domingo, 20 de março de 2011

E410 - Cheque - Notas Didáticas



E410 – Cheque – Notas Didáticas.

Jorge Ferreira da Silva Filho
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho - RJ
Membro da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT
Integrante do Instituto dos Advogados de Minas Gerais - IAMG
Professor de Direito Empresarial e Processo Civil na Faculdade Pitágoras.

** Todos os artigos de lei mencionados neste texto sem identificação da norma se referem à Lei 7.357/85.
TEXTO SEM REVISÃO GRAMATICAL

1. Legislação Pertinente. No Brasil, por meio do Decreto 57.595, de 24 de janeiro de 1966, o Presidente Castello Branco ordenou o cumprimento da Convenção Internacional, realizada em Genebra em 1931, denominada Lei Uniforme de Genebra relativa ao Cheque. O Brasil fez reservas quanto à aplicação de alguns dispositivos da Lei Uniforme (art. 1º, do Decreto 57.595). As reservas levantaram algumas questões. Em 1985, resolvendo essas questões, o Presidente José Sarney sancionou a Lei 7.357 dispondo sobre o cheque (Lei do Cheque). Essa norma é praticamente um espelho da Lei Uniforme. Em 1979, em Montevidéu, outra Convenção Internacional sobre conflito de Leis em matéria de cheque foi assinada pelo Brasil. O Decreto 1.240 de 15/09/1994 inseriu no direito brasileiro a Convenção retro. [i]

2. Origem do cheque. Não há uniformidade entre aqueles que procuram apontar o lugar e o tempo em que o cheque foi criado. Alguns dizem que seu nascimento foi concomitante à letra de câmbio e a razão para sua criação repousa na falta de segurança relacionado com o transporte de moeda. [ii] Outros afirmam que o cheque é uma evolução da lettere di pagamento italiana e das “Kassierbriefje (letras de caixa e tesoureiro) de Amsterdam” [iii] . Apesar das incertezas dos historiadores, o fato é que a primeira legislação sobre o cheque surgiu na França em 1865. Em seguida, vários países europeus produziram suas leis sobre o cheque. No Brasil, o cheque surgiu oficialmente com a lei 2.591 de 07/12/1912. Atualmente, o cheque é um instrumento usado globalmente e integra a vida da sociedade moderna. Daí a importância de seu estudo.

3. Natureza do cheque. O cheque é considerado majoritariamente uma espécie de título de crédito. [iv] É também título executivo extrajudicial, por expressa determinação legal (CPC, 585, I). Caracteriza-se, principalmente, pelo fato de ser uma ordem de pagamento à vista, sempre emitida contra uma instituição bancária ou similar (art. 3º, Lei do Cheque).

4. Requisitos para a criação válida do cheque (saque, ou emissão). Segundo o artigo 1º da Lei 7.357/85, o cheque deve conter: a denominação cheque no vernáculo; a ordem incondicional de pagar quantia determinada; o nome do banco ou instituição financeira que deve pagar a quantia – o sacado –; a indicação do lugar do pagamento; a indicação da data da emissão; a indicação do lugar da emissão; a assinatura do emitente – o sacador –, admitindo-se também que o cheque possa ser assinado por mandatário com poderes especiais.

5. Peculiaridades em relação aos requisitos do cheque. A palavra “cheque” já vem impressa nas folhas dos talões de cheques produzidos pelos bancos. A ordem para o pagamento advém da expressão “pague-se por este cheque a quantia de”, também impressa na folha. A incondicionalidade da ordem de pagamento advém da lei e significa que o banco deve pagar a quantia do cheque independentemente de qualquer ajuste, ainda que consignado no cheque. O nome do sacado, ou seja, do Banco, é acompanhado de outras informações – número do Banco cadastrado no BACEN, nome ou número da agência, município, bairro e rua onde fica o estabelecimento. Esse endereço é considerado o lugar do pagamento , caso não haja indicação especial (art. 2º, I, Lei do Cheque). Este requisito, o lugar do pagamento, não é, pois, essencial. [v] A data da emissão é um requisito importantíssimo, pois a partir dela passa a se contar o tempo que determinará a prescrição da força executiva do cheque. O local da emissão do cheque normalmente é lançado no campo que antecede a data (___local_________, dia, mês, ano). Trata-se de um requisito suprível, porém essencial. Não preenchido o campo destinado ao local da emissão, será considerado como local aquele indicado próximo à assinatura do emitente. Não havendo o lugar da emissão nem referência a uma localidade ao lado do nome do emitente, o documento não será considerado “cheque”. [vi] A assinatura é o requisito mais importante. Na abertura da conta, o correntista lança, de próprio punho, um sinal gráfico que o identifica, em fichas que ficam arquivadas no banco. Apenas o correntista ou seu mandatário com poder especial pode assinar o cheque. Não se admite assinatura a rogo nem o lançamento da impressão digital. O analfabeto pode ser correntista, mas deve nomear mandatário para assinar seus cheques. [vii]

