domingo, 6 de junho de 2010

Artigo - Ficha suja / ficha limpa

* Este artigo foi publicado originariamente no Jornal Vale do Aço, página 2, edição de domingo, 06 de Junho de 2010.

FICHA SUJA / FICHA LIMPA
Com a finalidade de proteger a democracia e o cidadão – o homem comum do povo – quis a sociedade brasileira criar mecanismos para evitar que políticos, no exercício do mandato eletivo, viessem a faltar com a probidade administrativa e a moralidade. Por óbvio, nenhum candidato, vai se confessar tendente a práticas desonestas ou que atentem contra a moralidade administrativa. Por isso, ordenou a Constituição que, por meio de Lei Complementar, fossem definidos critérios para examinar “a vida pregressa dos candidatos”, ou seja, quais fatos do passado do candidato seriam levados em conta para determinar sua inelegibilidade.
Produziu-se a Lei Complementar 64. Então, com base na vida pregressa do candidato, ficaria inelegível aquele que: na justiça eleitoral, fosse condenado por abuso de poder econômico ou político; na justiça comum, tivesse sido condenado pela prática de crimes especificados na lei; no plano político, tivesse suas contas rejeitadas por irregularidades insanáveis. Além disso, a decisão deveria transitar em julgado. Ora, todos sabem que o processo judicial é moroso. Quem tem dinheiro para pagar competentes advogados consegue, dentro da estreita legalidade, embora, às vezes, eivada de imoralidade, procrastinar por anos e anos a decisão final de um processo. Em síntese: nada acontece e assim os Renans, os Severinos e os Josés continuarão disputando cargos.
Estranhamente ou propositalmente a lei não permitiu que se fizesse qualquer avaliação probabilística sobre as tendências do candidato à delinqüência. Não se admitiu a cognição sumária, instituto já consagrado no processo cautelar, como forma de proteger o povo contra o fundado receio de futura lesão a ser perpetrada pelo candidato. Em outras palavras: a lei não deu instrumentos capazes de evitar que alguém, com fortes indícios de se revelar uma raposa, seja eleito para cuidar do galinheiro (o dinheiro público para ser aplicado na saúde, na educação, na segurança etc.).
A indignação tomou conta de uma parcela esclarecida da sociedade e, por meio da iniciativa popular, chegou-se ao projeto de lei denominado “ficha limpa”. O ponto nuclear desse projeto é que a simples condenação em primeiro grau tornaria inelegível o candidato. Não se exigiria mais o demorado trânsito em julgado de sentença condenatória.
O fundo axiológico desse projeto de lei é curioso. Abre-se mão do princípio da inocência do candidato; quebra-se o cânone da irretroatividade da lei; põe-se, em relevo, a cautela – acolhendo-se a simples plausibilidade da tese de que o candidato com indícios de que poderá lesar o interesse público, não pode ser considerado elegível; ainda que possivelmente inocente. O projeto foi modificado. A lei encaminhada à sanção passou a exigir que a condenação, capaz de tornar inelegível o candidato, fosse proferida por um grupo de julgadores. Total desprestígio ao juízo de primeiro grau, mas, dos males, o menor. Publicado o texto aprovado no Congresso, no mundo jurídico, autorizadas vozes se levantaram. Uns disseram que a lei seria inconstitucional, pois feriria o princípio da inocência. Outros comentaram que a lei não poderia ser aplicada àqueles já condenados em primeiro grau, mas sem a ocorrência do trânsito em julgado.
Inclino-me a dizer o contrário: Estamos fundados sob uma ordem jurídica na qual o povo é o soberano exercendo este poder por meio de representantes escolhidos pelo voto. O direito de ser votado não pode ser alçado a um plano mais elevado que o direito que tem o povo à segurança de uma representação com probidade e moralidade. O princípio da inocência é relativo, pois a própria Constituição acolhe ser necessária a exigência de conduta ilibada para o preenchimento de determinados cargos. A irretroatividade das leis também não é um princípio absoluto. No Brasil, este se circunscreve ao respeito à coisa julgada, ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito. A irretroatividade é mera opção política legislativa.
No campo eleitoral não prevalece o princípio do Direito Penal que diz, “mais vale um culpado solto que um inocente preso”. Em se tratando de preservar a democracia e seus valores, sacrifica-se o candidato inocente em benefício da preservação da imagem do político e da política – essenciais à crença no estado democrático de direito como valor social. Quem propala que o povo não sabe votar é também quem diz que todo político é corrupto. São inverdades que interessam apenas aos inimigos da democracia.
Quem quer se candidatar que cuide de sua imagem.
Jorge Ferreira S. Filho. Advogado; Secretário Geral da 72ª Subseção da OAB – Seção Minas Gerais; Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho /RJ; Associado ao Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Integrante do Instituto dos Advogados de Minas Gerais – IAMG - E-mail professorjorge1@hotmai.com

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