segunda-feira, 28 de março de 2011

P125 - Atos do juiz no processo civil


P125 – Atos do juiz no processo civil.

Jorge Ferreira da Silva Filho

Professor de Direito Processual Civil da Faculdade Pitágoras.

Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho

Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG.

Integrante do IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais

1. Os atos próprios do Juiz. O legislador, nos artigos 162 a 165 do CPC, assim dispôs em relação aos atos praticados pelo juiz: 1ª) denominou os atos que são praticados pelo juiz – as sentenças, as decisões interlocutórias e os despachos – art. 162, caput; 2ª) definiu cada um desses atos – parágrafos do art. 162; 3º) estabeleceu os atos que podem ser praticados de ofício pelo servidor da secretaria – art. 162, §4º; 4ª) denominou como “acórdão” os atos decisórios dos juízes em colegiado; 5ª) criou a imposição de os atos serem redigidos datados e assinados pelo juiz (art. 164); 6ª) abriu a possibilidade de o juiz apor sua assinatura pela via eletrônica (art. 164, p.u.); 7ª) a obrigatoriedade de que nas sentenças e nos acórdãos o juiz observe a estrutura formal – relatório, fundamentação, dispositivo – art. 165 c/c art. 458 do CPC; 8ª) a faculdade de o juiz fundamentar concisamente as decisões interlocutórias – art. 165, parte final.


2. Os atos do Juiz no Anteprojeto do Novo CPC. A Comissão, por meio dos artigos 158 a 160 do anteprojeto do novo CPC, substituiu a expressão “atos do juiz” por “pronunciamentos do juiz”. A rubrica adotada para o tema legiferado é “Dos pronunciamentos do Juiz”. O artigo 158 do anteprojeto enuncia “Os pronunciamentos do juiz consistirão de sentenças, decisões interlocutórias e despachos”. O Anteprojeto mantém as rubricas “dos atos em geral” e “atos das partes”, reservando para os atos praticados pelo juiz a denominação “pronunciamentos”. Há novas definições para sentença, decisão interlocutória (art. 158, §§1º e 2º do anteprojeto) e a determinação para que o pronunciamento judicial seja publicado na íntegra (art. 160, §2º do anteprojeto). No resto, não se localiza qualquer modificação digna de nota no cotejo com os enunciados do atual Código de Processo Civil.


3. Do emprego da palavra “pronunciamento” no Anteprojeto. Inegável que, dentre os atores principais do processo (juiz, autor e réu), ao juiz é que compete decidir – dizer quem está ou se está conforme do direito – e, também, dirigir o processo. O ato decisório se espraia nas seguintes vertentes: condenar, declarar, constituir, mandar (ordenar), permitir, vedar. Na condução do processo, o juiz exerce outras atividades que não se amoldam à idéia de decisão. São exemplos: o ato de ouvir testemunhas, de tentar a conciliação, de presidir as audiências etc. [i] A palavra “pronunciamento” evoca as idéias de solenidade, seriedade, importância e, também, de “ato” – acontecimento derivado da vontade. Aliás, José Frederico Marques, já empregava a palavra pronunciamento como recorrente para explicar o conceito de decisão judicial. É elogiável a novidade.


4. Da importância de saber distinguir os conceitos de sentença, decisões interlocutórias e despachos. Os juízes, como qualquer humano, erram. Tomam decisões em desacordo com a lei ou com o conjunto probatório. Às vezes suas decisões são pautadas dentro de sua esfera discricionária de interpretar fatos e enunciados. Há lógica e coerência entre as suas crenças e suas decisões, todavia, tais crenças podem não coincidir com o que pensa a maioria do Poder Judiciário. Por isso, nosso ordenamento permite à parte, que se sente prejudicada injustamente com a decisão judicial pronunciada, recorrer contra os efeitos desta. Os recursos, porém, são diferentes, no tocante ao inconformismo com as sentenças e com relação às decisões interlocutórias. Apenas por isso já fica demonstrada a importância de se conhecer os diferentes significados em relação aos pronunciamentos judiciais.


