domingo, 19 de setembro de 2010

P400 - Procedimentos Especiais - conceito




P400 – Procedimentos Especiais - conceito

Notas Didáticas de Direito Processual
Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Processual Civil do Centro Universitário do Leste Mineiro – UNILESTE
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG

OBSERVAÇÃO: TEXTO SEM REVISÃO GRAMATICAL

1. Introdução. Os três primeiros Livros do CPC tratam dos processos – de Conhecimento; de Execução; Cautelar. O Livro IV diz respeito aos “Procedimentos”. A doutrina se esforça no sentido de fazer com que os conceitos de “ação”, “processo” e “procedimento” não sejam confundidos. Diferençá-los, entretanto, exige muita atenção do aluno. Primeiro porque o próprio legislador não mantém uma linha coerente quanto à aplicação dessas palavras no texto legal. Não há rigor terminológico na aplicação desses conceitos em estudo. Exemplifico com a “ação de consignação em pagamento”, prevista nos artigos 890 a 900 do CPC, que deveria ser corretamente denominada processo de conhecimento com procedimento especial de jurisdição contenciosa para declaração de extinção de obrigação. Além dessa realidade há o aspecto da imbricação entre os conceitos em estudo, uma vez que para explicar um deles, normalmente se recorre ao outro. [I] Apesar disso, o aluno deve se empenhar para conhecer as principais condensações de sentido, ou seja, o significado técnico-jurídico mais acolhido para cada uma das palavras ação, processo e procedimento. Dominando tais significados o aluno poderá identificar melhor as figuras de linguagem aplicadas na comunicação jurídica brasileira e assim evitar incidir em erros metodológicos e até profissionais.

2. O conceito de ação. Para Vicente Greco Filho, a ação é o direito subjetivo público, autônomo e abstrato de pleitear ao Poder Judiciário decisão sobre uma pretensão, conexo a ela. Para Pontes de Miranda a “ação”, como remédio jurídico processual, é o direito de provocar o Estado, exercendo-se a pretensão à tutela jurídica, que o Estado criou [II]. João Mendes de Almeida Júnior, quando ainda incipiente a idéia de autonomia do processo, extraiu do art. 75 do CC/16 que a acção seria o accidente, mediante o qual, a substancia produz efeito [efeito jurídico].[III] Ensinava, ainda, que a ação, na acepção subjetiva, é um attributo do sujeito de direito de iniciá-la, isto é, como um direito do autor ... o direito de requerer em juízo aquillo que é devido ao Autor[IV]. Na síntese de Alexandre Freitas Câmara, a “ação” pode ser conceituada como o poder de exercer posições jurídicas ativas no processo jurisdicional, preparando o exercício, pelo Estado, da função jurisdicional [V]. Percebe-se, pois, nas considerações dos doutrinadores referenciados, que a palavra “ação” tem o significado de “poder” ou “direito subjetivo”, de qualquer pessoa, física ou jurídica, de provocar o Estado para que este diga o direito. Em outras palavras, diante de uma lide, [VI] o autor tem o direito [o poder] de provocar o Estado para que este diga quem está com a razão; o autor ou o réu, ou requerido. Ainda que não exista a lide, há casos em que as pessoas devem buscar o Poder Judiciário como meio de chancela de suas vontades de forma que possam obter os efeitos jurídicos plenos decorrentes de seus atos. São os procedimentos de jurisdição voluntária, bem caracterizado pelo procedimento de separação judicial consensual, onde o juiz apenas verifica se estão presentes os requisitos legais para validar a vontade do casal. O casal tem o poder, ou o direito subjetivo, de provocar o Estado. A esse poder específico denominamos “ação”. Portanto, quando o legislador diz “ação de divórcio” ou “ação de alimentos” aplica a palavra ação no sentido de processo, ou meio legal para se obter o divórcio ou os alimentos, respectivamente, nos exemplos retro. Em síntese, a palavra “ação” é polissêmica e deve ser cuidadosamente examinada em cada contexto, para que se lhe apure corretamente o seu específico sentido.

