sábado, 26 de novembro de 2016


BEM DE FAMÍLIA – NOTAS DIDÁTICAS – Jorge Ferreira da Silva Filho.
Atualização 11/12/2016

PRINCIPAIS INSTRUMENTOS NORMATIVOS

 Código Civil – Artigos 1711 1722.
  Lei 8.009/90
tópicos

INTRODUÇÃO. No Século XIX, no Estado do Texas (USA), surgiu uma lei que objetivou proteger a pequena propriedade rural contra a penhora em execução por dívida. No Brasil não foi diferente. A pequena propriedade rural foi amparada (CF 5º, XXVI). O direito à moradia ganhou status constitucional (CF 6º). Caminhou-se no sentido de impedir que em muitos casos o imóvel do devedor, utilizado para moradia de sua família, fosse penhorado e levado ao leilão. Essa ideia básica aportou no direito brasileiro por meio de dois instrumentos: o Código Civil; a Lei 8009/90. No primeiro, temos as disposições sobre o bem de família instituído pela vontade das partes. No segundo instrumento, o bem de família decorre de simples tutela legal sem necessidade de qualquer ato pelos beneficiados. A regra geral é: Bem de família não se penhora para pagar dívidas do seu proprietário. 

ESPÉCIES DE BEM DE FAMÍLIA. São duas as espécies, ou categorias: o bem de família legal; bem de família voluntário, ou convencional.

O BEM DE FAMÍLIA LEGAL. O então presidente José Sarney, em 1990, criou a Medida Provisória 143, posteriormente convertida na Lei 8009/90, instrumento promulgado pelo Senador Nelson Carneiro. Essa norma passou a proteger a família, no tocante a não permitir que o imóvel usado como lar fosse levado à praça para pagar dívidas. O texto legal é didático e direto.
Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.
Art. 2º Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.

A INSTITUIÇÃO FÁTICA DO BEM DE FAMÍLIA LEGAL.  A entidade familiar goza da proteção legal sem a necessidade de praticar qualquer ato jurídico formal para instituir o bem de família. Basta que um dos imóveis de propriedade de um dos entes da família seja utilizado como residência dessa.  

A LOCAÇÃO DE IMÓVEL ÚNICO DA FAMÍLIA NÃO DESCARACTERIZA A PROTEÇÃO LEGAL. Embora diga a lei que o imóvel objeto da tutela é o residencial, no caso de a família ter apenas um imóvel e ceder seu uso e gozo em locação,  esse fato não afasta a impenhorabilidade, desde que comprovado que a renda “destina-se à subsistência da família” (Cf. REsp 439.920-SP, rel. Min. Castro Filho, 3ª Turma, julgado em 9/12/2003).

PROTEÇÃO AOS BENS MÓVEIS DE DEVEDOR QUE RESIDE EM IMÓVEL LOCADO. Quem não tem imóvel próprio e reside em imóvel alugado goza de proteção contra a penhora de seus bens móveis. Diz a Lei 8.009/90, Art. 2º, Parágrafo único;  caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o disposto neste artigo.

AÇÕES DE EXECUÇÃO QUE CONSEGUEM  PENHORAR O BEM DE FAMÍLIA.  Trataremos, agora, das exceções à proteção dada pela lei quanto à impenhorabilidade do bem de família. O Art. 3º da Lei 8.009/90 tinha a seguinte redação: “A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III -- pelo credor de pensão alimentícia; IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)”.
O Inciso I foi revogado pela LC 150/2015 e o inciso III teve sua redação modificada pela Lei 13.144/2015. 
O inciso III, agora enuncia: “pelo credor de pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida”.
OBSERVAÇÕES SOBRE A REVOGAÇÃO DO Inciso I do art. 3º da Lei 8.009/90.  A Lei Complementar 150 /2015, via art. 46, revogou o inciso I do artigo 3º, da Lei Sarney. Com isso, um empregado doméstico não mais poderá penhorar o imóvel do seu anterior patrão, no qual prestara serviço.  Nos motivos apresentados pelo Senador Candido Vacarezza, para justificara a revogação, encontra-se: “Ainda, atentando à ocorrência de possível inquidade na execução trabalhista, retiramos a possibilidade de que a penhora dos valores referentes à execução de Reclamação Trabalhista de autoria de empregado doméstico venha a recair sobre bem de família, hipótese que sempre consideramos injusta e cuja retirada contribuirá para a pacificação das relações sociais”.    
 Cf. http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=129645&tp=1

PECULIARIDADES RELATIVAS AO BEM DE FAMÍLIA. Imóvel indivisível usado concomitantemente para fins residencial e empresarial goza da impenhorabilidade integral. Somente a viabilidade do desmembramento implica a penhorabilidade. Imóvel em construção de propriedade do devedor, desde que este não tenha outro imóvel e o esteja construindo para nele residir, goza da impenhorabilidade. O usufrutuário que reside na nua-propriedade está a salvo da penhora. Não se penhoram também o direito de uso e o de habitação previsto no Direito das Coisas. Garagem (espaço no estacionamento de um prédio residencial) lançada com fração ideal de terreno não é abrangida pela proteção do bem de família (DIAS, 596). O STJ caminhou para interpretações mais amplas e já julgou impenhorável, a garagem do apartamento residencial, o freezer, máquinas de lavar, teclado musical, computador, televisor, ar condicionado e antena parabólica (GAGLIANO,  402)

EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO JURÍDICO SOBRE O TEMA. Houve muitas decisões nos tribunais no sentido de que o devedor solteiro, sem filhos, proprietário de imóvel no qual residisse sozinho, não poderia gozar da proteção do bem de família (a impenhorabilidade). As divergências nos tribunais brasileiros foram apaziguada com a edição da Súmula 364 do STJ, pela qual ficou decidido que a impenhorabilidade de bem de família estende-se ao imóvel de pessoas solteiras, viúvas ou separadas. Vigora o princípio da dignidade, ou seja, não se pode jogar alguém na rua para pagar uma dívida (DIAS, 587). Doutrina e Jurisprudência caminharam no sentido de que a família unipessoal (a pessoa que vive só) e a família binuclear (a constituída entre um cônjuge e os filhos do outro, gerados em relacionamentos anteriores) gozam do benefício (Tratado de Direito das Famílias. IBDFAM, 2.015,  p. 688)

FORMAS DE INSTITUIÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO.  Institui-se o bem de família voluntário por duas vias: escritura pública; testamento. A validade da instituição depende do fato de que o valor do bem escolhido não ultrapasse 1/3 do patrimônio do instituidor. Isso implica que apenas famílias com expressivo patrimônio possam valer-se do instituto. Diz a lei (CC 1.711) Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.

PESSOAS AUTORIZADAS A INSTITUIR O BEM DE FAMÍLIA. Nos termos da lei os cônjuges, o representante da entidade familiar e até um terceiro pode instituir um bem de família. Neste caso, os cônjuges devem aceitar expressamente a liberalidade.  Diz a lei: CC 1.711 - Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.

CONTEÚDO DO BEM DE FAMÍLIA. Quando se pensa em bem de família a primeira ideia que nos vem é a de uma edificação residencial (casa ou apartamento). Entretanto, não são apenas os imóveis que podem ser instituídos como bem de família. Até valores mobiliários podem ser instituídos como bem de família. Enuncia a Lei: CC Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.

LIMITES IMPOSTOS AOS VALORES MOBILIÁRIOS VINCULADOS À INSITUIÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA.  Art. 1.713. Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição. § 1o Deverão os valores mobiliários ser devidamente individualizados no instrumento de instituição do bem de família. § 2o Se se tratar de títulos nominativos, a sua instituição como bem de família deverá constar dos respectivos livros de registro. § 3o O instituidor poderá determinar que a administração dos valores mobiliários seja confiada a instituição financeira, bem como disciplinar a forma de pagamento da respectiva renda aos beneficiários, caso em que a responsabilidade dos administradores obedecerá às regras do contrato de depósito.

O REQUISITO DA INSCRIÇAO NO REGISTRO DE IMÓVEIS. Não basta do título para que se constitua eleve certo bem à categoria de bem de família. É ainda necessária a sua inscrição no Serviço registral. Art. 1.714. O bem de família, quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis.

O BEM DE FAMÍLIA PODE SER PENHORADO EM EXECUÇÃO DE DÍVIDA DE IPTU OU DESPESAS DE CONDOMÍNIO. Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio. Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz.

DURAÇÃO DA PROTEÇÃO CONTRA PENHORA POR DÍVIDAS. Art. 1.716. A isenção de que trata o artigo antecedente durará enquanto viver um dos cônjuges, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade. 1720 Parágrafo único. Com o falecimento de ambos os cônjuges, a administração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário, a seu tutor.

O BEM DE FAMÍLIA SOBREVIVE À SOCIEDADE CONJUGAL. Via de regra, a dissolução da sociedade conjugal pelo divórcio não implica a extinção de bem de família: CC Art. 1.721. A dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família. Se a dissolução decorrer da morte de um dos cônjuges, nasce a opção de o cônjuge sobrevivente pedir sua extinção, nos termos do art.

PROIBIÇÃO DE DAR DESTINO DIVERSO À FINALIDADE DO BEM DE FAMÍLIA.  Art. 1.717. O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter destino diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público. Art. 1.718. Qualquer forma de liquidação da entidade administradora, a que se refere o § 3o do art. 1.713, não atingirá os valores a ela confiados, ordenando o juiz a sua transferência para outra instituição semelhante, obedecendo-se, no caso de falência, ao disposto sobre pedido de restituição.

EFEITOS DA IMPOSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA. Art. 1.719. Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público.

O RESPONSÁVEL PELA ADMINISTRAÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA. Marido e mulher, companheiro e companheira são responsáveis concomitantemente pela administração do bem de família. CC  1.720. Salvo disposição em contrário do ato de instituição, a administração do bem de família compete a ambos os cônjuges, resolvendo o juiz em caso de divergência.

FORMAS DE EXTINÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA. CC. Como afirmado a dissolução da sociedade conjugal pelo divórcio não extingue o bem de família, mas se a extinção decorrer da morte de um dos cônjuges abre-se essa possibilidade, desde que nos termos da lei: CC 1720. Parágrafo único. Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for o único bem do casal. Art. 1.722. Extingue-se, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela.
REFERÊNCIAS

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 10. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: direito de família. Vol. 6. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
Exercícios de fixação



1) O bem de família voluntário é um instituto criado para fins de proteção à entidade familiar, no tocante à moradia. Podem instituí-los: a) os cônjuges, desde que respeitado o limite de 2/3 do patrimônio; b) o terceiro, por testamento, desde que haja anuência expressa da entidade familiar; c) o chefe da família monoparental; d) um rapaz solteiro, proprietário de dois apartamentos.
2) Sobre o bem de família, não se pode dizer que: a) a garagem de um apartamento, que se constituiu em bem de família, é também bem de família. b) o usufrutuário de bem imóvel no qual ele reside com sua família é impenhorável. c) o direito de habitação é impenhorável. d) O direito de uso, previsto no Livro do direito das coisas, é impenhorável.

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