quinta-feira, 28 de março de 2013

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE


INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E AÇÕES CORRELATAS

 Professor: Jorge Ferreira da Silva Filho*

Notas Didáticas para Orientação de Alunos de Cursos de Direito

 

Ações de Estado. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), no seu artigo 27, consagrou a imprescritibilidade do direito ao reconhecimento do estado de filiação, assim enunciando: O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça. Isso significa que uma pessoa, via de regra, terá o direito de ver declarado quem é o seu genitor biológico, independentemente de existir ou não a filiação registrada na certidão de nascimento. O nome genérico de tais procedimentos judiciais é “ação de investigação de paternidade ou maternidade”.[i] Há, porém, uma grande confusão terminológica, devendo o aluno ficar atento às discrepâncias entre doutrinadores e membros do Judiciário. O objeto da ação é o que importa e não o nome da ação. http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br/2013/03/mini-dic.html

 

Investigação Oficiosa da Paternidade. Não se trata propriamente de uma ação, mas de um procedimento administrativo que tem por finalidade perguntar oficialmente, ao homem apontado pela mãe solteira como sendo o pai de seu filho, se ele confirma ou não a paternidade que lhe é imputada. O procedimento tem a vantagem de evitar o desgaste emocional e as despesas com a “ação de reconhecimento”. [ii] Tem previsão legal na Lei 8.560/92, no artigo 2º: http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br/2013/03/mini-dic.html 

 

Ação de Investigação de Paternidade. A rigor, qualquer um que busca conhecer a verdade biológica de sua origem está investigando a paternidade. Entretanto, a Lei 8560/92 criou a expressão “ação de investigação de paternidade” (art. 2º, §4º; art. 2º -A) para designar o meio processual pelo qual alguém, que tem no registro de nascimento apenas o nome da mãe,  busca identificar e declarar quem é o seu genitor biológico. O rito é ordinário. O indigitado pai poderá ser declarado judicialmente como tal,  no caso de recusa em se submeter ao “exame de código genético - DNA” (art. 2º-A, parágrafo único, da Lei 8560/92). Esse dispositivo está em sintonia com a Súmula 301 do STJ. A sentença que reconhece a paternidade deve fixar os alimentos “provisionais ou definitivos”, devidos pelo pai ao filho reconhecido, quando este deles necessitar (art. 7º da Lei 8560/92). O Código Civil expressamente se refere à ação de investigação de paternidade ou maternidade (CC 1.615) ao final do Capítulo que trata do reconhecimento de filho.

 

Ação de Prova de Filiação. Prevista no art. 1.606 do CC, essa ação é também denominada “Ação de investigação da filiação”. [iii] É direito personalíssimo do filho. Apenas se o filho morrer, enquanto menor ou incapaz, sem ter deflagrado a ação é que a legitimidade passa aos herdeiros. Todavia, se iniciada a ação, os herdeiros podem continuá-la. Nada mais é que uma ação de investigação de paternidade. Qualquer um que demonstrar o interesse pode contestar a ação de investigação de paternidade e maternidade (CC 1.615). Embora seja essa ação personalíssima, o STJ já admitiu a ação de netos contra os avós tendo por objeto declarar a relação avoenga (REsp 604.154; 3ª T. Rel. Waldemar Zveiter)[iv]

 

Ação Desconstitutiva de Registro. Ação movida pelo filho maior de idade contra o pai registral. Atingida a maioridade ou efetivada a emancipação, o filho maior tem o prazo de 4 (quatro anos) para rejeitar o pai registral  — repudiar a paternidade — (CC 1.614).[v] O direito pode ser exercido sem que o filho exponha em juízo os motivos que o levaram a propor a ação. Não se trata de ação para descobrir quem é o genitor biológico. O objeto da ação é a “desconstituição do vínculo de filiação registral”. [vi] O filho simplesmente se recusa (nega a paternidade a ele estabelecida) a aceitar a paternidade registral. Deve, porém, na inicial, afirmar que não existe a filiação sócio-afetiva.[vii] O réu deverá provar que é o pai biológico, caso queira manter seu estado de pai registral. Ultrapassados os quatro anos, o filho somente poderá pedir a desconstituição da paternidade registral exibindo prova da “inexistência do vínculo biológico”[viii]

 

Ação Anulatória de Reconhecimento. Confira “Ação Anulatória de Registro”.

