domingo, 18 de março de 2012

FAMÍLIA - EFICÁCIA DO CASAMENTO

DICAS DE DIREITO - Professor Jorge Ferreira da Silva Filho* - Blog Ensino Democrático http://jorgeferreirablog.blogspot

FAMÍLIA 15: EFICÁCIA DO CASAMENTO

1.      O SENTIDO DA PALAVRA “EFICÁCIA”.  Há múltiplos significados para a palavra eficácia.[i] No presente contexto ela significa a capacidade de produzir efeitos, ou resultados. Portanto, o estudo da eficácia do casamento circunscreve-se ao conhecimento dos  resultados, ou efeitos, jurídicos decorrentes da celebração do casamento. A Constituição Federal de 1988 provocou uma grande transformação no modo de pensar a família e a eficácia do casamento.[ii]
2.      REGULAMENTAÇÃO BÁSICA. Sob a rubrica “Da eficácia do casamento”, o Código Civil, por meio dos artigos 1.565 a 1570, trata de vários efeitos do casamento, tais como: o de gerar para ambos os cônjuges a condição de consorte; a imposição de deveres recíprocos; a instituição do poder-dever de dirigir a sociedade conjugal; estabelecer a supremacia do interesse do casal e dos filhos, como ponto orientador das decisões direcionais da sociedade conjugal; o dever de contribuir para o sustento da família; regras para escolha do domicílio; fixação das hipóteses que permitem a um dos cônjuges, com exclusividade, exercer a direção da família. Tudo, porém, balizado pela regra da igualdade fixada no art. 226, §5º, da Constituição Federal.
3.      CAMPOS DE INCIDÊNCIA DOS EFEITOS DO CASAMENTO. O casamento produz efeitos sociais, pessoais e patrimoniais. [iii]  Às vezes um só efeito incide em dois campos, tal como a alteração do estado civil de solteiro para casado que é um atributo da personalidade e elemento da qualificação da pessoa perante a sociedade. O casamento pode atingir terceiros, tal como o comprador de imóvel de pessoa casada que necessita da autorização de ambos os cônjuges, para a validade do ato.[iv] Há também efeitos que são classificados como tributários, previdenciários, sucessórios etc. O importante para o estudante de direito é o conhecimento de todos estes efeitos. [v]
4.      CONSORTES - COMPANHEIROS. Determina a lei que pelo casamento, os cônjuges assumem a condição de consortes,[vi] tornam-se companheiros e coresponsáveis pelos encargos da família (CC 1.565).[vii] O casamento configura-se um efetivo contrato de adesão, pois a maioria dos seus efeitos, principalmente os deveres e direitos, são impostos pelo Estado.
5.      O ACRÉSCIMO DO SOBRENOME. No Código de 1916 cabia à mulher a faculdade de acrescentar ou não ao seu sobrenome [apelidos] o sobrenome do marido. Atualmente, qualquer dos nubentes pode “acrescer ao seu o sobrenome do outro” (CC 1.565, §1º). Reflexo direto do princípio da igualdade dos cônjuges.
6.       O PLANEJAMENTO FAMILIAR. Sob a rubrica da “eficácia do casamento” o legislador dispõe sobre o direito de liberdade do casal em relação ao planejamento familiar (CC 1565 §2º). Dispositivo inócuo, uma vez que a Constituição Federal (artigo 226 §7º) já consagrará tal direito, inclusive fincando-o sobre os princípios da dignidade da pessoa humana e o da paternidade responsável. Ao Estado compete dar meios lícitos  ao casal para limitar o número de filhos.[viii] A Lei 9.263/96 regulamenta o planejamento familiar.
7.      DEVERES DE CADA UM DOS CÔNJUGES. Não há dúvida que os deveres comuns dos cônjuges configuram-se uma moeda de duas faces. O dever de um deles faz nascer o direito para o outro e vice-versa. O legislador, modificando a dicção anterior, que determinava deveres diferentes para a mulher e o homem, estabeleceu como deveres de ambos: a fidelidade recíproca; a vida em comum, no domicílio conjugal; a mútua assistência; o sustento, a guarda e educação dos filhos; o respeito e consideração mútuos (CC 1566, I a V).  
8.      A INEFICÁCIA DO DISCURSO SOBRE O DEVER DE FIDELIDADE E COABITAÇÃO. Dos deveres estabelecidos para ambos os cônjuges, será demonstrado abaixo que não há qualquer sanção para quem for infiel ou deixar de coabitar. Entretanto, os demais deveres insculpidos nos incisos do artigo 1.566 do CC se mostram hígidos e sintonizados com a ideia moderna e constitucional sobre o instituto  família. [ix]
9.      A QUESTÃO DA FIDELIDADE. A infidelidade, na literalidade da lei, constituía grave violação dos deveres do casamento e autorizava o cônjuge traído a promover a ação de separação judicial (CC 1573 c/c 1572). A maioria da doutrina considera que a Emenda Constitucional 66/2010 pôs fim ao instituto processual denominado ação de separação judicial, prevista no artigo 1.572 do CC. Atualmente, qualquer um pode pedir o divórcio sem ter que explicar o motivo pelo qual o deseja.[x] Trata-se de direito potestativo[xi] podendo ser exercido por qualquer dos cônjuges independentemente de condições e circunstâncias. Com isso, a infidelidade passou a ser uma transgressão que não mais atrai mais qualquer sanção, seja na esfera civil ou criminal,[xii] embora se constitua em fato apto a causar no traído o dano moral,[xiii] indenizável na forma do artigo 927 do CC.