5. As sentenças. Antes da Lei 11.232/ 2005, o artigo 162, §1º do CPC definia que “Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”. A definição era inadequada, porque efetivamente o processo não encerrava com a sentença – prosseguia, caso houvesse recurso – e, além disso, continuava sua tramitação em ocorrendo a execução da sentença nos próprios autos. Com o advento da Lei 11.232/2005, a redação do §1º do artigo 162 foi assim posta: “Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”. A inovação foi bem recebida pela doutrina, embora ainda com críticas.[ii] Do enunciado retro se conclui que qualquer decisão judicial que se subsuma a uma ou mais das hipóteses descritas nos artigos 267 e 269 se constituirá como sentença. Com a publicação da sentença, o juiz não mais poderá inovar no processo (CPC, 463), exceto para corrigir erros materiais ou se provocado por embargos de declaração, resolvendo as omissões, obscuridades e contradições, porventura existentes. As sentenças, sendo pronunciamentos que “implicam” efeitos do artigos 267 ou 269 do CPC, podem resolver o mérito ou não. A idéia de mérito está centrada no objeto [pedido] do processo. Se o pedido for acolhido, rejeitado, tiver o direito que lhe fundamenta renunciado, for afastado pelo implemento da transação, se tornar inexigível, em face da prescrição ou decadência, ou for reconhecido pelo réu, haverá sentença de mérito. Tal sentença é classificada como “definitiva”. [iii] No caso de o juiz indeferir a petição inicial, verificar que o processo ficou paralisado por mais de um ano, constatar que a parte autora não deu andamento ao processo, em trinta dias depois de ordenado, se deparar com a litispendência, coisa julgada, perempção, ilegitimidade, falta de interesse processual, existência de convenção de arbitragem, desistência da ação, intransmissibilidade ou confusão entre o autor e o réu, haverá também sentença, porém, sem adentrar ao pedido [não haverá resolução do mérito]. Na linguagem do CPC, “extingue-se o processo sem resolução de mérito” (art. 267). [iv] Tais sentenças são denominadas “terminativas”. [v]


6. A definição de “sentença” no Anteprojeto do novo CPC. Com extensa redação, o §1º do artigo 158 do Anteprojeto enuncia que: “Ressalvadas as previsões expressas nos procedimento especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 473 e 475, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução”. Na exposição de motivos, encaminhada ao presidente do Senado em junho de 2010, a Comissão não se esforçou para justificar a necessidade de se alterar as definições de sentença e decisão interlocutória. Há aspectos positivos e negativos na nova definição. [vi] Por fim à fase cognitiva do procedimento significa, em outras palavras, dizer se o autor tem ou não tem o direito à pretensão condenatória formulada ou ao pleito declaratório ou constitutivo. No campo da decisão referente à execução, o discurso merece aplausos, pois o processo de execução será considerado extinto quando indeferida a petição inicial, satisfeita a obrigação, efetivação da transação, obtenção, por qualquer meio, da remissão total da dívida, houver renúncia ao crédito, ocorrer a prescrição intercorrente ou implementar o tempo suficiente para a prescrição (art. 845 do Anteprojeto).


7. Decisões interlocutórias. Enuncia o § 2º do artigo 162 do CPC que a “Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente”. No Anteprojeto, a decisão interlocutória é definida como “todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre na descrição do §1º” (art. 158, §2º, do anteprojeto). A técnica usada pelo legislador para prescrever o conceito de decisão interlocutória não é das melhores. Criar o conceito de uma coisa, utilizando-se do recurso de exclusão de outra não é boa. [vii] De qualquer forma, se entrar o vigor a proposta do Anteprojeto, um pronunciamento judicial será considerado decisão interlocutória se não puder ser descrito com os elementos conceituais estabelecidos para a sentença e, ainda assim, nele se puder constatar como adjeta a qualidade de uma decisão. Isso pouco resolve a fragilidade da definição atual que se recorre ao elemento semântico “que resolve questão incidente” para delinear o conceito de decisão interlocutória. Como se sabe, se o juiz decide uma preliminar de ilegitimidade da parte, tal decisão resolve questão incidente, mas não é uma decisão interlocutória. O raciocínio empreendido novamente é o da técnica da exclusão. No mais, as decisões interlocutórias, conforme previsto no art. 929 do Anteprojeto continuarão desafiadas pelo recurso de Agravo de Instrumento. Apenas como sugestão, pode-se considerar que a decisão interlocutória é ato do juiz idôneo a provocar alterações na esfera dos direitos das partes, relacionados com o processo, sem extinguir a continuidade da atuação do juiz no sentido de apreciar o mérito (CPC, 269) ou abortar sua apreciação (CPC, 267).


