quarta-feira, 17 de novembro de 2010

T360 - Crimes Tributários




T360 – Crimes Tributários.

Notas Didáticas de Direito Tributário
Jorge Ferreira da Silva Filho
Professor de Direito Tributário do Centro Universitário do Leste Mineiro – UNILESTE
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG
Associado ao IBRADT – Instituto Brasileiro de Direito Tributário
Associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais

Referências[I]

1. Crime tributário. Qualquer crime é um fato típico e antijurídico que a lei comina uma sanção penal. Diz-se que há o crime tributário quando uma conduta contrária às normas tributárias atrai, além das sanções administrativas, consequências penais (Cais. 685). No Brasil a regra é que não há prisão civil por dívida. Logo, a fortiori, não cabe também prisão penal pelo não pagamento do tributo ( Amaro, 462). Portanto, o crime tributário tem fincas não na falta de pagamento do tributo, mas num comportamento direcionado para obter um resultado que configura o não pagamento do tributo. “As figuras penais tributárias geralmente são integradas por uma ação dirigida ao resultado querido de evadir tributo, ......, ou são crimes de resultado, quando pune a evasão do tributo atingida mediante certas condutas” (Amaro, 462).

2. Os Crimes de colarinho branco. Em 1939, Edwin Sutherland apresentou um ensaio denominado The white collar criminal. A expressão se popularizou e atualmente significa um gênero de crimes, cujas espécies são: crimes contra o sistema financeiro; crimes contra a ordem tributária. No Brasil se popularizou a idéia do crime de sonegação fiscal. (Cais, 685).

3. Direito Tributário Penal x Direito Penal Tributário. A primeira expressão diz respeito às sanções administrativas estabelecidas na legislação tributária. A segunda se refere ao estudo das condutas criminosas cujo fato típico relaciona-se com condutas vinculadas às obrigações tributárias. O crime de contrabando ou descaminho (CP 334) e o crime de sonegação de contribuição previdenciária (CP 337-A) são também exemplos de infrações tributárias criminais.

4. Instrumentos normativos. No Brasil, a legislação penal tributária evoluiu, basicamente, por meio dos seguintes instrumentos: Lei 4.729/65 (Lei da sonegação fiscal); Lei 8.137 de 27.12.1990; Lei 9.249/95 (Tratou, no art. 34, do crime de sonegação fiscal); Lei 9.983/2000 (revogou parte do art. 95 da Lei 8.212/91 e inseriu artigos no Código Penal).

5. Disposições do CTN sobre “Responsabilidade por infrações tributárias”.

Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.

Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:
I - quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;
II - quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar;
III - quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:
a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem;
b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;
c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.

Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.

6. Ilações dos artigos 136 e 137 do CTN sobre o crime tributário. O art. 136 do CTN, interpretado gramaticalmente, assenta a responsabilidade por infração tributária como objetiva (Amaro, 444). A interpretação sistemática (art. 136 c/c art. 108, IV) aponta que, embora desnecessário o dolo, é imprescindível a culpa do agente. SACHA CALMON dá o exemplo do preposto do comerciante que é atropelado e não consegue efetivar o pagamento do tributo a tempo (Amaro, 445). Os artigos 136 e 137 trazem a palavra “agente” em seus enunciados, porém com significados diferentes. No art. 136, a palavra “agente” se refere a quem age em seu próprio nome (sujeito passivo). No art. 137, o agente é a pessoa que atua em nome e por conta de terceiro, pois se atuasse em seu próprio nome e por sua conta haveria incidência do art. 136. Se o dolo específico for uma elementar do crime tributário, a responsabilidade será pessoal daquele que age em nome e por conta de outrem (CTN 137, II). Há dolo específico quando o agente tem “a vontade de realizar a conduta visando a um fim especial previsto no tipo” (Capez Vol I 203). V.g.: furto – subtrair, para si ou para outrem.




7. Pontuações sobre a Lei nº 4.729, de 14 de Julho de 1965. O art. 1º define as condutas que tipificam o “crime de sonegação fiscal” e estabelece a pena de detenção de seis meses a dois anos e multa variando entre duas a cinco vezes o valor do tributo. A lei admitiu a possibilidade de a pessoa jurídica ser o agente do crime de sonegação e determinou que a responsabilidade penal será de todos aqueles que, direta ou indiretamente, de modo permanente ou eventual, tenham praticado ou concorrido para a prática da sonegação fiscal ( art. 6º). Obriga as autoridades administrativas fiscais, sob pena de responsabilidade, remeter ao MP os elementos comprobatórios da infração, para a instrução do procedimento criminal cabível (art. 7º ). Atualmente, o art. 1º da Lei 8.137/90, que trata dos “Crimes contra a ordem tributária”, absorveu todas as condutas do crime de sonegação fiscal.

Lei nº 8.137, de 27 de Dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. O Presidente da República: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1 - Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação;
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Art. 2 - Constitui crime da mesma natureza:
I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se total ou parcialmente, de pagamento de tributo;
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;
IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;
V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Art. 15 - Os crimes previstos nesta Lei são de ação pública, aplicando-se-lhes o disposto no artigo 100 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.

8. A extinção da punibilidade dos crimes tributários. A denúncia espontânea “afasta qualquer possibilidade de punição, não apenas de natureza administrativa, mas, igualmente, a criminal” ( Amaro, 468). O crime de “apropriação indébita previdenciária”, com tipo definido no CP 168-A, contém a excludente de punibilidade pela denúncia espontânea (CP 168-A, § 2º ), porém o delimitador temporal não era a denúncia, mas o início da ação fiscal. Atualmente, a questão da extinção da punibilidade deve ser examinada à luz do art. 9º da Lei 10684/2003, infra transcrito (Capez, 612).

Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.


8.1 Extinção da punibilidade pelo pagamento. São três as leis que regem a matéria. A Lei 9.249 /95, no art. 34, extinguiu a punibilidade do agente que paga – a vista ou não – o tributo e o acessório, antes do recebimento da denúncia (Cf. STJ HC 18958/SP). Em seguida, a Lei 9964/2000 – Lei do REFIS – extinguiu a punibilidade do agente que conseguisse parcelar seu débito tributário, antes do recebimento da denúncia. Por fim, a Lei 10.684/2003 – Lei do PAES – pelo art. 9º, supra transcrito, extinguiu suspendeu a pretensão punitiva dos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90 e artigos 168-A e 337-A do CPB, pelo simples fato do pagamento ou do parcelamento, sem o marco temporal do oferecimento da denúncia. A PGR ofereceu a ADI 3002 contra o art. 9º da Lei do PAES (Capez, 613).

9. Responsabilidade criminal das pessoas jurídicas.
A Constituição Federal, por meio dos artigos 173, § 5º e 225, §3º, permite a responsabilização criminal da pessoa jurídica. Trata-se de uma conquista do Direito Penal.
CF 173 .... Parágrafo quinto - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
CF 225 Parágrafo terceiro - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
A Lei 9.605 (crime ambientais) responsabiliza criminalmente a pessoa jurídica – Cf. art. 3º.
A Lei 8.137/90 somente admite a responsabilidade penal tributária aos dirigentes – Cf. art. 11.

10. Princípio da insignificância. Pelo art. 20 da Lei 10.252, dívidas até R$10.000,00 são consideradas insignificantes. Excluem a punibilidade penal.

Traição benéfica. Lei 8.137; art. 16. Permite a redução da pena, entre 1/3 a 2/3, do co-autor ou partícipe, de crimes praticados em quadrilha, co-autoria ou participação, que por confissão espontânea revele toda a trama à autoridade policial ou judiciária. Tem natureza de caso de “diminuição de pena”. É incomunicável (Capez, 611 ).

Acordo de leniência. Aplica-se aos crimes previstos nos artigos 4º, 5º e 6º da Lei 8.137/90. O autor do crime econômico acorda com as autoridades no sentido de colaborar com as investigações e o processo administrativo, de forma que sejam identificados co-autores e localizados documentos probantes da infração. Celebrado o acordo, suspende-se a prescrição da pretensão punitiva e o prazo para oferecimento da denúncia. Cumprido o acordo extingue-se a punibilidade do cooperador ( Capez, 611; Lei 10.149/2000, que alterou Lei 8.884/94).

O ministro Joaquim Barbosa, do STF, declarou a prescrição do crime de estelionato previdenciário, suspendendo a ação penal e os efeitos decorrentes da condenação de um senhor de 87 anos, que fraudou uma certidão para receber benefício do INSS, no Ceará. Os benefícios previdenciários indevidos foram pagos de dezembro de 2000 a janeiro de 2003.

J.S.P. foi denunciado pelo crime previsto no artigo 171, parágrafo 3º, do Código Penal, mas o juiz da 12ª vara Federal de Fortaleza/CE não a recebeu, e declarou a extinção da punibilidade em 25 de janeiro de 2007, aplicando as normas do artigo 115 do CP (clique aqui). O dispositivo legal prevê que os prazos de prescrição são reduzidos à metade quando o criminoso tenha, ao tempo do crime, menos de 21 anos, ou mais de 70, na data da sentença. Naquela ocasião, o denunciado tinha 84 anos.

Mas em 1º de abril de 2008, o TRF da 5ª região reformou a sentença e recebeu a denúncia. A Defensoria Pública recorreu então ao STJ, alegando que o crime estaria prescrito, tendo em vista que se passaram oito anos entre a data do crime (ocorrido com o recebimento do primeiro benefício indevido) e o recebimento da denúncia pelo TRF.

O STJ aplicou ao caso o entendimento de que, no caso de estelionato previdenciário, a contagem do prazo prescricional começa com o recebimento do último benefício indevido, tendo em vista que se trata de crime de natureza permanente. No habeas corpus impetrado no STF, a Defensoria Pública da União sustentou que a decisão do STJ era "diametralmente oposta" à jurisprudência do Supremo.

"O chamado estelionato contra a Previdência Social é crime instantâneo de efeitos permanentes e, como tal, consuma-se no recebimento da primeira prestação do benefício indevido, contando-se, a partir daí, o prazo de prescrição da pretensão punitiva", argumentou o defensor público.

De acordo com o ministro Joaquim Barbosa, a argumentação do defensor público está em sintonia com os precedentes recentes do STF. "Nesse contexto, mostra-se plausível a tese de ocorrência de prescrição do crime atribuído ao paciente, uma vez que, entre a consumação do ilícito e o recebimento da denúncia, se passaram mais da metade do prazo prescricional de 12 anos, previsto no artigo 109, inciso III, combinado com os artigos 111, inciso I, 117, inciso I, e 171, parágrafo 3º, todos do CP", concluiu o ministro relator.
(Cf. Migalhas 2469).

[I]
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2010.
CAIS, Cleide Previlatti. O processo tributário: de acordo com a medida provis´ria do parcelamento de débitos tributários – MP 449/2008 e Lei Complementar que altera o Supersimples – LC 128/2008. 6. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009, Cap. 10.
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Direito penal tributário: uma análise lógica, semântica e jurisprudencial. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
MARTINS, Sérgio Pinto. Manual de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2009, cap. 25.

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