10.  A INFIDELIDADE VIRTUAL. Com a internet e as redes sociais, a doutrina passou a discorrer sobre a possibilidade de se verificar a infidelidade virtual. Uma espécie de namoro da pessoa casada por via da internet. Em primeiro lugar, o espaço cibernético está protegido constitucionalmente. Acessar, sem autorização, ainda que não bloqueado por senha, informações em correio eletrônico ou aquelas disponibilizadas apenas aos “amigos” na rede social constitui-se infração ao direito de inviolabilidade do sigilo da correspondência (CF 5º XII) e invasão da privacidade. [xiv]
11.  O SENTIDO DA EXPRESSÃO “VIDA EM COMUM”. O pensamento tradicional entendia que o dever de  vida em comum [coabitação] abrangia viver sob o mesmo teto e praticar  relações sexuais[xv] com seu consorte [débito conjugal]. Há posicionamentos dizendo que o homem que forçasse sua mulher a com ele ter relações sexuais não cometia o crime de estupro.  Atualmente, há interpretações mais brandas dizendo que o enunciado do artigo 1566, II não implica a imposição do débito conjugal. [xvi]
12.  O “DÉBITO CONJUGAL”. Expressão anacrônica que provoca a ideia de existir o direito de um dos cônjuges exigir que o outro tenha com ele relações sexuais.  Do casamento não poderia nascer tal direito, pois isso violaria, em relação ao parceiro que se recusa à relação sexual, o direito à inviolabilidade do corpo, o princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à privacidade e, destacadamente, o direito à privacidade. A abstinência sexual por si só não implica direito indenizatório, eis que a conduta está amparada por princípios constitucionais. Pontes de Miranda já afirmara que o casamento de um impotente não de ser casamento.[xvii]
13.  O DEVER DE MÚTUA ASSISTÊNCIA. Na sociedade moderna o casamento é muito mais uma opção do que uma necessidade. O elemento caracterizador da manutenção do vínculo conjugal é o desejo de estabelecer uma vida em comum com outra pessoa. O efeito jurídico principal é o de estabelecer a comunhão plena de vida (CC 1511), nascendo daí o compromisso com a solidariedade. Este é o dever maior, do qual decorrem o dever de mútua assistência material e moral.[xviii] A ruptura jurídica do vínculo pode por fim ao dever de assistência moral, mas, no plano do direito positivo, a assistência material continua existindo para além do casamento, tal como o dever de prestar alimentos ainda que sobrevindo o divórcio. [xix]
14.  O DEVER DE SUSTENTO GUARDA E EDUCAÇÃO DOS FILHOS. Os pais têm o dever de “assistir, criar e educar os filhos menores”, não importando se estes advenham ou não de um casamento (CF 229). O legislador, para o caso de filhos gerados na constância de um casamento impõe redundantemente, como deveres do pai e da mãe, o sustento,[xx] a guarda e a educação dos filhos (CC 1566, III). Os pais podem ser destituídos do poder familiar se deixar o filho em abandono (CC 1638). A maioridade do filho não implica automaticamente o cessar do dever de sustento (prestar alimentos). Se o filho está frequentando curso superior (ou curso de formação profissional) a obrigação se estende até a data que o filho completar 24 anos. [xxi]
15.  OS DEVERES DOS PAIS EM RELAÇÃO AO FILHO QUE FAZ PÓS-GRADUAÇÃO. O dever de sustento e educação dos pais aos filhos maiores e capazes se estende, como afirmado acima, ao pagamento das despesas com relação ao curso de graduação superior. No tocante ao dever para com a  continuidade da educação superior (pós-graduação e mestrado) do filho,  o Superior Tribunal de Justiça se mostra resistente.[xxii]
16.  DEVER DE RESPEITO E CONSIDERAÇÃO MÚTUOS. O Código Civil anterior não teve o privilégio de estampar o dever de respeito e consideração mútuos como faz o Código de 2002. É no respeito e na consideração de um cônjuge pelo outro que se pode viabilizar a convivência no mar de pluralidades de opções que a vida proporciona num Estado Democrático de Direito.[xxiii] São tantas as opções políticas, filosóficas, religiosas e nas múltiplas vertentes da vida moderna, que o respeito e a consideração pelas posições do outro se tornam  importante elementos para a  manutenção do casamento.  
17.  A FORMA DE DIREÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL. Dirigir significa tomar decisão. Na família há muitas decisões a tomar: em qual escola o filho estudará; qual investimento fazer; qual orientação religiosa será dada etc. Surge, então, naturalmente, a pergunta: Quem deve decidir? No Código de 1916 cabia ao marido, cabeça do casal, tomar as decisões. Agora, consentâneo com as determinações constitucionais, o Código Civil 2002 impôs o dever de colaboração dos cônjuges no tocante à direção da sociedade conjugal. Deve prevalecer a decisão que melhor proteja o interesse do casal e dos filhos ( CC 1567). Havendo divergência entre o marido e a mulher sobre qual decisão deva ser tomada, o Judiciário poderá ser conclamado a intervir e solucionar a questão (CC 1567 p.u.)