 

Ação Anulatória de Registro. Ação que tem como causa de pedir a afirmação de que é falso ou inexato o registro de nascimento efetivado.[ix] A possibilidade jurídica do pedido ampara-se no art. 1.604 do CC. O pressuposto fático é de que o declarante da paternidade perante o oficial de registro civil fez afirmações intencionalmente inexatas ou falsas. Tem legitimidade ativa o filho contra o declarante. Igual legitimidade se estende à mãe registral.[x] A ação é imprescritível.  Essa ação também se denomina “ação anulatória de reconhecimento”. [xi] O STJ já reconheceu no REsp 799.588/SE (Relator Aldir Passarinho; julgado em 28.10.2008), a legitimidade de irmão do genitor para essa categoria de ação.  A maioria entende que havendo interesse material ou moral qualquer pessoa tem legitimidade ativa para a ação anulatória, inclusive o Ministério Público. [xii]

 

Filiação sócio-afetiva versus Anulação do Registro. Ainda que fique demonstrado que o registro de nascimento não retrata a verdade biológica, fato que levaria os tribunais a anular o registro e desconstituir a filiação, provada a existência do vínculo sócio-afetivo (filiação sociológica), a anulação não será decretada. [xiii]

 

Ação de Contestação da Paternidade legalmente presumida. Denomina-se também “Ação Negatória de Paternidade”. Trata-se de ação movida pelo pai casado ou em união estável em face do filho. Prevista no artigo 1.601 do CC,  esta ação tem o marido como legitimado ativo. Na causa de pedir o marido contesta (nega) a paternidade de filho nascido de sua mulher. Essa ação é imprescritível. [xiv]  Incabível quando o filho resulta de fecundação artificial heteróloga http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br/2013/03/mini-dic.html 

 

Ação negatória de Paternidade. Vide comentários na Ação de Contestação da Paternidade legalmente presumida. 

 

Ação Negatória de Paternidade movida por pai biológico contra pai registral casado. Em tal ação o autor está dizendo que: teve um filho com uma mulher casada (infidelidade feminina); o marido da mulher infiel desconhece que o filho registrado em seu nome não é seu filho biológico. A doutrina majoritária sustenta que o pai biológico não tem legitimidade ativa para essa ação.[xv] A lei confere legitimidade para contestar (negar) a paternidade registral, apenas ao marido. O pai biológico não está contemplado expressamente na lei com essa legitimidade ativa. Maria Berenice Dias advoga no sentido de que “nada justifica limitar a ação do genitor”. Tal possibilidade jurídica, se admitida for, poderá trazer sérios abalos ao filho, sendo este menor. Devem-se sopesar dois princípios: interesse de proteção ao menor; busca da verdade real.

 

Ação Negatória de Maternidade. Com as inovações introduzidas pela medicina referentes à reprodução assistida, uma mulher pode gestar um filho que não foi gerado pela fecundação de seu óvulo. Cai por terra a presunção mater semper certa est. [xvi] Tanto era improvável essa ação que não há no Código Civil um dispositivo próprio sobre essa matéria. Embora a lei (CC 1.601) tenha enunciada a imprescritibilidade do direito de negação da filiação registral apenas em relação ao pai, reconhece-se à mãe igual direito.[xvii] Resta-lhe apenas a legitimidade para a ação de falsidade do registro.

