quarta-feira, 1 de junho de 2011

P165 - A prova no processo civil: perspectiva atual e futura

P165 – A prova no processo civil
 
Jorge Ferreira da Silva Filho.
Professor de Direito Processual Civil da Faculdade Pitágoras.
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho.
Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG.
Integrante do IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais



  1. INTRODUÇÃO. A Lei 10.406/2002 (Código Civil) dispõe, sob a rubrica “Da prova”, que o fato jurídico, de forma geral, pode provado pelos seguintes meios: confissão; documento; testemunha; presunção; perícia (CC, 212). Na Lei 5.869/73 (Código de Processo Civil), a rubrica "Das Provas", o legislador enuncia que os meios legais e os moralmente legítimos são “hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa" (CPC, 332). Em seguida, o legislador trata dos seguintes meios de prova no CPC: Depoimento pessoal (art. 342 e ss.);  Confissão (art. 348 e ss.); Exibição de documento ou coisa (art. 355 e ss.); Prova documental (art. 364 e ss.); Prova testemunhal (art. 400 e ss.); Prova Pericial (art. 420 e ss.); Inspeção Judicial (art. 440 e ss.). A primeira dúvida que surge da leitura dos dispositivos retro consiste em saber se o instituto jurídico denominado “prova” pertence ao campo do direito civil ou do direito processual civil. Percebe-se, também, que não há no CC nem no CPC a definição ou o conceito de "prova". Pretende-se, aqui, perquirir sobre: o conceito jurídico da palavra “prova”; a natureza jurídica da prova; a finalidade da prova; o objeto da prova; o significado da expressão “ônus da prova”; a caracterização dos meios legais de prova; o destinatário da prova; a valoração da prova.
  2. A PROVA NO ANTEPROJETO DO NOVO CPC. O Anteprojeto traz novidades em relação à prova. A primeira consiste na abertura do Título VII, na Parte Geral, sob a rubrica, “Das Provas”. O Título é subdividido em quatro Capítulos: Disposições Gerais. Da Produção Antecipada de provas; Da Justificação; e da Exibição. A segunda se caracteriza por abrir no Livro II (Do Processo de Conhecimento), dentro do Título I (Do Procedimento Comum), o Capítulo XII, também sob a rubrica “Das Provas”, porém tratando mais detalhadamente sobre os meios de prova, assim rotulados: Depoimento Pessoal; Confissão; Exibição de documento ou coisa; Documental; Testemunhal; Pericial; e Inspeção Judicial. O núcleo transformador das normas processuais sobre a prova reside  principalmente nos artigos 257 a 270, inseridos na Parte Geral. Trata-se de normas que refletem a nova principiologia processal que inspirou o anteprojeto. Dentre elas está o enunciado do art. 262 que proclama a flexibilização da rígida regra da distribuição do ônus da prova, contida no art. 333, do CPC.1[I] Pelo Anteprojeto o juiz poderá “em decisão fundamentada, observando o contraditório, distribuir de modo diverso o ônus da prova”. A inversão do ônus da prova, figura processual hoje comum nas lides envolvendo relação de consumo, tomará expressamente assento no processo civil, por meio do enunciado no art. 262, §2º, do Anteprojeto.
  3. CONSTRUINDO O CONCEITO DE PROVA. O silogismo jurídico que se faz numa lide é aparentemente simples. O autor da ação descreve na petição inicial fatos e circunstâncias, afirmando-os como existentes ou ocorridos. Em seguida, o autor diz ao juiz que os fatos e as circunstâncias alegadas se ajustam a um modelo abstrato descritivo existente  num dispositivo de lei que, então, prescreve uma conseqüência jurídica, buscada pelo autor. Tal conseqüência jurídica espraia-se em três possibilidades: condenar alguém a entregar, fazer ou não fazer algo em benefício do autor; constituir uma nova situação jurídica; declarar a existência ou a inexistência de uma relação jurídica entre o autor e o réu na ação proposta. Se o réu não negar as afirmações fáticas alegadas pelo autor, elas serão consideradas incontroversas, caso em que o legislador vai dizer são “fatos” que não dependem de prova (CPC, 334). Conclui-se, pois, que depende de prova tudo que é afirmado pelo autor e negado pelo réu. Em síntese, a prova é um meio de aquilatar que tem maior probabilidade de estar dizendo a verdade, ou seja, se os fatos descritos pelo autor efetivamente existem ou existiram em dado espaço e tempo.[II]
  4.  DEFICIÊNCIA NA REDAÇÃO DO ARTIGO 332 DO CPC. Enuncia o artigo 332 do CPC que todos os meios legais “são hábeis para provar a verdade dos fatos”.   Ora, a palavra fato tem seu sentido condensado na idéia de: coisa ou ação feita; acontecimento; feito; aquilo que realmente existe;  aquilo que é real3[III]. Não há, pois, como provar a verdade ou a mentira do fato. O fato já é a verdade. O que se busca é provar se as alegações do autor ou do réu são verdadeiras. Mira-se, então, pelo meio (instrumento) denominado prova determinar qual fato existe ou existiu. Depois de determinar o fato ou declarar a probabilidade de que este tenha efetivamente ocorrido é que se apura se a alegação e verdadeira ou falsa.[IV] 
  5. O FATO E A VERDADE JURÍDICA. Infelizmente, nem sempre a verdade jurídica guarda sintonia com o real. Às vezes, embora a alegação seja verdadeira, o fato não consegue ser provado, por absoluta limitação dos meios de prova admitidos pelo direito. Uma mulher, espancada pelo marido, em local sem testemunhas, que não faz o exame de corpo delito em tempo hábil, não conseguirá provar a alegação de que sofreu violência, embora isso seja um fato.5[V]
  6. O ÔNUS DA PROVA. A palavra ônus não tem o sentido de dever ou obrigação. O ônus é uma responsabilidade atribuída a alguém, pela lei, no sentido de realizar, se quiser, um ato determinado. Não o realizando haverá uma conseqüência indesejada, mas, não há como compelir judicialmente o responsável pelo ônus a realizar o ato. Ao contrário, quem não cumpre seu dever ou sua obrigação pode ser compelido judicialmente a fazê-lo. A responsabilidade pela prova das alegações contidas na inicial é do autor (CPC, 333, I). Ao réu incumbe o ônus de provar as alegações que fizer  na sua contestação que, embora não negue a alegação afirmada pelo autor, tem como conseqüências impedir, modificar ou extinguir o direito pleiteado pelo autor (CPC, 333, II). Importante observar que o réu, na contestação, não deve meramente negar pura e simplesmente a alegação não verdadeira do autor. Ao réu se impõe o ônus de expor suas razões “de fato e de direito” pelas quais ele se defende, ou seja, impugna o pedido do autor (CPC, 300). Além disso, o réu tem o ônus de se manifestar “precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial” (CPC, 302). [VI]
