMPO.
A Presidente e a Loucura
Mesmo depois de
a Presidente Dilma ter reconhecido que errou na condução da política e da
economia, uma minoria ainda reage como se estivesse em estado de “sono
profundo” e comungados com a irreflexão. Bom é dizer que, por coincidência ou
não, o Deus “Sono Profundo” e as Deusas “Irreflexão” e “Preguiça” integram a
corte da deidade Loucura, na clássica obra de Erasmo de Rotterdam, escrita em
1509, ensaio que muito influenciou para construção da modernidade.
A Loucura é
aquela que, sem gozar da admiração e dos aplausos da maioria, resolveu seguir o
velho ditado “quem não tem quem o louve, louve-se a si mesmo”. Vai ainda mais
longe. Vangloria-se por não preparar seus discursos e faz seu autoelogio: “Eu,
porém, sempre gostei muito de dizer tudo o que me passa pela cabeça”. Assim se
autodescreveu a Loucura e, cá, num inarredável paralelo, vai-se ouvindo: “Nós
temos a mandioca e hoje comungamos o milho com a mandioca”; “Quando nós criamos
uma bola destas, nós nos transformamos em homo sapiens ou mulher sapiens”; Não
vamos colocar meta. Vamos deixar a meta aberta, mas quando atingirmos a meta,
vamos dobrar a meta”. E a Loucura faz a festa. A minoria não silenciosa, acalentada
com o canto da Deusa Preguiça [mental], “tanto mais admira, quanto menos
entende”.
Os simples
dizeres desconexos acima narrados, atribuídos à mandatária chefe, já seriam o
bastante para que os sensatos se preocupassem de forma mais efetiva com o
destino do nosso país, que, no momento, mais parece uma nau sem rumo. Porém, como discursara a Loucura, “dulcíssima
é a vida na ausência de bom-senso”. E no embalo das ondas deste mar de
insensatez vai-se acostumando com o ruído de fundo: “as elites odeiam o PT”;
“as elites não toleram ver pobre comendo churrasco e viajando de avião”; “a
imprensa é contra o governo” etc. Mas, que elite seria essa?
Elites, há. E
são muitas: a política, a empresarial, a que controla o capital e por aí vai. Sem
dúvida, o grupo de pessoas que alcança o Poder perfaz-se em elite: a elite do
Poder. Uma vez no Poder, então, tudo para ali se manter. Daí nasce o diabólico matrimônio entre as
elites política e a do capital. Nessa
toada, a primeira volta-se para o esquema de capturar o Estado para si e a segunda
em garantir-se ao acesso às torneiras donde jorra o dinheiro público. Nesse
vínculo, essas elites, como descreveu Vinícius Mota, fazem vista grossa para o
fato de se “financiar ineficiências à custa do contribuinte”.
Nos 12 anos de
governo petista, conseguiu-se a proeza de que uma pescadora que mora em
palafita pudesse comprar uma TV Led para nesse aparelho, que hoje simboliza
distribuição de riqueza, assistir programas onde ela vê pessoas que têm o que
ela não tem: educação de qualidade; segurança; eficaz sistema de proteção à
saúde.
E no palácio,
a Loucura aplaude o discurso totalmente divorciado da realidade.
Jorge
Ferreira S. Filho. Articulista. Advogado. Assessor da Presidência do IAMG. E-mail
professorjorge1@hotmail.com
PORTE DE ARMA COMO EXERCÍCIO DA DIGNIDADE
*
Artigo publicado no Jornal Estado de Minas; Edição de domingo - 28/06/2015,
página 7.
Se o médico Jaime Gold,
esfaqueado na Lagoa Rodrigo de Freitas em maio de 2015, portasse uma arma de
fogo, teria a chance de defender-se contra seus atacantes. A população brasileira caiu num engodo. Deixou-se
envolver na fala mansa e doce do discurso político de que não seria
politicamente correto portar uma arma de fogo. Muitos, espontaneamente,
entregaram suas armas. Abriram mão de uma proteção que poderiam ter sem exigir
uma contrapartida das autoridades (desarmar a bandidagem; aumentar a segurança
nas ruas; assegurar um policiamento ostensivo eficaz e eficiente).