8. Despachos. Na dicção do § 3º do artigo 162, “São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma”. Os despachos impulsionam o processo e são incapazes, em tese, de provocar para o autor ou ao réu qualquer prejuízo em relação aos direitos materiais e processuais correlacionados ao processo. Por isso, contra os despachos não cabe recurso (CPC, 504). Há, porém, casos em que o despacho é apto para causar um prejuízo à parte, como por exemplo, a designação de uma audiência para uma data distante no futuro. Isso, compromete o art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal , que assegura ao jurisdicionado o direito a um processo célere. Contra esse exemplo de despacho cabe o mandado de segurança. Outra via para se insurgir contra os despachos é a reclamação. [viii]


9. Atos meramente ordinatórios. Em 1994, o legislador permitiu que o servidor da secretaria do órgão ao qual se vincula o juiz possa dar andamento ao processo. O enunciado do § 4º, do artigo 162 não desafia interpretações, eis que assim foi construído: “Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz


NOTAS


[i] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. V. 1. 47. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 265.

[ii] Humberto Theodoro Júnior comentou que: “O problema gerado pela Lei 11.232/2005, sem se ter cogitado de solução legal, situa-se no reconhecimento de que a sentença nem sempre encerra o processo, pois há os casos de sentença condenatória em que o respectivo cumprimento reclama atos judiciais do sentenciante que implicam o prosseguimento do feito mesmo depois de resolvido o mérito (art. 475-I)” – Cf. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.5.

[iii] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. V. 1. 47. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 264.

[iv] A palavra “extinção” continua inadequada, pois o processo continuará, caso haja recurso contra a decisão, na qual o juiz simplesmente interrompe sua atividade de julgar o mérito, não mais podendo falar no processo em relação a esse fato.

[v] Por todos: SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. Vol. 1. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 217.

[vi] Gregório Assagra de Almeida assim pontua: “Novamente alterado o conceito de sentença, mas aqui (art. 158) com sério equívoco, já que na forma proposta somente haverá sentença no caso da decisão que põe fim à fase cognitiva do procedimento comum e quando houver extinção da execução” Continua: “Deste modo, nos demais procedimentos – reintegração de posse p. ex. – não haverá sentença na forma conceituada no art. 158. Haverá ... decisão interlocutória” (Cf. ALMEIDA, Gregório Assagra de. (et al). Um novo Código de Processo Civil para o Brasil: análise teórica e prática da proposta apresentada ao Senado Federal. Rio de Janeiro: GZ, 2010, p. 206). O comentário merece outras ponderações, haja vista que o procedimento de reintegração de posse está previsto expressamente no Anteprojeto, como espécie e procedimento especial no processo de conhecimento (artigos 645 a 650). Data venia, a decisão que mantém o possuidor na sua posse ou o reintegra, parece-me claramente sentença definitiva desafiando apelação (art. 923 do Anteprojeto).

[vii] “A unidade fundamental do conhecimento simbólico é o conceito, e os conceitos podem ser organizados em esquemas, que podem incluir outros esquemas, variar em aplicação e em abstracionismo, e incluir informações sobre as relações entre os conceitos, atributos, contextos e conhecimento em geral, bem como sobre relações causais”. Cf. STERNBERG, Robert J. Psicologia cognitiva; Trad. Maria Regina Borges Osório. –Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

[viii] DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 310.

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