quinta-feira, 7 de outubro de 2010

RC110 - Responsabilidade Civil do Advogado


RC110 – Responsabilidade Civil do Advogado
Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Civil e Processual Civil do Centro Universitário do Leste Mineiro
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG
Direitos autorais na forma da Lei 9.610/98. Reprodução proibida

OBSERVAÇÃO: TEXTO SEM REVISÃO GRAMATICAL

1. Introdução. A advocacia é nos dias de hoje uma atividade essencial ao aprimoramento e bom funcionamento das democracias modernas. O advogado, profissional que tem a exclusividade do direito de exercer a advocacia, é, no Brasil, indispensável à administração da justiça (art. 133 da CF). Para bem desempenhar a missão de defender os interesses de seu cliente, a Constituição Federal assegurou ao advogado a inviolabilidade por seus atos e manifestações, nos limites da lei. Isso significa que o advogado não pode ultrapassar os limites estabelecidos na lei, no tocante ao que escreva ou fale na defesa de seu cliente, porque isso pode causar danos a terceiros. Tem também o advogado um complexo de deveres em relação ao seu cliente e a infração a esses deveres pode implicar danos ao cliente, devendo o advogado responder por estes atos. Examinaremos abaixo alguns aspectos peculiares da responsabilidade civil do advogado, cotejando-a, com a responsabilidade penal e administrativa.

2. A responsabilidade administrativa. A Ordem dos Advogados do Brasil tem também por função punir o advogado que transgredir o Código de Ética da Advocacia ou cometer as infrações disciplinares contidas no Estatuto da Advocacia e da OAB. As sanções pelas infrações éticas ou disciplinares espraiam-se em quatro vertentes: I - censura; II - suspensão; III - exclusão; IV - multa. As sanções não são públicas, porém devem constar dos assentamentos do inscrito, após o trânsito em julgado da decisão. É possível, entretanto, que de uma mesma conduta do advogado resultem as responsabilidades penal e civil. Desta nos ocuparemos.

3. Atuação do advogado como profissional liberal. O advogado que atua “por conta própria”, ou seja, sem relação de subordinação com entidades públicas ou privadas, estabelece com seu cliente uma relação contratual de prestação de serviços. [i] Atuando como profissional liberal, a responsabilidade civil do advogado perante o cliente será de natureza subjetiva, pois assim determinam o art. 14, §4º, da Lei 8.078/90, e o art. 32 da Lei 8.906/94. [ii] Isso significa que o advogado somente será responsabilizado por danos causados ao cliente se, na conduta apontada como causa do dano, for possível verificar os elementos que exteriorizam a culpa – imprudência, negligência, imperícia. O advogado deve, portanto, se pautar por dois balizamentos jurídicos em sua conduta: o Código de Defesa do Consumidor; e o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil.

3-A. Natureza contratual da atividade advocatícia. O advogado tem o direito de postular em juízo ou fora deste âmbito,[iii] porém deve fazê-lo “fazendo prova do mandato”. O mandato é um contrato e a procuração outorgada pelo cliente é o instrumento deste contrato. Portanto, a responsabilidade civil do advogado perante seu cliente é de natureza contratual. [iv] Responde pelo inadimplemento das obrigações contratuais convencionadas ou impostas pela Lei ou pelo Código de Ética. As obrigações do advogado circunscrevem-se em torno de dois núcleos: a defesa do interesse do cliente por meio de atos do processo; o aconselhamento ao cliente, que se dá normalmente por meio de um “parecer”. [v] O advogado já assume obrigações desde a fase pré-contratual. Em relação aos pareceres, a responsabilidade do advogado pode se verificar ou não. [vi] Tornou-se um paradigma a decisão do STF, no mandado de segurança 24.073-3 – DF, no qual se consagrou o direito de o advogado emitir parecer fundamentado, ainda que contrário a posição majoritária, sem atrair a responsabilidade. Na ementa restou enunciado que “O advogado somente será civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros se decorrentes de erro grave, ou de ato de omissão praticado com culpa em sentido largo”. [vii]