  7. A PRODUÇÃO DA PROVA. Já afirmado que, quando se fala em prova, deve-se pensar em duas vertentes: a prova como o meio utilizado para se aproximar da verdade – o documento, o depoimento de uma testemunha, o laudo pericial etc.; e a prova como a convicção – a idéia – formada no intelecto do juiz sobre qual é o fato ocorrido, ou seja, o quê ficou provado. A prova sob o aspecto de instrumento somente produzirá efeitos depois de se integrar aos autos. Assim, um documento juntado e mantido nos autos configura um prova documental produzida. O depoimento de uma testemunha configurará prova produzida quando o termo assinado pela testemunha, pelo juiz e pelos advogados é incluído nos autos do processo. Excetuando-se a prova documental, a produção de uma prova depende de dois atos precedentes: a propositura, ou requerimento, da prova; a admissão, ou deferimento, da prova pelo juiz. Há, pois, a seguinte sequência: propositura; admissão; e, finalmente, a produção. [VII] 
  8. O PAPEL DO JUIZ NA PRODUÇÃO DA PROVA. Cabe ao juiz proferir a sentença. Essa, por sua vez deve ser fundamentada. No fundamento da sentença o juiz deve explicitar qual foi o seu convencimento a respeito da alegação de fato e a razão pela qual formou o seu convencimento. Assim, é comum dizer que o destinatário da prova é o Juiz, porém, as provas são produzidas para o processo no interesse das partes, pois o julgador não tem interesse. Cabe ao juiz determinar as provas necessárias à instrução do processo. Isso implica que o juiz poderá deferir os indeferir as provas indicadas requeridas pelas partes. Pode o juiz, inclusive, sem depender de requerimento da parte, determinar provas,  mas isso não se lhe configura uma obrigação. O juiz tem o direito de afastar suas dúvidas em relação à construção do seu convencimento. Para isso pode ordenar diligências, repetir oitivas e depoimentos. Assim, o juiz pode intimar a  parte para que junte um documento aos autos, mas não pode, na atual ideologia da prova, por si só, providenciar tal documento. [VIII] 
  9. VALORAÇÃO E APRECIAÇÃO DA PROVA. O juiz é livre para formar seu convencimento. Isso significa que ele livremente interpretará cada prova produzida e por meio de uma operação mental decidirá se as provas apontam ser verdadeiras ou falsas as alegações do autor. Trata-se da apreciação da prova. Todavia, isso não basta, pois é necessário que a prova apreciada tenha sido produzida dentro dos limites da lei. Assim, deve o Poder Judiciário valorar, ou valorizar, a prova, significando isso aquilatar se nenhum dispositivo constitucional ou infraconstitucional foi inobservado na produção da prova.
  10. ALEGAÇÕES QUE NÃO DEPENDEM DE PRODUÇÃO DE PROVA. Enuncia o legislador, no art. 334 do CPC, que “não dependem de prova os fatos”: notórios; afirmados pó uma parte e confessados pela parte contrária; admitidos no processo como incontroversos; em cujo favor milita a presunção legal de existência ou de veracidade. O enunciado retro não sofreu alteração no Anteprojeto do novo CPC (art. 264). Apenas a localização desse dispositivo é que foi acertadamente deslocada para a Parte Geral do Anteprojeto. A idéia que permeia esta norma processual é a de dar ao juiz ferramentas para cumprir seu dever de evitar diligências inúteis ou meramente protelatórias, no curso do processo. Cabe ao julgador determinar as provas necessárias à instrução da lide (CPC. 130).  Visto isso, se passa à interpretação do texto legal.
  11.  FATO NOTÓRIO. Um fato é considerado notório quando, no grupo social por ele afetado ou que dele conheceu, ninguém põe em dúvida a alegação de sua existência presente ou pretérita. [IX] Importante observar que a publicidade sobre  um fato pela imprensa, não o torna automaticamente notório, para efeitos processuais. [X]
  12.  FATOS AFIRMADOS POR UMA PARTE E CONFESSADOS PELA OUTRA. Há uma falta de técnica na redação deste inciso, pois a confissão é um meio de prova (CPC. 348; CC. 212. I). [XI] Se houve confissão  houve produção de prova. Portanto, peca pela lógica dizer que não depende de prova o que é confessado. A confissão é a admissão de uma alegação de fato como verdadeira. Mas não é só. A alegação admitida como verdadeira deve ser contrária ao interesse de quem a pronuncia e favorecer ao adversário na resolução da lide (CPC. 348).
  13. ADMITIDOS NO PROCESSO COMO INCONTROVERSOS. Insisto, não há fato incontroverso, mas alegação incontroversa sobre um fato. Incontroversa é a alegação que uma parte faz e a outra não a impugna [contesta; nega]. Outra atecnia redacional deste inciso reside no emprego do adjetivo “admitido”.[XII] Não se trata de admitir ou não a alegação como incontroversa, pois essa é ou não é incontroversa. O que o juiz admite não é a alegação incontroversa, mas sim a verdade da alegação, pelo fato de esta não ter sido impugnada. A figura é típica do processo civil, pois no processo penal, o silêncio do réu [equivalente a não impugnação] não afasta o dever de a acusação demonstrar a veracidade alegação da prática de um fato típico. Alegações não impugnadas presumem-se verdadeiras (CPC. 302). A alegação incontroversa, ou seja, não contestada, pode gerar o efeito da revelia, que consiste em se reputar como verdadeira a alegação de fato lançada pelo autor na inicial (CPC. 319). O efeito da não impugnação também está insculpido na parte final do art. 285 do CPC.
  14. ONDE OCORRE A PRESUNÇÃO LEGAL DE EXISTÊNCIA OU DE VERACIDADE. Por fim, o legislador diz que não precisa de “prova”  a alegação sobre fato em cujo favor milita a presunção legal de existência ou de veracidade. Há presunção quando determinadas hipóteses previstas em lei implicam a simples admissão de que é verdadeira a alegação formulada. A presunção admite duas categorias: a relativa, também denominada iuris tantum, ou seja, a que admite prova em contrário; a absoluta, iure et de iure, que se caracteriza por não admitir prova em contrário. A presunção de que são verdadeiros os fatos articulados na inicial e não contestados pelo réu configura presunção relativa [XIII].