6. A identificação do titular da conta. Segundo a Resolução 2.537/98 do BACEN, no cheque, logo abaixo do nome do correntista, deverá constar graficamente o CPF ou CNPJ e o número da identidade (RG), para o caso das pessoas físicas.

7. Da faculdade para receber um cheque em pagamento de dívida. Na época do Presidente Sarney foram editadas leis para repreensão dos abusos contra o consumidor. Especificamente, havia a Lei 8.008 de 14-3-1990 que no seu artigo 1º, §2º, inciso II expressamente consagrava o cheque como meio de pagamento de mercadorias, sendo sua recusa pelo vendedor inaceitável. Este dispositivo legal foi revogado pela Lei 8.884/94. Portanto, atualmente no Brasil, não há hipótese legal para obrigar alguém a receber um pagamento por meio de cheque. [viii]

8. Cheques nominativos. No Brasil, o artigo 69 da Lei 9.069/95 veda a emissão, o pagamento e a compensação de cheque cujo valor seja maior que R$100,00 (Cem reais), sem identificação do beneficiário. O controle do pagamento ou da compensação é eficaz, pois feito pelo próprio banco. Quanto à emissão, a proibição é norma inócua. Não há como controlá-la.

9. Pessoas vinculadas ao cheque. O cheque é um título de crédito. É uma cártula. Seu suporte físico é o papel com expressões gráficas e dimensões físicas reguladas – Modelo Padrão de Cheque, constante no CADOC, como modelo 38058-0 (RES 885). Deve ser fornecido pelo banco. [ix] A criação válida do cheque pressupõe a existência de um contrato entre um banco, ou instituição financeira assemelhada, e uma pessoa, física ou jurídica, denominada titular da “conta bancária”. O contrato bancário usual é o de conta corrente, pelo qual o banco responde perante o titular em relação ao saldo – fundos disponíveis. Normalmente, o titular da conta corrente é o sacador do cheque, ou seja, ele cria ou emite o cheque, assinando-o no campo especificamente designado para isso. A ordem para pagar é dada ao Banco, sendo este o sacado. O Banco pagará o cheque ao beneficiário, ou tomador. Em síntese: sacador é o emitente do cheque; sacado é o banco; tomador é o beneficiário. Este pode ser o próprio sacador. Além disso, outras pessoas podem se vincular ao cheque, pois este admite o endosso e o aval (artigos 17 e 29 da Lei do Cheque). Tem-se, pois, as figuras do sacador, do sacado, do tomador, do endossante e do avalista.

10. Obrigações do Sacado e do Sacador. A principal obrigação do emitente (sacador) é a de manter fundos disponíveis em poder do sacado. Apresentado um cheque ao Banco, existindo fundos, ele tem a obrigação de entregar a quantia declarada na ordem ao tomador. Se inexistirem fundos disponíveis, verificados sempre no momento da apresentação do cheque ao Banco para o pagamento (art. 4º, §1º da Lei do Cheque), o sacado não tem nenhuma obrigação cambial, seja perante o sacador ou o tomador. [x] O sacado está proibido pela lei de ser um garantidor do cheque. O banco não pode dar o aceite, o endosso ou o aval no cheque (artigos, respectivamente, 6º, 18, §1º e 29, da Lei do Cheque).