4. Atuação do advogado em sociedade de advogados. O advogado pode constituir uma sociedade de advogados, caso em que será um sócio da entidade. [viii] Poderá, também, integrar-se a uma sociedade de advogados na qualidade de advogado associado. Há aspectos peculiares quanto à responsabilidade da pessoa jurídica que é a sociedade de advogados, principalmente em relação ao fato de que esta não goza dos bloqueios que o direito privado faz ao patrimônio dos sócios de uma sociedade ltda. [ix] Outro curioso aspecto é o fato de que o advogado, ainda que atue como empregado, goza da prerrogativa de não lhe ser retirada a isenção técnica nem a independência profissional inerentes à advocacia, conforme expressa guarida do art. 18 da Lei 8.906/94. [x]

5. Atuação como empregado. O advogado pode exercer sua profissão como empregado de empresa privada ou como um servidor de pessoas jurídicas de direito público (defensor público, procurador, assessor jurídico etc.). Nas hipóteses retro, se o advogado causar dano, por seus atos, à pessoa que ele defende, a responsabilidade será transferida à pessoa jurídica de Direito Público ou Privado em nome da qual ele exerce sua profissão. [xi]

6. As principais condutas ilícitas dos advogados em relação ao cliente. A ilicitude decorre da infração de um dever estabelecido em Lei. No caso da advocacia, a ilicitude da conduta do advogado centra-se principalmente na inobservância dos deveres contidos no art. 34 da Lei 8.906/94. No conjunto, as principais condutas aptas a causar danos aos clientes são aquelas relativas à perda de prazo (para recorrer, para contestar, para pedir uma diligência importante ou uma prova etc.). [xii] Mas não é somente do Estatuto da Advocacia que emanam os deveres para o advogado, pois, como prestador de serviço que é esse profissional tem os deveres de bem informar o cliente sobre os riscos de um processo judicial, de ser transparente nas exposições e de manter completo sigilo em relação às informações que o cliente lhe passa. [xiii]
7. O dever de respeitar e de exigir respeito. A Lei 8.906/94 estabelece claramente que não há hierarquia entre os profissionais do direito que atuam no processo, pois assim declara o art. 6º. Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos. Além disso, o advogado tem a obrigação de agir com destemor na defesa de seu cliente, pois o Art. 31 da lei retro[xiv] exige que o advogado mantenha sua independência e na defesa de seu cliente ele não pode ter nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão. Se o advogado descumprir tais deveres e disso resultar prejuízo ao cliente, ele deverá responder perante este.
8. As consequências da “perda de uma chance”. Quando o advogado perde um prazo para realização de um ato sua conduta diz-se que haverá responsabilidade civil pela perda de uma chance de se manifestar nos autos. A questão é complexa, [xv] pois todos sabem que o fato de o advogado não ter recorrido não implica diretamente o insucesso na demanda. Em outras palavras, ninguém poderia garantir que o oferecimento do recurso mudaria a decisão anterior proferida contra os interesses do cliente do advogado. Por isso, a doutrina e a jurisprudência recomendam estrema prudência no estabelecimento do nexo de causalidade[xvi] entre o prejuízo do cliente e a não manifestação do advogado no prazo que lhe fora aberto. De qualquer forma, para o leigo, o conhecimento de que o advogado perdeu o prazo para oferecer a contestação ou recorrer constitui-se fato idôneo a promover a perda da paz de espírito e o mergulho no mundo da angústia a sofrimento; o dano moral.
9. As principais condutas ilícitas do advogado frente a terceiros. O advogado, no exercício de sua profissão, tem contato direto com juízes, membros do ministério público, serventuários, testemunhas e com colegas. Embora esteja assegurada sua inviolabilidade pelas manifestações em defesa de seu constituinte, o advogado tem limites para essa atuação. Tais limites encontram-se fincados na Constituição e também na legislação infraconstitucional. Do art. 5º, inciso X da Constituição Federal, decorre que o advogado não pode, na defesa de seu cliente, violar a honra, a imagem, a intimidade e a vida privada das pessoas com as quais se relaciona pela via do processo. Portanto, testemunhas, a parte contrária, os magistrados e os membros do Ministério Público que se sentirem ofendidos em sua honra em decorrência de condutas do advogado podem exigir-lhe a reparação moral. O principal dispositivo infraconstitucional que limita a atuação do advogado está positivado no artigo 7º, §2º da Lei 8.906/94. [xvii] No aspecto da responsabilidade penal, o advogado não responde pelo crime de injúria ou difamação em relação a terceiros, desde que a manifestação ensejadora da injúria ou difamação esteja relacionada com a defesa de seu cliente. Desacato e calúnia são crimes, dos quais o advogado não goza de imunidade. Importante ressaltar que na hipótese de o advogado, em juízo, injuriar ou difamar as pessoas envolvidas no processo, ele não responderá por esses crimes, mas responderá civilmente, porque a responsabilidade civil é independente da responsabilidade criminal,
[i] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 407 - § 117.
[ii] Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.
Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.
[iii] Lei 8.906/94. Art. 5º O advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato.
§ 1º O advogado, afirmando urgência, pode atuar sem procuração, obrigando-se a apresentá-la no prazo de quinze dias, prorrogável por igual período.
§ 2º A procuração para o foro em geral habilita o advogado a praticar todos os atos judiciais, em qualquer juízo ou instância, salvo os que exijam poderes especiais.
§ 3º O advogado que renunciar ao mandato continuará, durante os dez dias seguintes à notificação da renúncia, a representar o mandante, salvo se for substituído antes do término desse prazo.
[iv] DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista por Rui Berford Dias. - São Paulo: Renovar, 2006, p. 410.
[v] DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista por Rui Berford Dias. - São Paulo: Renovar, 2006, 410.
[vi] “Um parecer ou conselho visivelmente desautorizado pela doutrina, pela lei ou pela jurisprudência acarreta, para o advogado que a dá, a obrigação de reparar o dano resultante de lhe haver o cliente seguido o raciocínio absurdo de cuja extravagância não poderia aquilatar” – Cf. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista por Rui Berford Dias. - São Paulo: Renovar, 2006, 417.
[vii] apud: Idem, p. 418.
[viii] Art. 15. Os advogados podem reunir-se em sociedade civil de prestação de serviço de advocacia, na forma disciplinada nesta lei e no regulamento geral.
§ 1º A sociedade de advogados adquire personalidade jurídica com o registro aprovado dos seus atos constitutivos no Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial tiver sede.
§ 2º Aplica-se à sociedade de advogados o Código de Ética e Disciplina, no que couber.
§ 3º As procurações devem ser outorgadas individualmente aos advogados e indicar a sociedade de que façam parte.