Nossa
Constituição consagra aos brasileiros o direito à vida, mas, em termos
práticos, não o assegura. Ao contrário. O Estado propala que o cidadão deva
viver em estado neurótico de alerta: tranque as portas; não deixe o carro
aberto; apague as luzes da casa quando viajar; não reaja se for assaltado;
desconfie de estranhos etc. O médico Jaime não reagiu, apesar disso foi
esfaqueado.
Os motivos dos
esfaqueadores do médico talvez sejam divisados apenas numa incursão
psicanalítica ou no discurso moral de que os agressores são também vítimas;
vítimas sociais. Alguns diriam até que eles repousam no discurso político de
que a elite é o inimigo. Entretanto,
isso nada resolve.
O direito à
vida é o pilar maior da nossa própria existência. Por isso, universalmente, não
é crime matar alguém em legítima defesa. Contudo, para que se efetive a
legítima defesa é necessário assegurar a paridade de armas. Com as mãos, não se
exerce a legítima defesa contra um atacante armado.
Recordo-me de
antiga leitura, na qual se relata o caso de uma jovem judia, ex-dançarina, num
campo de concentração, na fila para adentrar à câmara de gás. Conhecedor da arte da jovem, um oficial da SS,
ordena-lhe que dance nua para os soldados. A moça atende ao comando e dança.
Lança-se com corpo e alma no derradeiro ato.
A plasticidade dos movimentos contagia e embriaga a plateia. De repente, num inesperado gesto, avança sobre
o cinto do militar, arranca-lhe a arma do coldre, atira e o mata. Em instantes
é fuzilada. Ia morrer mesmo! Pensara. Todavia sua morte foi significante e
significado. Deu aos seus últimos
instantes de vida um sentido; ungiu-se com a dignidade.
O povo adora ecoar
frases que foram feitas para enganar. Assim, passou a repetir: “quem usa arma
de fogo é bandido”; “a pessoa de bem não usa arma de fogo” etc. Soa ingenuidade num país como o Brasil, no
qual o Estado não garante segurança alguma, abrir mão do direito de portar uma
arma para se defender. Verdade é que a maioria dos brasileiros, em referendo,
disse não à tentativa de proibir o comércio de arma de fogo. Apesar disso, nos governos de Fernando
Henrique e de Lula, o que se viu foi o Estado desrespeitar as emanações da
vontade popular. Por meio do Estatuto do Desarmamento, tão ardorosamente
defendido por Renan Calheiros, criaram labirintos complexos, um calvário
propriamente dito, para quem quisesse adquirir legalmente uma arma. O porte
tornou-se praticamente impossível ao civil comum.
Há pessoas que
sabem que podem ser assaltadas nas ruas e assassinadas por marginais, até dentro
de suas próprias casas. A Polícia não as protegerá. O Estado poderia pelo menos
não dificultar, aos que assim desejarem, a obtenção do porte de arma. Assim,
poderiam morrer com dignidade. Urge
afastar uma lei que se mostrou demagógica, sem razoabilidade e
proporcionalidade.
JOAQUIM LEVY E OS CAVALEIROS DO APOCALIPSE
·
Publicado
no Jornal Diário do Aço; edição de 04/03/2015, pag. 02
Brindou-nos o
jurista Ives Gandra da Silva Martins (Folha de São Paulo; 16/12/14) com o
artigo no qual associou o político, o burocrata, o corrupto e o incompetente
com os quatro cavaleiros do Apocalipse.
Sobre o
político, o articulista comenta que muitos se caracterizam pelo fato de ascenderem-se
na carreira, dedicando-se à “desconstrução da imagem” do adversário. É
impiedoso com o burocrata, desenhando-o como o inseguro inteligente que presta
concurso público, não para servir, mas para sua segurança pessoal. Serve-se, ao
invés de servir. O incompetente é “o amigo do rei”. É o incapaz
de disputar os espaços nas concorridas atividades do mundo privado. Encosta-se
nos poderosos esperando nomeações para exercer funções públicas para as quais
não tem a menor competência ou expertise. Atrapalham, complexam e geminam novas
monstruosidades burocráticas aos cidadãos. O corrupto é delineado
pragmaticamente: É “aquele que se se beneficia da complexidade da burocracia e
da disputa política, enriquecendo-se no poder”.