11. As espécies de fundos disponíveis. A lei do cheque determina ao sacador que ele garanta a existência de fundos no ato de emitir o cheque (art, 4º, caput da Lei do Cheque). A primeira idéia que vem ao leigo é no sentido de acreditar que os fundos disponíveis sejam depósitos de dinheiro à vista feitos na conta do correntista. Depósito à vista perfaz-se em fundos, desde que seja crédito em conta-corrente não sujeito a termo. Além do depósito, também são considerados fundos disponíveis o saldo exigível de conta-corrente contratual e a soma proveniente de abertura de crédito (art. 4º, §2º, alíneas “a” até “c”, da Lei do Cheque). O depósito pode ser feito em dinheiro ou por meio de cheques de outros bancos do depositante. Os depósitos em cheque não se tornam imediatamente fundos. Os cheques precisam ser liquidados, pelo sistema de compensação bancária. A segunda categoria de fundo disponível se refere ao saldo exigível em conta-corrente contratual. Isso significa que o correntista realizou um negócio com o banco, normalmente se trata de antecipação de parte de valores que o correntista tem para receber de seus devedores. O banco fica com o título, como endossatário, para receber do sacado, no futuro, o valor declarado no título, disponibilizando para o correntista, parte do valor consignado no título. Daí a lei dizer “saldo exigível”. A terceira hipótese se refere à soma proveniente de abertura de crédito. Esse instituto pressupõe um contrato entre o Banco e correntista, pelo qual, aquele disponibiliza a este uma soma em dinheiro para ser utilizada, quando quiser. Por isso, os cheques vinculados a este tipo de contrato são denominados “cheques garantidos”. Emitidos cheques até o valor da soma disponibilizada, o Banco é obrigado a pagá-los ao tomador. A emissão de cheques para serem pagos com a soma disponibilizada implica ao correntista o pagamento de juros e outros encargos. Por isso, o correntista deve repor o valor debitado na soma disponibilizada por meio de depósitos. [xi]

12. Modalidades legais de cheque. A lei do Cheque dispõe sobre o “cheque cruzado” e o “cheque para ser creditado em conta” (artigos 44 e 46 da Lei do Cheque). A doutrina identifica ainda na lei duas outras categorias: o “cheque visado” (art. 7º, da Lei do Cheque) e o cheque administrativo (art. 9º, III, da Lei do Cheque). [xii]

13. Cheque cruzado. Diz-se que o cheque é cruzado quando são lançados no seu anverso dois traços paralelos. Realizada essa operação o cheque não poderá ser pago em dinheiro diretamente ao tomador. Exige-se que o cheque seja creditado em uma conta bancária do beneficiário. O cruzamento admite duas formas: a geral e a especial. O cruzamento geral ocorre quando nada se escreve entre os dois traços (barras) paralelos lançados no cheque. Se entre as os traços se escrever o nome de um Banco, o cruzamento se diz especial. Neste caso, o valor do cheque somente poderá ser creditado em conta corrente do beneficiário no banco discriminado. Cheque cruzado pode ser endossado a terceiros. [xiii]

14. Cheque para ser creditado em conta. Expressamente regulamentado na lei do cheque (art. 46), esta categoria de cheque assemelha-se ao cheque cruzado no aspecto de que impede o recebimento direto do valor declarado nesse título, na “boca do caixa”. Tal cheque somente pode ser creditado na conta corrente do beneficiário determinado no cheque. Por isso, o beneficiário dessa categoria de cheque, se não tiver conta corrente no banco sacado, deverá abri-la para conseguir o crédito em conta. Não se admite a “cláusula à ordem” e, consequentemente, o endosso. Não se admite também o endosso. [xiv]

15. Cheque administrativo. Denomina-se cheque administrativo aquele que é criado pelo próprio banco contra um de seus estabelecimentos (v.g. agências). Neste caso o sacador se confunde com o sacado. A previsão legal resta contida no enunciado do art. 9º, inciso III da Lei do Cheque, que expressamente autoriza a emissão de cheque contra o próprio banco sacador. Essa categoria de cheque somente pode ser emitida para um tomador identificado, ou seja, o cheque administrativo não pode ser ao portador. O cheque visado dá garantia de recebimento ao tomador, pois o não pagamento do cheque seria sinônimo de quebra da instituição financeira.