 

Imprescritibilidade da ação de estado. O STF produziu a Súmula 149 que enuncia: “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”. A interpretação sistemática dos artigos 27 do ECA e 1614 do CC é complexa. O Código Civil é lei mais nova que o ECA, assim se poderia interpretar o art. 1614 do CC no sentido de que o filho, com registro de nascimento inexato, tendo atingido a idade de 22 anos, não mais poderia mover a ação anulatória de registro. Paradoxalmente, quem não tem a filiação declarada na certidão poderia buscar essa verdade a qualquer tempo (imprescritível). Melhor caminhou a interpretação no sentido de que “não se pode subtrair do filho o direito de investigar seu genitor”. [xviii]

 

Ação declaratória da verdadeira ascendência genética. A posição atual do Direito brasileiro é no sentido de que todos têm o direito de conhecer sua origem, ou seja, quem são os genitores biológicos. Isso, entretanto, não tem o condão de alterar o registro de nascimento, ficando demonstrada a existência da filiação socioafetiva. [xix] A sentença na ação que busca a ascendência genética, nesse caso, tem natureza meramente declaratória sobre o genitor biológico, mas não altera a relação de filiação. Filiação é instituto de natureza jurídica, não sendo essencial o aspecto biológico. Cf. fecundação artificial heteróloga em http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br/2013/03/mini-dic.html

 

Ação Declaratória da Filiação Socioafetiva.  No findar do Século XX, a sociedade brasileira elevou o afeto à categoria de valor jurídico de suprema importância para o Direito de Família[xx].  A experiência vivenciada por dois seres humanos, na qual um ser em formação se ampara no ser já formado, tornando-se este a referência, o suporte, o guia, o protetor, o orientador, a segurança, a fonte de ternura e o disciplinador daquele, tem o condão de criar o suporte fático denominado “posse de estado de filho”. Paradigmáticos são os julgados do TJRS contidos nos acórdãos das apelações AC 70029363918 (8ª Câm., j. 07.05.2009) e 70008795775 (7ª Câm., 23.06.2004); transcrevendo-se: “En este sentido, ya ha expresado el Tribunal de Justicia del Rio Grande do Sul – Brasil: Ação de investigação de paternidade. Presença da relação de socioafetividade. Determinação do pai biológico através do exame de dna. Manutenção do registro com a declaração da paternidade biológica. Possibilidade. Teoria tridimensional. Mesmo havendo pai registral, o filho tem o direito constitucional de buscar sua filiação biológica (CF, § 6º do art. 227), pelo princípio da dignidade da pessoa humana. O estado de filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. Constitui-se em decorrência da lei (arts. 1.593, 1.596 e 1.597 do Código Civil, e 227 da Constituição Federal), ou em razão da posse do estado de filho advinda da convivência familiar. Nem a paternidade socioafetiva e nem a paternidade biológica podem se sobrepor uma à outra. Ambas as paternidades são iguais, não havendo prevalência de nenhuma delas porque fazem parte da condição humana tridimensional, que é genética, afetiva e ontológica. Apelo provido. (TJRS; AC 70029363918; 8ª C.Cív.; Rel. Des. Claudir Fidelis Faccenda; DOERS 14/05/2009; p. 55)”.

 



[i] COELHO. Fábio Ulhoa.  Curso de direito civil. Volume 5. São Paulo: Saraiva, 2006, p.174.
[ii] COELHO. Fábio Ulhoa.  Curso de direito civil. Volume 5. São Paulo: Saraiva, 2006, p.176.
[iii] MADALENO, Rolf. Curso de direito de familia. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 439.
[iv] Cf. MADALENO, Rolf. Curso de direito de familia. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 440.
[v] Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.
[vi] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.382
[vii] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 383.
[viii] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 382.
[ix] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 382.
[x] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 389.
[xi] MADALENO, Rolf. Curso de direito de familia. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 431.
[xii] MADALENO, Rolf. Curso de direito de familia. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 431.
[xiii] MADALENO, Rolf. Curso de direito de familia. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 432.
[xiv] Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.
[xv] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 385. LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 239.
[xvi] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 389.
[xvii] COELHO. Fábio Ulhoa.  Curso de direito civil. Volume 5. São Paulo: Saraiva, 2006, p.180.
[xviii] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 391.
[xix] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 392.
[xx] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 393.

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