Verdade é que
sobre os cavaleiros do Apocalipse não há um consenso sobre o que representam. No
Livro das Revelações, o primeiro saiu “vencendo e para vencer”; o segundo tinha
a missão de tirar a paz da terra; o
terceiro anunciara a escassez (“um pouco de trigo por um denário”); e o
quarto tinha o nome de Morte. Para o leigo, restou uma imagem assustadora: o
final não vai ser nada bom.
A Presidente
vive hoje um juízo final do seu primeiro mandato. Ela desconstruiu as imagens
de Marina e Aécio, mas lhes seguiu na cartilha. Seus amigos perderam-se no
cipoal das medidas econômicas amadoras e na distribuição de benesses populistas
concomitantemente às medidas patrimonialistas que fizeram ingenuamente sorrir
alguns específicos setores da nossa economia.
Sem admitir os
seus erros e justificando sua guinada sob o falso manto de que “o cenário
mudou”, a Presidente foi buscar JOAQUIM LEVY para reparar as distorções apostas
no tecido da macroeconomia brasileira. Mas Joaquim parece-me um técnico. Ele
não passou pelo Itamaraty. Escorregou no adjetivo (grosseiro) e errou na dose
com que criticou o conjunto das medidas governamentais (a brincadeira).
Como já
acontecera com seu colega do planejamento, o ministro se submeteu ao ácido
temperamento da Presidente. Reprimendas públicas. Muitos sapos engolidos etc. Admitiu
que se descuidou na linguagem, mas, na substância, restou evidente sua
reprovação quanto à conveniência e oportunidade da desoneração empreendida no
mandato anterior da Presidente.
O
inconformismo com o governo Dilma, no meio empresarial, expressa-se pelo
comentário de Paulo Skaf: "Na prática, o governo acaba com o programa de
desoneração da folha de pagamento..., aliás criado por esse mesmo governo com o
objetivo de incentivar a criação de empregos e sob o argumento de que era
necessário dar instrumentos para melhorar a competitividade das
empresas". Não se sabe o que acontecerá
quando aqueles que ingressaram na classe média descobrirem que não conseguirão
mais abastecer o carro nem viajar de avião. Cede-se aos caminhoneiros.
Acaricia-se o PMDB. Perdoam-se as empreiteiras (todos somos pecadores).
Retalha-se a colcha do Plano Levy.
Embora
aparentemente tenha carta branca na Fazenda, Levy não pode esquecer-se de que os
cavaleiros do apocalipse andam desfilando pela esplanada dos ministérios.
Jorge Ferreira S. Filho. Advogado - Articulista. Professor
universitário. E-mail professorjorge1@hotmail.com
AHMED e CHARLIE HEBDO
*Artigo publicado no Jornal O Tempo – 15/01/2015, página 17
Ahmed foi
assassinado poucos minutos depois da chacina que ocorrera na sede do jornal
satírico CHARLIE HEBDO. Era policial francês e mulçumano. Morreu, porém, pelas mãos de outro mulçumano.
Houve comoção
mundial pela morte dos cartunistas. Repúdio generalizado, insculpido nas
palavras J’SUIS CHARLIE.
Na internet, apesar
de ainda ofuscadas pela J’suis Charlie,
desenham-se outras interpretações: “Eu não sou Charlie” etc. Minha atenção voltou-se
à bandeira: J’suis Ahmed. Um apelo
tímido à sensatez. Uma reação contrária à perigosa generalização de que o Islã
é radical.
Quando Bin
Laden foi assassinado, muitos ingênuos acreditaram que sua morte decretaria o
fim da Al Quaeda. Infantilidade.