16. Cheque visado. O cheque é classificado como visado, toda vez que o banco sacado lançar no seu corpo uma declaração de que existem fundos para o pagamento. Isso somente pode ser feito a “pedido do emitente ou do portador legitimado”, exigindo-se, ainda, que o cheque seja nominativo e não esteja endossado (art. 7º da Lei do Cheque). O ato de visar o cheque não equivale ao aceite. [xv] Ao visar o cheque, o banco sacado deve debitar à conta do emitente a quantia declarada, reservando-a para o tomador (art. 7º, §1º). O sacado de cheque visado não contrai obrigação cambial. Portanto, o tomador não tem direitos em face do Banco que visou o cheque. O crédito relativo ao cheque visado, apresentado e não pago, deverá ser exigido do emitente e dos demais obrigados (art. 7º, §1º, parte final, Lei do Cheque). [xvi]

17. Traveller’s Check. Extremamente utilizado por quem viaja ao estrangeiro, essa categoria de cheque nada mais é que um cheque administrativo. O viajante, ao invés de levar moeda na viagem, leva o traveller check. Ao chegar ao país de destino, o possuidor do título procura a instituição bancária emissora e o troca por dinheiro local. [xvii]

18. Declarações cambiais no cheque. O sacador, o endossante, o aceitante e o avalista, quando assinam e/ou escrevem expressões determinadas no corpo físico de um título de crédito, eles estão fazendo declarações cartulares. Como explica TULIO ASCARELLI, a declaração cartular é uma declaração de vontade que cria um direito autonômo, significando isso que este direito não se vincula ao negócio jurídico que estimulou a criação do título nem se prende a qualquer avença não lançada na carta – extracartular. [xviii] No caso do cheques, com exceção do aceite, vedado pela lei do Cheque (art. 6º), todas as declarações verificáveis para a Letra de Câmbio também se verificam para o cheque. São pertinentes ao cheque, as declarações de emissão, de endosso e de aval [xix] . A primeira e essencial declaração se faz pela assinatura.

19. Correntista e intervenientes incapazes. Não há qualquer restrição para que exista uma conta corrente bancária em nome de incapaz. O absolutamente incapaz não se obriga. Por isso a movimentação de sua conta-corrente se dá por autorização judicial. O relativamente incapaz pode assinar cheques, desde que autorizado pela pessoa que seja seu represente legal. [xx]

20. A circulação do cheque – o endosso. A circulação do cheque, ou seja, transmissão do direito do beneficiário original para terceiro, se faz por meio do endosso (art. 17 da Lei do Cheque). Somente pode ser endossado um cheque que não contenha a restrição “não à ordem”. Cheques “à ordem” ou sem qualquer referência à transmissão admitem o endosso. A transmissão de um cheque com a cláusula “não à ordem” não produz efeitos cambiários. Trata-se de mera cessão civil de direitos, regulada pelo Código Civil. O endosso não pode ser condicionado, deve ser puro e simples. O endosso parcial é nulo, assim como o feito pelo sacado (art. 18 e § 1º da Lei do Cheque). O endosso-caução, possível na letra de câmbio, é incabível para o cheque, porque este é ordem de pagamento à vista. [xxi] O endosso em branco está previsto na lei e consubstancia pela simples assinatura do endossante no verso do cheque (art. 19, §1º). O endosso em branco pode ser dado no anverso do cheque, mas nesse caso, além da assinatura, o endossante deve indicar que se trata assinatura para endosso. [xxii]

21. Garantias ao cheque – aval. O aval é uma espécie de garantia ou caução fidejussória, ou seja, não real. Previsto expressamente na lei do cheque (art. 29), o aval pode ser total ou parcial. Essa garantia pode ser dada por terceiro ou até pelo próprio signatário do título. O banco sacado não pode dar o aval, por vedação legal. O lançamento do aval se faz pela simples assinatura do avalista lançada no anverso do cheque (art. 30). O avalizado deve ser indicado pelo avalista. Omitido o nome do avalizado, entende-se que a garantia foi dada pelo emitente. Se o avalista pagar o cheque ao beneficiário, ele terá direitos contra o avalizado e os demais obrigados com este (art. 31, p.u.).