3. O conceito de processo. O processo, por sua vez, é um meio; o meio legal pelo qual se exercita o direito de ação. Os processos são classificados segundo as finalidades ou pretensões da parte autora. Por isso, se a finalidade do autor é obter uma condenação do réu – a dar, a fazer ou não-fazer – ou uma declaração relativa ao seu direito ou, ainda, a constituição de nova situação jurídica, o processo será de cognição. Se a finalidade buscada no processo é a satisfação de um direito, o processo será de execução. Em se pretendendo assegurar a utilidade de um processo de cognição ou de execução, o processo para isso será o cautelar. [VII] Internamente, ou intrinsecamente, o processo se apresenta como uma relação jurídica de direito público entre o Estado-juiz e as partes. Sob o enfoque externo, percebe-se que o processo é uma sequência ordenada de atos, em que cada ato é causa do seguinte e consequência do anterior, todos se encadeando como instrumentos de obtenção de um resultado final. [VIII] Essa seqüência ordenada de atos, porém, não é aleatória, pois como observa Elio Fazzalari, ela deve estar prevista e valorada na norma jurídica processual [IX].
4. O conceito de procedimento. Uma vez firmado o entendimento de que o processo é uma sequência preordenada de atos para se atingir um determinado fim jurídico – a cognição, a execução ou a medida cautelar – cabe perguntar se há apenas um caminho a ser seguido para se alcançar cada uma das finalidades inerentes às espécies de processo. A resposta é “não”. Encontramos, na legislação processual, variegadas sequências de atos, ou caminhos diferentes, para se atingir um mesmo fim. Exemplificando, temos dois caminhos para se obter a condenação de uma pessoa a indenizar a vítima de um acidente de trânsito: a sequencia de atos contidas nos artigos 282 a 475-R do CPC; a sequência de atos prevista nos artigos 275 a 281 do CPC. Cada um destes caminhos apresenta-se como uma “forma”, ou seja, com uma específica organização[X] que lhe caracteriza. O procedimento[XI] é a forma especifica que identifica cada sequência de atos previstos no interior das disposições legais relativas aos processos. Os procedimentos são, pois, organizações percebidas no interior dos processos.

5. Considerações adicionais sobre os conceitos de processo e conhecimento. Operacionalmente, pode-se dizer que os procedimentos são os caminhos reconhecidos pelo legislador, e que devem ser obrigatoriamente observados pelos atores do processo (juiz, autor e réu), para validar os pronunciamentos judiciais – interlocutórios ou finais. Os conceitos de processo e de procedimento, em todos os autores, têm um núcleo comum que é a idéia de movimento. v.g.: O processo judicial, portanto, é o movimento dos actos da acção judiciaria, ou melhor, o movimento dos actos da ação em juízo. [XII]O doutrinador italiano Elio Fazzalari construiu a teoria no sentido de que o processo e o procedimento têm a mesma essência, ou seja, todo processo é também um procedimento. Porém, o processo, segundo o autor seria um procedimento qualificado pelo contraditório. Em síntese, o procedimento que se observa no processo tem um diferencial, ele se desenvolve em contraditório, isto é, assegurando-se a todos os interessados a possibilidade de participar do procedimento, influindo no resultado final. [XIII]

6. Os procedimentos no ordenamento processual brasileiro.
6.1 No art. 272 do CPC, o legislador estabelece duas categorias, mutuamente exclusivas, de procedimentos: o comum; o especial. Nota-se, pois, que os procedimentos especiais mencionados no art. 272 referem-se ao processo de conhecimento, ou seja, atividade jurisdicional cognitiva. O procedimento [rito] comum admite duas categorias: o ordinário; e o sumário. Portanto, é considerado especial o procedimento que não se desenvolve [movimenta] com a forma do procedimento comum (ordinário ou sumário). Os procedimentos especiais, relativos ao processo de conhecimento, estão localizados no Livro IV do CPC, mas são também encontrados em outras leis, principalmente as extravagantes. [XIV] São também especiais os procedimentos relativos às medidas satisfativas localizadas no Livro III. [XV]
6.2 Os procedimentos especiais foram criados para atender peculiaridades do direito material buscado [XVI]. A “ação” deve ser ajuizada e tramitar em observância a este procedimento, sob pena de faltar o “interesse”.[XVII] O CPC construiu duas classes de procedimentos especiais: os de jurisdição contenciosa; os de jurisdição voluntária.
6.3 Os processos cognitivos de jurisdição contenciosa com procedimento especial são apresentados sob a rubrica “Da ação de ....” . São eles: Consignação em pagamento; de depósito; anulação e substituição de título ao portador; prestação de contas; possessórias; nunciação de obra nova; usucapião de terras particulares; divisão e demarcação de terras; inventário e partilha; embargos de terceiro; habilitação; restauração de autos; vendas a crédito com reserva de domínio; do juízo arbitral; da ação monitória. [XVIII]
6.4 Os processos cognitivos de jurisdição voluntária não são introduzidos pela palavra “ação”. O CPC trata a matéria introduzindo as rubricas do capítulo com as palavras: Das ; Do; Da. Assim se tem: Das disposições gerais; Das alienações judiciais; Da separação consensual; dos testamentos e codicilos; Da herança jacente; Dos bens dos ausentes; Das coisas vagas; Da curatela dos interditos; Das disposições comuns à tutela e curatela; Da organização e da fiscalização das fundações; Da especialização da hipoteca legal.