[I] 1. ALMEIDA, Gregório Assagra de. GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Um novo código de processo civil para o Brasil: Análise teórica e prática da proposta apresentada ao Senado Federal. Rio de janeiro: GZ, 2010, p.100.
[II] 2. “A prova é todo elemento que pode levar o conhecimento de um fato a alguém” (Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro. Volume 2. 18. Ed. –São Paulo: Saraiva, 2007, p.195).
“Há, por isso, dois sentidos em que se pode conceituar a prova no processo: a) um objetivo, isto é como instrumento ou meio hábil, para demonstrar a existência de um fato (os documentos, as testemunhas, a perícia etc.); b) e outro subjetivo, que é a certeza (estado psíquico) originada quanto ao fato, em virtude da produção do instrumento probatório. Aparece a prova, assim, como convicção formada no espírito do julgador, em torno do fato demonstrado” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Volume I. 47. Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007.
[III] 3. Novo Aurélio: O dicionário da língua portuguesa – Século XXI. São Paulo: Nova Fronteira, 1999, p. 883.
[IV] 4. Nesse sentido, afirma Alexandre Freitas Câmara: “Meios de prova são os instrumentos através dos quais se torna possível a demonstração da veracidade das alegações sobre a matéria fática controvertida e relevante para o julgamento da pretensão” (Lições de direito processual civil. 16. Ed.  Rio de janeiro: Lumen Juris, 2007, p.420)
[V] 5. Pondera Michel Focault que  “As práticas judiciárias me parecem uma das formas pelas quais a nossa sociedade definiu tipos de subjetividade, formas de saber e, por conseguinte, relações entre o homem e a verdade que merecem ser estudadas” ( A verdade e as formas jurídicas. 3. Ed. Rio de Janeiro, PUC – NAU, 2003, p. 11). João Carlos Pestana de Aguiar Silva concluiu que a busca da verdade é simplesmente uma postura, às vezes inalcançável: “Logo, basta a probabilidade, a plausibilidade, verossimilitude ou verossimilhança, já que na quase totalidade das vezes é inacessível a verdade pura, o que a seguir veremos” (As provas no cível. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 9)
[VI] 6. “O ônus da prova indica que a parte que não produzir a prova se sujeitará ao risco de um resultado desfavorável. Ou seja, o descumprimento desse ônus não implica, necessariamente, num resultado desfavorável, mas no aumento do risco de um julgamento contrário” (Luiz Guilherme Marinoni. Teoria geral do processo. 3. Ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.326)
[VII] 7. Alexandre Freitas Câmara: Lições de direito processual civil. 16. Ed.  Rio de janeiro: Lumen Juris, 2007, p.424.

