quarta-feira, 10 de março de 2010

P200 Processo Cautelar - introdução



Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Processual Civil do Centro Universitário do Leste Mineiro – UNILESTE
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Integrante do IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG

OBSERVAÇÃO: TEXTO SEM REVISÃO GRAMATICAL

1. A Função do Processo Cautelar. As pessoas, no Estado moderno, com raríssimas exceções, precisam da intervenção do Poder Judiciário para buscar o reconhecimento ou a satisfação de direitos que entendem ser titulares. Tendo ou não tendo a razão que a pessoa pensa que tem, a ela assistirá sempre o direito de provocar o Poder Judiciário – direito ou poder de ação – para tentar: 1º) condenar alguém a uma prestação; 2º) constituir uma nova situação ou relação jurídica; 3º) conseguir uma declaração judicial, de seu particular interesse, versando sobre a existência ou inexistência de particular relação jurídica; 4º) obter a satisfação concreta de um direito, já reconhecido pelo Estado. O meio pelo qual o Estado e as pessoas utilizam para o exercício do direito de ação é o processo. [I] Para essas três primeiras finalidades – condenatória constitutiva e declaratória – utiliza-se o processo de conhecimento. Para a quarta finalidade emprega-se o processo de execução. No processo de execução em que se busca receber quantia certa, nenhuma utilidade terá o processo se, ao final, nenhum bem do devedor for encontrado para ser levado à praça. Da mesma forma, de nada adiantará alguém ser condenado a entregar uma coisa a outrem, se, ao final do processo de conhecimento, nada restar desta coisa ou esta se encontrar deteriorada. Daí nasceu a necessidade de se criar um outro meio com a finalidade de proteger, aqui e agora, a utilidade futura dos processos de conhecimento ou de execução: trata-se do Processo Cautelar . Neste, a pessoa se dirige ao Poder Judiciário para buscar a determinação judicial de efetivação de uma medida apta a proteger a utilidade de outro processo: trata-se da medida cautelar. Portanto, a medida cautelar é o pedido que se faz na petição inicial de um processo cautelar. No mundo real forense, advogados, juízes e promotores não observam este rigor terminológico e aplicam as expressões “medida cautelar”, “processo cautelar” e “ação cautelar” como sinônimos. [II]

2. Requisitos elementares para a concessão de uma medida cautelar. Concebido para proteger a utilidade final de um processo cognitivo ou executório, o processo cautelar tem por objeto a concessão de uma medida idônea a evitar que uma pessoa venha a sofrer lesão em seu direito buscado no processo principal. A Constituição Federal autoriza que o Judiciário seja provocado para agir em casos em que haja simples ameaça de lesão a um direito (Art. 5º, inciso XXXV da CF). Quando se requer uma medida cautelar, nem a parte nem o juiz sabem se o pedido do autor será julgado procedente. Quer-se, proteger, com a medida cautelar, os efeitos jurídicos desejados para a hipótese de procedência do pedido no processo principal. Para isso, o juiz examina os fatos afirmados, na inicial da ação cautelar, e destes deve extrair uma convicção: a de que existe uma razoável probabilidade de o autor ter o direito que afirma ter. Trata-se do fumus boni iuris, ou a fumaça do bom direito. Mas isso não basta para a concessão da medida cautelar. É necessário também demonstrar ao julgador que surgiram circunstâncias capazes de colocar em razoável risco de perecimento, os bens jurídicos relacionados diretamente com a satisfação do direito pleiteado na ação principal. Trata-se do periculum in mora. É a probabilidade de dano que possa resultar a uma das partes da ação principal, caso não se tome uma medida preventiva (acautelatória) antes do ajuizamento da ação principal ou no curso desta. [III] O legislador expressamente autoriza o juiz, por meio do art. 798 do CPC, a determinar as medidas acautelatórias adequadas.

