BEM DE FAMÍLIA – NOTAS DIDÁTICAS – Jorge Ferreira da Silva Filho.
Atualização 11/12/2016
PRINCIPAIS
INSTRUMENTOS NORMATIVOS
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Código Civil – Artigos 1711 1722.
Lei 8.009/90
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tópicos
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INTRODUÇÃO. No Século XIX, no Estado do Texas (USA), surgiu uma
lei que objetivou proteger a pequena propriedade rural contra a penhora em
execução por dívida. No Brasil não foi diferente. A pequena propriedade rural
foi amparada (CF 5º, XXVI). O direito à moradia ganhou status constitucional
(CF 6º). Caminhou-se no sentido de impedir que em muitos casos o imóvel do
devedor, utilizado para moradia de sua família, fosse penhorado e levado ao
leilão. Essa ideia básica aportou no direito brasileiro por meio de dois instrumentos:
o Código Civil; a Lei 8009/90. No primeiro, temos as disposições sobre o bem
de família instituído pela vontade das partes. No segundo instrumento, o bem
de família decorre de simples tutela legal sem necessidade de qualquer ato
pelos beneficiados. A regra geral é: Bem de família não se penhora para pagar
dívidas do seu proprietário.
ESPÉCIES DE BEM DE FAMÍLIA. São duas as espécies, ou categorias:
o bem de família legal; bem de família voluntário, ou convencional.
O BEM DE FAMÍLIA LEGAL. O então presidente José Sarney, em 1990,
criou a Medida Provisória 143, posteriormente convertida na Lei 8009/90,
instrumento promulgado pelo Senador Nelson Carneiro. Essa norma passou a
proteger a família, no tocante a não permitir que o imóvel usado como lar fosse
levado à praça para pagar dívidas. O texto legal é didático e direto.
Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade
familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil,
comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos
cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam,
salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual
se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza
e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que
guarnecem a casa, desde que quitados.
Art. 2º Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras
de arte e adornos suntuosos.
A INSTITUIÇÃO FÁTICA DO BEM DE FAMÍLIA LEGAL. A entidade familiar goza da proteção legal
sem a necessidade de praticar qualquer ato jurídico formal para instituir o
bem de família. Basta que um dos imóveis de propriedade de um dos entes da
família seja utilizado como residência dessa.
A LOCAÇÃO DE IMÓVEL ÚNICO DA FAMÍLIA NÃO DESCARACTERIZA A PROTEÇÃO
LEGAL. Embora diga a lei que o imóvel objeto da tutela é o residencial,
no caso de a família ter apenas um imóvel e ceder seu uso e gozo em locação, esse fato não afasta a impenhorabilidade, desde
que comprovado que a renda “destina-se à subsistência da família” (Cf. REsp 439.920-SP,
rel. Min. Castro Filho, 3ª Turma, julgado em 9/12/2003).
PROTEÇÃO AOS BENS MÓVEIS DE DEVEDOR QUE RESIDE EM IMÓVEL LOCADO. Quem
não tem imóvel próprio e reside em imóvel alugado goza de proteção contra a
penhora de seus bens móveis. Diz a Lei 8.009/90, Art. 2º, Parágrafo único; caso
de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que
guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o
disposto neste artigo.
AÇÕES DE EXECUÇÃO QUE CONSEGUEM PENHORAR O BEM DE FAMÍLIA. Trataremos, agora, das exceções à proteção
dada pela lei quanto à impenhorabilidade do bem de família. O Art. 3º da Lei
8.009/90 tinha a seguinte redação:
“A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil,
fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão dos
créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas
contribuições previdenciárias; II - pelo titular do crédito decorrente do
financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos
créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III --
pelo credor de pensão alimentícia; IV - para cobrança de impostos, predial ou
territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V -
para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo
casal ou pela entidade familiar; VI - por ter sido adquirido com produto de
crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento,
indenização ou perdimento de bens. VII - por obrigação decorrente de fiança
concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)”.
O Inciso I foi revogado
pela LC 150/2015 e o inciso III teve sua redação modificada pela Lei
13.144/2015.
O inciso III, agora enuncia:
“pelo credor de pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do
seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal,
observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida”.