[ix] “Por expressa disposição legal, as sociedades de advogados não se beneficiam da figura jurídica de limitação de responsabilidade civil (contratual ou extracontratual) dos sócios ao valo das cotas sociais não integralizadas. Pelo contrário, caracterizando uma importante distinção no direito de constituição societária, aos advogados apenas se permite a adoção da forma social que respeite o artigo 17 do EAOAB, segundo o qual, para além da responsabilidade da própria sociedade em relação aos danos que venham a sofrer seus clientes, fruto da ação ou omissão no exercício da advocacia, são também seus sócios responsáveis, ainda que de forma subsidiária, mas sem limite de comprometimento de seu patrimônio pessoal e, em acréscimo, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em que possa incorrer agente lesionador ou sócio responsável”. – Cf. Gladson Mamede. A advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 157.
[x] Art. 18. A relação de emprego, na qualidade de advogado, não retira a isenção técnica nem reduz a independência profissional inerentes à advocacia.
Parágrafo único. O advogado empregado não está obrigado à prestação de serviços profissionais de interesse pessoal dos empregadores, fora da relação de emprego.
[xi] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 407.
[xii] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 408 - § 117.
[xiii] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 407 - § 117.
[xiv] Lei 8.906/94 - Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.
§ 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância.
§ 2º Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.
[xv] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. vol. III. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, pp. 225 e 226.
[xvi] “Como se trata de perda de uma chance, jamais se poderá saber qual seria o resultado do julgamento se o ato houvesse sido validamente realizado”.
“Nessas situações, há hipóteses extremas em que fatalmente se reconhecerá que uma ação ajuizada é fadada à procedência (sic) [o que é procedente ou improcedente é o pedido] ou à rejeição como uma aventura processual” – GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. vol. III. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 226.
[xvii] § 2º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer. (Vide ADIN 1.127-8)




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