segunda-feira, 13 de junho de 2011

P166 - Meio Testemunhal de Prova

A OITIVA DE TESTEMUNHA COMO MEIO DE PROVA.


Jorge Ferreira da Silva Filho.
Professor de Direito Processual Civil da Faculdade Pitágoras.
 Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho.
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG.
Integrante do IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais






  1. INTRODUÇÃO. O Código Civil dispõe que o fato jurídico, dentre outros meios, pode provado com o depoimento de testemunha (CC. 212). No mesmo sentido, o Código de Processo Civil estabelece como meio probante  a prova testemunhal  (art. 400 e ss.). A testemunha é a pessoa que viu, presenciou, ouviu falar, sentiu os efeitos, teve contato ou, em síntese, interagiu de alguma forma com um fato [a verdade]. Na produção da prova testemunhal o que se pretende é ouvir uma declaração da testemunha de como ela percebeu (captou; introjetou; assimilou; entendeu; interpretou) a sua experiência com um fato. Provavelmente a maioria de nós admite que uma testemunha possa mentir e, se ela tiver sido a única pessoa que teve contato com o fato alegado, a mentira prevalecerá sobre a verdade. Acresce-se que, ainda não mentindo, a testemunha pode ter uma percepção distorcida do fato. Por exemplo, perguntar, a quem nunca dirigiu ou foi transportada por um automóvel, qual era aproximadamente a velocidade que um veículo se deslocava pela estrada pode implicar uma resposta distorcida da realidade. Por tudo isso é que o legislador cuida das regras processuais sobre a produção e valoração da prova testemunhal com minúcias.
  2. A PROVA TESTEMUNHAL NO ANTEPROJETO DO NOVO CPC. Por meio dos artigos 421 a 443 do Anteprojeto encaminhado ao Senado, a Comissão propõe normas sobre a prova testemunhal abordando os seguintes aspectos: admissibilidade; valor da prova; como deve ser prova produzida. A estrutura tópica é idêntica ao do atual CPC: “Da admissibilidade e do valor da prova testemunhal”; “Da produção da prova testemunhal”. Há, porém, pontuais modificações, tais como o artigo 434 do Anteprojeto que atribui ao advogado o ônus de informar a testemunha de seu cliente a data, o local e a hora da audiência.
  3. NORMAS PROCESSUAIS SOBRE A ADMISSIBILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL. A regra geral é no sentido de sempre admitir a prova testemunhal. Assim enuncia  o artigo 400 do CPC (art. 421 do Anteprojeto) afirmando  que se a lei não vedar [dispor de forma diversa] a  prova testemunhal será sempre admitida. O discurso do direito é típico; enuncia-se uma regra geral e em seguida discorre-se sobre as exceções à regra. A primeira exceção feita pelo legislador reside na autorização ao juiz para indeferir a prova testemunhal que, embora requerida,  se mostrar desnecessária (CPC. 400; parte final). Avança o legislador para delimitar os casos em que a prova testemunhal pode ser admitida quando o objeto da busca verdade recai sobre a existência ou inexistência da celebração de um contrato  (CPC. 401 a 404). Passa o legislador a discorrer sobre as pessoas que não podem depor como testemunha [os incapazes, os impedidos, os suspeitos] (CPC. 405 e 406). Finalmente, o legislador traça as regras sobre a produção da prova testemunhal. Esta parte é de crucial importância para o advogado, pois o desconhecimento das regras sobre a produção da prova pelo meio testemunhal, quando má utilizada, pode prejudicar o cliente. 
  4.  INDEFERIMENTO DE REQUERIMENTOS PARA INQUIRIÇÕES INÓCUAS. As testemunhas são inquiridas. Em outras palavras, pela inquirição de testemunhas é que se produz a prova testemunhal. O juiz, entretanto, não está obrigado a inquirir testemunhas sobre alegações desnecessárias, pois o tempo do juiz é precioso para a sociedade. Assim, o legislador deu liberdade ao juiz para que indefira a   inquirição de testemunhas sobre alegações de fato: que já estão provados por documento; que se encontram provados pela confissão da parte;  que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados. (CPC. 400; I e II).
  5. PROVAS CIRCUNSCRITAS A CONTRATOS COM VALOR ABAIXO DE 10 SALÁRIOS MÍNIMOS. Os contratos são nos dias de hoje talvez a maior fonte das obrigações. Contratos podem ser realizados pela via verbal ou escrita. Contratos escritos facilitam provar o conteúdo das obrigações neles inseridas. Redigir e assinar contratos, entretanto, demanda tempo e exige das partes conhecimento mínimo de gramática e interpretação de texto. Infelizmente, porém, no Brasil isso é raro. Por isso vários contratos são celebrados apenas na via verbal. O legislador,  porém, não admite que apenas por meio de testemunhas se prove um contrato cujo valor seja maior que 10 (dez) vezes o maior salário mínimo vigente no país, considerando o da data em que o contrato fora celebrado (CPC. 401; Anteprojeto: 422). Entretanto, a rigidez da inadmissibilidade da prova testemunhal para fazer provas a respeito de contratos com valor superior ao décuplo do maior salário mínimo vigente no país é quebrada quando: existir um “começo de prova escrita” produzido por uma das partes;  tal documento seja utilizado no processo para provar contra quem o emitiu; o credor não tinha meios morais e materiais de conseguir a prova escrita a respeito da obrigação por ele pleiteada (CPC. 402). A doutrina considera prova escrita para fins deste artigo toda comunicação escrita, independentemente da forma, do objetivo e de que a causou. São exemplos: declaração de imposto de renda; recados escritos, cartas; extratos bancários; rubricas em documentos; fotocópia de cheques etc. [I]