Seria como acreditar que a morte Hitler poria fim ao pensamento nazista. São
cabeças de Hidra. Duas nascem, a cada uma que se extermina. E assim, apesar dos
enormes gastos com a segurança contra o terrorismo, o radicalismo proliferou.
Assumiu novos matizes. Organizou-se como movimentos de variegadas e até
antípodas bandeiras: Radicais de direita e de esquerda; sionistas e
antissemitas; Xenófobos e milícias justiceiras antixenófobos; aliados políticos
e inimigos, ao invés de adversários.
Entendo que não
é o islamismo que provoca os atos radicais. Ele apenas pode ser usado, como
muitas outras instituições culturais, para justificar um ato violento. Os
militares brasileiros torturaram sob o argumento de que perseguiam os inimigos
da liberdade. A Igreja Católica torturou e matou na inquisição acreditando
estar combatendo o satanás.
Duas antigas
leituras visitam a minha mente: WILHELM REICH quando diz: “A teoria racial não
é uma criação do facismo. Pelo contrário, o facismo é um produto do ódio racial
e a sua expressão politicamente organizada”; ERICH FROMM, ratificando que “a
ideologia nazista foi ardorosamente recebida pelas camadas inferiores da classe
média, composta de pequenos negociantes artesãos e empregados de colarinho e
gravata” (citando LASWELL – The Psychology of Hitlerism).
Muitos dos que
hoje vociferam contra o Islamismo radical nunca leram o Corão, o livro do Islã.
O Islã é tolerante, pois aceita negros, índios, brancos, semitas, não semitas,
esquimós, amarelos etc. Não há preconceito racial no Islã. Ele separa apenas os
crentes dos incrédulos.
O Corão, na
Surata nº 2 – “El Bácara” –, reconhece a ineficácia da conversão do incrédulo,
pois diz: “quanto aos incrédulos, tanto se lhes dá que os admoestes ou não os
admoestes; não crerão”. Na Surata Al Cafirun (nº 109º), penso que a tolerância
religiosa está consagrada: “Dize: Ó incrédulos, Não adoro o que adorais, Nem
vós adorais o que adoro. E jamais adorarei o que adorais. Nem vós adorareis o
que adoro; Vós tendes a vossa religião e eu tenho a minha”.
Não é o Islã
que gera os radicais, mas a frustração de quem, na sociedade, tudo perdera;
principalmente a esperança num futuro mundo melhor.
DEPUTADOS COM “DINHEIRO NO
COLCHÃO”
*Artigo
Publicado no Jornal Diário do Aço – Edição de 24/07/2014
Conforme
divulgado na imprensa mineira (O Tempo -22-07-14),
vários candidatos ao legislativo declararam à Justiça Eleitoral que, dentre
seus bens, há dinheiro que não está aplicado. Em outras palavras pode-se dizer
que tais candidatos têm papel moeda que guardam em casa ou num cofre particular
ou em qualquer lugar mais seguro.
Fiquei
bastante intrigado com a importância declarada pelo deputado federal LEONARDO
QUINTÃO. Uma cifra de R$2.600.000,00 (dois milhões e seiscentos mil reais). São
os “recursos em espécie”. Papel moeda que não está circulando na economia. Não
está proporcionando ao deputado nem juros nem correção monetária. No mínimo, se
este dinheiro estivesse aplicado na caderneta de poupança, em julho de 2014,
teria rendido nada menos que R$15.080,00. No ano, este político profissional
deixará de ganhar algo em torno de R$180.960,00. ALEXANDRE SILVEIRA declarou
uma importância mais modesta: R$255.000,00. A Presidente DILMA informou que
guarda R$152.000,00 em “cash”. POR QUÊ?
Essa é a intrigante pergunta. Qual motivo, numa economia inflacionária, levaria
uma pessoa a ter dinheiro em espécie sem aplicá-lo?
Os maldosos e
os levianos certamente aventariam hipóteses escabrosas, tais como, que este
dinheiro não existiria, mas brotaria, durante a campanha, das infinitas e
incontroláveis bicas que eclodem na época das campanhas eleitorais. Nascentes
que jorram águas produzidas na Casa da Moeda.