3. O objeto do processo cautelar. No processo cautelar, o requerente dirige-se ao juiz e pede que este lhe conceda uma medida – a medida cautelar. Essa consiste no pedido, ou objeto, do processo cautelar. Para que o requerente tenha sucesso na ação, ele deve formular seu pedido, de forma que o juízo se convença de que a concessão da medida pleiteada tenha a real e concreta capacidade – aptidão – para proteger a utilidade do processo de execução ou de conhecimento, quando estes chegarem ao final. Importante ressaltar que o pedido no processo cautelar não pode se confundir com o objeto do processo principal. Se o pedido formulado no processo, pensado como cautelar, se aproximar ou for idêntico ao pedido do processo principal, estar-se-á diante de antecipação da tutela ou de seus efeitos. O processo não terá natureza cautelar. Poderá ter procedimento similar ao que se utilizada para o processo cautelar, mas não será cautelar, pois não há “cautelar satisfativa”;[IV] ou a medida acautela – protege – ou, então, satisfaz.

4. Características do Processo Cautelar. O processo cautelar existe para proteger a utilidade do processo principal – Execução ou Conhecimento. Extinguindo-se o processo principal, não haverá mais processo a proteger. Por isso, extinguindo-se o processo principal extingue-se o processo cautelar àquele relacionado. Essa característica se denomina acessoriedade, enunciada na parte final do art. 797 do CPC. A segunda característica é a autonomia,[V] que não deve ser confundida com a acessoriedade. Diz-se que o processo cautelar é autônomo porque o resultado alcançado no processo cautelar – procedência ou improcedência do pedido – não interfere no resultado do principal. A exceção à regra diz respeito ao acolhimento pelo juiz, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou prescrição da pretensão relativa ao direito do autor – art. 810 do CPC. A terceira característica reside na forma tramitação do processo cautelar, pois os autos correm em apenso – art. 809, do CPC.

5. Características da medida cautelar. No tocante à medida cautelar, a doutrina aponta as seguintes características: a instrumentalidade hipotética[VI]; a temporariedade[VII], ou provisoriedade[VIII]; a revogabilidade[IX]; a modificabilidade; a fungibilidade[X]; a referibilidade[XI]; a autonomia[XII]. Algumas dessas características estão contidas nos enunciados dos artigos do CPC, tais cmo: Revogabilidade (CPC 807); Modificabilidade (CPC 807); Temporariedade (CPC 808); Fungibilidade (CPC 805). Diz-se que a instrumentalidade é hipotética porque não se sabe se o pedido do autor da ação principal será julgado procedente; poderá ou não ter sucesso na ação principal. Diz-se que a medida cautelar é temporária[XIII] porque ao final de sua existência ela não será substituída por nenhuma outra medida definitiva. Ela se extingue assim que não houver mais a necessidade de proteger a utilidade do processo principal, conforme se constata da leitura do art. 808 do CPC. Alguns autores não identificam a temporariedade como característica, mas, sim, a provisoriedade. [XIV] A medida cautelar é revogável a qualquer tempo, por expressa previsão legal (CPC 807). Cessando-se as razões de sua existência, a medida cautelar deve ser revogada. A medida cautelar pode ser modificada pelo juiz, de forma a manter sua eficácia diante das alterações nas circunstâncias que influenciaram no seu deferimento. Trata-se da modificabilidade, característica que se encontra também prevista no art. 807 do CPC. A fungibilidade é outra marca da medida cautelar. Diz que esta é fungível porque pode ser substituída por uma garantia [caução] menos gravosa para o requerido – art. 805 do CPC. [XV] No tocante à referibilidade, tem-se que, via de regra, a medida cautelar requerida no processo cautelar está referida a uma ação principal. Por fim, se afirma que a medida cautelar goza de autonomia dentro do processo, porque seu deferimento ou indeferimento pelo juiz, não impede que autor prossiga com o processo principal nem interfere no resultado deste. Em outras palavras: a medida cautelar pode ser indeferida e o autor sair vitorioso no processo principal – e vice-versa.