OBSERVAÇÕES SOBRE A
REVOGAÇÃO DO Inciso I do art. 3º da Lei 8.009/90. A Lei Complementar 150 /2015, via art. 46,
revogou o inciso I do artigo 3º, da Lei Sarney. Com isso, um empregado doméstico
não mais poderá penhorar o imóvel do seu anterior patrão, no qual prestara
serviço. Nos motivos apresentados pelo
Senador Candido Vacarezza, para justificara a revogação, encontra-se: “Ainda,
atentando à ocorrência de possível inquidade na execução trabalhista,
retiramos a possibilidade de que a penhora dos valores referentes à execução
de Reclamação Trabalhista de autoria de empregado doméstico venha a recair
sobre bem de família, hipótese que sempre consideramos injusta e cuja
retirada contribuirá para a pacificação das relações sociais”.
Cf. http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=129645&tp=1
PECULIARIDADES RELATIVAS AO BEM DE FAMÍLIA. Imóvel indivisível
usado concomitantemente para fins residencial e empresarial goza da
impenhorabilidade integral. Somente a viabilidade do desmembramento implica a
penhorabilidade. Imóvel em construção de propriedade do devedor, desde que este
não tenha outro imóvel e o esteja construindo para nele residir, goza da
impenhorabilidade. O usufrutuário que reside na nua-propriedade está a salvo
da penhora. Não se penhoram também o direito de uso e o de habitação previsto
no Direito das Coisas. Garagem (espaço no estacionamento de um prédio
residencial) lançada com fração ideal de terreno não é abrangida pela
proteção do bem de família (DIAS, 596). O STJ caminhou para interpretações
mais amplas e já julgou impenhorável, a garagem do apartamento residencial, o
freezer, máquinas de lavar, teclado musical, computador, televisor, ar
condicionado e antena parabólica (GAGLIANO, 402)
EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO JURÍDICO SOBRE O TEMA. Houve muitas
decisões nos tribunais no sentido de que o devedor solteiro, sem filhos,
proprietário de imóvel no qual residisse sozinho, não poderia gozar da
proteção do bem de família (a impenhorabilidade). As divergências nos
tribunais brasileiros foram apaziguada com a edição da Súmula 364 do STJ,
pela qual ficou decidido que a impenhorabilidade de bem de família estende-se
ao imóvel de pessoas solteiras, viúvas ou separadas. Vigora o princípio da
dignidade, ou seja, não se pode jogar alguém na rua para pagar uma dívida
(DIAS, 587). Doutrina e Jurisprudência caminharam no sentido de que a família unipessoal (a pessoa que vive só) e a família binuclear (a constituída entre um cônjuge e os filhos do outro, gerados em relacionamentos anteriores) gozam do benefício (Tratado de Direito das Famílias. IBDFAM, 2.015, p. 688)
FORMAS DE INSTITUIÇÃO DO
BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO. Institui-se
o bem de família voluntário por duas vias: escritura pública; testamento. A
validade da instituição depende do fato de que o valor do bem escolhido não
ultrapasse 1/3 do patrimônio do instituidor. Isso implica que apenas famílias
com expressivo patrimônio possam valer-se do instituto. Diz a lei (CC 1.711)
Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou
testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família,
desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da
instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel
residencial estabelecida em lei especial.
PESSOAS AUTORIZADAS A
INSTITUIR O BEM DE FAMÍLIA. Nos termos da lei os cônjuges, o representante da
entidade familiar e até um terceiro pode instituir um bem de família. Neste
caso, os cônjuges devem aceitar expressamente a liberalidade. Diz a lei: CC 1.711 - Parágrafo único. O
terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação,
dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges
beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.
CONTEÚDO DO BEM DE
FAMÍLIA. Quando se pensa em bem de família a primeira ideia que nos vem é a
de uma edificação residencial (casa ou apartamento). Entretanto, não são
apenas os imóveis que podem ser instituídos como bem de família. Até valores
mobiliários podem ser instituídos como bem de família. Enuncia a Lei: CC Art.
1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com
suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio
familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na
conservação do imóvel e no sustento da família.
LIMITES IMPOSTOS AOS
VALORES MOBILIÁRIOS VINCULADOS À INSITUIÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA. Art. 1.713. Os valores mobiliários,
destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não poderão exceder o
valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição. §
1o Deverão os valores mobiliários ser devidamente individualizados no
instrumento de instituição do bem de família. § 2o Se se tratar de títulos
nominativos, a sua instituição como bem de família deverá constar dos
respectivos livros de registro. § 3o O instituidor poderá determinar que a
administração dos valores mobiliários seja confiada a instituição financeira,
bem como disciplinar a forma de pagamento da respectiva renda aos
beneficiários, caso em que a responsabilidade dos administradores obedecerá
às regras do contrato de depósito.