No caso
específico de QUINTÃO (PMDB), sua assessoria informou que os 2,6 milhões de
Reais representavam “bens que possuía em 2013, e que o montante já foi
gasto”. Oriundo de família abastada e
empresária essa cifra adequa-se confortavelmente à posição econômica financeira
deste representante do povo. Além disso, não há nada de ilegal guardar dinheiro
em casa; “debaixo do colchão” como diziam os antigos.
Outra
hipótese, agora genérica, insere-se num desenho de contorno com tenebrosos
matizes. Um dinheiro que poderia ser utilizado na campanha para muitas práticas
condenadas na Lei Eleitoral tais como a compra de votos ou apoio político.
Impossível rastrear tais práticas. São condutas ilícitas eleitorais que
dificilmente seriam provadas. Não há como o eleitor controlar o destino deste
dinheiro declarado nem mesmo se essa importância efetivamente existe no
conjunto de bens destes homens públicos que são os candidatos a cargos no Poder
Legislativo. Para isso, seria necessário quebrar o sigilo fiscal e ter acesso à
movimentação bancária de cada candidato. São sigilos protegidos pela
Constituição Federal. Apenas judicialmente e com porquês muito convincentes
tais sigilos seriam quebrados.
Das
considerações acima, poder-se-ia concluir que as informações divulgadas são politicamente
inócuas. Ledo engano. Há de se considerar a velha máxima de Júlio César, que
interrogado por CÍCERO, no julgamento de Clódio, acusado de adultério com POMPÉIA,
então mulher de CÉSAR, respondeu que se divorciara de sua mulher, embora não
houvesse provas do crime, pelo fato de que: “Minha mulher deve estar acima de
qualquer suspeita”. Quiçá o eleitor divorcie-se daquele que, na vida pública, embora
inocente, pareça que não o é. Uma via de depurar a moralidade na política.
RESSUSCITANDO A DISCUSSÃO SOBRE A PENSÃO ALIMENTÍCIA FIXADA EM SALÁRIOS MÍNIMOS.
· Artigo publicado no Jornal Estado de Minas; Caderno Direito e Justiça, ed. 27/06/2014, pag. 3.
Analiso aqui um caso hipotético. Um trabalhador foi condenado a pagar pensão de um salário mínimo (SM) destinada aos seus dois filhos do primeiro casamento. No segundo matrimônio teve mais três filhos. A questão posta é: os três filhos mais novos estariam sendo tratados com igualdade econômica em relação aos dois primeiros filhos?
Tomarei por referência a variação do SM, entre janeiro de 2010 e janeiro de 2014. Nesse período amostrado, o valor nominal do SM sofreu uma majoração de 41,96% (de R$ 510,00 para R$724,00). Considerando o IPCA acumulado nos anos 2010 a 2013, temos uma variação de 26,44% (5,91%; 6,50%; 5,84% e 5,91%). Portanto, a pensão dos dois primeiros filhos teve um ganho no poder de compra de aproximadamente 14,52 pontos percentuais. Um aumento real, pois a variação do SM superou a do IPCA. Isso significa melhor condição econômica de vida. A óbvia e incômoda pergunta que segue é: o salário desse trabalhador, que paga a pensão, evoluiu conforme o salário mínimo?
No Brasil, muitas categorias profissionais tiveram os salários praticamente sem ganho real. Como exemplo, tem-se a categoria dos comerciários da cidade de São Paulo, que conseguiu reajustar os salários em 2013, conforme Data Folha, em apenas 5,6%. Isso significa mera recomposição do poder de compra sem ganho real.
No exemplo acima, os filhos do primeiro casamento deste trabalhador, ao contrário dos três outros filhos, foram beneficiados com um aumento real no poder de compra da pensão. Uma ostensiva desigualdade de tratamento entre os filhos. Isso fere a Constituição e a lei ordinária, pois “os filhos terão os mesmos direitos”, segundo proclama nosso ordenamento.