22. Prazo para apresentação do cheque. A lei do cheque (art. 33) determina dois prazos para a apresentação do cheque ao banco sacado. Em trinta dias, contados da data da emissão, para o caso de cheque onde coincidam o local do pagamento (praça) e o local da emissão. Se o cheque foi emitido fora da praça, o prazo para apresentação é de 60 dias. As implicações decorrentes de o cheque não ser apresentado dentro desses prazos é matéria polêmica. Segundo o artigo 47 da Lei do Cheque, a execução de cheque não pago contra os endossantes e avalistas somente seria possível se o cheque fosse apresentado dentro do prazo e o banco acusasse a falta de fundos. Apesar da literalidade da lei, o STF se posicionou, por meio da Súmula 600, dizendo: Cabe ação executiva contra o emitente e seus avalistas, ainda que não apresentado o cheque ao sacado no prazo legal, desde que não prescrita a ação cambiária. Essa ação cambiária executiva está prevista no art. 47 da Lei do Cheque (Ver comentários infra) [xxiii] .

23. Cheque pós-datado. No Brasil este fenômeno é conhecido como cheque PRÉ-DATADO.[xxiv] A denominação é imprópria para alguns doutrinadores. Realiza-se a criação do cheque pós-datado escrevendo na folha do cheque a expressão “Bom para”, seguida da data futura combinada para a apresentação. Outra forma de gerar o cheque pós-datado é com a entrega do cheque ao credor sem o preenchimento data no qual esse título deverá ser apresentado. Para o direito cambiário relativo ao cheque a data futura não tem nenhum efeito, pois o cheque que for apresentado antes da data de emissão lançada no título é “pagável no dia da apresentação” (art. 32, p.u). [xxv]

24. Sustação de Cheques. Susta-se o cheque por duas vias: 1ª) pela revogação, ou contra-ordem; 2ª) pela oposição. A lei do cheque dá ao emitente o direito de revogar a ordem de pagamento. Trata-se, pois, de uma contra-ordem (ordem em sentido contrário à ordem anteriormente dada para o pagamento). Há três vias para se promover a contra-ordem: aviso por carta (epistolar); a judicial; a extrajudicial formal (art. 35). A contra-ordem somente faz sentido quando formulada antes do vencimento do prazo de apresentação (art. 35, p.u.). Se a revogação não for promovida no prazo da apresentação, o banco poderá pagar o cheque, desde que não tenha fluído o prazo prescricional de 06 (seis) meses, previsto no art. 59 da lei do cheque. A revogação somente pode ser feita pelo emitente do cheque. Não se deve confundir a contra-ordem com o instituto da oposição (art. 36), inclusive porque eles se excluem (art. 36, §1º). A oposição é um direito, do emitente e do portador legitimado, de se opor ao pagamento do cheque, desde que faça uma manifestação expressa, por escrito, e fundamentada (art. 36 caput, parte final). São exemplos de fundamentos: extravio, furto do título, roubo do título, falência do devedor etc. O legislador não permite ao Banco questionar os fundamentos da sustação. [xxvi]

25. Cheque sem fundos. Para melhor compreender os efeitos de um cheque sem provisão de fundos, é propedêutico falar de dois efeitos relacionados com um pagamento realizado por títulos: o pro solvendo; o pro soluto. O efeito pro solvendo implica que, até a compensação do cheque, considera-se que a obrigação está ativa, ou seja, não adimplida. Trata-se de um efeito presumido, exceto se houver pacto prévio, dizendo que o pagamento da prestação da obrigação será considerado realizado pela simples tradição do cheque, ou seja, a simples entrega do cheque ao credor da obrigação, implica o pagamento. Esse é o efeito pro soluto. Assim, quem “paga” entregando cheque sem fundos, via de regra, não cumpriu sua obrigação. Se o devedor pagou por meio de cheque, com avença pro soluto, a obrigação relativa ao negócio estará cumprida. O valor consignado no cheque não pago, em virtude a falta de fundos, será exigido na forma que se usa para cobrar um título de crédito, ou seja, pelas ações cambiais. O cheque sem fundo implica o pagamento da importância designada no título, de juros legais, despesas e correção monetária (art. 52, IV). A emissão de cheque sem fundos é crime de fraude, cuja pena vai de um a cinco anos. Trata-se de modalidade dolosa (CP, 171, §2º, VI). A criação do cheque pós-datado pode afastar o tipo penal. A Resolução BC 1.682/90 determina a inscrição do emitente de cheque sem fundos no CCF (Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos), quando o cheque for duas vezes devolvido ou se detectada prática espúria. Fica vedado ao banco entregar talonário ao correntista com nome no CCF. Não há, entretanto, a obrigação de encerrar a conta corrente. É faculdade do banco. [xxvii]