* Professor de Direito Processual Civil e Direito do Consumidor da Faculdade Pitágoras. Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho.  Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG.  Integrante do IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Associado ao IBRADT – Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Coordenador Subseccional da ESA – Escola Superior de Advocacia – OAB/MG -2010. Professor de Direito Tributário e Direito Processual Civil no Centro Universitário do Leste Mineiro – Unileste – 2005 a 2010.



[i]  Eficácia é “propriedade que tem um ato ou fato para produzir o resultado desejado” - Dicionário Jurídico da Academia Brasileiro de Letras Jurídicas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994.  “A eficácia PE o último plano de realização do ato jurídico, após os planos da existência (...) e da validade” - Cf. LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 113.
[ii] Cf. LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 113.
[iii] Cf. Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. Volume V. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996,  pp. 101 1 103. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 251.
[iv] Dispensa-se a autorização do outro cônjuge, quando o regime de bens do casamento for o da separação absoluta de bens (CC 1647).
[v] No campo sucessório, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes ou os ascendentes do de cujus, nos limites do artigo 1829, I e II do CC. O casamento faz do cônjuge um herdeiro necessário (CC 1845) e titular do direito real de habitação (CC 1831).
[vi] Consorte significa “Companheiro na mesma sorte, estado ou encargo”. Emprega-se também essa palavra como sinônimo de cônjuge (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999). Percebe-se, pois uma redundância do legislador ao dizer que os cônjuges são consortes e companheiros, exceto se conotarmos a palavra consorte como sócios nos direitos e obrigações, e, quanto à palavra companheiros entendê-la no sentido de um na companhia do outro nas alegrias e atribulações da vida.
[vii] O enunciado do artigo 1.565 resulta de uma adequação aos dizeres do artigo 240 do Código Civil de 1916, que impunha apenas à mulher assumir a condição de companheira, consorte e colaboradora, às irradiações da Constituição Federal.