  6. PROVA DE PAGAMENTO OU DE REMISSÃO DE DÍVIDA. Pagamento e remissão de dívida são atos unilaterais. Não são, pois,  contratos, visto que estes são essencialmente bilaterais. O legislador permite que a prova unicamente testemunhal para provar um pagamento ou a remissão [perdão de uma dívida] seja admitida nos moldes dos artigos 401 e 402 do CPC (CPC. 403).
  7. PROVA DA VONTADE REAL E DOS VÍCIOS DE CONSENTIMENTO. Um dos problemas do direito é a distância entre a vontade real de uma pessoa e o conteúdo do que foi declarado por essa  pessoa em relação à sua vontade. Pensa-se em algo, mas a comunicação, verbal ou escrita, sobre este algo pensado não é captado pelo agente receptor com o mesmo significado que tem para o emissor. Há uma inocência da parte que emite a declaração. A este inocente o legislador deu o direito de provar com testemunhas que sua vontade real diverge da vontade declarada, em contratos simulados e  que incidiu em vícios de consentimento, nos contratos em geral. A dificuldade que surge concentra-se em determinar se o agente emissor da vontade era ou não inocente em relação à sua declaração. A inocência somente se depura depois da instrução, razão pela qual o juiz não poderá indeferir a prova testemunhal indicada, requerida e justificada como tendo a finalidade de provar o vício de consentimento ou a vontade real.[II]  (CPC. 404). A simulação se verifica nas hipóteses do §1º do art. 167 do Código Civil. Sua constatação implica a nulidade do negócio jurídico. Os vícios de consentimento estão descritos no art. 171 do Código Civil. Se argüidos implicarão a decretação da nulidade.
  8. PESSOAS QUE NÃO PODEM DEPOR. Qualquer pessoa, em tese, pode depor, mas o legislador proíbe que seja tomado o depoimento de alguém cujo psiquismo fique abalado, constrangido ou comprometido em dizer a verdade. Não se aceita também que uma pessoa que não tenha o desenvolvimento mental completo ou a higidez mental para apreciar os fatos possa depor. Não devem depor o incapaz, o suspeito e o impedido (CPC. 405).
  9. O INCAPAZ.  São incapazes:  o interdito por demência; o que, acometido por enfermidade, ou debilidade mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los; ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções; o menor de 16 (dezesseis) anos;  o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que Ihes faltam (CPC. 405, §1º).
  10. O IMPEDIDO. São impedidos: o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consangüinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa relativa ao estado da     pessoa, não se puder obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito; o que é parte na causa; o que intervém em nome de uma parte, como o tutor na causa do menor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros, que assistam ou tenham assistido as partes.
  11. O SUSPEITO.  São suspeitos:  o condenado por crime de falso testemunho, havendo transitado em julgado a sentença; o que, por seus costumes, não for digno de fé; o inimigo capital da parte, ou o seu amigo íntimo; o que tiver interesse no litígio. (CPC. 405. §3º).
  12. DEPOIMENTOS DE INFORMANTES. As pessoas impedidas e suspeitas podem ser ouvidas pelo juiz quando estritamente necessário (CPC. 405. §4º). Tais pessoas são designadas “informantes”, pois elas não prestam o compromisso de dizer a verdade.
  13. PROTEÇÃO LEGAL AO DIREITO DE NÃO DEPOR SOBRE DETERMINADOS FATOS. Embora todos devam colaborar com a Justiça, a pessoa arrolada como testemunha não é obrigada a depor sobre  fatos  que Ihe acarrete grave dano ou, ainda, ao seu cônjuge, aos seus parentes consangüíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em segundo grau. Estão protegidos também as pessoas que  por estado ou profissão, devam guardar sigilo, como os médicos, os advogados e os empregados com cargo de direção  (CPC. 406).
  14. A PRODUÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL. A produção da prova testemunhal, no rito comum ordinário, tem início com a apresentação do rol de testemunhas. Este deve ser apresentado em até 10 dias antes da data designada para a audiência de instrução e julgamento. O Juiz pode fixar prazos maiores. No Anteprojeto do novo CPC, o rol de testemunhas deverá ser apresentado na inicial e na contestação (art. 429 do Anteprojeto). Admite-se o número máximo de 10 testemunhas, sendo 03 para cada fato (CPC. 407). A apresentação do rol torna rígido o elenco das testemunhas. Apenas nas hipóteses legais é que uma testemunha arrolada poderá ser substituída. São elas: a morte, a enfermidade debilitante ao depoimento, e quando a testemunha mudar de residência e não for encontrada pelo oficial de justiça (CPC. 408). Via de regra, as testemunhas prestam depoimento na audiência de instrução e julgamento. Há exceções para as testemunhas que são inquiridas  por carta, para aquelas que por doença não possam comparecer ao fórum, e as autoridades designadas no artigo 411. (CPC. 410). O mandado de intimação da testemunha deve conter os requisitos do artigo 412 do CPC. Antes de depor a testemunha deverá ser qualificada (CPC. 414). Terminada a qualificação o advogado da parte contrária àquela que arrolou a testemunha pode contraditá-la (CPC. 414. §1º). Se não houver a contradita ou se esta for indeferida, o juiz deve exigir que a testemunha preste compromisso (CPC. 415).

 


[I] SILVA, João Pestana de Aguiar. As provas no cível. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 238.
[II] Idem, p. 240.

Nenhum comentário:

Postar um comentário