sábado, 31 de março de 2012

SUCESSÃO 20 - PARTILHA - O RACIOCÍNIO NA SUCESSÃO LEGÍTIMA

DICAS DE DIREITO - Professor Jorge Ferreira da Silva Filho* - Blog Ensino Democrático http://jorgeferreirablog.blogspot



SUCESSÃO 20:  PARTILHA - O RACIOCÍNIO  NA SUCESSÃO LEGÍTIMA



1.      A pergunta que inaugura o raciocínio sucessório na sucessão legítima[i] refere-se à existência ou inexistência de testamento deixado pelo autor da herança (o de cujus; o falecido etc.).  Se deixado um testamento, a sequência de verificações segue outra lógica.[ii] Abaixo são apresentados os passos a serem observados na sucessão denominada legítima, ou seja, aquela em que o autor da herança não deixou testamento ou este não teve validade. Diz-se que a sucessão é ab intestato ou, simplesmente, sucessão legítima.

2.      Verificado que não há testamento, deve ser levantado o monte-mor e em seguida o monte-líquido. Este será considerado a herança a ser partilhada entre os sucessores.

3.      A terceira verificação diz respeito ao fato de a pessoa que faleceu ter deixado ou não viúva ou viúvo. Trata-se do cônjuge sobrevivente, ou cônjuge supérstite.

4.      O cônjuge sobrevivente somente participará da sucessão se ao tempo da morte do autor da herança não estivesse deste separado de fato há mais de dois anos ou, separado por tempo maior que este período, provasse que o rompimento se dera sem sua culpa. [iii]  

5.        Havendo cônjuge supérstite, pergunta-se, então, pelo regime de casamento que vigorava entre o casal. Se o regime for o da comunhão parcial, a herança deverá ser decomposta em duas categorias: bens particulares; bens comuns. Isso se faz necessário porque nesse regime de casamento, o cônjuge supérstite concorrerá com os descendentes ou os ascendentes da pessoa falecida, porém apenas sobre os bens comuns. Trata-se da instituto da concorrência sucessória, desenvolvido em:  http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br/2012/03/sucessao-22-concorrencia-sucessoria.html

6.      Importante observar que da interpretação literal do inciso I, do artigo 1829 do CC, o cônjuge sobrevivente casado pelo regime da separação convencional de bens teria direito de concorrer com os descendentes. Porém, a 4ª Turma do STJ se posicionou dizendo que a expressão “separação obrigatória de bens” é gênero, que comporta as duas espécies: separação legal; separação convencional. 

7.      Equacionada a situação do cônjuge (se ele tem ou não o direito de concorrer), impõe-se revisitar  a linguagem e os princípios que informam a lógica sucessória.

8.      Quanto à linguagem (terminologia) empregada pelo legislador nas disposições de direito material sobre como deve ser distribuída a herança, são essenciais os conhecimentos dos seguintes conceitos: classe; linha; e grau.  

9.      Há quatro classes de sucessores: dos descendentes; dos ascendentes, do cônjuge, dos parentes colaterais.[iv]

10.  O conceito de “linha de parentesco” nasceu visando estabelecer vínculos de descendência (filiação; origem biológica; paternidade) ou de ancestralidade comum. Pelo primeiro vínculo criou-se o conceito de linha reta. Pelo segundo, o conceito de linha transversal, ou colateral. O legislador, nas disposições de direito sucessório, trata das seguintes linhas: a linha reta descendente; a linha reta ascendente; a linha colateral.[v]

11.  Quanto ao conceito de grau de parentesco, o que se almeja é estabelecer o número de gerações entre os parentes.[vi]  Importante ressalvar que o critério de contagem das gerações na linha reta é diferente daquele empregado na linha colateral. Isso é importante porque o legislador reconhece como herdeiros na linha colateral os parentes até o 4º grau.

12.  Revisitados os conceitos de classe, grau e linha, passa-se a questionar se o autor da herança deixou descendentes (filhos, netos, bisnetos etc.) vivos.

13.     Tendo deixado descendentes vivos e se todos forem do mesmo grau, a totalidade da herança será divida em partes iguais[vii], caso não haja cônjuge supérstite com direito de concorrência. Havendo cônjuge supérstite, o cálculo do quinhão de cada sucessor (descendentes + cônjuge supérstite) deverá seguir regras especiais, discriminadas no artigo: http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br/2012/03/sucessao-22-concorrencia-sucessoria-na.html

14.  É possível que não exista cônjuge supérstite, mas que o autor da herança estivesse em união estável no momento de sua morte deixando companheiro ou companheira sobrevivente. Neste caso haverá também concorrência na herança do falecido entre o convivente supérstite e os descendentes do autor da herança. As regras são especiais (CC 1790). 

15.  Ultrapassada a questão da concorrência sucessória, significando isso, ter resolvido qual é o quinhão do cônjuge ou do convivente supérstite, a divisão em partes iguais da herança entre os descendentes pode ser afetada pela incidência dos institutos da representação, da renúncia, da exclusão por indignidade e da deserdação.