[viii] MADALENO, Rolf. Curso de direito de familia. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 146.
[ix] LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 124.
[x] “A partir da EC66/10, a dissolução do casamento só pode ocorrer do divórcio, que não admite questionamentos sobre causas e motivos (CC 1580,  §1º)” - Cf. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 254.
[xi] Potestativo é o direito caracterizado pelo fato de que seu  exercício “depende apenas da vontade do agente, independentemente da colaboração ou concurso de outrem” (SIDOU, J. M. Othon. Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. )
[xii] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 255.
[xiii] Idem, p. 254.
[xiv] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 257.
[xv] ROLF MADALENO explica que “A coabitação dos cônjuges também envolve seu relacionamento sexual, como dever implícito do vínculo matrimonial”.  Cf. MADALENO, Rolf. Curso de direito de familia. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 153.  Caio Mário da Silva Pereira, mais incisivo diz: “O casamento sugere coabitação e esta requer comunidade de existência. É preciso deixar bem claro que a coabitação não se satisfaz com a moradia sob o  mesmo teto. Requer intimidade de convivência, que se apelida de débito conjugal, segundo a terminologia advinda do Direito Canônico, para exprimir as relações sexuais” - Cf. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. Volume V. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996,  pp. 106.
[xvi] “A origem da expressão débito conjugal é de natureza religiosa, já que a finalidade do matrimônio é a procriação. Aliás, a falta de contato sexual é causa inclusive para a anulação do casamento religioso, Estes preceitos não cabem ser transportados para a regulamentação do casamento pelo Estado” - Cf.  DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 258.
[xvii] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 258.
[xviii] LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 122
[xix] MADALENO, Rolf. Curso de direito de familia. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 156.
[xx] “O sustento relaciona-se com o aspecto material, isto é, as despesas com a sobrevivência adequada e compatível com os rendimentos dos pais, e ainda com a saúde, esporte, lazer, cultura e educação dos filhos” - Cf. LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 123.
[xxi] MADALENO, Rolf. Curso de direito de familia. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2008, p.  157.  DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 260.
[xxii] “ Em geral, os tribunais tem determinado o pagamento de aliementos para o filho estudante até os 24 anos completos. Mas a necessidade se limitaria à graduação. Em setembro de 2011, a Terceira Turma desonerou um pai da obrigação de prestar alimentos à sua filha maior de idade, que estava cursando mestrado. Os ministros da Turma entenderam que a missão de criar os filhos se prorroga mesmo após o término do poder familiar, porém finda com a conclusão, pelo alimentando, de curso de graduação. A filha havia ajuizado ação de alimentos contra o pai, sob a alegação de que, embora fosse maior e tivesse concluído o curso superior, encontrava-se cursando mestrado, fato que a impede de exercer atividade remunerada e arcar com suas despesas. No STJ, o recurso era do pai. Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, o estímulo à qualificação profissional dos filhos não pode ser imposto aos pais de forma perene, sob pena de subverter o instituto da obrigação alimentar oriunda das relações de parentesco – que tem por objetivo apenas preservar as condições mínimas de sobrevivência do alimentado – para torná-la eterno dever de sustento (REsp 1.218.510)”. Cf. http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=104337
[xxiii] Idem 159.

2 comentários:

  1. GOSTEI MUITO DESTA INFORMAÇÃO!PARABÉNS DR. JORGE!

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  2. Doutor Jorge, querido e amado professor, obrigada, mesmo pós sala de aula colabora com suas anotaçoes embasadas,inteligentes .obrigada.Sorrah.

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