terça-feira, 12 de outubro de 2010

RC010 - Da indenização







RC010 – Indenização da vítima pelo Dano
Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Civil e Processual Civil do Centro Universitário do Leste Mineiro
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG
Direitos autorais na forma da Lei 9.610/98. Reprodução proibida

OBSERVAÇÃO: TEXTO SEM REVISÃO GRAMATICAL

1. Introdução. São elementos da responsabilidade civil subjetiva a conduta culposa, o dano e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Na responsabilidade civil objetiva, os elementos são: a conduta ilícita não culposa, o dano, e a relação de causalidade entre o dano e a conduta. Portanto, não se pode falar em responsabilidade civil sem que haja o dano. Poderá até haver responsabilidades administrativa e penal, quando da conduta não resultar um dano, mas, inexistindo esse, no desenho atual de nossa legislação, não se pode falar em responsabilidade civil, ou seja, no dever de indenizar. O propósito deste artigo é o de conhecer os ângulos utilizados pelo Direito para caracterizar o dano. Isso significa perquirir sobre o conceito, as espécies, a relação entre os conceitos de “dano” e “indenização”, os meios válidos para fixar o valor da indenização.

2. Dano – O conceito. A palavra “dano” comparece inicialmente na parte geral do Código Civil nos artigos 186 e 187, todavia o legislador, nesses dispositivos, não define o que é “o dano”. Na Parte Especial do Código Civil, no livro que trata do Direito das Obrigações, o artigo 389 enuncia que o devedor que não cumprir sua obrigação responderá por “perdas e danos”, porém, mais uma vez, nada se explica sobre o dano. A rigor, o que este enunciado permite concluir é que o “dano” e a “perda” seriam institutos jurídicos distintos. A Constituição Federal, no art. 5º, inciso V, quando positiva o direito fundamental de resposta, faz referência ao direito de ser indenizado pelo “dano” – material, moral ou à imagem –, porém nada diz sobre as “perdas”. Entretanto, no artigo 402 do Código Civil, encontramos um enunciado que vai permitir iniciar a prospecção do conceito de dano, uma vez que o legislador assim estabeleceu: Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar. Andou bem a Constituição e o Código Civil, pois há muito os estudiosos dizem que é melhor deixar para a doutrina construir o conceito dos institutos jurídicos, pois, os conceitos são condensações de sentido e esses se alteram com as transformações da sociedade. A doutrina, interpretando o artigo 402 do CC, chamou de “dano emergente” a parte que corresponde ao que o credor efetivamente perdera com o descumprimento da obrigação. No tocante àquilo que o credor deixou razoavelmente de ganhar, a doutrina denominou “lucro cessante”. [1] Dessa leitura, o aluno pode então concluir que o “dano”, sob a ótica do momento em que ele ocorre, é um gênero comportando duas espécies: o dano emergente; e o dano provável (lucros cessantes). [2] Pelo ângulo de seu conteúdo, grosso modo, o “dano” é o conjunto das diminuições dos bens jurídicos desfrutados por uma pessoa ou, ainda, a redução das vantagens detidas por uma pessoa em relação aos seus bens. Inicialmente a doutrina se preocupou apenas com o bem jurídico patrimonial tangível, ou seja, as coisas e a renda. Sob esse enfoque, o dano pode se verificar em três vertentes, a seguir explicadas.
3. As categorias de “dano” na Constituição Federal. A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso V, diz expressamente que há três espécies de danos: o material; o moral; e à imagem. No inciso X, do artigo retro, novamente a Constituição Federal consagra o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação da intimidade, da vida privada, da honra, e da imagem das pessoas. O dano material é a diminuição de um bem jurídico material que está na titularidade de alguém. Assim, se uma pessoa tem um bem, móvel ou imóvel, destruído ou deteriorado, ela sofre um dano; dano material. A palavra “bem” ou “bens”, no nosso Direito, tem sentido amplo e engloba as coisas e os direitos economicamente apreciáveis. [3] Portanto, a redução de uma vantagem relacionada com o exercício de um direito, tal como o direito de autor, configura-se um dano. Ocuparemos primeiro em conhecer o dano material, por ser a espécie mais facilmente indenizável, todavia, investigaremos primeiro o significado da palavra indenização, no contexto jurídico da responsabilidade civil.