26. A ação cambial. A lei do cheque dispõe sobre duas ações cambiais: a de execução do cheque (art. 47 a 55); e a ação de enriquecimento contra o emitente e outros obrigados que se locupletaram com o não pagamento (art. 61). A ação de execução prescreve em seis meses, prazo contado na forma do art. 59 da Lei do Cheque. Isso implica, na prática, prazos reais de 07 ou 08 meses, em relação à data da emissão. A interrupção pode também ser interrompida pelo protesto cambial, conforme prescreve o art. 202, III, do Código Civil. De outra banda, se verificado o prazo prescricional para a ação de execução, o credor tem ainda o direito de promover a ação de enriquecimento. Trata-se de processo cognitivo com rito comum, no qual a apresentação do cheque é necessária, mas insuficiente para a procedência do pedido, pois o autor deverá provar seu prejuízo. Prescreve em dois anos a pretensão de condenação de quem se locupletou. Conta-se o prazo prescricional a partir da data de prescrição da ação de execução. [xxviii]
27. A ação monitória. A ação monitória pertence à classe do processo de conhecimento com procedimento especial previsto no art. 1.102ª do CPC. O cheque prescrito é prova escrita apta a instruir a ação monitória (matéria pacificada com Súmula 299 do STJ) [xxix]. Na inicial deve ser informada a causa debend
[i] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 276.
[ii] ABRÃO, Carlos Henrique. Contra-ordem e oposição no cheque. 4. ed. São Paulo, Leud, 2003, p. 19.
[iii] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 325.
[iv] WILLE DUARTE COSTA defende que o cheque e uma letra de câmbio “são quase idênticos”. Ensina ainda que as diferenças residem na inexistência da data de vencimento para o cheque e no fato deste não comportar o “aceite”, aspectos que não descaracterizam o cheque como uma espécie de título de crédito. – (Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 324). Na mesma linha de pensamento encontramos BUGARELLI, BORGES e REQUIÃO (apud Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 433). Fran Martins considera o cheque um título de crédito impróprio.
[v] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 333.
[vi] Idem, p. 334.
[vii] Idem, p. 335.
[viii] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 282.
[ix] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 433.
[x] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 273.
[xi] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 339.
[xii] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 276. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 437.
[xiii] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 360.
[xiv] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 362. COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 278.
[xv] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 276.
[xvi] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.360.
[xvii] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 277.
[xviii] ASCARELLI, Túlio. Teoria geral dos títulos de crédito. Campinas: Servanda, 2009, p. 99 e 100.
[xix] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 326.
[xx] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 337.
[xxi] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p.275.
[xxii] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 436. COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 342.
[xxiii] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 440
[xxiv] Para Wille Duarte Costa, não há, a rigor, significados jurídicos diferentes para as expressões pós-datado e pré-datado (Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 334, p.7). Nos julgados encontram-se as duas formas. A expressão “pós-datado” é a preferida dos estudiosos do direito. A outra caiu no gosto popular. Penso que a discussão é inócua, pois só há falar em pós ou pré em relação a um referencial no tempo. Se o referencial é a data da apresentação do cheque, ele é pré-datado. Se, ao contrário, tomar-se o referencial como a data real da emissão do título, ele será pós-datado.
[xxv] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 441.
[xxvi] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 444. COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 370.
[xxvii] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 446.
[xxviii] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 447.
[xxix] COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. 4. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 372.






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