[VIII] “Ao juiz é facultada a determinação de provas necessárias à instrução do processo, sem ficar à mercê do requerimento da parte. Essa faculdade, porém, jamais se transmudará em obrigação. O que cabe ao juiz afastar por todos os meios são as dúvidas que lhe assaltem sobre as provas das afirmações” (Cf. SILVA, João Pestana de Aguiar. As provas no cível. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 33)
[IX]“ Note-se não ser imprescindível que a notoriedade seja universal, variando seu grau de amplitude conforme a natureza do fato considerado, e podendo a redução chegar ao ponto de alcançar um restrito grupo social” (Cf.  nota de Fábio Tabosa; in: MARCATO, Antônio Carlos (Coord). Código de processo civil interpretado. 3. ed. - São Paulo: Atlas, 2008, p.1.066). Paradigmática é a conclusão no REsp 78.457, assim posta: “Módica importância deferida a título de despesas com o funeral da vítima (três salários mínimos) pode ser deferida independentemente de prova, pois que sua ocorrência é fato notório”.
[X] Ed. São Paulo: RT, 2010, p. 640.
[XI] Cf.  nota de Fábio Tabosa; in: MARCATO, Antônio Carlos (Coord). Código de processo civil interpretado. 3. ed. - São Paulo: Atlas, 2008, p.1.067.
[XII] Idem, p. 1.068.
[XIII] NERY JÚNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 11. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 640.

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