domingo, 30 de maio de 2010

P420 - Jurisdição Voluntária


P420 – Jurisdição Voluntária - Procedimentos

Notas Didáticas de Direito Processual
Jurisdição Voluntária - Procedimentos
Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Processual Civil do Centro Universitário do Leste Mineiro – UNILESTE
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG


1. Propedêutica. O aluno vai localizar no Livro IV do CPC – artigos 1.103 a 1.210 – matéria processual sob a rubrica “Procedimentos Especiais de Jurisdição Voluntária”. Isso pode conduzir à falsa noção de que os procedimentos de jurisdição voluntária estejam localizados apenas nessa parte do Código. Há outros procedimentos que não estão localizados no Título II do Livro IV do CPC que têm, porém, a natureza de jurisdição voluntária, inclusive em leis esparsas[I]. Por isso, se recomenda que o aluno invista primeiro o seu tempo no domínio do conceito de jurisdição voluntária, pois assim identificará com mais facilidade um procedimento especial que tenha essa qualidade.

2. Jurisdição – conceito. Não há definição legal para o binômio “jurisdição voluntária” nem uniformidade na doutrina[II], quanto ao sentido técnico-jurídico dessa expressão. Apesar disso, o conceito de “jurisdição” pode ser construído a partir da análise semântica dos enunciados dos artigos 1º e 2º do CPC. No art. 1º se afirma que o exercício da jurisdição – contenciosa ou voluntária – é ato privativo do juiz. No art. 2º o legislador vincula a idéia de jurisdição com a função de “prestar a tutela jurisdicional” e, também, diz que a parte ou o interessado deverá requerer a tutela jurisdicional. Este desenho semântico permite formular o conceito de jurisdição como o ato, privativo do juiz, de dizer, para parte ou para o interessado, qual é o direito ou se o ato está conforme quer o direito[III].

3. Jurisdição Voluntária. Referindo-se, no art. 2º do CPC, à “parte”, o legislador evoca o conceito de lide[IV]. A lide pressupõe, pelo menos, um autor[V] e um réu – o autor quer algo; o réu resiste a que se verifique este algo. Referindo-se ao “interessado”, o legislador afastou-se da idéia de lide. O interessado é aquele que pretende realizar um ato jurídico, porém ele depende da chancela do Poder Judiciário, para a eficácia desse ato. Isso significa que, embora não haja um réu – alguém que possa validamente resistir ao implemento do ato jurídico desejado pelo interessado – o Estado exige, por uma questão de segurança jurídica, que o juiz verifique se todos os requisitos legais para a realização do ato pretendido foram atendidas. São muitos os exemplos de jurisdição voluntária, porém, o mais eficaz deles é o procedimento de separação judicial amigável, onde o marido e a mulher querem a mesma coisa – a dissolução da sociedade conjugal – e concordam com a pensão, a guarda dos filhos, o direito de visita, com a partilha dos bens etc. Não há lide, entretanto, a separação somente será válida se receber a “benção” judicial, ou seja, se for exarada a sentença homologatória. A jurisdição é voluntária, portanto, quando o interessado tem a necessidade [interesse processual] de provocar a intervenção do Estado-juiz para que este o autorize a praticar o ato pretendido[VI].

4. Diferenças entre as jurisdições voluntária e contenciosa. A principal diferença reside na qualidade do pedido [o pleito, a pretensão]. Se esse for de integração, a jurisdição será voluntária[VII]. Pretensão é um pedido ao Estado-juiz; uma demanda [em busca de; à procura de – Cf. Aurélio]. Se a pretensão é de imposição de uma obrigação ou vontade a alguém, se tem a jurisdição contenciosa. Se a pretensão é simplesmente uma manifestação de vontade ou vontades cuja validade depende da chancela judicial, tem-se a jurisdição voluntária. Não há propriamente partes, mas, simplesmente, interessados[VIII]. Não há coisa julgada. Não se admite a interposição de recursos excepcionais. Não se observa a legalidade estrita (CPC 1.109).

5. Procedimentos especiais de jurisdição voluntária contidos no CPC. A doutrina reconhece que são procedimentos de jurisdição voluntária contidos no CPC, embora localizados no livro do Processo Cautelar: A justificação – CPC 861; Os protestos, as notificações e interpelações – CPC, 867; a homologação do penhor legal – CPC, 874; a posse em nome do nascituro – CPC, 877; o protesto de títulos – CPC, 882[IX]. No Livro IV do CPC, registram-se com denominações específicas, os seguintes procedimentos de jurisdição voluntária: Alienações judiciais – CPC 1.113; Separação Consensual – CPC 1.120; Testamentos e Codicilos – CPC 1.125; Herança Jacente – CPC 1.142; Bens dos ausentes – CPC 1.159; Coisas Vagas – CPC 1.170; Curatela de Interditos – CPC 1.177; Organização e fiscalização das fundações – CPC 1.199; Especialização da hipoteca legal – CPC 1.205.