4. O sentido jurídico da palavra “indenização”. A Constituição Federal emprega nos incisos V e X, do art. 5º, a palavra “indenização”, como categoria de direito assegurado a quem sofreu um dano. Há, pois, no discurso da Constituição uma obrigação de indenizar imposta àquele que causar um dano a outrem. Entretanto, nos enunciados do caput e do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, não se empregam o verbo indenizar nem o substantivo indenização. Nesses dispositivos os correlatos semânticos são “reparar” e “reparação”. O Código Civil fala, pois, em obrigação de reparar, todavia há uma noção comum nessas duas obrigações – reparar e indenizar –, pois ambas centram-se na idéia de compensar, repor ou substituir a coisa ou a vantagem jurídica que deixou de existir ou que sofreu deterioração. Indenizar é tornar indemne. [4] Talvez, a expressão schadensersatze verpflichtende, empregada no § 249 do Código Civil Alemão – BGB –, seja a que melhor traduza a idéia da indenização, pois ela tem por núcleo a palavra ersatz [5]que significa uma prótese, algo que é colocado no lugar daquilo que se perdeu. Com o delineamento dessa idéias, tem-se que a reparação civil pode se dar pela via da substituição da coisa deteriorada ou destruída por outra do mesmo gênero, quantidade e qualidade ou, ainda, por uma quantia em dinheiro, equivalente ao valor do bem que não pode ser substituído (reparação in natura[6]). Ocupar-nos-emos da indenização pecuniária ou substitutiva.
5. Medindo ou calculando a indenização. Via de regra, o valor da indenização substitutiva, ou seja, por dinheiro, é bastante simples, pois ela ocorre por simples verificação da despesa que deve ser realizada para a substituição. Assim, a indenização correspondente ao dano consistente de um pára-choque amassado é o preço cobrado por um novo ou pela reparação do deteriorado. Essa é mensagem do legislador ao estabelecer no artigo 944 do Código Civil que “a indenização se mede pela extensão do dano”. Esse artigo reflete o vestuto princípio da reparação integral – restitutio in integrum – à vítima. [7] Tal princípio, entretanto, passou a ser mitigado, uma vez que o parágrafo único do artigo retro, abriu ao juiz o direito de fixar indenizações cujo valor seja inferior ao efetivo dano. A idéia que informa esse posicionamento é a aplicação do critério de equidade – justiça – de forma a estabelecer uma razoabilidade entre a condenação daquele que por culpa leve produziu dano gravíssimo e aquele que por conduta dolosa desejando resultado grave, apenas provoca danos leves – tentativa de homicídio por exemplo. Há um posicionamento jurisprudencial no sentido de que o parágrafo único do art. 944 do Código Civil não se aplica para o caso de responsabilidade civil objetiva. [8] De qualquer forma, é necessário fixar a indenização, ou seja, o valor da indenização, ou, na linguagem técnica, determinar o objeto da obrigação de indenizar. A isso, o direito se dá o nome de liquidação. Para isso, o artigo 946 do Código Civil enuncia que se a obrigação for indeterminada, as perdas e danos serão apuradas na forma da lei processual, ou seja, pela regras contidas nos artigos 475-B a 475-F, todos do CPC. [9]
6. Indenizações paradigmáticas. O Código civil traça regras sobre a indenização – artigos 944 a 953. Dentre elas há três categorias de indenização que sobressaem: a devida aos parentes da vítima, no caso de homicídio; aquela que se deve à vítima de ofensa ou lesão à saúde; a que deve ser prestada àqueles que não puderem mais exercer plenamente seu ofício ou profissão por dano centrado em ofensa à saúde. De peculiar interesse é o caso de morte da vítima, sendo estudado abaixo, com algum detalhe, o caso de morte de filho menor e de pais de menores. A morte da vítima implica para o responsável, a indenização assim delineada no artigo 948 do Código Civil: No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima. O inciso I compreende o dano emergente. O inciso II se refere ao lucro cessante. A parte final do caput – outras reparações – deixa clara a possibilidade de se ampliar a indenização sob fundamento de dano puramente moral. A apuração do valor a título de indenização por dano moral será estudada ao final desta notação. O dano emergente é calculado de forma muito simples, bastando a comprovação da despesa. O mais árduo é calcular o lucro cessante, ou seja, o alimento, ou pensão, tarefa que, a seguir, nos desincumbiremos.

6-A. Pensão aos pais pela morte do filho. Principalmente nas famílias de baixa renda, os filhos que trabalham contribuem significativamente para a renda familiar. Os pais recebem efetiva contribuição financeira dos filhos. Isso se verifica também depois que o filho dessa classe de pessoas contrai casamento. Por isso, a doutrina e a jurisprudência entenderam que a morte do filho menor provoca um dano material aos pais. Esse dano é da categoria lucro cessante. A pensão é inicialmente fixada no valor equivalente a 2/3 da renda do menor. Se o menor não trabalhava, embora tivesse idade para isso, sua renda é presumida no valor correspondente a 01 salário mínimo. O valor da pensão cairá para a metade do fixado inicialmente, quando se chegar à data em que o menor, se tivesse vivo, completaria 25 anos. A pensão continuará sendo paga aos pais do menor, até a data (termo final) em que este completaria 65 anos. [10] Essa pensão devida aos pais do menor não será compensada com verbas porventura devidas pelo sistema previdenciário ou securitário. Cumular-se-ão a indenização previdenciária e a de origem no direito comum. [11] Entretanto, havendo verbas devidas aos parentes da vítima decorrente do seguro obrigatório por acidentes provocados por veículos automotores, deverá ser promovida a compensação. [12] Se a vítima estava empregada, na ocasião de seu falecimento, a pensão deverá incluir a gratificação natalina, também denominada 13º salário. Haverá também correção monetária, uma vez que essa está prevista no artigo 395 do Código Civil. Sua incidência se verifica a partir do efetivo prejuízo, nos termos da Súmula 43 do STJ. Há também juros moratórios, calculados desde a data do evento, conforme interpretação gramatical do artigo 962 do Código Civil e posição jurisprudencial contida na Súmula STJ 54. [13]