6. As medidas cautelares inominadas e as específicas. A repetição de certos comportamentos humanos e, também de algumas circunstâncias na relação credor / devedor de quantia certa, levou o legislador a catalogar hipóteses que, por presunção, configuram o periculum in mora e o fumus boni iuris. [XVI] Para essas situações que se repetem o legislador criou medidas cautelares específicas com procedimentos também específicos. O legislador deu nome a cada uma destas medidas cautelares, todavia as organizou sob a rubrica “Procedimentos Cautelares Específicos”. São exemplos: O arresto (CPC 813 e ss.), o sequestro (CPC 822 e ss.), o arrolamento etc. Assim, quando o legislador diz que o juiz, perante o credor que exibe prova literal de dívida líquida e certa (CPC 814, I) – fumus boni iuris – contra devedor que, sem domicílio certo, aliena bens que possui – (CPC 814, II c/c 813); periculum in mora – pode ordenar a apreensão material de patrimônio do responsável, está, simplesmente, dizendo que essa hipótese de tanto repetir no mundo dos fatos merece uma atuação judicial padronizada quanto à medida cautelar e quanto ao procedimento. No caso, temos o arresto – Artigos 813 a 821 do CPC. A vida, porém, é muito mais rica e cheia de alternativas, do que possa prever o legislador. Por isso, foi deixada em aberto a possibilidade de se criar medidas cautelares adequadas a hipótese não previstas pelo legislador. São as cautelares inominadas, expressamente autorizadas no artigo 798 do CPC. Daí decorre o Poder Geral de Cautela, poder-dever dado ao juiz pelo legislador.

7. A questão da acessoriedade do “procedimento” cautelar. O artigo 796 do CPC deve ser lido com reservas, pois nem todo procedimento de natureza cautelar depende a existência de um processo principal. É o caso da ação de dano infecto fundada no permissivo dos artigos 1.280 e 1.281 do Código Civil. Portanto, uma interpretação mais cuidadosa do enunciado do artigo 796 do CPC leva ao posicionamento no sentido de que “o procedimento cautelar é, em regra, dependente do procedimento principal”.[XVII]

NOTAS
[I] SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. Vol. 2. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 286.
[II] Explica Misael Montenegro Filho: “É que na dinâmica forense utilizamos as expressões ação cautelar, processo cautelar e medida cautelar sem um critério jurídico mais refinado, posição assumida não apenas pelos advogados, como também pelos próprios magistrados, seja na prolação de decisões interlocut´rias seja no julgamento final do processo, através da sentença” – Cf. Curso de direito processual civil: Medidas de urgência; tutela antecipada e Ação cautelar; procedimentos especiais. V. 3. 5. ed. –São Paulo: Atlas, 2009, p. 47
[III] GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, volume 3: Processo de execução a procedimentos especiais).  20. ed. rev . e atual.  São Paulo: Saraiva, 2009, p. 169.
[IV] “A expressão [cautelar satisfativa], evidentemente é imprópria, pois a tutela cautelar é instrumental à pleiteada em outra ação (principal), não podendo ser satisfativa” – Cf. MEDINA, José Miguel Garcia et al. Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. – (Processo civil moderno; v. 4), p. 28.
[V] DONIZETTI, Elpídeo. Curso didático de direito processual civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 775. Paulo Afonso Garrido de Paula ensina: “A autonomia ou identidade própria do processo cautelar decorre do fato de encerrar uma relação processual distinta, diversa daquela estabelecida no processo principal” – in: MARCATO, Antônio Carlos (coordenador). Código de processo civil interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 2475.
[VI] MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: Medidas de urgência; tutela antecipada e Ação cautelar; procedimentos especiais. V. 3. 5. ed. –São Paulo: Atlas, 2009, p. 56. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 22.
[VII] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 23.
[VIII] DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 1.087. MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: Medidas de urgência; tutela antecipada e Ação cautelar; procedimentos especiais. V. 3. 5. ed. –São Paulo: Atlas, 2009, p. 56.
[IX] MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: Medidas de urgência; tutela antecipada e Ação cautelar; procedimentos especiais. V. 3. 5. ed. –São Paulo: Atlas, 2009, p. 57. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução - processo cautelar. Vol. II. 41. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.542.
[X] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 28. MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: Medidas de urgência; tutela antecipada e Ação cautelar; procedimentos especiais. V. 3. 5. ed. –São Paulo: Atlas, 2009, p. 56.
[XI] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 23.
[XII] DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 1.088.
[XIII] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 23.
[XIV] DONIZETTI, Elpídeo. Curso didático de direito processual civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 775. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução - processo cautelar. Vol. II. 41. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 541.
[XV] Paulo Afonso Garrido de Paula. In: MARCATO, Antônio Carlos (coordenador). Código de processo civil interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 2501.
[XVI] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução - processo cautelar. Vol. II. 41. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 625.
[XVII] MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 791.

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