6. Tipos de procedimento especial para a jurisdição voluntária. Há duas categorias de procedimentos especiais para os casos de jurisdição voluntária: 1º) O procedimento geral, ou comum[X], contido nos artigos 1.103 a 1.112 do CPC, que deve ser observado em relação aos pleitos de jurisdição voluntária sem procedimentos específicos e, também quanto às pretensões de I - emancipação; II - sub-rogação; III - alienação, arrendamento ou oneração de bens dotais, de menores, de órfãos e de interditos; IV - alienação, locação e administração da coisa comum; V - alienação de quinhão em coisa comum; Vl - extinção de usufruto e de fideicomisso; 2º) os procedimentos específicos, tais como os referentes às Alienações judiciais – CPC 1.113; Separação Consensual – CPC 1.120; Testamentos e Codicilos – CPC 1.125; Herança Jacente – CPC 1.142; Bens dos ausentes – CPC 1.159; Coisas Vagas – CPC 1.170; Curatela de Interditos – CPC 1.177; Organização e fiscalização das fundações – CPC 1.199; Especialização da hipoteca legal – CPC 1.205.

7. Essência do procedimento comum. A petição inicial deve observar os requisitos do art. 282 do CPC. A competência é de qualquer juízo cível, exceto nos casos de herança jacente, que deverá ser proposta no foro onde o falecido tinha domicílio – CPC, 1.142. Não há autor nem réu. Quem pode propor a “ação” é o interessado[XI] ou o Ministério Público – CPC, 1.104. Quem propõe a ação se denomina “demandante”. A petição pode ser dirigida a qualquer juízo, excetuando-se o procedimento de herança jacente[XII]. O demandante, para que o processo não seja extinto por carência, deve afirmar sua legitimidade e o interesse processual. A legitimidade do Ministério Público para propor a “ação” de jurisdição voluntária somente é admissível nos casos previstos na lei, como faz o legislador no art. 1.202 do CPC. Não sendo o Ministério Público o demandante, ele deverá ser intimado [o artigo 1.105 emprega a palavra citado][XIII] em todos os procedimentos de jurisdição voluntária. Não havendo a intimação do Ministério Público, haverá nulidade absoluta dos atos processuais que se seguirem[XIV]. Apesar disso, há posição no STJ dizendo que a não intervenção do Ministério Público pode não implicar a nulidade, quando o interesse do demandante for meramente econômico[XV]. O prazo para a resposta do interessado citado ou do MP é de 10 (dez) dias – CPC, 1.106. Não cabe reconvenção[XVI]. Aplica-se o efeito da revelia para o interessado que não responder[XVII]. A Fazenda Pública deve ser ouvida quando tiver interesse jurídico na causa – CPC, 1.109. A decisão do juiz é sentença e desafia o recurso de apelação – CPC, 1.110. Não há trânsito em julgado da sentença, por força da interpretação do art. 1.111 do CPC, pois este afirma que a sentença pode ser modificada, preservando-se os efeitos já verificados, havendo fato superveniente que o autorize.

8. Funções dos procedimentos especiais nominados de jurisdição voluntária. Todo procedimento especial circunscreve-se a um direito que o legislador entendeu não ser adequadamente protegido com o manejo do processo comum ordinário ou sumário. Por isso, passa-se a destacar o objetivo de cada um dos procedimentos especiais nominados.
8-A. Emancipação.
8-B. Sub-rogação
8-C. Alienação de bens de menores, órfãos e de interditos.
8-D. Arrendamento de bens de menores, órfãos e de interditos.
8-E. Alienação, locação e administração da coisa comum.
8-F. Alienação de quinhão em coisa comum.
8-G. Extinção de usufruto.
8-H. Extinção de fideicomisso.
8-I. Alienações judiciais de coisas depositadas – CPC, 1.113.
8-J. Separação Consensual – CPC, 1.120.
8-K. Abertura, registro, cumprimento, confirmação e execução de testamentos – CPC, 1.125.
8-L. Procedimentos relativos à herança jacente – CPC, 1.114.
8-M. Arrecadação e Partilha de bens de ausentes – CPC, 1.159.
8-N. Tratamento jurídico às coisas vagas (coisa alheia perdida) – CPC, 1.123.
8-O. Curatela dos interditos – CPC, 1.117.
8-P. Nomeação, remoção e dispensa de tutor ou curador – CPC, 1.187.
8-Q. Da organização e da fiscalização de fundações – CPC, 1.199.