16.  O instituto da representação ocorrerá quando algum dos descendentes do autor da herança (herdeiro) tiver falecido antes deste e, além disso, tiver o herdeiro previamente falecido deixado seus próprios descendentes. O exemplo clássico são os netos que são chamados à herança do avô paterno, quando o pai dos netos já falecera antes do avô.

17.  A divisão da herança entre os representantes segue regras próprias, ou seja, as regras contidas nos artigos 1.851 a 1.856 do CC.

18.  Verificada a existência do direito de representação passa-se a questionar se algum dos herdeiros descendentes  foi excluído da herança por indignidade ou por deserdação. Caso isso se tenha verificado, aplica-se ao caso as mesmas regras do instituto da representação.

19.  Ultrapassados os questionamentos sobre a representação perquiri-se sobre a existência da renúncia à herança por um  ou mais dos descendentes.

20.  Caso exista a renúncia, o herdeiro renunciante será considerado como se não tivesse existido. Por isso, os descendentes do renunciante não o representam. Nada herdam. O renunciante é excluído, o que torna o número divisor da herança menor e, consequentemente, maior o quinhão dos demais herdeiros descendentes.

21.  Distribuída a herança entre os descendentes e o cônjuge supérstite, caso este exista, nada ficará para os demais herdeiros, porque a existência de descendentes afasta o direito sucessório das demais classes (ascendentes, cônjuge e colaterais).

22.  Não encontrados descendentes vivos, pergunta-se então pela existência de ascendentes vivos. [viii]

23.  Verificado que há ascendentes vivos, apura-se se existe cônjuge supérstite. Caso este exista e o regime de casamento não seja o da separação de bens, haverá concorrência  do cônjuge sobrevivente com os ascendentes vivos.

24.  O cônjuge supérstite goza de uma boa proteção na lei, sobre sua quota de participação na concorrência com os ascendentes. Se concorrer com os ascendentes em primeiro grau do falecido (pai e mãe), ao cônjuge tocará um terço da herança. Se apenas um dos pais for encontrado vivo ou se os ascendentes vivos forem do segundo ou terceiro grau, ao cônjuge tocará metade da herança. [ix]

25.   A regra matriz na sucessão de ascendentes é a de que o grau mais próximo afasta o mais remoto, sem distinção entre as linhas materna e paterna. [x] Portanto, se apenas o pai ou a mãe do autor da herança estiver vivo, ficam excluídos os avós paternos ou maternos da sucessão.

26.  A segunda regra importante na sucessão de ascendentes enuncia que sendo encontrados vivos ascendentes do autor da herança, porém todos do mesmo grau (v.g. Todos avós ou todos bisavós), a herança será dividida em duas partes iguais: uma para a linha materna e outra para a linha paterna. Em síntese, a divisão não será por cabeça, mas por linha, e dentro da linha, por cabeça. [xi]

27.  Não encontrados descendentes ou ascendentes vivos do autor da herança, a herança será transmitida por inteiro ao cônjuge sobrevivente.[xii] A interpretação literal do inciso III do artigo 1829, combinada com o enunciado do art. 1838 do CC, leva à conclusão de que tal direito do cônjuge independeria do regime de casamento. Porém, o STJ se posicionou dizendo que o cônjuge casado sob o regime de separação de bens não é herdeiro, muito menos herdeiro necessário.

28.  O cônjuge supérstite, casado sob regime diverso daquele da separação de bens, legal ou convencional, além de sua meação terá direito à totalidade da herança, nada ficando para os parentes colaterais. Tal regra, porém, somente se aplicará se o cônjuge não estava separado de fato do falecido, por mais de 2 (dois) anos, tempo contado retroativamente da data do óbito (abertura da sucessão). [xiii]

29.  Não havendo cônjuge sobrevivente, nem ascendentes e descendentes vivos, a herança será deferida aos parentes colaterais até o quarto grau. [xiv] Assim, os primos podem herdar, mas os filhos dos primos não.

30.  A regra geral para identificar os colaterais sucessíveis diz que o de grau mais próximo exclui aquele de grau mais remoto.[xv] Assim, se o autor da herança deixar apenas um irmão vivo e três tios, o irmão receberá toda a herança.

31.  O direito de representação na classe dos colaterais se dá somente quando os sucessores são irmãos do morto e existam sobrinhos vivos do autor da herança, filhos de outro irmão pré-morto ao de cujus. Os sobrinhos do morto, filhos de irmão que morrera antes do autor da herança concorrem com os tios. [xvi]

32.  Ainda na sucessão da classe dos colaterais dá-se uma curiosa regra para distribuir a herança quando os sucessores são apenas os irmãos do morto, porém, uns são irmãos germanos e outros são irmãos unilaterais. Neste caso, os irmãos unilaterais recebem apenas a metade do que herdam os irmãos bilaterais. [xvii]

33.  Se forem localizados apenas irmãos unilaterais do autor da herança, eles herdarão tudo, porém em partes iguais. [xviii]