Ademais, tem-se a lei, que diz: “as prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido”. Embora o enunciado seja ambíguo, a maioria concorda que o índice ao qual o texto se refere é o relativo à inflação. Essa interpretação é razoável, eis que o artigo 22 da Lei 6.515 de 26.12.1977, estabelecia que “salvo decisão judicial, as prestações alimentícias, de qualquer natureza serão corrigidas, monetariamente, na forma dos índices de atualizações das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional”. Por conseguinte, como o IPCA é o índice oficial da inflação, então, apenas esse indicador deveria ser observado para corrigir o valor de compra da pensão alimentícia.
Por que, então, pensões continuam sendo fixadas em SM?
O debate não é novo. O professor da PUC-SP, Carlos Eduardo Nicoletti Camilo, já advertira em 2006 que não era conveniente fixar em salário mínimo a pensão alimentícia, pois tal índice “em nosso país, mais parece uma válvula político-eleitoral do que a mínima e digna remuneração a que um trabalhador brasileiro efetivamente merece perceber”, mas o Judiciário e parte da doutrina atrelaram-se, incialmente, ao vetusto artigo 22 da Lei 6515/77, que dava ao juiz o poder de sopesar e decidir qual índice adotaria para corrigir o valor da pensão. Em seguida, doutrinadores de escol, como Maria Berenice Dias e Pablo S. Gagliano, esposaram a tese no sentido de que “a natureza especial da verba alimentar justificaria” a fixação da pensão em salário mínimo e acrescentaram que este ato não se revelaria inconstitucional perante o art. 7º, inciso IV da Constituição Federal, que proíbe seja utilizado o salário mínimo como indexador para qualquer fim. Os mais radicais propalaram que esta discussão estaria sepultada, pois o STF, no RE 170203, de 1993, decidiu que prestações alimentícias poderiam ser fixadas em salário mínimo. Estaria?
Para responder, dirijo-me à fonte, o voto do Ministro Ilmar Galvão, relator do RE 170203, assim fundamentado: “O Supremo Tribunal Federal, sob a ordem constitucional precedente, considerou inaplicável a proibição do uso do salário-mínimo como base de cálculo, em se tratando de...cálculo de pensão em ação de indenização por ato ilícito”. Argumentou ainda que esse critério daria ao beneficiário as garantias que a Constituição quis dar ao trabalhador, no tocante ao atendimento de suas “necessidades vitais” e concluiu que “nenhum outro padrão seria mais adequado à estipulação da pensão”.
Exsurgem do contexto, três perplexidades hermenêuticas:
1ª) Segundo Ronald Dworkin, as decisões judiciais devem ser especificas ao caso e “calcadas em princípios”. Por isso, soa ilegítimo, o STF simplesmente negar a literalidade de um enunciado proibitivo constitucional, sem fundamentar seu entendimento, sopesando princípios constitucionais. A interpretação constitucional, no dizer de Carlos Maximiliano, é precipuamente sistemática e teleológica, e nem sempre “o fato de se mencionar um caso determinado obrigará a excluir todos os outros”.
2ª) A analogia defendida pela doutrina (o aplicável à pensão por ato ilícito valer para a pensão de direito de família) é inaceitável pois ela somente se aplica quando a lei for omissa (art. 4º da LINDB) e, no caso, há norma específica dizendo que a pensão alimentícia deve ser corrigida pelo índice oficial, sem dar ao julgador direito de fixá-la de forma diversa.
3ª) É o valor do salário mínimo que deve assegurar o atendimento às necessidades vitais do brasileiro e não seu emprego como indexador.
Manter alimentos fixados em salários mínimos é conscientemente afrontar o princípio da igualdade de tratamento entre filhos insculpido no art. 227, §6º da Constituição Federal.
MAIORIDADE PENAL.
Artigo publicado no Jornal Diário Popular – Edição de 13/02/2014
Lá vem um torrencial de palpites! Vão discutir no Senado, mais uma vez, a questão da maioridade penal. A ira irrefletida das pessoas pouco informadas exigirá dos congressistas a redução da maioridade penal. Digo isso porque 92,7% dos brasileiros, segundo pesquisa divulgada pela CNT (Confederação Nacional dos Transportes), opinaram favoravelmente a reduzi-la, dos atuais 18, para 16 anos.