[I] Ensina Vicente Grego Filho que “não se pode sequer definir cada um deles sem referir o outro” – GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, volume 3: Processo de execução a procedimentos especiais).  20. ed. rev . e atual.  São Paulo: Saraiva, 2009, p. 77.
[II] (Pontes de Miranda. Tratado das Ações. Tomo 1. Campinas: bookseller, 1998, p. 124).
[III] ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Direito judiciário brasileiro. 2ª ed., correcta e augmentada. – Rio de Janeiro: xxx Typografia Baptista de Souza, 1918, p. 101.
[IV] (ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Direito judiciário brasileiro. 2ª ed., correcta e augmentada. – Rio de Janeiro: xxxTypografia Baptista de Souza, 1918, p. 102)
[V] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. I. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 126.
[VI] “Ao conflito de interesses, quando se efetiva com a pretensão ou com a resistência, poderia dar-se o nome de contenda, ou mesmo de controvérsia. Pareceu-me mais conveniente e adequado aos usos da linguagem o de lide” – Francesco Carnelutti. Teoria geral do direito. (Trad. Antônio Carlos Ferreira). São Paulo: Lejus, 1999, p.108.
[VII] O anteprojeto do novo Código de Processo Civil excluiu o processo cautelar. As medidas cautelares foram incluídas na Parte Geral como categoria de tutela de urgência (artigos 283 e 284).
[VIII] (Câmara, 298).
[IX] O processo apresenta-se como uma sequência de atos, os quais são previstos e valorados pela norma – FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Tradução de Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006, p. 114.
[X] A palavra “organização” está aqui empregada com um sentido especial, assim posto: “Entende-se por organização as relações que devem ocorrer entre os componentes de algo, para que seja possível reconhecê-lo como membro de uma classe específica. Entende-se por estrutura de algo os componentes e relações que constituem concretamente uma unidade particular e configuram sua organização” (Cf. MATURANA, Humberto R. et al. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. 2. ed. São Paulo: Palas Atenas, 2002, p. 54).
[XI] “O processo, outrossim, não se submete a uma única forma. Exterioriza-se de várias maneiras diferentes, conforme as particularidades da pretensão do autor e da defesa do réu. Uma ação de cobrança não se desenvolve, obviamente como uma de usucapião e nem muito menos como uma possessória. O modo próprio de desenvolver-se o processo, conforme exigências de cada caso, é exatamente o procedimento do feito, isto é, o seu rito” – Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: procedimentos especiais. Vol. III. 47. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 50.
[XII] ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Direito judiciário brasileiro. 2ª ed., correcta e augmentada. – Rio de Janeiro: xxxTypografia Baptista de Souza, 1918, p. 260.
[XIII] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 298.
[XIV] (MEDINA, José Miguel Garcia et al. Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 209).
[XV] (MEDINA, José Miguel Garcia et al. Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 211).
[XVI] Cf. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 307.
[XVII] Cf. MEDINA, José Miguel Garcia et al. Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 208.
[XVIII] O anteprojeto do novo Código de Processo Civil mantém os seguintes procedimentos como especiais: Consignação em pagamento; prestação de contas; divisão e demarcação de terras; inventário e partilha; embargos de terceiro; habilitação; restauração de autos; Possessórias. A homologação de penhor legal, procedimento erroneamente inserido no Livro do Processo Cautelar, foi considerado mero processo cognitivo com procedimento especial.

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