[I] SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. Vol. 3. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 379.
[II] Elio Fazzalari, depois de examinar os artigos 737 e seguintes do Código de Processo Civil italiano, assim conclui: “Isso confirma, se houver necessidade, que a realidade positiva impõe ao intérprete superar, também por esse lado, a clássica tripartição dos poderes do Estado, em homenagem à geometria iluminista ela qual, até ontem a ‘jurisdição voluntária’ foi apresentada como verdadeiro centauro, metade administração e metade jurisdição” – Cf. FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. trad. Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006, p.619. O conceito de jurisdição voluntária é, portanto, tormentoso. Há posicionamentos doutrinários que dizem que a jurisdição voluntária “se caracteriza por não ser jurisdição, nem voluntária” – Cf. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. I. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 80. A doutrina predominante caracteriza a Jurisdição voluntária por sua natureza “administrativa”. Nestes procedimentos, o Poder Judiciário “assume uma atividade de integração na formação de atos e negócios” – Cf. MEDINA, José Miguel Garcia et al. Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. – (Processo civil moderno; v. 4), p.336.
[III] Para Chiovenda, a Jurisdição é a “função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei”, afirmando sua existência ou ainda implementando os efeitos desejados Cf. apud, CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. I. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 71. Para Carnelutti, a jurisdição é uma função estatal de busca da “justa composição da lide” ( idem).
[IV] “Ao conflito de interesses, quando se efetiva com a pretensão ou com a resistência, poderia dar-se o nome de contenda, ou mesmo de controvérsia. Pareceu-me mais conveniente e adequado aos usos da linguagem o de lide” – Francesco Carnelutti. Teoria geral do direito. (Trad. Antônio Carlos Ferreira). São Paulo: Lejus, 1999, p.108.
[V] – a pessoa que deseja que outrem [o réu] lhe entregue uma coisa, faça ou deixe de fazer uma atividade ou, ainda, deseje constituir uma nova situação jurídica ou declarar a existência ou inexistência de dada relação jurídica.
[VI] “O interesse processual, necessidade que, na jurisdição contenciosa, decorre da sistemática geral de que ninguém pode fazer justiça pelas próprias mãos, na jurisdição voluntária decorre de lei, que impede a prática do ato sem intervenção e autorização judicial” – GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, volume 3: Processo de execução a procedimentos especiais).  20. ed. rev . e atual.  São Paulo: Saraiva, 2009, p. 282. “O Poder Judiciário interfere na órbita dos interesses privados administrativamente, integrando-se ao negócio jurídico ou velando pela sua correta formação e eficácia, conforme determina o interesse público. A tal gama de atribuições dá-se o nome de ‘jurisdição voluntária’”. Cf. SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. Vol. 3. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 371.
[VII] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 566.
[VIII] MEDINA, José Miguel Garcia et al. Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. – (Processo civil moderno; v. 4), p. 338.
[IX] SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. Vol. 2. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 320 - § 1.462.
[X] Alexandre Freitas Câmara recomenda passar “ ao estudo dos procedimentos que o Código de Processo Civil brasileiro incluiu entre os de jurisdição voluntária, iniciando-se o exame do ponto pelo procedimento comum a ser observado nos processos de jurisdição voluntária para os quais não haja procedimento especificamente previsto e que, assim como o procedimento ordinário do processo de conhecimento de jurisdição contenciosa, será aplicável subsidiariamente aos procedimentos especiais que tenham aquela natureza”. Cf. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 567.
[XI] Há, pelo menos, dois interessados: o interessado demandante – que propõe a ação; o interessado citado para se manifestar no processo. Este apenas se configura interessado se o seu interesse for de natureza jurídica; Cf. NEGRÃO, Theotônio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.1.103 (nota 1 ao art. 1.105 do CPC).
[XII] SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. Vol. 3. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 374.
[XIII] A doutrina majoritária entende que o legislador se equivocou ao dizer que o Ministério Público deva ser citado (v.g. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 568; Ernane Fidélis dos Santos não faz nenhuma crítica ao artigo e admite que o MP deva ser citado – “a não citação dos interessados e do Ministério Público, bem como a nulidade do ato citatório, podem tornar o procedimento nulo” – Cf. SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. Vol. 3. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 375. Nesse mesmo diapasão temos Vicente Greco Filho – Cf. Direito processual civil brasileiro, volume 3: Processo de execução a procedimentos especiais).  20. ed. rev . e atual.  São Paulo: Saraiva, 2009, p.284.
[XIV] A doutrina não é uníssona quanto à necessidade de intimação do Ministério Público. Alexandre Freitas Câmara entende que o legislador estabeleceu uma “presunção absoluta de interesse público nas causas de jurisdição voluntária, o que tornará sempre indispensável (sob pena de nulidade absoluta) a presença do Ministério Público”. Cf. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, 569. Em sentido contrário, José Roberto dos Santos Bedaque explica que o Ministério Público “não deve intervir em todos os procedimentos de jurisdição voluntária”, embora a interpretação literal do art. 1.105 do CPC conduza ao entendimento oposto – Cf. MARCATO, Antônio Carlos (coordenador). Código de processo civil interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 2844.
[XV] Cf. REsp 46770/RJ, 4ª T., j. 18.02.1997; In: MEDINA, José Miguel Garcia et al. Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 338. “A presença do MP ‘nos procedimentos de jurisdição voluntária somente se dá nas hipóteses explicitadas no respectivo título e no mencionado art. 82’” – in NEGRÃO, Theotônio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.1103.
[XVI] NEGRÃO, Theotônio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1.104.
[XVII] Idem.

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