Certamente não é por acreditar que nosso sistema prisional recuperará um jovem infrator que a maioria da sociedade deseja trancafiá-lo. Hipocrisia. O que desejamos é ignorá-lo; afastá-lo das ruas nem que seja por um breve espaço de tempo. Todos sabem que nossas unidades prisionais e de medidas de segurança são escolas do crime. Se alguma chance existe de recuperar alguém com 16 anos de idade, certamente não a encontraremos remetendo-o às nossas penitenciárias.
A cada crime violento, do qual tomamos conhecimento, aviva-se nosso adormecido espírito da vingança contra o jovem infrator. “Cadeia nele”; “pau nele”; “Ele já sabe o que faz”; Se possível, mande-o para a penitenciária cuidada pela governadora Roseana Sarney, pois assim teremos a oportunidade de vê-lo decapitado.
Não se pode esquecer do velho discurso do Direito Penal: protege-se a sociedade, difundindo o temor da sanção penal e celebrando um acordo ético, entre o Estado e os cidadãos, pelo qual o respeito às normas advém mais da convicção de sua necessidade que pelo medo da punição. Mas, falhamos. Nosso Estado, conforme ponderou o penalista Fernando Capez, “se incumbiu de demonstrar sua pouca ou nenhuma vontade no acatamento” aos deveres de acionar prontamente os mecanismos penais e ensinar dignidade nas prisões. Somos morosos, ineficientes e omissos.
Precisamos mais de conhecimento do que de opiniões. O Código Penal brasileiro de 1890, estabeleceu no seu artigo 27 que não seriam considerados criminosos, dentre outros, os menores de 09 anos incompletos, e os maiores de 09 e menores de 14 anos, “que obrarem sem discernimento”. Quem, entre nove e quatorze anos agisse com discernimento na prática da conduta criminosa eram “recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriais”, até que a pessoa completasse 17 anos. Portanto, já foi assim. Adiantou?
A redução da idade penal não resolverá a questão do avanço da criminalidade praticada pelo jovem. O mais importante é a discussão com a sociedade para identificarmos se trataremos ou não as crianças e adolescentes brasileiros, efetivamente, como sujeitos de direitos. Isso significa: pessoas merecedoras de serem educados para o direito e reinseridos na sociedade, tudo de forma digna. Para isso precisamos destinar verbas orçamentárias. Exigir dos governantes ações concretas. Mais efetivos estabelecimentos educacionais para internação de adolescentes e menos Copa.
O espírito da lei, no que se refere ao Estatuto da Criança e do Adolescente, circunscreve-se em torno da crença de que melhor se protege a sociedade, quando, ao invés de proscrever o menor infrator, nele se investe; educando-o; resgatando-o, pela via da dignidade, que deve existir em todo ser humano. A maioridade penal é simplesmente uma idade. Uma questão de política legislativa. Informa simplesmente até quando a sociedade está disposta a investir no resgaste de um ser humano à sua qualidade de cidadão. O escopo é a proteção aos “miúdos”, como me ensinou Paulo Guerra, o culto e humanista Desembargador português do Tribunal de Relações do Porto.
A discussão vai longe, pois ainda que a PEC da redução da maioridade seja aprovada, há quem pense, como o ministro Eduardo Cardozo, que o artigo 228 da Constituição Federal banha-se nas águas protetoras das cláusulas pétreas; núcleo imodificável da Constituição.
Não posso terminar sem transcrever Nelson Hungria: “O delinquente juvenil é, na grande maioria dos casos, um corolário do menor socialmente abandonado, e a sociedade, perdendo-o e procurando, no mesmo passo, reabilitá-lo para a vida, resgata o que é, em elevada proporção, sua própria culpa”.
Jorge Ferreira S. Filho. Advogado. Professor universitário. Integrante do Instituto dos Advogados de Minas Gerais – IAMG; E-mail professorjorge1@hotmail.com
Muito interessante o texto.
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