34.  Outra curiosidade reside no fato de serem encontrados entre os colaterais, apenas tios e sobrinhos sucessíveis. Ambos são do 3º grau e teriam direitos iguais de receber a herança. Porém, o legislador determinou que, havendo sobrinhos, os tios nada herdarão. Estabeleceu-se, pois,  uma preferência dos sobrinhos em relação aos tios. [xix]

35.  Sendo localizados apenas sobrinhos vivos do autor da herança, ou seja, quando todos os irmãos do de cujus já faleceram, não se repartirá a herança por estirpe, como se faz na representação, mas, sim, por cabeça. Isso significa que a herança será dividida em partes iguais entre todos os sobrinhos. [xx]

36.  Se os sucessores são apenas sobrinhos e dentre estes houver aqueles que são filhos de irmão unilateral do morto, estes receberão metade do que couber ao sobrinho que é filho de irmão bilateral[xxi].

37.  Se não forem encontrados vivos descendentes, ascendentes, cônjuge ou colaterais do autor da herança, ou ainda se vivos não detiverem o direito sucessório, pergunta-se pela existência de companheiro ou companheira sobrevivente ao autor da herança. Existindo, o convivente herdará toda a herança. [xxii]

38.  Não se pode esquecer que a relação de convivência (união estável) dá ao companheiro ou a companheira o direito de meação aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, além do direito de concorrência com filhos, outros descendentes, ascendentes e colaterais.

39.  Não sobrevivendo nenhum sucessor elencado na vocação hereditária ou tendo todos eles renunciado à herança, esta será transferida ao município ou ao Distrito Federal. [xxiii]

40.  Sobre os aspectos processuais para realização do inventário e partilha de uma herança, recomendo a leitura do esquema simplificado disponível em: http://jorgeferreirablog.blogspot.com/2010/10/p490-inventario-e-partilha.html





* Professor de Direito Processual Civil e Direito do Consumidor da Faculdade Pitágoras. Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho.  Especialista em Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia da OAB-MG.  Integrante do IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Associado ao IBRADT – Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Coordenador Subseccional da ESA – Escola Superior de Advocacia – OAB/MG -2010. Professor de Direito Tributário e Direito Processual Civil no Centro Universitário do Leste Mineiro – Unileste – 2005 a 2010.





[i] O Código Civil reconhece duas categorias de sucessões: a sucessão legítima, regulada nos artigos 1829 a 1856; e a sucessão testamentária, regulada nos artigos 1857 a 1990.
[ii] Na sucessão testamentária, ensina JORGE SHIGUEMITSU FUJITA, que “deve observar-se o que o testador determinou, atribuindo-se a herança às pessoas indicadas por ele”. E continua: “Ao contrário do que ocorre em várias legislações de outros países, o testador, no Brasil, não goza de liberdade absoluta para dispor, porquanto há proibição de dispor de mais da metade de seus bens havendo herdeiros necessários (CC, arts. 1.789 e 1.846)”. Portanto, o juiz ao sentenciar a partilha dos bens deverá atender, no que possível for, as disposições de última vontade do autor da herança, implicando isso um especial raciocínio que começa pela preservação da legítima, passando pela validade das disposições testamentárias e decidindo as múltiplas questões incidentes no processo de inventário e partilha com testamento. Comentários ao Código Civil: artigo por artigo. Coordenadores Carlos Eduardo Nicoletti Camill ..[et al]. -São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 1.323.
[iii] Art. 1830 do CC
[iv] DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 126.
[v] A linha reta se caracteriza pelo fato de os parentes descenderem uns dos outros. A linha colateral se caracteriza pela existência de ancestral comum. Na linha reta ascendente, a linha de parentesco espraia-se em duas vertentes: linha materna e linha paterna (CC 1836 §2º).
[vi] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 341.
[vii] O artigo 1834 da CC contém um equívoco na redação, pois ele enuncia que “os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes”. Ora, os descendentes são da mesma classe. Por isso, a doutrina entende que a palavra classe deva ser substituída pela palavra grau. Com isso se obtém sentido e coerência.  DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 131.
[viii] CC 1.836.
[ix] CC 1837.
[x]  CC 1836 §1º
[xi] CC 1836 §2º
[xii] CC 1838.
[xiii] CC 1830 e 1839.  O texto do artigo 1830 do CC excepciona o direito do cônjuge quando este estava já separado judicialmente. A maioria da doutrina pensa que a EC 66/10 extinguiu o instituto da separação judicial.
[xiv] CC 1839
[xv] Primeira parte do artigo 1840 do CC
[xvi] Parte final do artigo 1840 do CC
[xvii] Artigo 1841 do CC.
[xviii] Artigo 1842 do CC
[xix] Artigo 1843 do CC
[xx] Artigo 1843 §1º do CC
[xxi] Artigo 1843 §2º do CC
[xxii] Artigo 1790, IV do CC.
[xxiii] Artigo 1844 do CC. Importante observar que a transferência não é automática. Trata-se das regras da herança jacente (CC 1.819 a 1823), cujos procedimentos no CPC, artigos 1.142 a 1.158.

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