6-B. Pensão ao filho, pela morte dos pais. Inegável que o filho menor depende economicamente dos pais. A morte de qualquer deles implica dano moral e patrimonial. O causador do dano deverá pagar ao menor uma pensão, calculada por critérios idênticos ao do caso anterior, exceto pelo fato de que essa obrigação cessará na data em que o filho da vítima completar 25 anos. Presume-se que, nessa data, ainda que vivo fosse o pai ou a mãe, o filho se tornaria independente, casando-se e com formação universitária. [14]

[1] Comentando o art. 402 do CC, a doutrina diz “Ou seja, danos emergentes e lucros cessantes, respectivamente” . NEGRÃO, Theotônio. Código Civil e legislação civil em vigor. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 161.

[2] Nesse sentido, o doutrinador Washington de Barros Monteiro assim explica: em regra, os danos se enquadram em duas classes, positivos e negativos. Consistem os primeiros numa real diminuição no patrimônio do credor e os segundos, na privação de um ganho que o credor tinha o direito de esperar.
Os antigos comentadores do direito romano designavam esses danos pelas conhecidas expressões damnum emergens e lucrum cessans. Dano emergente é o deficit no patrimônio do credor, a concreta redução sofrida em sua fortuna (quantum mihi abfuit). Lucro cessante é o que ele razoavelmente deixou de auferir, em virtude do inadimplemento do devedor (quantum lucrari potui. – Cf. Curso de direito civil: direito das obrigações – 1ª parte. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 334.
Clóvis Bevilaqua, em 1895, também destacara o viés patrimonial das perdas e danos ensinando: “Chamam-se perda e damnos ou perdas e interesses, os prejuízos ocorridos ao credor, tanto os que effectivamente lhe diminuem o patrimonio (damnum emerges), quanto os simplesmente previstos no momento de celebrar-se o contracto (lucrus cessans)”. “Quantum mihi abest, quantumque lucrare potui, disse Paulo (D, 46, 8, fr. 13), avaliam-se esses prejuízos de accôrdo com circumstancias” (Cf. BEVILAQUA, Clovis. Direito das obrigações. edição histórica. Campinas: Red Livros, 2000, p.204)
[3] “O termo bens, que serve de título ao Livro II da Parte Geral do Código Civil de 1916 e o novo Código, tem significação extensa, englobando coisas e direitos, sob diversos aspectos”. (Cf. Sílvio de Salvo Venosa. Direito civil: parte geral. Vol. 1. 2. ed. São Paulo: Atlas, p. 304)
[4] “A responsabilidade civil opera a partir do ato ilícito, com o nascimento da obrigação de indenizar, que tem por finalidade tornar indemne o lesado, colocar a vítima na situação em estaria sem a ocorrência do fato danoso” – (Cf. CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 04 - § 1.2.1).
[5] Substituto, substituição, compensação, prótese – Cf. Dicionário de Bolso – Langenscheidt. Berlim, 1968, p.799. 249 -Quiem está obligado a ala indemnizacion de da^nos há de reponer el estado que existiria si la circunstancia que obliga a la indemnizacion no se hubiera produzido. Si há de prestarse uma indemnización de daños a causa de la lesión de una persona o del deterioro de una cosa, el acreedor puede exigir en lugar de la reposición da suma de dinero necesaria para ella. (Ludwig Enneccerus. Tratado de Derecho Civil. Barcelona, 1955, p. 52).
[6] CC, art. 947. “Se o devedor não puder cumprir a obrigação na espécie ajustada, substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente”.
[7] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 120 - § 20.
[8] Comenta Carlos Celso Orcesi da Costa: “Pessoalmente no aproximamos de uma vertente sociológica do direito. não há como negar a prática. Toda vez que a teoria nega a realidade, esta prevalece sobre aquela. De tal modo que o art. 944 deve ser visto e utilizado como um símbolo, um norte, um ideal a não perder de vista, embora de difícil concretização no cotidiano forense” (Código civil na visão do advogado: responsabilidade civil. vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 391). Cf. também CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 121 - § 20.
[9] Há três formas de promover a liquidação do objeto de uma obrigação. A primeira se dá pela via de simples cálculo aritmético, bastando ao credor apresentar uma memória de cálculo. Na segunda, quando a natureza da prestação não comportar o simples cálculo, o juiz poderá fazer a liquidação por arbitramento, nomeando um perito avaliador que, com sua experiência de mercado, indicará o valor do dano. Por fim, há, também, a liquidação por artigos (CPC 475-E), caracterizada pela necessidade de se alegar e provar fato novo; um processo em paralelo. Cf. GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, volume 3: Processo de execução a procedimentos especiais).  20. ed. rev . e atual.  São Paulo: Saraiva, 2009, p. 53.
[10] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 123 - § 20.2. GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. vol. III. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 349.
[11] Súmula STF 229: A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador.
[12] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 125 - § 20.5.
[13] idem, p. 128.
[14] idem, p. 123.

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