O REQUISITO DA INSCRIÇAO
NO REGISTRO DE IMÓVEIS. Não basta do título para que se constitua eleve certo
bem à categoria de bem de família. É ainda necessária a sua inscrição no
Serviço registral. Art. 1.714. O bem de família, quer instituído pelos
cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro
de Imóveis.
O BEM DE FAMÍLIA PODE SER
PENHORADO EM EXECUÇÃO DE DÍVIDA DE IPTU OU DESPESAS DE CONDOMÍNIO. Art.
1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua
instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de
despesas de condomínio. Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas
referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como
bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar,
salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz.
DURAÇÃO DA PROTEÇÃO
CONTRA PENHORA POR DÍVIDAS. Art. 1.716. A isenção de que trata o artigo
antecedente durará enquanto viver um dos cônjuges, ou, na falta destes, até
que os filhos completem a maioridade. 1720 Parágrafo único. Com o falecimento
de ambos os cônjuges, a administração passará ao filho mais velho, se for
maior, e, do contrário, a seu tutor.
O BEM DE FAMÍLIA
SOBREVIVE À SOCIEDADE CONJUGAL. Via de regra, a dissolução da sociedade conjugal
pelo divórcio não implica a extinção de bem de família: CC Art. 1.721. A
dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família. Se a
dissolução decorrer da morte de um dos cônjuges, nasce a opção de o cônjuge
sobrevivente pedir sua extinção, nos termos do art.
PROIBIÇÃO DE DAR DESTINO
DIVERSO À FINALIDADE DO BEM DE FAMÍLIA.
Art. 1.717. O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem
da família, não podem ter destino diverso do previsto no art. 1.712 ou serem
alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais,
ouvido o Ministério Público. Art. 1.718. Qualquer forma de liquidação da
entidade administradora, a que se refere o § 3o do art. 1.713, não atingirá
os valores a ela confiados, ordenando o juiz a sua transferência para outra
instituição semelhante, obedecendo-se, no caso de falência, ao disposto sobre
pedido de restituição.
EFEITOS DA
IMPOSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA. Art. 1.719. Comprovada a
impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi
instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou
autorizar a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o
instituidor e o Ministério Público.
O RESPONSÁVEL PELA
ADMINISTRAÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA. Marido e mulher, companheiro e companheira
são responsáveis concomitantemente pela administração do bem de família.
CC 1.720. Salvo disposição em
contrário do ato de instituição, a administração do bem de família compete a
ambos os cônjuges, resolvendo o juiz em caso de divergência.
FORMAS DE EXTINÇÃO DO BEM
DE FAMÍLIA. CC. Como afirmado a dissolução da sociedade conjugal pelo
divórcio não extingue o bem de família, mas se a extinção decorrer da morte
de um dos cônjuges abre-se essa possibilidade, desde que nos termos da lei:
CC 1720. Parágrafo único. Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um
dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se
for o único bem do casal. Art. 1.722. Extingue-se, igualmente, o bem de família
com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não
sujeitos a curatela.
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REFERÊNCIAS
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DIAS, Maria Berenice. Manual de
direito de famílias. 10. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo
curso de direito civil: direito de família. Vol. 6. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2013.
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Exercícios de fixação
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1) O bem de família
voluntário é um instituto criado para fins de proteção à entidade
familiar, no tocante à moradia. Podem instituí-los: a) os cônjuges,
desde que respeitado o limite de 2/3 do patrimônio; b) o terceiro, por
testamento, desde que haja anuência expressa da entidade familiar; c) o
chefe da família monoparental; d) um rapaz solteiro, proprietário de
dois apartamentos.
2) Sobre o bem de
família, não se pode dizer que: a) a garagem de um apartamento, que se
constituiu em bem de família, é também bem de família. b) o usufrutuário
de bem imóvel no qual ele reside com sua família é impenhorável. c) o
direito de habitação é impenhorável. d) O direito de uso, previsto no
Livro do direito das coisas, é impenhorável.
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